Pimenta, cravo, canela, noz moscada, açafrão, alho e dezenas de outros artigos são conhecidos como especiarias.
Segundo a FDA (Food and Drug Administration), órgão que cuida de alimentos e bebidas nos Estados Unidos, especiaria pode ser definida ‘como qualquer composto seco perfumado, aromatizado ou pungente, seja de vegetal comestível ou simplesmente substâncias extraídas de plantas, inteiro, quebrado, moído ou de outra forma, que contribui ao sabor; tem como função principal temperar mais do que nutrir; não pode ter sido removido propositalmente nenhum óleo volátil ou princípio odoriferante e não pode também ter sofrido nenhuma adição'.
Especiarias podem ser arilos secos, cascas, bulbos, flores, frutos, folhas, rizomas, raízes, sementes, estigmas e estilos, ou partes inteiras do vegetal. As especiarias não são apenas usadas para dar sabor aos alimentos, mas também para fornecer matéria prima para remédios e cosméticos.
Um dos primeiros registros do uso de especiarias, foi uma lenda assíria que menciona que quando os deuses, na noite anterior que criaram a terra, beberam vinho temperado com semente de gergelim.
Alguns desenhos encontrados na pirâmide de Gizé mostram empregados egípcios comendo alho.
Despojos arqueológicos indicam que a pimenta já era usada no Peru em 1200 a.C.
Na Bíblia, no livro de Gênesis, está escrito que os irmãos mais velhos de José, o venderam como escravo para comerciantes de especiarias de uma caravana que passava pela cidade. José foi levado para o Egito, revendido para a família do faraó, ganhou prestígio, foi ministro do faraó e mais tarde, num momento de sofrimento do seu povo, conseguiu transferi-los para o Egito.
No livro dos Reis, temos a narrativa da rainha de Sabá que enviou de presente para o rei Salomão, especiarias, ouro e pedras preciosas.
Em torno de 1500 a.C. foram feitos desenhos nas paredes do templo da rainha Hatshepsut no Egito retratando uma expedição que foi buscar incenso, mirra, marfim, ébano, ouro e especiarias na terra de Punt, identificado mais tarde como localizada na Somália.
Na primeira olimpíada realizada na Grécia em 1453 a.C, os vitoriosos eram homenageados com uma coroa de salsa e louro.
Hipócrates (460-377 a.C), considerado o Pai da Medicina, no século IV antes de Cristo, registrou nos seus escritos cerca de 400 medicamentos que tinham como base ervas e especiarias.
O açafrão, a especiaria mais cara, é obtido dos pistilos de uma planta e enriquece os pratos com sua cor e sabor característicos. São necessárias cerca de 100 mil flores para se obter 1 quilo de açafrão, sendo o motivo dos preços do açafrão serem comparados aos do ouro.
Os imperadores romanos o usavam para perfumar a água dos banhos e o piso dos palácios.
Zeus, chefe dos deuses da antiga Grécia, dominado por insaciáveis apetites sexuais, chegou a dormir num colchão forrado com açafrão, na esperança de que a odorífera planta, cujas virtudes eram conhecidas no Olimpo, lhe exaltasse as paixões. O açafrão, segundo a lenda, nascera do sangue derramado do jovem Crocus, assassinado involuntariamente por Hermes, deus do comércio e dos ladrões. O nome científico da planta Crocus sativus, nos remete a esta lenda.
Mesmo antes do conhecimento das especiarias pelos europeus, elas já eram usadas na Índia.
Os Fenicios foram os primeiros a se envolverem com o comércio de especiarias. Tiro, uma das cidades mais importantes de seu império, em torno do século XI a.C, era o entreposto das especiarias no Mediterrâneo, convertendo-se no ponto de encontro de mercadores. Também foi esse povo o que estabeleceu a ‘rota das especiarias'. O destino final era o golfo Pérsico, de onde as mercadorias eram carregadas em barcos. Para chegar até ali, existiam dois percursos, o primeiro rodeava a península Arábica pelo mar Vermelho e o segundo era através de Antioquia até chegar a Babilônia, dali seguia o curso dos rios Tigre ou Eufrates.
Este monopólio foi conseguido por que os Fenicios eram os únicos que conheciam a procedência de tão apreciadas mercadorias, segredo que era zelosamente guardado. No entanto, não puderam impedir que Alexandre Magno (356-323 a.C) assumisse o controle do mercado das especiarias. Depois que ele fundou em território egípcio a cidade de Alexandria, ela tornou-se o centro do comércio do Mediterrâneo, retirando o predomínio de Tiro. Um do portões da muralha de Alexandria tem o sugestivo nome de ‘Pepper Gate’.
No século V a. C, saiu de Cartago em busca de riquezas, uma expedição de 60 navios comandados por Hannon (500-440 a.C). Viajando no sentido oeste, ultrapassou as Colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) e passou a explorar a costa ocidental da África, até o golfo de Guiné. Hannon relatou que observou criaturas com feições humanas e cobertas de pelo. Foi o primeiro encontro de um chimpanzé. No retorno, realizou no Marrocos uma aquisição de especiarias, tecidos e ouro.
No século II a.C., quando o Império Romano expandiu os seus domínios, os negociantes viajavam de barco do Egito até as ilhas Molucas, usando a seu favor o vento das monções. Assim, pouco a pouco, foram caindo em desuso as longas e custosas rotas terrestres. Cada ano os barcos partiam em abril para aproveitar as monções do sudoeste, regressando em outubro, época das monções do nordeste. Estes comerciantes abasteciam Roma de especiarias, tanto para a culinária (cassia, cominho, açafrão, gengibre ou pimenta, principalmente), como para a preparação de cosméticos e perfumes.
No livro "De Matéria Medica" datado no século I e de autoria do médico Discórides, são encontradas descriçõess sobre o uso que os gregos e romanos faziam de algumas especiarias. Destacam-se aquelas mais conhecidas pelos gregos (como o gengibre ou a pimenta) ou as que eram cultivadas pelos próprios habitantes: mostarda, manjerona, tomilho, anís ou açafrão, entre outras. Informa o uso das especiarias na cozinha e o uso do tomilho para perfumar espaços fechados e úmidos.
A ‘rota da seda’ também foi usada para o fornecimento de especiarias, neste caso cruzavam o rio Nilo, passando a território persa, bordejava o Himalaia, até que se chegasse a oeste, à cidade de Xian. Como percurso de volta havia dois caminhos, um cruzava o mar Caspio, o segundo atravessava o mar Aral até alcançar o mar Negro, que era o preferido no inverno para evitar as baixas temperaturas do Himalaia.
Em 65 a.C. quando Nero (37-68) era imperador de Roma, no sepultamento de sua esposa Popéia Sabina (31-65), que estava grávida e morreu devido a um golpe na barriga que recebeu do esposo, ele com remorso, mandou oferecer aos deuses como incenso, grande quantidade de canela.
Em certo tempo do domínio romano sobre todas as terras que margeavam o mar Mediterrâneo, a pimenta foi usada como moeda de troca.
Em 410 quando Alarico I, (370-410) rei dos Visigodos sitiou Roma exigiu como tributo 30.000. libras de pimenta, ouro, jóias e seda para que os soldados se retirassem. Durante o período, o comércio das especiarias se deslocou para a capital oriental do império, Bizâncio (Constantinopla).
Depois da conquista de Alexandria pelos Otomanos no ano de 641, começou um declinio no comércio de especiarias no mundo ocidental. O rígido controle dos árabes, não não permitia os contatos comerciais entre Ocidente e China.
As poucas especiarias que chegavam eram vendidas a preços exorbitantes e só ao alcance das classes mais ricas. Isso incentivou o cultivo local de alguns tipos de especiarias. Os mosteiros cultivavam diversas espécies nas suas hortas e jardins, inicialmente para uso dos próprios monges, mas como perceberam a demanda que existia, aumentaram o cultivo para atender os mercados urbanos. Destacavam entre os mosteiros que cultivavam especiarias, o de San Galo e o de Saint Germain-des-Près, na França e o mosteiro de Norwich na Inglaterra. Existem registros no mosteiro de Norwich que permitem saber que entre 1346 e 1350, estas especiarias tiveram um grande valor como moeda de troca, como tinha sido o sal na Antiguidade.
Com o inicio das Cruzadas em 1096, o comércio com os Àrabes recuperou-se. As principais cidades neste novo circuito comercial foram as italianas de Gênova e Veneza. Houve muito trabalho para assegurar os privilégios e o monopólio no comércio das especiarias, por ser este um dos negócios mais rentáveis. Na falta de moedas conversíveis e no perigo de transportar ouro, havia o escambo, trocando as especiarias por lã, metais, madeiras e tecidos produzidos nas próprias cidades italianas. Grande parte da prosperidade das cidades italianas nessa época foi devido ao comércio das especiarias.
No final do século XIII, Veneza era o maior porto europeu do comércio de especiarias, continuando com a sua predominância, até a descoberta do caminho marítimo em 1498.
Em 1179 foi criado em Londres a ‘guilda’ dos comerciantes de especiarias, que mais tarde no século XIV foi tornada mais abrangente e passou a ser a ‘guilda’ dos merceeiros.
Durante a predominância do domínio Mongol, entre os séculos XIII e XIV o comércio prosperou, porém com a tomada de Constantinopla pelos Otomanos em 1453, as rotas comerciais para os europeus foram bloqueadas.
Na Europa medieval, quando chegava o outono era necessário que fosse abatido todo o gado pronto, pois a falta de forragem no inverno iria fazer esses animais perderem peso e até morrerem. A sobra de carne era salgada e guardada em barricas de madeira para o consumo futuro. A conservação nunca era perfeita e as carnes quase em decomposição, tinham um sabor horrível. As especiarias, principalmente a pimenta e o açafrão, eram usadas para amenizar o defeito e torná-las palatáveis. Foi aumentando o interesse pelas especiarias e essa demanda incentivou a busca de caminhos alternativos para chegar aos locais de sua produção.
A ‘rota das especiarias’ foi dominada pelos Otomanos depois de tomada de Constantinopla em 1453 e por isso os europeus (portugueses e espanhóis) buscavam um caminho alternativo (marítimo). Os espanhóis pelo ocidente, com as idéias de Cristóvão Colombo (1451-1506) e os portugueses circundando a África, o que foi conseguido por Vasco da Gama (1469-1524) em 1498.
Em 1529 o rei Carlos V (1500-1558) cedeu a Portugal pela quantia de 350 mil ducados as ilhas Molucas, cognominada 'ilha das Especiarias', com isso, ganhou mais expressão no comércio.
Durante o século XVII os holandeses passaram a dominar o mercado de especiarias, estabelecendo feitorias ao longo da costa de Malabar. Em 1640 conquistaram Malaca e no final do século tinham sob a sua administração quase todas as ilhas que hoje formam a Indonésia. Quando o preço de algum artigo caia os holandeses para manter a lucratividade queimavam canela e cravo para diminuir a oferta. Para evitar que fosse plantada em outros lugares, a noz moscada antes de ser vendida, era mergulhada em uma solução de cal para impedir a germinação. Em 1760, para evitar queda nos preços, centenas de quilos de cravo e noz moscada foram incineradas no porto de Amsterdã.
Em 1600, foi criado a ‘British East India Co’, uma sociedade de comerciantes ingleses que tinha como objetivo de resgatar o domínio do mercado de especiarias das mão dos holandeses. Em 1609 o primeiro carregamento de 116.000 libras (53 toneladas) de cravo foi desembarcado em Londres.
Em 1611 estabeleceram a primeira feitoria em Masulipatam, depois de terem conquistado a simpatia e o apoio dos imperadores Mogul.
Num confronto com os holandeses em 1623, foram vencidos.
Em 1786 a ‘British East India Co’ ocupou Penang (hoje Pinang na Malásia) tornando-a um dos maiores entrepostos de pimenta do Oriente.
Com o declínio de poder dos imperadores Mogul e a concorrência dos comerciantes independentes da Inglaterra a empresa perdeu o seu monopólio.
Depois dos holandeses, os franceses que antes nunca tinham envolvido no comércio de especiarias, desenvolveram nas suas possessões, plantações de cravos, canela e noz moscada, com sementes roubadas das ilhas dominadas pelos holandeses .
Constituiram uma companhia de comércio similar a inglesa e a holandesa, que também enviava navios até a Índia para buscar especiarias, aumentando a concorrência. Houve conflitos entre 1751 e 1760, vencidos pelos ingleses, que forçaram a assinatura em 1765 de um tratado em que ficou garantida a administração de Bengala pelos ingleses. Em 1780 os ingleses enfrentaram a poderosa ‘Companhia Holandesa das Indias Ocidentais’, aniquilando-a.
Em 1784, quando a Coroa britânica assumiu o controle da Índia a empresa foi gradativamente perdendo importância até ser definitivamente encerrada em 1874.
Elihu Yale (1649-1721) que nasceu em Boston nos Estados Unidos e depois se mudou para a Inglaterra, quando foi enviado para a Índia como funcionário do governo, se envolveu no comércio de especiarias acumulando boa fortuna e voltando aos Estados Unidos fez doações para um colégio de New Haven (fundado em 1701), que em sua homenagem ganhou o nome para Yale College em 1718 e depois se tornou a Universidade de Yale.
No século XVIII os Estados Unidos também entraram no mercado. Em 1797 Jonathan Carnes chegou a Massachusetts procedente da região hoje conhecida como Indonésia com um carregamento de pimenta. Ele tinha negociado a carga diretamente com os produtores, sem nenhuma interferência dos negociantes europeus. Esta compra que foi muito lucrativa e promoveu outros carregamentos, transformou a cidade de Salem, em Massachusetts num centro de comércio de especiarias nos Estados Unidos.
Quando Charles (n.1948), herdeiro do trono britânico e filho da rainha Elizabeth II (n.1926) da Grã Bretanha assumiu o título de duque da Cornualha, recebeu como dote como manda a tradição medieval, um feixe de lenha, um arco de flecha, um casal de cães Galgo e meio quilo de pimenta.

Excelente post, muito rico em informações.
ReplyDelete