11.29.2012

NÃO SE FAZ BOA FAROFA SEM USAR BOA FARINHA


Farinha de baixa qualidade perde no sabor e na capacidade de dar liga.
Segredo para um resultado crocante também está no preparo sem excesso de líquido e de gordura


Há duas semanas, o chef celebridade David Chang não se conteve ao provar a farofa servida com seu bife, no Sujinho, em São Paulo. Por que vocês, brasileiros, comem algo “tão seco”?, indagou o dono de casas em Nova York e Toronto, conforme escreveu a colunista da Folha Alexandra Forbes.

Depois de ouvir chefs e pesquisadores de gastronomia brasileira, e lançar uma enquete para a participação dos internautas, é possível concluir: na “receita” da farofa, não faltam divergências. Entre os que discordam de Chang, está Edinho Engel —chef do Amado, em Salvador, e do Manacá, no litoral norte de São Paulo. Para ele, a farofa deve ser sequinha e crocante. “É o nosso jeito de comer, está ligada à nossa origem”. Além do mais,completa, se tiver água em excesso “torna-se um virado”. Em contato com líquidos, a farinha pode fazer as vezes de espessante e dar origem,assim,a virados.

Mara Salles, do Tordesilhas, é categórica em relação a essas combinações que umedecem demais a farinha. “Prefiro não chamar de farofa. São texturas diferentes.” A farofa molhadinha feita no Natal, com frutas e castanhas, não escapa do rigor da chef. “São frutas empanadas”, diz ela.

É outra a opinião da chef Teresa Corção, do instituto Maniva,que promove a comida brasileira. A farofa, diz, cumpre papel de agregar sabor à farinha, não importa se resulta úmida ou crocante. Seja farofa, seja virado,  maioria dos internautas que participaram de enquete no site do “Comida” preferem essa versão “úmida e com ingredientes variados” à seca.

FAROFEIRO


Na noite seguinte à visita ao Sujinho (o dono do restaurante da rua da Consolação não quis comentar a opinião do chef),Chang foi ao D.O.M.. Comeu uma queixada(porco-do-mato) comum a farofa muito crocante, com sabor pronunciado de pimenta-de cheiro. Gostou.

São muitas as opiniões sobre a farofa.Um consenso? A importância da farinha. É consenso entre chefs e especialistas que a qualidade da farinha de mandioca é um dos fatores que mais influencia o sabor de uma farofa.

Mas as farinhas não são sempre “do mesmo saco”, lembra Mara Salles, chef do Tordesilhas, em São Paulo. Para ela, encontrar um produto de boa qualidade em São Paulo, onde reinam farinhas industrializadas, não é das tarefas mais simples. “O‘filé-mignon’da farinha de mandioca é a goma, ou o polvilho.E a grande indústria retira esse componente em excesso da raiz [para usá-lo em outros produtos].Depois, torra o que restou e vende uma farinha quase sem amido”, explica Mara. De acordo com os especialistas ouvidos, se processada dessa maneira, a farinha de mandioca — uma das mais usadas para fazer farofa — tem menos sabor e uma capacidade inferior de conferir consistência e liga a outras receitas, como o pirão e o mexido. “Ainda não conheço uma boa farinha industrializada.

Farinha tem gosto, não pode ser insossa e deve preencher a boca quando é provada”, diz o chef Edinho Engel, dos restaurantes Amado, em Salvador, e Manacá, no litoral norte de São Paulo. Na Bahia, ele vai atrás de farinhas de boa qualidade em mercados regionais, que se abastecem da produção de cidades como Nazaré e Santo Antônio de Jesus, reconhecidas por sua boa produção. Para ele, melhor ainda quando é possível obter a“farinha quente”, cuja torra aconteceu recentemente, há cerca de 20 dias — fator que rende uma sensação melhor na boca.

Farinhas — e farofas — são elementos de primeira ordem nos restaurantes da chef Tereza Paim: o Terreiro Bahia, que fica na Praia do Forte, e a Casa de Tereza, em Salvador. A cada mês ela produz ao menos 100 quilos de farofa, que são consumidos entre as duas casas e seu bufê. “Alguns clientes comem [a farofa] com massas. Um dia,vi um despejando às colheradas no risoto de camarão com coco”, diz. Em cada mesa, ao lado do sal e do azeite,ela dispõe farofas de alho e de dendê, sequinhas e crocantes. Exceção à regra é a farofa de bolão ou d’água, de tradição local, que ali é umedecida com caldo de legumes até formar grumos do tamanho de bolinhas de gude.É acompanhamento para o vermelhinho, espécie de peixe.

A FAROFA PERFEITA



Quando sequinha e crocante, a farofa é acompanhamento ideal para pratos mais úmidos, como feijão, cozidos e assados substanciosos. Em geral, ela é preparada com a adição de farinha a uma base aromática refogada (que pode ter variações infinitas e incluir ingredientes como cebola, alho e bacon). Para que o resultado seja soltinho, a base não deve ter excesso de líquido ou gordura.

Também é possível preparar farofa “torrando-a” lentamente em frigideira ou tacho — e mexendo com frequência para não queimar —, o que rende crocância extra. É o que faz Tereza Paim, que, por no mínimo duas horas, apura sua farofa no fogo até conseguir a textura que considera ideal.

A farinha de milho, o cuscuz e até o pão ou castanhas podem ser usados para fazer receitas de farofa. Mas o preparo mais difundido é aquele feito com farinha de mandioca —seja ela a biju (mais flocada) ou d’agua (da mandioca fermentada em água).

ORIGEM


Não existe uma origem certeira para o aparecimento da farofa. As receitas podem ter surgido simplesmente como uma “maneira de dar mais sabor à farinha de mandioca, um alimento altamente consumido no Brasil”, afirma o chef Paulo Machado, professor do Senac e da rede de universidades Laureate.

Para a chef Mara Salles, “A farofa que está no nosso imaginário é portuguesa, inspirada em um hábito indígena”, já que mistura farinha de mandioca a um refogado que remete à Portugal.

Na opinião da pesquisadora e escritora Ana Rita Suassuna, ela é um “prato de aproveitamento”. “No sertão, há farofa de fundo de panela. Prepara-se uma carne.Aí, joga-se a farofa ali para utilizar o que restou”.

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MAPA DAS FAROFAS 

Conheça o que é tradicional em cada região brasileira

Norte
Encontram-se farofas preparadas com farinha d’água (de mandioca fermentada em água),mais grossa, dura e ácida.

Nordeste
Versões muito conhecidas (feitas com farinha de mandioca) são a de dendê, a de manteiga, a de bolão ou farofa d’água (mais úmida). Há também farofa feita de cuscuz e, em menor frequência, a que leva farinha de milho.

Sul
No Rio Grande do Sul, a farofa com frequência serve para acompanhar o churrasco,

Centro-Oeste
Uma das mais comuns é a farofa com banana (crua ou frita por imersão) preparada com manteiga e alho.

Texto de Marília Miragaia publicado no caderno "Comida" da "Folha de S. Paulo" de 21 de novembro de 2012. Adaptada e ilustrada para ser postada por Leopoldo Costa.

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