Numa tarde quente de verão, em agosto de 1901, duas respeitáveis mestre-escolas inglesas, Annie Moberly e Eleanor Jourdain, decidiram visitar Versalhes. Nunca antes haviam estado ali. Depois de percorrerem o Palácio de Versalhes, as duas começaram a caminhar na direção de Petit Trianon... e subitamente, sem entender o que estava acontecendo, puseram-se a recuar no tempo.
Atravessaram um jardim que não existia em 1901, mas que existira em 1789. Viram e falaram com pessoas que estavam mortas há mais de um século. A incrível aventura psíquica, plenamente confirmada por anos e anos de pesquisas, causou a maior sensação, ao ser anunciada, em 1911. Na ocasião, foi discutida por cientistas, estudiosos e filósofos. E continua a ser discutida.
Annie Moberly era filha de um professor de Oxford, que mais tarde se tornou Bispo de Salisbury, na Inglaterra. Annie era a décima de 15 filhos. Era instruída, respeitável, religiosa, imaginativa. Tomara-se professora e fora designada para diretora do St. Hugh’s College, um pequeno colégio para moças, em Oxford.
Eleanor Jourdain era também filha de um sacerdote, a primeira de 10 filhos. Embora descendente de uma família huguenote, era britânica da cabeça aos pés. Era introspectiva e cerimoniosa, mas também caprichosa e independente. Publicou sete compêndios alentados, sendo que um deles era sobre o simbolismo em Dante. Ela também se tornara professora, ocupara diversos cargos e dirigia uma escola. Depois da aventura psíquica, iria tornar-se vice-diretora do St. Hugh’s College, sob a direção de Annie Moberly, que era mais velha.
Em 1901, Eleanor Jourdain desejara aprender francês e mudara-se temporariamente para Paris, onde se mantinha com aulas para crianças inglesas que viviam na cidade. Annie Moberly, que na ocasião conhecia Eleanor Jourdain apenas ligeiramente, tinha ido a Paris para umas férias curtas e para oferecer a Eleanor o cargo de vice-diretora no St. Hugh’s. As duas professoras tornaram-se amigas e começaram a fazer passeios por Paris juntas. Nenhuma das duas estivera antes em Versalhes. Resolveram ir até lá de trem, para conhecer o palácio histórico e os lindos jardins.
A 10 de agosto de 1901, Annie Moberly, de 55 anos, e Eleanor Jourdain, de 38 anos, chegaram a Versalhes, com o guia Baedeker na mão. Percorreram o palácio e depois descansaram um pouco, antes de dar uma volta pelos jardins. Finalmente, apreciando o céu nublado e o vento fresco que soprava, depois de uma semana de calor intenso, as duas iniciaram o passeio. O objetivo delas era o Petit Trianon, um pequeno castelo particular na outra extremidade da propriedade, que o Rei Luís XVI presenteara a sua esposa, Marie Antoniette, para o uso pessoal dela.
Tentando encontrar o caminho sozinhas, Annie e Eleanor deixaram de entrar num caminho à direita e seguiram em frente, andando a esmo pelos jardins. E foi assim, conforme afirmaram mais tarde, que deixaram o século XX e retornaram ao século XVIII.
Pela reconstituição que as duas fizeram posteriormente, eis aqui um relato do que viram e encontraram:
Annie, sozinha, viu uma mulher sacudindo um pano branco pela janela de uma casa. Eleanor, sozinha, viu alguns instrumentos agrícolas antiquados, inclusive um arado, largados na relva. Ambas viram dois homens usando o que lhes pareceu fantasias, pequenos chapéus de três pontas e casacos compridos, de um cinza esverdeado. Pensaram que fossem jardineiros. Perguntaram a esses homens qual o caminho para o Petit Trianon. Um deles respondeu mecanicamente que deveriam continuar em frente. Depois, à direita, Eleanor viu sozinha um chalé, com uma mulher entregando um cântaro a uma moça, parada diante da porta aberta.
Eleanor recordou mais tarde como começou a se sentir à medida que seguiam em frente:
- Tive a sensação de que estava andando num sonho. Era uma sensação cada vez mais opressiva.
As duas chegaram finalmente à beira de um bosque. Viram um homem sentado perto dos degraus de um quiosque de jardim, cujas pilastras eram encimadas por um teto redondo. Annie também recordou suas emoções na ocasião:
- Subitamente, tudo parecia antinatural e, por isso, desagradável. Até mesmo as árvores por trás da construção pareciam estar achatadas e sem vida, como se fosse um "mundo representado numa tapeçaria". Não havia qualquer efeito de luz e sombras, não havia qualquer brisa para agitar as árvores. Tudo estava inteiramente parado.
As duas mulheres examinaram mais atentamente o homem sentado perto dos degraus do quiosque e ficaram apavoradas. Era bastante moreno, o rosto bexiguento, usava um chapéu grande e um capote preto.
- O rosto do homem era repulsivo... a expressão odiosa - recordou Annie.
As duas já estavam prestes a se afastarem apressadamente quando viram um homem mais jovem, que aparentemente saíra de trás de algumas pedras que escondiam o caminho. Ele era bonito, o corte dos cabelos parecia “um quadro antigo” e o rosto estava corado. Falou para as duas ansiosamente, num francês de sotaque estranho, procurando desviá-las do caminho que estavam seguindo. Annie e Eleanor compreenderam finalmente que o rapaz estava dizendo como poderiam chegar ao Petit Trianon.
De acordo com as instruções do rapaz, as duas seguiram por outro caminho, atravessaram uma atraente ponte rústica sobre uma pequena ravina, contornaram uma estreita ravina e finalmente chegaram ao Petit Trianon. Pararam no gramado diante do Petit Trianon. Annie Moberly ficou observando uma dama de aparência aristocrática, usando um chapéu e uma saia rodada, que estava sentada ah, pintando a paisagem. Era relativamente bonita, embora não fosse mais jovem. Ela também olhou para Annie. Logo em seguida, um homem uniformizado emergiu do Petit Trianon, oferecendo-se para acompanhar as duas na visita ao castelo.
Annie Moberly e Eleanor Jourdain deixaram os terrenos do castelo e pegaram uma carruagem até o Hotel des Réservoirs, em Versalhes, para tomar um chá, antes de voltarem a Paris. Nenhuma das duas mencionou a visita a Versalhes até uma semana depois, quando Annie começou a registrar suas impressões da visita à França. Ao chegar à tarde em que fora a Versalhes, Annie começou a experimentar uma sensação estranha, opressiva, irreal, como se fosse um sonho. Parou de escrever, virou-se para Eleanor e perguntou:
- Acha que o Petit Trianon é mal-assombrado?
Eleanor assentiu firmamente.
- Acho que sim.
E, pela primeira vez, as duas relataram uma para a outra como fora estranha e assustadora a experiência em Versalhes.
Três meses depois, quando Annie Moberly já estava de volta a Oxford, Eleanor Jourdain chegou de Paris, hospedando-se na casa dela. Obsessivamente, as duas tornaram a conversar sobre aquela estranha tarde em Versalhes, a sensação opressiva, a impressão de algo sobrenatural, os trajes esquisitos que as pessoas estavam usando. Verificaram que ambas tinham visto juntas algumas coisas, mas cada uma vira coisas que a outra não vira... ou não pudera ver. Eleanor fora a única que vira o arado e a mulher e a moça na porta do chalé. Annie fora a única que vira a dama aristocrática pintando diante do Petit Trianon. Nesse momento, as duas compreenderam que algo muito, mas muito estranho mesmo, lhes acontecera em Versalhes.
Inexplicavelmente, tinham recuado no tempo, entrando em outra era. Fizeram uma promessa de manter a experiência em segredo. Cada uma escreveu um relato separado e o mais detalhado possível da aventura. E acertaram também que fariam pesquisas meticulosas sobre a história de Versalhes e do Petit Trianon.
Durante nove anos, Annie Moberly e Eleanor Jourdain fizeram seu trabalho de detetives, rebuscando todos os arquivos disponíveis que continham informações sobre a história de Versalhes. As duas tornaram a visitar Versalhes diversas vezes (encontrando-o como realmente era no início do século e apenas uma vez voltando a cair no passado). Ao terminarem sua pesquisa, haviam descoberto que naquela tarde de 1901 haviam visitado Versalhes em 1789, no mesmo dia em que as turbas da Revolução Francesa atacaram o palácio.
Os dois “jardineiros” de casacos verdes eram na verdade dois guardas suíços, de serviço em Versalhes naquele dia. A moça na porta do chalé chamava-se Marion e vivia com a mãe nos terrenos do palácio. O homem repulsivo de capote preto, sentado perto dos degraus do quiosque, era o Conde de Vaudreuil, um amigo 'creole' da Rainha de França. E as duas descobriam também, através de um retrato feito por Wertüller e pelo diário de Madame Eloffe, a costureira real (que fizera diversos corpinhos verdes e saias brancas para a rainha no verão de 1789), que se haviam encontrado com a própria Rainha Marie Antoinette, sentada diante de seu castelo, a pintar.
A única coisa que Annie Moberly e Eleanor Jourdain não conseguiram identificar foi a pontezinha rústica, sobre a ravina, que haviam atravessado para chegar ao Petit Trianon. O mapa antigo que haviam conseguido encontrar, copiado em 1783 por Constant de la Motte, do plano original para os jardins de Marie Antoinette (que fora feito pelo arquiteto Mique, mas posteriormente se extraviou), não indicava a ponte rústica sobre a ravina. Mas não tinha importância. Annie e Eleanor estavam satisfeitas com o que haviam encontrado. Era mais do que suficiente.
Em 1911, elas publicaram suas descobertas sob pseudônimo, num pequeno livro intitulado simplesmente An Adventure (Uma Aventura). O livro causou sensação, embora os críticos não o levassem a sério. O pior de tudo foi que a Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, que recolhia dados sobre experiências psíquicas e tinha entre seus membros personalidades de prestígio como Henri Bergson, John Ruskin, Lewis Carrol e Lorde Tennyson, rejeitou categoricamente a experiência das duas professoras e declarou que estava baseada na “fraqueza da memória humana”.
Defensivamente, Annie e Eleanor começaram a revelar a amigos, outras professoras e alunas que eram as duas mulheres que haviam tido aquela estranha experiência. As famílias das alunas ficaram assustadas, as outras professoras mostraram-se céticas. Por toda Inglaterra e França, as duas professoras eram, de um modo geral, ridicularizadas pela maioria dos historiadores e estudiosos dos fenômenos psíquicos. As duas eram consideradas românticas ou histéricas. As coisas que alegavam haverem visto eram tão autênticas quanto a pontezinha rústica sobre a ravina cuja existência não tinham conseguido provar.
Mas, ao final, Annie Moberly e Eleanor Jourdain alcançaram um triunfo desconcertante. Era verdade que em 1901 não existia a ponte rústica e muito menos a ravina. Era verdade que o mapa dos jardins feito por De La Motte, em 1783, não mostrava nenhuma ponte nem ravina. Mas, em 1912, Annie e Eleanor souberam que o mapa original dos jardins, desenhado por Mique, o arquiteto de Marie Antoinette, fora reencontrado, chamuscado e todo amassado, numa chaminé na residência de Montmorency. O mapa ainda era legível. E lá estavam indicadas a ravina e a ponte rústica que o negligente De La Motte esquecera de copiar.
Annie e Eleanor estavam vingadas de todas as humilhações de que tinham sido vítimas. A notícia da grande descoberta foi incluída numa terceira edição do livro, que saiu em 1924, já agora com os verdadeiros nomes das autoras, pois as duas não mais se envergonhavam dele. Pelo contrário, sentiam o maior orgulho da experiência e de seu livro.
Quantos outros seres humanos, desde que o homem apareceu sobre a face da terra, já tiveram uma aventura similar, rompendo a barreira do tempo e retornando ao passado distante?
Eleanor Jourdain morreu em 1924, aos 61 anos. Annie Moberly morreu em 1937, aos 91 anos.
Texto de Irving Wallace publicado em "Almanaque para Todos",de Irving Wallace e David Wallechinsky, tradução de Alfredo B. Pinheiro de Lemos,Editora Record, Rio de Janeiro, 1975, excertos pp. 292-294 vol.3. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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