2.21.2011
PEDRO BIAL - CARTIILHA BRASIILEIIRA
Queridas filhas, vocês chegam ao Brasil depois de amanhã. Vocês, meninas,
são um tipo muito especial de brasileirinhas. Pois aqui vocês vieram ao mundo, nasceram em dias de sol tropical, e receberam as primeiras lufadas de vento direto do oceano Atlântico. Só que bem pequeninas ainda, vocês foram para o hemisfério norte, foram morar na Inglaterra, ou como se diz por aqui, nas Oropas...
Agora, vocês terão de aprender o que é o Brasil bem rapidinho... É verdade que nós vínhamos em todas as férias, e é verdade também que vocês sempre adoraram. Brasil era sinônimo de farra, biquíni, praia, vovô, vovó, tio, tia, primo, prima... Uma delícia...
Lembro daquela vez em que uma amiga minha perguntou a uma de vocês, bem novinha ainda, o que achava do Brasil. A resposta foi um sorriso encantado, feliz, e palavras contentes sobre brincadeira, carnaval, sol e mar... Aí, a mesma amiga fez (mira pergunta: e lá na Inglaterra, como é? A resposta: lá, você precisa saber bem as regras...
No Brasil, esse negócio de regras muda toda hora, e na maioria dos casos vale para alguns e não para todos...
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Em primeiro lugar, tenham paciência. Principalmente, porque vocês vêm morar no Rio de Janeiro, onde parece que a primeira solução dê qualquer problema é o adiamento. Mas, com tolerância e esquecendo a pressa, as coisas acabam se resolvendo.
Porque, na batata mesmo, o número de pessoas que gostaria de resolver as coisas, de melhorar a cidade é maior, bem maior do que o número de preguiçosos e aproveitadores. Os brasileiros trabalham muito.
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Sorte, vocês chegarem agora em julho. Pode até ser que vocês usem um daqueles cardigans de primavera londrina neste inverno carioca. Mas, depois, preparem-se; é quente, muito quente por aqui.
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Será difícil para vocês entender como um país rico desse jeito tem tanta gente pobre na ma. Vocês vão ter que estudar um bocado de História do Brasil, e mesmo assim vai ser duro chegar a uma conclusão.
Uma pista: lembram aquela revolução na França, que vocês estudaram, em que no fim da história os reis perdiam suas cabeças na guilhotina? Lembram que depois daquela sangueira toda, os franceses deixaram de ser "súditos" e passaram a ser "cidadãos"? Pois é, meus amores, aqui nunca teve nada disso não...
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Por isso também, vocês terão de ser mais cuidadosas na rua. Aqui, tem muito assalto e até seqüestros. Em certas partes da cidade, vocês nunca irão, ou só irão se eu estiver junto. Acho que vocês até vão gostar de conhecer uma favela, ver como as pessoas vivem no maior sufoco e mantêm uma alegria de viver difícil de encontrar naquela prosperidade européia.
Na verdade, a vidinha de vocês vai ser bem diferente. Vocês vão andar de carro para cima e para baixo, em todos os lugares vocês se verão cercadas por grades e guaritas de segurança, como se dois países ocupassem o mesmo lugar ao mesmo tempo. Num país, vocês vão curtir mordomias que aí na Inglaterra a gente nem sonhava. Só que, em volta da gente, sombras de perigo estarão rondando. Mas, não é para ter medo não... É tudo gente, e se, por acaso, vocês se virem numa situação meio cabeluda, não esqueçam: quem parece tão ameaçador é humano também, e só nos resta negociar. Negociar pela própria vida.
Mas, pode deixar que nada de mal vai acontecer. Vocês vão ter que acordar mais cedo para ir à escola, por causa do trânsito. É cada jam que vocês nem imaginam...
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Ah!, vocês vão estranhar um pouco os modos de outras meninas. Aqui, desde cedo, as garotas são incentivadas a se comportar como mulheres. Não só na maneira de vestir ou andar.
Nos programas infantis na televisão, as crianças aprendem umas danças quase pornográficas. Danças que aí na Inglaterra vocês nunca veriam, danças que não sairiam de casas noturnas, vedadas a menores de dezoito anos.
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Vai ser duro dizer adeus aos amiguinhos aí de Londres. A gente, que xingou tanto os ingleses, agora se dá conta de como fomos bem recebidos na ilha britânica. Depois que aprendemos as tais regras, foi muito bom, não foi? Vamos sentir saudades da televisão daí, e teremos que nos acostumar com a quantidade estúpida de anúncios da telinha daqui.
Vocês nem se dão conta, mas o tempo em que vivemos na Inglaterra nos fez brasileiros melhores.
E, nesses últimos tempos, os brasileiros andam gostando de cuspir na própria bandeira, adoram falar mal do Brasil, como se isto aqui não tivesse jeito mesmo. Nós, que aprendemos como os europeus valorizam a sua nacionalidade, vamos ver se ensinamos aos amigos, como é que se trata a própria pátria: com amor e dedicação!
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Ah, e aqui, vocês vão descobrir uma pessoa que vai pertencer à família, sem ser mãe, irmã ou prima... A empregada!
Ela vai cozinhar, passar roupa, arrumar a casa, vai ser íntima da gente... Isso só tem no Brasil.
Aliás, vocês nem se lembram, mas quando chegamos à Inglaterra, tínhamos levado uma empregada, que ficou só seis meses. E este pouco tempo foi suficiente para ela se dar conta de que não era só empregada. Era uma cidadã! E isso aqui no Brasil, ainda é uma grande novidade...
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Vai ser bom: tem requeijão, frutas de montão, música boa, e feijão, feijão, feijão!
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Vai ser bom: vou levar vocês para praias lindas, florestas onde o macaco dourado vem brincar com a gente, onde pássaros lindos cantam colorido, e onde as cascatas têm água geladinha para quando estivermos bem suados...
E principalmente, meninas, aqui vocês são muito importantes. O Brasil precisa de moças como vocês, inteligentes e esforçadas. Lá, na Europa, vocês sabem, os jovens terminam a escola e não têm muito o que fazer, ou melhor, têm que brigar muito para fazer alguma coisa e têm aquela sensação de que tudo já foi feito. A Europa é velha...
Aqui, tudo ainda está por fazer.
Bem-vindas!
E, por favor, escrevam logo a vossa cartilha brasileira, para que eu, burro velho, possa aprender por vossos olhinhos tão lindos a ver vim país que ainda não foi inventado.
julho/96
Por Pedro Bial no livro "Crônicas de um Repórter- Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1996. Editado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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