2.22.2011

A HISTÓRIA DO LEITE

Leopoldo Costa


Estudos de cientistas europeus indicam que aproximadamente em 6000 a.C, os criadores da Inglaterra e da Europa Ocidental devem ter sido os primeiros ordenhadores de leite de vaca para o consumo humano.

Existem evidências da domesticação de gado na Mesopotâmia por volta de 8000 a.C., inicialmente apenas para fornecer carne e força. O mais antigo registro conhecido de vacas mantidas confinadas para produzirem leite, é uma série de pinturas rupestres datadas de 5.000 a.C. encontradas em Dahara, na Libia, que representam as atividades de ordenha e de fabricação de queijos.


Outro antigo registro histórico da utilização do leite como alimento humano é uma peça datada de 3100 a.C encontrada no templo de Ninhursag em Tell al-Ubaid, no atual Iraque, conhecida como ‘Friso dos Ordenhadores’. Nela, são representadas cenas típicas da produção de leite como a ordenha, a coação e o fabrico de manteiga.

Os Sumérios em torno de 3500 a.C. consumiam leite e deixaram registros em desenhos mostrando como eles preparavam produtos com o leite coalhado.

Os Egípcios, a partir de 1000 a.C., utilizavam leite com finalidade religiosa. A vaca era consagrada e dedicada a deusa Isis, a protetora da Agricultura. O historiador grego Heródoto (?484-?425), relatou a existência no Egito de um pão preparado com grãos de lótus misturados com leite e água que, quando comido quente, era leve e de fácil digestão, e a utilização, por Tártaros, de grande quantidade de leite de égua, que seria consumido com gafanhotos, secos e moídos.


Aristóteles (38-322 a.C) fez comentários sobre um laticinio de leite de égua que era fermentado para ganhar teor alcoólico em torno de 3%. Tratava-se do 'airag', usado pelos Mongóis.


Heródoto menciona também que os Citas já processavam o leite de égua.Este tipo de laticínio fluido, conhecido como ‘koumiss’, ‘kumis’ e outras variações, foi por longo tempo e ainda é um alimento importante para a dieta dos povos habitantes das estepes da Ásia, como os Tártaros. Os Turcos, os Casaquis, os Quirquises, os Mongóis e os Usbeques ainda consomem, assim como algumas tribos da Hungria. Na Mongólia é conhecido como ‘airag’. O leite de égua, por contar com maior conteúdo de lactose (40% a mais do que o leite de vaca) é ideal para fermentar e produzir a bebida alcoólica. A destilação do ‘koumiss’ produz o ‘araka’ ou ‘arkhi'1 que é uma espécie de aguardente. O leite in natura de égua não é muito consumido pois pode provocar diarréia. Varrão, na sua obra ‘Agricultura’, escrita no século I antes de Cristo já comentava os poderes laxativos do leite de égua.


Nos livros sagrados da civilização Védica a vaca era um animal sagrado. Essa civilização que prevaleceu no norte da Índia entre 1750 a.C e 500 a.C considerava a vaca um dos mais preciosos dons que deus os havia dado. Kamadhenu era o nome desta vaca sagrada. Ela oferecia cinco dádivas: o leite, o iogurte, a manteiga, a urina (considerada uma substancia milagrosa que servia até de remédio para certas doenças), e o esterco (que depois, de seco era usado como combustível). Também oferecia uma dádiva para o futuro, que era a sua cria, o bezerro, a fonte de uma nova geração, a renovação de tudo.



Na mitologia Hindu, conta-se a lenda que Manu, o pai de todos os homens, foi poupado pelo deus Vishnu (ao lado) de não morrer no Dilúvio, que destruiu toda a humanidade. Como retribuição ao que Vishnu lhe tinha concedido, preparou como oferenda um bolo de leite coalhado, manteiga e creme de leite. Da oferenda Vishnu fez nascer uma belíssima mulher de nome Ida, por quem Manu se apaixonou. Para evitar o assédio de Manu ela foi transformada em uma vaca, Manu, porém conseguiu ser transformado em um touro e copulou com a vaca. Também na Índia, Dhol era adorada como uma divindade sendo retratada como uma vaca branca que suportava a Terra entre seus chifres. Considerava uma vaca branca como o veículo de manifestação da deusa Parvati.

Entre os Germânicos a vaca Althumia ou Audhumla, era o símbolo da fértilidade e a alimentadora do povo. Foi ela quem amamentou Ymir e de seu leite veio a nascer Buri, o avô do deus supremo Odin. Considerada a criadora da humanidade, trabalhou durante tres dias e de uma pedra ela criou o primeiro ser humano.


Na mitologia Grega, o leite era considerado como um vínculo entre o divino e o profano. Zeus que teve o seu filho Hércules com Alcmene, para dar ao filho o poder da imortalidade, levava-o secretamente para ser amamentado por sua esposa, a deusa Hera, enquanto dormia. Hercules, muito guloso, certa vez, sugou o seio com tanta força que ele continuou jorrando leite mesmo após de terminada a amamentação. O leite que fluiu do seio, foi derramado pelo céu e deu origem à Via Láctea e os respingos que caíram no solo, deram origem aos lírios. Noutra história, Zeus se enamorou de Europa, filha de Agenor, um rei fenício. A sua esposa Hera descobriu o namoro e para se proteger transformou Europa em uma vaca branca, expulsando-a para oeste, na região que hoje leva o seu nome. Mais tarde, muito apaixonado, Zeus se transformou em um touro branco e passou a procurar a vaca.

Na mitologia de Roma, na lenda de Rômulo e Remo, os fundadores de Roma, foram amamentados pela loba do Capitólio.

No antigo Egito, a deusa da fertilidade Bata era representada pela figura de uma vaca ou de um ser humano com orelhas e chifres de vaca.


Chih-I (538-597) foi o autor dos preceitos da doutrina Budista que compara a evolução espiritual do individuo com a preparação de ‘ghee’. Para se preparar o ‘ghee’, tem-se que primeiro ordenhar a vaca, depois do leite se obtem o creme, do creme a manteiga, que depois, de derretida é transformada em ‘ghee’. Simbolicamente, a obtenção do leite é a busca em Buda pelas 12 regras básicas, o preparo do creme é a transformação das regras básicas em sutras, o preparo da manteiga são as sutras explicadas, e o derretimento da manteiga seria a ‘ghee’ ou seja, a Perfeição e a Sabedoria, o pleno Nirvana.


Entre os Hebreus, cuja civilização foi contemporânea a de Creta, a produção de leite era abençoada e o consumo bastante popular. Os Hebreus consideram o leite como símbolo da vida e da fertilidade. Um dos seus preceitos religiosos proíbe que o leite seja consumido junto com carne. Nenhum prato poderia conter qualquer derivado de leite, se fosse preparado com carne. Este preceito tem como base um ensinamento da Bíblia: ‘Não comerás cabrito no leite de sua mãe’.


Na Bíblia, podemos notar mais de 50 referências ao leite e a seus derivados. No Velho Testamento temos a referencia sobre ‘uma terra onde jorrava o leite e o mel’ por mais de 20 vezes e sempre se referindo a Canaã ou Palestina, a Terra Prometida. Seria uma liberdade poética que procurava descrever a fertilidade do solo e a fartura que devia existir naquela região, escolhida por Javé para residência do seu povo.


Na Gália, Damona era a vaca que controlava a relação entre as águas da terra. Era sagrado o leite desta vaca. Ethne era uma deusa irlandesa que se nutria com leite de uma vaca sagrada. Os Bascos tinham uma dedicaçao muito especial com a vaca. Eles adoravam a vaca Mari nas cavernas sagradas. Figuras deste animal foram pintadas nestas cavernas que são datadas de mais de 20.000 anos atrás.


Desde o século XIV a Holanda vem se destacando como uma das grandes produtoras de leite e de seus derivados. A fragmentação do território, iniciada no século XI, teve como resultado pequenas propriedades para cada agricultor e a única alternativa de sobrevivencia era manter algumas vacas de leite e produzir manteiga e queijo para exportação para consumo nas grandes cidades. Os produtos da Holanda começaram a ganhar fama pela qualidade, porém a produtividade das vacas era muito baixa: uma vaca não rendia mais do que meio quilo de manteiga por semana. Em 1300 cerca de 70.000 pequenas propriedades holandesas dedicavam-se a produção de queijo e manteiga. Depois, de 1350, quando a Peste Negra dizimou a população do norte da França, os holandeses foram convocados para abastecer os sobreviventes e mais ainda os seus produtos lácteos foram reconhecidos. A comercialização cresceu rapidamente e entre 1439 e 1441 foi embarcado no porto de Kampen o equivalente a 400 toneladas de manteiga e 425 toneladas de queijos por ano.


No Brasil, do início da colonização e até os finais do século XIX, não era habito das pessoas o consumo de leite. Só as crianças de tenra idade e os idosos tomavam regularmente o produto. Num trecho de seu livro ‘História da Alimentação Brasileira’, escreve Câmara Cascudo (1898-1986) que ‘o sertanejo brasileiro, vivendo no meio das vacas, não lhe bebe o leite’. Aceitava-se, quando muito no sertão nordestino para adultos, o leite servido com algo que pudesse ser comido com colher, como farinha de mandioca torrada, batata cozida, abobora cozida ou angu. Os fazendeiros para evitar o consumo de leite pelos escravos espalharam a supertição que comer manga e beber leite envenenava as pessoas. Como os escravos gostavam muito de manga, não bebiam leite.


Nos Estados Unidos, no século XIX, houve um grande desenvolvimento de destilarias para produção de álcool, uísque e cerveja. Os resíduos da destilação, muito abundantes e baratos, foram usados pelos fazendeiros para alimentar as suas vacas leiteiras. O baixo valor nutricional destes resíduos enfraqueceu os animais e contaminaram o seu leite, provocando repulsa pelo gosto, nas pessoas que o consumiam, fazendo decrescer o consumo. Em 1883, uma disputa entre os fazendeiros produtores de leite e os distribuidores do produto, que ficou conhecida com a ‘Guerra do Leite’. Os produtores queriam receber melhor preço enquanto os distribuidores queriam ficar com a maior parte do lucro. Os produtores organizaram piquetes que broqueavam estradas, derramavam fora todo o leite apreendido, fazendo com que as grandes cidades ficassem sem o produto. Isto forçou aos distribuidores a aceitarem a pagar maior preço e o impasse foi resolvido. Em 1933, repetiu-se algo semelhante com o leite do estado de Iowa, na sua maioria produzido pelos índios Sioux. Voltou a ocorreu em 1939, outra contenda importante.


O primeiro vasilhame de vidro esterilizável para leite foi patenteado em 1884 nos Estados Unidos, por H.Thatcher. Ele teve esta idéia depois, de ver os distribuidores de leite entregando o produto em baldes, passiveis das mais diversas contaminações. Mais tarde estabeleceu a empresa ‘Thatcher Manufacturing Co.’ para explorar o negócio, Cinco anos mais tarde, em 1889, o frasco de vidro foi adotado como padrão pela indústria leiteira o que persistiu até a década de 1950, quando foi substituído pelos vasilhames de plástico e de papelão composto, não retornáveis e recicláveis. Em 1910 foi exigido pelo governo dos Estados Unidos, que todo o leite para o consumidor deveria ser entregue em garrafas de vidro com tampa lacrada.


Em 1860, Louis Pasteur (1822-1895) inventou o processo hoje conhecido como pasteurização. Em 1895, foi adotado a nível indústrial nos Estados Unidos.


O leite em pó foi obtido pela primeira vez no dia 15 de maio de 1802, pelo médico russo Osip Krichevsky. Embora, Marco Polo (1254-1324), que viveu no século XIII e durante 17 entre os Mongóis, na corte de Kublain Khan (1215-1294), tenha escrito que já era conhecido e usado um tipo de leite em pó. Era leite de égua que depois, de fervido e tirado a nata que formava na sua superfície, era deixado a secar sob sol forte.


O leite condensado foi criado por Gail Borden (1801-1874), que obteve a patente do processo de produção e do produto em 19 de agosto de 1856. Houve experiências anteriores feitas pelo inventor do envasamento esterilizável de alimentos, Nicholas Appert (1749-1841), que produziu leite condensado em 1822, mas o gosto do produto era repugnante. Para resolver este problema, em 1835, o britânico William Newton, inventou um novo processo realizado em temperaturas mais baixas, que foi aproveitado por Borden. Em 1860, Gail Borden instalou a primeira indústria de leite condensado nos Estados Unidos.


O leite evaporado foi inventado por John B. Meyenberg. Em 1854, ele obteve a patente suíça para o produto, que chegou a ser produzido experimentalmente em 1866. Ele emigrou para os Estados Unidos, buscando viabilizar a produção do leite evaporado. A patente norte americana foi concedida em 25 de novembro de 1884. Em fevereiro de 1885 ele criou uma empresa em sociedade com fazendeiros e investidores de Illinois, a ‘Helvetia Milk Condensing Company’, que colocou o seu primeiro produto no mercado em 14 de julho de 1885.


Em 1859, John Kingman inventou uma ordenhadeira rudimentar e em 1879, Anna Baldwin patenteou a primeira ordenhadeira mecânica. Não tiveram muito sucesso, só em 1870, máquinas mais aperfeiçoadas foram construídas. Em 1889 William Murchland inventou uma ordenhadeira bem mais eficiente, que não machucava as tetas das vacas. Em 1898 a 'Sociedade Agricola da Escócia' aprovou o sistema.


A farinha láctea, leite em pó acrescido de cereais, foi criada pelo suiço Henri Nestlé em meados da década de 1860, como uma alternativa para a alimentação de crianças depois, de desmamadas, e de idosos.


Em 1877, Gustav de Laval (1845-1913) inventou a desnatadeira mecânica, para separar o creme do leite e produzir manteiga.


Em 1895, Auguste Gaulin patenteou um homogenizador industrial com o objetivo de quebrar os glóbulos grandes de gordura existentes no leite, em pequenos glóbulos. Com o método, haveria a padronização o produto e evitava-se a formação de nata na superfície. Em 1919, foi lançado comercialmente no mercado dos Estados Unidos o primeiro leite homogeneizado. Os consumidores estranharam inicialmente não ver mais uma camada de nata na superfície das garrafas. Em 1947, cerca de 70% de todo o leite fresco vendido nos Estados Unidos era homogeneizado.

A produção mundial de leite fluido de vaca teve a seguinte evolução nos últimos 40 anos:

Ano                              Produção mil tons
1960                                  313.628
1970                                  359.283
1980                                  422.323
1990                                  479.156
2000                                  491.231


No Brasil a garrafa de vidro retornável chegou ao Rio de Janeiro e São Paulo em 1918. Em 1968 foi lançado o saco plástico e em 1972 foi iniciado o uso de Tetra Brick para embalar o recém lançado produto, denominado ‘longa vida ’, que usava o sistema UHT para eliminar todas as bactérias.

5 comments:

  1. quais sao as suas referencias bibliograficas?

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  2. Muito boa postagem...
    Quais as suas referências?

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  3. Excelente artigo mesmo! Muito completo, a única coisa que pesa é a falta de referências. Mas usei algumas informações específicas para encontrar outras fontes e as informações bateram!

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  4. quais referencias voce achou?

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