3.31.2011

O CICLO DO GADO NA LITERATURA BRASILEIRA


                                                                        Resumo
A narrativa de alguns autores do fim do século XIX e início do XX foi fortemente marcada pela presença do gado. Narrativas de vaqueiros e tropeiros, ora no sertão ora nos pampas, incorporaram a lida com o gado de maneira a determinar alguns parâmetros de representação literária vinda de regiões localizadas fora do centro cultural de então. Afonso Arinos, Simões Lopes Neto e Hugo de Carvalho Ramos são os autores que estabeleceram a triangulação que marca a geografia literária do ciclo do gado. Nesta comunicação serão abordados os elementos fundamentais desta concepção histórico-literária, demonstrando que seu declínio é um dos marcos da inserção do moderno no meio rural brasileiro.

O ciclo do gado é uma concepção de recorte temporal que abrande principalmente a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX. Na sua formulação há um estreitamento entre a história e a literatura brasileiras, no intuito de alcançar um quadro de produção literária representativo desta concepção. Para formulá-la, pauta-se aqui no conceito já incorporado de ciclo literário, a exemplo dos ciclos da cana-de-açúcar, do cacau, largamente difundido pela história da literatura.
Antes propriamente de acompanhar o percurso que define o ciclo do gado, cabe apontar uns antecedentes no trato com a animália, com vistas a deixar claros comportamentos que viriam solidificar uma prática que apareceria na literatura brasileira no final do século XIX. Refere-se neste particular à vida nos sertões no século XVIII, quando se viu a decadência da exploração aurífera em terras brasileiras.
Capistrano de Abreu, em seus Capítulos de história colonial, aponta para uma “época
do couro”, com uma abundância de carne ainda não vista. Ele identifica duas zonas de
criação pastoril: a do norte: “começava um pouco acima da foz do São Francisco, acompanhava-lhe as margens a entestar com a fronteira de Minas Gerais, transpunha as vertentes do Tocantins e do Paraíba, alcançava já enfraquecida o alto Itapicuru, compreendia as ribeiras de todos os rios de meia-água metidos entre a baía de Todos-os-Santos e a de Tutóia” (2000, p.226); e a do sul, ostentada “nas terras rio-grandenses” (idem, p.231). Mato Grosso, Goiás, parte de Minas e dos sertões do sul se beneficiavam do “comércio de trânsito”, principal fonte de receita do norte. Com esse delineamento geográfico, fora o noroeste do país, as outras regiões estavam devidamente integradas por um elemento comercial que viria se constituir um dos principais elementos culturais do Brasil. Se a época do couro foi um período de expansão da criação e comercialização do gado pelo interior do país, tudo ocorrendo entre o século XVII e XVIII, no século XIX o gado vai penetrar outras áreas de significação, nomeadamente a da literatura.
A hipótese de que desde os setecentos vinha se formando uma concepção em torno do manejo do gado, tendo em conta o pensamento de Charles Boxer, não é absurda. Eis o que diz o historiador: “A criação dessas fazendas fornecia gado em pé para as cidades do litoral, principalmente Salvador e Recife, mas o enviava também para o sul, para os prósperos arraiais mineiros de Minas Gerais, e algum dele ia mesmo para o norte, para o Maranhão” (2000, p.250).
O movimento do norte para o centro do país e por conseqüência para o sul nos faz pensar que quanto mais a decadência aurífera, em desvantagem para Minas Gerais, ia tornando as sedes que do mineral se beneficiavam, mais a atividade de pecuária, paralelamente a uma agricultura de subsistência, ia ganhando terreno nos diversos tipos de solo. No entanto isso não se dá de forma igualitária no Brasil. É o próprio Boxer que afirma que “Se o gado representava o impulso por trás das fronteiras movediças da Bahia, Piauí, Rio Grande do Sul e Sacramento, o ouro ainda era a estrela-guia que atraía os pioneiros do Extremo Oeste brasileiro para os solos virgens de Goiás e Mato Grosso” (idem, p.261). Daí poder se pensar numa periferia estendida do capitalismo, cuja formação entra em contato direto com uma ilusão de prosperidade sustentada pelo sertanejo distante do centro do poder brasileiro.
Mas é Câmara Cascudo que tem a elaboração mais próxima do que aqui desenvolvo. Motivado pelas cantigas populares do século XVIII, o folclorista intitula um de seus capítulos de Vaqueiros e cantadores exatamente de “Ciclo do gado”. Porém a motivação em  Cascudo se desdobra em dois aspectos, segundo ele mesmo: a “apartação” (identificação do proprietário no animal) e as vaquejadas (festas de correria). O autor, então, percebe o ciclo pelo viés da multiplicidade temática do Nordeste (ciclo do cangaço, ciclo da seca) que está contemplada no cancioneiro disperso da poesia popular nordestina. Mesmo tendo em conta o gado como elemento poético, ainda assim Cascudo é fisgado pela representação naturalista, do bom homem em terra fértil e tradicional; daí sua afirmação: “O vaqueiro aboiando, como há séculos, para humanizar o gado bravo, era um protesto, um documento vivo da continuidade do espírito, a perpetuidade do hábito, a obstinação da herança tradicional” (1984, p.109).
De qualquer maneira, a identificação feita por ele não deixa de ter importância para a conclusão de que a temática do gado saiu da esfera da manifestação mais rudimentar, quase que inevitável, para um âmbito de maior conflito histórico, sujeito a flexibilidade estética, na medida do interesse de quem narra. O enfoque agora recai sobre a narrativa de temática rural por excelência, em que o gado será parte significativa de regiões que querem imaginar-se parte de uma nação. Lembro aqui Paulo Arantes, em “Nação e reflexão (2006), e incluo os romances regionalistas, sem discutir as variantes de sentido que se atribuem a esse tipo de narrativa, como formadores também da nação pelo caminho do nacionalismo.
Cabe ainda citar a denominação de “ciclo da boiada e do sertão” proposta por Gilberto Mendonça Teles (1969, p.73), notadamente para os contos de Hugo de Carvalho Ramos. Interessa-nos aqui em particular a literatura brasileira elaborada em Goiás. O autor de Tropas e Boaidas, livro de contos publicado em 1917, é o fundador do ciclo do gado em seu Estado. Tal ciclo encampa uma movimentação social que vai desde a abolição da escravatura até o fim da década de 50 do século XX, com possíveis aproximações até a fundação da nova capital nacional, Brasília, em 1960. Pode-se fixar para Tropas e boiadas o intervalo composto entre o início da década de 90 do século XIX e a implantação da rede ferroviária em Goiás, no ano de 1914. É desse período que Hugo retira a temática fundamental de seus contos. Bernardo Élis, que se lançou como escritor em 1944, complementaria o ciclo do gado. Evidentemente que os parâmetros desse período não são rígidos; eles são referência para uma forma de expressão, a literatura, que por si mesma já é flexível na amplitude de sua abordagem. No caso de Élis, tal fato é mais evidente. Embora alguns de seus contos abarquem ainda as décadas de 10 e 20 do século XX, ele é um autor mais voltado para o período pós-implantação da nova capital do Estado de Goiás, Goiânia, em 1933.
O gado, importante para a economia e cultura goianas, não perde valor com os novos métodos de transporte implantados no sertão. A cultura que envolve todo o trato do gado é que sofrerá modificação, principalmente sua locomoção e a conseqüente distribuição do produto para consumo em outros Estados brasileiros. Com a construção de Brasília, sobretudo, o Estado de Goiás passa a receber novas demandas, o que acaba por impulsionar sua produção pecuarista em grande escala. Porém, na literatura sua representação dentro do ciclo abarca o período áureo de sua inscrição na cultura, com Hugo demonstrando a crença nos benefícios advindos da vida pautada por toda prática que envolve a criação e a comercialização do gado. Tropas e boiadas, assim, situa-se na primeira fase do ciclo, marcada pela ilusão de que os novos tempos transformariam a vida do sertão. Bernardo Élis, ao dar continuidade à abordagem do gado na cultura goiana, não o faz diretamente; apresenta o exercício que foi a criação e o transporte de gado pelos caminhos do sertão de Goiás. Ele busca os descaminhos, representa em seus contos (Ermos e gerais, Caminhos e descaminhos, Veranico de janeiro) a decadência do ciclo, a fase posterior à crença de que Goiás poderia sair de seu isolamento político e pobreza econômica com a atividade mais rentável naquele momento. A decadência vai ser manifestada pela vida pacata dos velhos coronéis, pela apatia de alguns moradores de pequenas cidades que já sofrem a influência da modernidade urbana em curso no Brasil, e manifestada pela miséria da população serviçal, descendentes de escravos, mas também de homens livres.
Bernardo Élis realça já no título de seus livros o espaço em seus contos. Os dois primeiros, intitulados Ermos e gerais e Caminhos e descaminhos, dão destaque à amplitude do sertão goiano e à forma de organização espacial para o transporte dominante praticado pelos tropeiros. De certa maneira suas duas primeiras obras em prosa complementam o que foi iniciado por Hugo de Carvalho Ramos, explorado em contos e sintetizado no título de seu único livro, Tropas e boiadas. São homens e bois que se movimentam por ermos, em caminhos do sertão. É certo que a associação entre tais títulos não é tão ligeira e direta como possa parecer. Mas não se pode negar uma solução de continuidade entre os títulos que adotam a forma binária. Para além da nomeação das obras, os textos dos dois autores mantêm estreitos vínculos de concepções literárias e ideológicas, destacados por dois protagonistas, o homem e o gado, que empreenderam pelo planalto central a saga dos subdesenvolvidos do sertão. 
Na segunda etapa do ciclo do gado, fundada pela contística de Bernardo Élis, a relevância emblemática está posta, pois, no espaço em que estes protagonistas vivem sua decadência.
A prosperidade decantada nos contos de Hugo de Carvalho, em Bernardo Élis perde o brilho que o latifúndio anunciou no período áureo do ciclo do gado. Um dos fatores principais das alterações na primazia dos produtos primários e na distribuição para outras regiões do país é a instalação da ferrovia em terras goianas em 1914, com fortes desdobramentos na economia estadual e conseqüências nas acomodações demográficas. Segundo o historiador Paulo Bertran,
“Aos poucos o considerável aumento de população urbana e de suas exigências alimentares no Estado, no país e no mundo fez convocar-se o campo para maior produção comercial, introduzindo-se em Goiás após o longo reino do gado a modernização agropecuária das fazendas” (1978, p.96).
Mas a modernização ainda iria usufruir da estrutura latifundiária solidificada sobre a “escassez de população e terras pobres”, de acordo ainda com Bertran. Numa região em que a densidade demográfica não chegava a nem um habitante por km2 em 1920, o latifúndio, além da divisão em sesmarias no período colonial brasileiro, teve terreno fértil para se manter como padrão de distribuição de riquezas no Estado.
Somente um pacto quase tácito entre as cúpulas governistas nacional e estadual para manter toda uma região no ostracismo econômico-social. O que não se construíra antes, a superação do subdesenvolvimento pela diversificação de atividades no campo, acompanhada de diminuição da concentração da terra por uma minoria coronelista e a
conseqüente melhora na distribuição de renda no Estado, iria perdendo cada vez mais as
possibilidades de se realizar, uma vez que a busca pela cidade já dava seus primeiros sinais. Um decréscimo na produção agropecuária em favor do acréscimo do setor de
serviços se verificaria entre o final da década de 30 e o final da de 40; com eles a população urbana passaria de 17% em 1940 a 30% em 1960.( cf. Bertran, idem, p.106)
Ou seja, desde a década de 20 verifica-se uma cristalização aguda das grandes propriedades em Goiás, com atividades agropecuárias compatíveis com o reduzido número da população.
Esse quadro de inversão demográfica é um dos pilares da literatura de Bernardo Élis que contempla a decadência do ciclo do gado. Os seus três primeiros livros de contos situam o enredo nesse período, tendo como marco do início do declínio a implantação da via férrea. Ermos e gerais (1944), Caminhos e descaminhos (1965) e Veranico de janeiro (1966) sistematizam literariamente essa decadência, numa forma literária despojada de contornos narrativos, fiel à força da voz dos personagens. Élis quer o mundo do homem do campo, da pequena cidade, em primeiro plano. Ler esse mundo impõe ao autor a opção por uma prosa que dissimule a presença da voz narrativa. O fato é mais importante do que a disposição de contá-lo, daí a ilusão de que ele se constitui por si mesmo. Bernardo Élis, diferente de Hugo de Carvalho, não revigora os fatos com a articulação da narrativa em si, mas concentra o discurso no eixo paradigmático de Roman Jakobson, selecionando o que há de mais peculiar na linguagem do homem do interior de Goiás. A linearidade da narrativa bernardoelisana, mesmo iniciada ainda numa fase modernista, mostra-se relativamente bem comportada para manter-se fidedigna ao pensamento que vem do campo.
Outro fator desse segundo momento do ciclo do gado são as conseqüências da relação entre campo e cidade à qual o ciclo está submetido. Com a migração interna no Brasil a partir de 1930, substituindo a estrangeira, e a fundação da nova capital do Estado em 1933, a imunidade ruralista foi profundamente afetada pela concepção moderna de relação com o governo central, o que desarticulou o poder excessivamente concentrado nas mãos de uma minoria. A nova capital era a declaração inequívoca de que Goiás desejava novos  habitantes para empreender novos projetos no Estado, na tentativa de tirá-lo da inércia econômica e cultural.
À literatura, neste caso, coube criar o pensamento ficcionalizado que pudesse tirar o pano diáfano que obnubilava aspectos importantes para a compreensão da desagregação rural e da primitiva organização do espaço semi-urbano do sertão. Com esse propósito, os contos de Élis contemplam mais os descaminhos do que os caminhos do sertão. É por isso que seu segundo livro leva no título os vocábulos “caminho” e “descaminhos”, com destaque para o segundo, uma vez que ele é metáfora das dificuldades que o sertanejo encontra para ser um forte. Os “descaminhos” são os caminhos “errados” da sociedade brasileira sertaneja, senão toda ela, uma vez que o descaso com o campo é a contrapartida da valorização da cidade, adotou para a modernidade já em expansão nas primeiras décadas do século XX. O contista atualiza a máxima vinda do período colonial, quando das proibições de trânsito pelo país: “mais caminho houvera e descaminhos haveria”(Bertran, idem, p.28). E eles multiplicaram-se no descaso com a periferia interna brasileira.
Quanto ao discurso literário propriamente, aponto somente um dos aspectos da narrativa de Hugo de Carvalho Ramos: a identificação do descompasso entre o patrão e o empregado, visto no diálogo que o narrador dissimulado nos apresenta, em meio ao desejo de prosperidade do primeiro momento do ciclo do gado.
A distância do discurso do narrador do conto para o narrador do caso empregada por Hugo de Carvalho Ramos segue de perto um pensamento que predominava à época em que ele os escreveu. Uma aristocracia rural, beneficiada pelo latifúndio, cada vez mais poderosa e influente no poder central, vai se distanciando do homem rústico, daquele que fica literalmente isolado no sertão. A importância do campo para a República brasileira acabou sendo mérito de uma oligarquia que fora formada pelas benesses do Império. Com a  importância dos senhores do campo, restou aos agricultores, criadores de gado, tropeiros um universo ficcional afeito a fantasmagorias e medos frente ao mundo natural que eles não podiam compreender.
O distanciamento cada vez mais verificado na sociedade colonial, que se aprofundou no século XIX, entre a oligarquia e o trabalhador rurais, relação em que um imagina e o outro executa, um ordena, o outro obedece, um dispõe sobre o mundo materialista, o outro sobre o mundo das superstições, é absorvido pela relação entre os narradores dos contos de Hugo de Carvalho. A pouca definição do narrador que reconta contrasta com o perfil exposto do narrador que conta o caso. A superioridade de quem tem o controle do discurso está por fim na composição deste mesmo discurso, única e suficiente exposição do narrador do conto. Seu estatuto de superioridade fica chancelado em seu também distanciamento com a matéria contada. A ele cabe a narrativa, ao trabalhador o caso, exposto segundo os interesses do primeiro. A divisão, portanto, estabelecida pelo jovem autor goiano é simétrica à prática político-social no interior do Brasil, em que a suposta elite administra o imaginário dos homens rústicos.
Dependentes economicamente do patrão, são também dependentes culturalmente, pois
seu universo não chega ao leitor pelo seu próprio discurso, sempre vem pelo discurso do
patrão, ou patrãozinho, que nos concede aquele universo mediante uma forte dose de
organização no âmbito literário.
O universo do gado é satisfatoriamente desenvolvido no conto “O poldro picaço”, que segue a fórmula usual de Hugo: um sertanejo conta um fato, presenciado ou ouvido, a um patrão ou a uma roda de peões, e o patrão, narrador final, relata a narrativa do primeiro. Neste conto, o tema é o enfrentamento da força da natureza.
Peões tentam domar um poldro nada amigável. Perdem a batalha. Formas cultas na fala
do homem do campo, mesmo que patrão, investem num artificialismo que denuncia a
tentativa de Hugo de Carvalho em preencher a forma literária com a cultura rural, no
desejo de atingir um equilíbrio que o resguardasse e divulgasse sertão e sertanejo goianos.
Se o conto repete os outros elementos gerais, revela ao leitor um dado que permite entender melhor a importância que os narradores têm em seus textos. Quem é afinal o patrão tão evocado pelo narrador do caso? Pode ser um coronel, cuja identidade o conto de Hugo de Carvalho, por natureza estética, não desvenda totalmente. A nomeação do proprietário prestaria mais à distinção social do que à nomeação em si, como ocorre com os sertanejos. Mesmo sendo nomeados, sua individualidade não passa de uma generalização também, pois a distinção maior concentra-se no destaque social, daí “coronel” se distinguir de qualquer nome próprio.
No discurso, o narrador-peão responde ao fazendeiro que lhe solicita o amansamento do picaço: “— O patrão mandando, hoje mesmo tiro as tretas do bicho” (RAMOS, 1965, p.41). A condição subalterna no caso leva o domador a se colocar à disposição do patrão, aguardando a confirmação de sua ordem. A presteza no seu cumprimento, no tempo presente, e o emprego do verbo “mandar” no gerúndio traduzem a relação entre o resquício de poder do caudilho no sertão, agora fazendeiro, e seus empregados, peões que descendem dos sertanejos que ajudaram a desbravar o sertão.
Na narrativa a formalidade vista anteriormente é substituída por uma aproximação entre os interlocutores. Assim o narrador se expressa: “— Ah! meu patrão, só tive tempo de gritar: Abram a porteira!” (RAMOS, 1998, p.43). Para detalhar a empreita logo à frente: — Não lhe conto nada, meu patrão, o certo é que não sei por que artes e manhas do tinhoso, quando supunha já ser ocasião de sujigá-lo nas esporas e tacadas de rabo-de-tatu aplicadas a preceito, o malvado, num solavanco, empinando sobre as patas traseiras, acachapou-se no terreiro, sacudindo-me com violência do lombo (RAMOS, 1998, p.43).
Ora, o que se vê nas duas intervenções do narrador-peão é amenização da relação entre quem determina e quem acata, pelo fato deste agora estar em outra condição profissional, ou seja, condutor. O vocativo “patrão”, portanto, seria resquício de fala daquele que conhece apenas um lugar social, ao qual correspondem comportamentos e tratamentos. “Patrão” seria propriamente qualquer pessoa que estivesse socialmente acima do narrador, um condutor no sertão, e que assumisse de alguma maneira o perfil simbólico de quem participa dos poderes econômico e político locais.

Referências Bibliográficas

[1] ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial. 7ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000.
[2] ARANTES, Paulo. Nação e reflexão. In: ABDALA JR., Benjamin; CARA, Salete de Almeida (Org.). Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p.27-45.
[3] BERTRAN, Paulo. Formação econômica de Goiás. Goiânia: Oriente, 1978.
[4] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[5] CASCUDO, Câmara. Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1984.
[6] RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas. 8ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1998.
[7] TELES, Gilberto Mendonça. O conto brasileiro em Goiás. Goiânia: Departamento Estadual de Cultura, 1969.



Pelo Prof. Dr. Rogério Santana (UFG) no  XI Congresso Internacional da ABRALIC- Tessituras, Interações, Convergências- 13 a 17 de julho de 2008 USP – São Paulo, Brasil. Adaptado para ser postado por Leopoldo Costa

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