4.28.2011

HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA

200.000 a.C. - 2.000 a.C.






Fósseis, genes e línguas indicam que a primitiva espécie hominídea Homo erectus deu 
origem, há cerca de 200.000 anos, a pelo menos duas raças humanas bem características: na Europa e Oriente Médio temperados, o Homo sapiens neanderthalensis ou homem de Neandertal e, na África tropical, a moderna raça humana Homo sapiens sapiens, muito menos forte e robusta, mas aparentemente muito mais flexível e criativa. Esta última iniciou, por volta de 100.000 a.C, sua expansão por toda a Ásia e navegou para a Austrália em cerca de 50.000 a.C. A colonização da América provavelmente começou com navegadores primitivos do Nordeste da Ásia que, por volta de 35.000 a.C, atravessaram o estreito de Bering e deram origem à atual população ameríndia. Esta nova hipótese, apoiada por pesquisas genéticas, linguísticas e arqueológicas, tem suplantado a suposição mais tradicional de que este povo teria vindo numa época mais recente por terra, quando a era glacial (cerca de 12.000 a.C.) fez cair o nível do mar e uniu o Alasca à Sibéria.

A primitiva população de caçadores ameríndios, apesar de escassa, provocou um verdadeiro desastre ecológico: até cerca de 10.000 a.C. foram extintos praticamente todos os animais de grande porte das Américas, que incluíam mamutes, camelos, cavalos, tigres dentes-de-sabre, toxodontes (animais semelhantes a hipopótamos) e parentes gigantescos dos atuais bichos-preguiça, tatus, lhamas e capivaras. Isto provavelmente se deveu à incapacidade dos caçadores oriundos da Sibéria de formar uma relação equilibrada com os ecossistemas completamente diferentes da América subtropical e tropical. Foi um fato que infelizmente se repetiu, na história das Américas, sempre que as novas ondas de colonização trouxeram povos estranhos à sua ecologia e que superestimaram sua riqueza aparentemente inesgotável.

A Europa foi ocupada pela moderna raça humana quase simultaneamente à povoação da América, quando uma nova onda de imigrantes oriundos da África do Norte e da Ásia eliminou ou absorveu sua população original de homens de Neandertal e criou a cultura de Cro-Magnon. Esta deu origem às famosas cavernas pintadas de Altamira e Lascaux, enquanto a costa do Mediterrâneo era ocupada pela da cultura Grimaldi, atribuída a um povo negro de origem puramente norte-africana e a Europa Oriental pela cultura Chancelade, atribuída a um povo mongolóide e asiático. Essas culturas primitivas duraram até cerca de 11.000 a.C.

Nessa época, as alterações do clima mundial trazidas pela época glacial impuseram em várias partes do mundo grandes mudanças de hábitos e costumes; a caça se tornou mais escassa e as antigas hordas de caçadores se viram obrigadas a recorrer em maior grau a mariscos, ervas, raízes e sementes para sua alimentação e a criar meios para armazená-los. Essa transformação acabou levando à invenção da agricultura e da civilização. O processo foi aparentemente mais rápido no Oriente Médio, onde em 10.000 a.C. já era praticada a agricultura e em 8.000 a.C. surgia a primeira vila fortificada (Jericó), técnicas que se propagaram para o Egito e a Península Balcânica (5.000 a.C.); para a Índia, a China e a Europa Ocidental (3.500 a.C.); e, no milênio seguinte, para a Malásia e a África Ocidental. A civilização propriamente dita, caracterizada pela estratificação social e pela formação de verdadeiros Estados e vida urbana, surge em 3.000 a.C. na Suméria e Egito, duas sociedades mestiças originadas da fusão das culturas de povos "negros" (respectivamente dravídicos e nilóticos) com povos "brancos" (respectivamente semitas e camitas). A partir de sua influência surgem outras verdadeiras civilizações na Índia, China e na ilha européia de Creta (2.000 a.C.), propagando-se, em seguida pela maior parte da Europa, Ásia e África Ocidental.

Quase ao mesmo tempo que o Oriente Médio, um povo melanésio do Sudeste Asiático também parece ter iniciado a prática da agricultura e mesmo da metalurgia, mas sua transição para a civilização parece ter sido logo abortada pela migração de povos malaios, deslocados pelos chineses. Assim, a civilização americana parece ter sido a única que não se desenvolveu a partir de contatos com o impulso original do Oriente Médio, mas foi totalmente autóctone. Existem suposições razoavelmente fundamentadas a respeito de expedições chinesas, japonesas, polinésias, fenícias e vikings que teriam alcançado as Américas na Antiguidade e na Idade Média, mas tudo indica que tais visitas ocasionais tiveram um papel muito secundário na formação de seu povo e cultura. A agricultura surgiu de um cereal nativo, o milho, por volta de 4.000 a.C. (México), a cerâmica surgiu na Colômbia e na Amazônia aproximadamente na mesma época e as mais antigas comunidades civilizadas conhecidas surgiram na costa norte-peruana por volta de 2.000 a.C.

Enquanto isso, na Europa Ocidental desenvolviam a transição para a civilização os descendentes dos homens de Cro-Magnon e ancestrais dos atuais bascos (conhecidos pelos antigos como iberos), que de 3.500 a 1.500 a.C. construíram os dólmens, menires e círculos de pedra que caracterizaram a cultura megalítica.


2.000 a.C. - 250 d.C.


É possível que a primeira civilização tenha surgido no Alto Amazonas numa época um pouco mais recuada que 2.000 a.C., pois as primeiras culturas peruanas mostram motivos da selva tropical em seus motivos artísticos e sinais de um culto ao jaguar, animal que não existe nos Andes, nem na costa do Pacífico. Entretanto, se essa cultura existiu ainda não foi encontrada, ou não deixou vestígios duradouros. Até 1.000 a.C., esses traços culturais se difundem pela costa da Colômbia e até o México e dão origem a três civilizações bastante semelhantes: Chavín (Peru), Tumaco-Calima (Colômbia) e Olmeca (México) e ao período cultural chamado de Formativo pela arqueologia americana, que se estende até os primeiros séculos da era cristã. A agricultura se difunde também pela bacia amazônica e pelo Caribe, dando origem às culturas semi-civilizadas dos tupi-guaranis, caraíbas, arauaques e chibchas, capazes de formar aldeias de milhares de habitantes, federações de tribos e formações quase estatais.

Por volta de 500-400 a.C., conflitos internos e externos levam à queda das primeiras civilizações, que são seguidas por um grande número de pequenas civilizações regionais mais diferenciadas entre si: Nazca, Mochica e Tiahuanaco no Peru; San Agustín e Tierradentro na Colômbia; Zapoteca, Totonaca e Izapa no México. 

A partir de 2.000 a.C., a Europa Ocidental começou a ser ocupada por povos guerreiros de origem asiática, os indo-europeus (em outros tempos também conhecidos como "arianos"). Um destes povos, o celta, atingiu a Península Ibérica, dando origem aos lusos (em Portugal) e, depois, aos celtiberos (na Espanha central). Os iberos originais resistiram à invasão celta nas montanhas do norte e nas planícies do sul da Península Ibérica (atual Andaluzia) onde, perto de 1.000 a.C., os iberos criaram a primeira civilização urbana nativa na cidade de Tartessos. Nesse momento, os gregos iniciavam sua lenta ascensão a partir da barbárie e os fenícios se expandiam pelo Mediterrâneo. Os judeus alcançavam o auge de seu poder sob o reinado de David e Salomão e consolidavam sua original tradição religiosa monoteísta.

O sul da Espanha e Tartessos foram conquistados pela poderosa colônia fenícia de Cartago (cerca de 500 a.C.), ao mesmo tempo em que a civilização grega atingia seu apogeu, difundia a moeda cunhada em prata, a democracia, a filosofia e o pensamento lógico e colonizava a costa nordeste da Península Ibérica.

Quase simultaneamente, a cidade-estado latina de Roma derruba seus reis etruscos e se torna independente e republicana, iniciando uma lenta mas irresistível expansão. Em 200 a.C., os cartagineses são vencidos pelos romanos, que gradualmente conquistam a Península e fundam várias cidades. Quando a república romana se torna Império (27 a.C.), a língua latina e a cultura greco-romana já estão tão difundidas na Península Ibérica (com exceção dos montes Pirineus, onde os iberos ou bascos preservam sua cultura) que esta se torna o principal centro econômico e cultural na metade ocidental do Império, fornecendo a Roma alguns dos seus maiores literatos (Sêneca, Lucano, Marcial, Quintiliano) e imperadores (Trajano e Adriano).

A sociedade imperial romana prenunciou, em muitos aspectos, a futura América Latina colonial e as primeiras décadas de sua independência: sua economia foi em grande parte baseada no trabalho escravo, sua cultura foi um pluralismo desigual onde a prestigiada e letrada cultura greco-romana coexistia com culturas locais, sua política foi marcada pela coexistência de uma cultura republicana com o poder despótico do César. O imperador governava em nome do tradicional Senado romano, mais como um ditador militar latino-americano do que como um monarca tradicional; seu posto foi freqüentemente tomado através de golpes de estado militares e sua autoridade se firmava no carisma pessoal e no controle das forças armadas, não na tradição ou na hereditariedade. Por muito tempo, as cidades-estado gregas e latinas preservaram suas instituições tradicionais e autonomia local e sua estrutura foi imposta aos turbulentos bárbaros celtas e germanos como forma de integrá-los à civilização, dando origem à organização municipal ibérica (que pouco deve aos burgos medievais). As lideranças locais e tribais eram crescentemente substituídas pelos funcionários da burocracia imperial e as leis tribais e os direitos costumeiros deram lugar ao direito romano, racionalizado e escrito, dando origem ao respeito pela lei escrita e pela burocracia que são característicos das culturas latinas. Difundiram-se pelo império as filosofias de origem grega e seu gosto pela dedução e pelos conceitos gerais e abstratos, em contraste com a preferência anglo-saxônica pelo empirismo e pelas imagens concretas.

Essa tendência a uma crescente abstração, racionalização e unificação nos campos político e filosófico também se refletiu no campo religioso: a partir da pregação de S. Paulo (que passa pela Ibéria em 62-63 d.C.) as massas populares urbanas do Império Romano se convertem em números cada vez maiores ao cristianismo, pois as antigas crenças de origem tribal (e das antigas civilizações orientais) se mostravam totalmente desajustadas à realidade criada por um Império racionalizado e multicultural. Ao mesmo tempo, os judeus, expulsos de sua Palestina de origem pelos romanos depois de suas fracassadas revoltas de 66, 70 e 135 d.C., se espalham por todo o Império e grande parte de sua diáspora se dirige para a próspera Ibéria. As camadas superiores, entretanto, permanecem pagãs e passam a reprimir violentamente o cristianismo e o judaísmo à medida que estas crenças pareciam minar a autoridade imperial, fundada simbolicamente no culto religioso aos gênios dos Césares (isto é, aos "anjos da guarda" dos imperadores).

Na África Ocidental, a civilização de Nok (Nigéria), criada a partir da influência dos egípcios e de suas civilizações satélites na Núbia (atual Sudão) e Etiópia, é contemporânea desses acontecimentos e difunde a agricultura e a metalurgia do ferro entre os povos bantus, que devido à ela passam por uma explosão populacional que os leva a ocupar as terras antes habitadas apenas por caçadores pigmeus (na bacia do Congo) e khoisan (ancestrais dos atuais bosquímanos e hotentotes, na África Oriental e Meridional). Com poucas exceções (como a civilização de Zimbabwe) a cultura bantu seria de organização tão tribal quanto a dos índios caraíbas e tupi-guaranis da floresta tropical americana, mas era muito mais avançada em termos de técnicas metalúrgicas, agrícolas e pecuárias. Tanto na América tropical como na África, essas tribos ocasionalmente criariam grandes aldeias, federações de tribos e formações quase estatais, mas sem criar verdadeiros estados ou cidades. Seu grau de organização era muito semelhante ao dos bárbaros celtas e germanos não conquistados pelos romanos, cujos "reis" também não passavam de grandes chefes tribais. Sua autoridade só era efetiva no campo de batalha, revertendo depois a um papel puramente cerimonial, ou mesmo à vida de um camponês comum.

Na Ásia, um povo formado no noroeste da atual China da fusão de populações nativas com um outro povo provavelmente originário do Oriente Médio ou do Ocidente cria a civilização chinesa e força o deslocamento da população malaia que habitava a maior parte da China para o sul e para o mar. Essa migração absorve ou elimina a maior parte da população originalmente melanésia do Sudeste Asiático e do arquipélago malaio, junto com sua incipiente civilização e inicia a colonização das até então desabitadas ilhas da Polinésia e de Madagáscar.


250 d.C-750 d.C.


Em comparação com a Europa, Ásia e África, as civilizações da América sofreram um profundo atraso em relação a tecnologias valiosas. A falta de grandes animais (salvo pelos guanacos e vicunhas dos Andes, cuja domesticação deu origem aos lhamas e às alpacas) resultou na quase ausência da pecuária e seu isolamento em relação à corrente principal do desenvolvimento no Velho Mundo resultou na ausência total da tecnologia do ferro e quase total do cobre, com conseqüências prejudiciais também para o desenvolvimento da agricultura, das técnicas militares e dos transportes. Porém, isso não as impede de, a partir de 250 d.C., atingirem um nível cultural comparável à das civilizações clássicas do Velho Mundo, iniciando o período chamado pela arqueologia americana de Clássico. As principais civilizações peruanas continuam sendo as de Nazca, Mochica e Tiahuanaco, mas atingem um refinamento artístico inédito e constróem grandes monumentos.

Surge no México central, a partir da cidade de Teotihuacán (que utiliza a irrigação e se torna uma capital com mais de 100.000 habitantes), uma civilização que se estende por todo o México do sul e central, alcançando as terras do sul do México e da Guatemala. Seus domínios confinam com a região onde, a partir da antiga cultura Izapa, estava surgindo a Civilização Maia. Esta desenvolve a escrita, a astronomia e a matemática em níveis não igualados por nenhuma outra civilização americana (e por poucas do Velho Mundo), apesar de uma agricultura relativamente primitiva e de limitar sua organização a pequenos estados organizados em torno de pequenas cidades formadas em torno de centros cerimoniais. O maior destes é Tikal, com uma capital de apenas 11.000 habitantes, mas que, aliada a Teotihuacán, parece ter exercido sua autoridade sobre toda a região Maia até 645 d.C., quando surge um estado rival em Petexbatún e se inicia uma longa e sangrenta série de guerras.

O processo de cristianização do Império Romano foi virtualmente completado com a conversão ao cristianismo do Imperador Constantino (no seu leito de morte) em 337 d.C., que também completou a transformação do Imperador num verdadeiro monarca, que agora governava em nome de Deus e não das quase esquecidas instituições republicanas. O processo não foi revertido pela tentativa do imperador Juliano de restaurar o paganismo em 361-363, embora até 380 tenha sido religião oficial do Império não o estritamente monoteísta cristianismo popular e sim a aristocrática heresia ariana, mais próxima do paganismo culto, da filosofia neoplatônica e da racionalidade clássica (pois dividia a Trindade em três seres divinos e distintos). Ao fim do período, chegou-se a uma solução de compromisso, isto é, ao dogma da Santíssima Trindade.

O império romano passa ao comando de imperadores cristãos de origem balcânica e que não conseguem deter as invasões germânicas e hunas. A economia imperial já não conseguia sustentar suas legiões, cada vez mais numerosas, mais exigentes em salários e poder político e menos competentes; a elevação dos impostos acelerava o esvaziamento das cidades e o que restava de sua economia, principalmente no Ocidente. Os bárbaros eram menos numerosos, mas sua cavalaria era tecnologicamente superior às legiões romanas e a cavalaria visigoda (dos godos do oeste) as derrotou de tal modo na batalha de Adrianopla (368 d.C.) que os imperadores romanos se viram obrigados, em troca da submissão às leis e religião romanas, a lhes ceder terras e autonomia local, assalariá-los e colocá-los a seu serviço para se defender dos bárbaros que permaneciam fora dos limites imperiais, o que também foi feito com outras tribos bárbaras, que passaram a ser conhecidas como federadas. Além disso, para melhor organizarem a defesa, dividiram o resto do Império em duas administrações separadas mas igualmente submetidas às leis romanas - o ocidente latino e o oriente grego. Estas divisões deram bases teóricas que tornaram possível conceber os modernos regimes federativos.

Finalmente, os visigodos (convertidos, nesse período, ao cristianismo ariano) acabam por se rebelar contra o que consideravam um salário insuficiente, saqueiam a própria Roma em 410 e migram para o sudoeste da França onde fundam, em 419, um reino bárbaro independente que Roma é obrigada a reconhecer. Com isso, quebra-se definitivamente o que restava do prestígio do Império e hordas de tribos germânicas invadem as terras do Ocidente para fundar novos reinos: suevos, vândalos, burgúndios, francos, anglos, saxões e ostrogodos (godos do leste), que conquistam definitivamente a própria Roma em 476. O Império Romano sobrevive no Oriente, com capital em Constantinopla, mas o Ocidente cai totalmente nas mãos dos bárbaros. Os mais poderosos destes são os godos, cujos dois reinos, ibérico e italiano, controlam todo o Mediterrâneo Ocidental e submetem à servidão a população romana e romanizada da Itália, sul da França e Península Ibérica. A aristocracia goda permanece uma casta fechada, pequena e apegada à seita ariana para se distinguir de seus desprezados súditos latinos, que já eram católicos ortodoxos.

Com a queda de Roma e a decadência do império, restam apenas quatro grandes cidades e centros significativos de civilização no mundo: Constantinopla, Pataliputra (Índia), Hangzhou (China) e Teotihuacán (México). A civilização de Teotihuacán, a civilização Maia e as civilizações clássicas peruanas atingem seu apogeu entre 500 e 750 d.C. Nesse período, os romanos, sob a liderança do Imperador Justiniano, adotam as tecnologias e táticas militares dos bárbaros e tentam pela última vez reconstruir seu império. Esmagam os ostrogodos e os vândalos e conquistam o sul da Península Ibérica visigótica, ao mesmo tempo que os francos também conquistavam aos visigodos o atual sul da França. O Império Romano volta a dominar todo o Mediterrâneo e a heresia ariana desaparece da história com a conversão dos reis visigodos, restritos ao norte da Espanha, que adotam o catolicismo (e a perseguição aos judeus) em 589 para fugir ao isolamento, frente aos francos e romanos católico-ortodoxos e numa tentativa de captar alguma solidariedade de seus súditos latinos.

Entretanto, o Império Romano reconstruído teve vida curta, devido a um fator totalmente inesperado. Em 610, numa cidade dos distantes desertos da Arábia, um comerciante da tribo coraixita cria uma nova religião monoteísta, extremamente simples e coerente se comparada com as confusas crenças pagãs ou mesmo ao complicado cristianismo católico-ortodoxo e adota o nome de Maomé. Em 622, é expulso da Meca pagã, mas na cidade rival de Yazrib (depois conhecida como Medina) consegue um grande número de adeptos. Estes organizam um exército de cavaleiros nômades que adotam incondicionalmente a nova religião - da qual um dos preceitos é a guerra santa aos infiéis, a jihad - e conquistam em poucos anos toda a Arábia. Maomé morre em 632, mas seus sucessores (chamados "califas") Abu Bakr e Omar continuam a luta e seu formidável e fanático exército acaba por conquistar todo o Império Persa e a maior parte do Império Romano: em 635 a Síria, em 638 a Palestina, em 642 a Pérsia e o Egito. Apesar da oposição da família de Maomé — que rompe com o califado e funda a seita dissidente xiita — Omar cria um Império mais poderoso que o Romano, com capital em na antiga Damasco romana, e funda a dinastia Omíada. Em 689 os omíadas conquistam a África do Norte, dando aos visigodos a oportunidade de recuperar a maior parte dos territórios perdidos para os romanos e, em 711, os árabes chegam ao Paquistão e à Ásia Central. Nesse mesmo ano, uma força muçulmana desembarca em Gibraltar à frente de 7.000 homens e em dois anos conquista a Península Ibérica: a resistência é mínima, pois os invasores criam um regime muito mais favorável aos judeus, e mesmo aos servos cristãos e latinos, que o antigo regime dos odiados senhores visigodos. Estes se vêem totalmente abandonados pelos antigos súditos e são obrigados a fugir para as inóspitas montanhas das Astúrias.

Era, porém, a última grande vitória árabe. Eles são detidos em 718, quando Constantinopla resiste vitoriosamente ao assédio, em 722 quando os chefes cristãos das Astúrias conseguem se defender em Covadonga e em 732, quando Carlos Martel os derrota em Tours, já às portas do Norte da França. Finalmente, em 750, os omíadas são depostos e massacrados pelo clã rival dos abássidas. Estes assumem o califado e fundam uma nova capital em Bagdá, mas o último chefe omíada, Abd al-Rahman, foge para a Península Ibérica (onde a dinastia tinha grande apoio popular) e funda o Emirado independente de Córdoba, ou Al-Andalus. A divisão dos muçulmanos dá aos poucos chefes cristãos que resistiam nas montanhas do norte da Península a oportunidade de se reorganizar: os remanescentes dos visigodos fundam um novo reino nas Astúrias e os chefes bascos consolidam sua liberdade nos Pirineus.

A expansão árabe reduziu o Império Romano a um reino de tamanho médio formado pelas regiões de língua grega em torno de Constantinopla (Grécia, Turquia e sul da Itália) e totalmente dedicado a lutar pela sua sobrevivência frente ao poder dos muçulmanos e dos bárbaros da Ásia Central. Sua capacidade de intervir nas regiões ocidentais desaparece rapidamente; em conseqüência o Papa de Roma procura a proteção do Reino Franco — que em 751 toma Ravena, último reduto romano na Itália do Norte, e se torna o mais poderoso estado cristão da Europa Ocidental. A aliança do Papado com os Francos dá origem à Igreja Católica Romana, cada vez mais separada da Igreja Ortodoxa Oriental que permanece sob o poder dos imperadores. Embora o Império continue oficialmente a se chamar de "Romano", já é totalmente grego e os historiadores os chamam, nessa nova fase, de "Império Bizantino". Esse longo epílogo à história do Império Romano que teve um papel histórico secundário e se destacou por seu extremo conservadorismo e por promover um infindável debate sobre sutis questões teológicas, que a população acompanhava com o mesmo interesse que dedicava às corridas de bigas.

Na África, neste período, a civilização de Nok é sucedida pela Iorubá, que a partir da cidade de Ifé funda várias cidades-estado que desenvolverão a cultura negra que mais influenciará a formação da América Latina. Na atual Mauritânia berberes vindos da África do Norte por volta de 300-400 d.C. dominam a população negra local e fundam um reino com capital em Kumbi Saleh. O título de seu rei, ghana, deu o nome à toda a África Ocidental, daí em diante conhecida como Ghana ou Guiné.


750-1150


Por volta de 750, uma crise interna seguida da invasão de bárbaros otomís determina a queda de Teotihuacán e, por volta de 800, as guerras entre as cidades de Tikal e Petexbatún, seguidas por levantes de caráter social, causam o colapso dos principais centros da civilização Maia, levando ao México um período de fragmentação e instabilidade comparável ao que se seguiu à ascensão e queda do Império Romano. Em função dessa analogia com a história européia, o período seguinte das civilizações americanas é conhecido pelos arqueólogos como Pós-Clássico.

O vazio de poder no México seria ocupado por um novo povo, os toltecas, de língua náhuatl, que em 856 d.C. instalam-se na cidade de Colhuacán, sob o comando do chefe Mixcóatl. Seu filho, o rei-sacerdote pacifista Topiltzin, descrito como um místico pálido e barbudo e também conhecido pelo nome do seu deus Quetzalcóatl (serpente emplumada), fundou uma nova capital em Tula ou Tollán e conseguiu conciliar os interesses dos invasores com os remanescentes da antiga civilização, que os toltecas chamavam de nonoalcas.

Entretanto, em 987 dissensões internas resultaram na expulsão do rei por uma facção militarista pró-tolteca. Diz a lenda que Quezalcóatl encaminhou-se para a costa do golfo e dali viajou numa jangada feita de serpentes para uma terra além do mar, esperando regressar um dia para redimir o seu povo. Na realidade, Topiltzin aparentemente levou seus seguidores a invadir os remanescentes da civilização maia e a ex-colônia de Teotihuacán no sul da Guatemala, pois, de acordo com os registros históricos maias, um homem chegado do Ocidente que chamava a si mesmo Kukulcán (serpente alada) invadiu e conquistou o Iucatã e estabeleceu, com capital na cidade de Uucil Abnal, um reino unificado maia-tolteca. Ao mesmo tempo, o sul da Guatemala foi invadido por povos de língua náhuatl, que fundaram quatro pequenos reinos de cultura mista maia-tolteca que sobreviveriam até a conquista espanhola.

Os toltecas que permaneceram em Tollán criaram uma civilização lembrada nas lendas astecas como uma idade de ouro e conquistam também parte do território zapoteca, destruindo sua capital (Monte Albán). Esta foi substituída pela cidade chamada pelos zapotecas de Lyobaa e mais conhecida pelo nome de Mitla (derivado do náhuatl Mictlán), considerada a mais bela da América pré-colombiana.

No Peru, por volta de 800 d.C. surge nos Andes a cidade hoje conhecida como Wari, que atingiu uma população de 50 mil habitantes e a partir da qual o primeiro grande império andino se desenvolveu até reunificar o atual Peru sob a égide da religião e cultura de Tiahuanaco. O Império Wari parece ter criado o sistema administrativo que mais tarde seria recuperado pelo Império Inca, inclusive grande parte de sua rede de estradas e um sistema racional de organização e distribuição da produção e dura até 1100, quando cai por razões desconhecidas.

Na Península Ibérica, inicia-se o período conhecido pelos cristãos como a Reconquista e pelos muçulmanos como a sua Idade de Ouro. O emirado de Córdoba se torna uma rica e dinâmica sociedade multicultural e multi-racial, a mais brilhante do Ocidente. Os árabes, cujos vastos domínios estavam em contato com todas as grandes civilizações do Velho Mundo, aliam a herança das antigas civilizações do Mediterrâneo - grega, egípcia e mesopotâmica - nos territórios conquistados aos romanos a novas descobertas trazidas por seus mercadores da Índia e da China. A nova síntese é mais rica que qualquer das civilizações isoladas, e a ela se soma a criatividade dos próprios árabes. Sob os emires omíadas, convivem pacificamente judeus, moçárabes (cristãos integrados na civilização árabe) e muçulmanos de três raças: árabes vindos da Síria, berberes da África do Norte e os latinos convertidos ao Islã, conhecidos como muladis.

Ainda em 800 d.C., o grande rei franco Carlos Magno é coroado pelo papa Imperador do Ocidente, o que alarga ainda mais a ruptura com o Império Bizantino e torna Carlos o defensor oficial da fé católica contra a ameaça muçulmana. Ao mesmo tempo, os cristãos asturianos divulgam a lenda surgida em torno do suposto túmulo de São Tiago na Galícia (Santiago de Compostela), tornando seu território uma "terra santa", tão merecedora da proteção papal e imperial quanto Jerusalém. Como protetor dos cristãos ibéricos, Carlos inicia uma cruzada contra o emirado em nome do cristianismo, incorpora os territórios bascos e consegue expandir os domínios cristãos na Catalunha, mas seu paladino Rolando é derrotado e morto pelos muçulmanos em Roncesvalles (episódio que deu origem à famosa Canção de Rolando, da gesta medieval).

Com a morte de Carlos Magno, seu império se desintegra e seus domínios ibéricos formam o reino basco de Navarra e o condado de Barcelona (depois Catalunha). Estes reinos e o reino asturiano da Galiza (depois León) lutam incansavelmente contra Al-Andalus e desenvolvem a cultura mais fanaticamente cristã do Ocidente.

A partir de 880, uma guerra civil enfraquece o emirado e os reinos cristãos conquistam territórios, mas em 912 o emir Abd al-Rahman III reunifica Al-Andalus, reduz os reinos cristão de Léon e Navarra e o condado de Barcelona a meros vassalos e se proclama califa e chefe dos crentes em 929, levando em seguida seu califado de Córdoba ao auge de seu poder político e econômico. São introduzidas a cana-de-açúcar, o algodão, o arroz e as frutas cítricas; cria-se uma marinha mercante; explora-se a mineração do ouro, mercúrio, ferro e cobre; surgem manufaturas têxteis e metalúrgicas, vidrarias, fábricas de papel e produtos de couro, colocando Al-Andalus muito à frente da Europa cristã e num nível de desenvolvimento superior ao do Império Romano em seu apogeu. Surge a primeira escola de medicina da Europa, além de escolas de direito, filosofia, astronomia e matemática.

A Igreja bizantina rompe formalmente com Roma em 856, recusando obediência ao papa. O papado tenta restaurar a ordem imperial em 962 coroando o rei Oto I da Alemanha e Itália como soberano do Sacro Império Romano da Nação Alemã (também conhecido como o I Reich). Isso alimenta as ambições do rei alemão, que passa a se denominar kaiser (uma transcrição bárbara de Caesar), mas o maior prejudicado é o próprio papado, já que o Imperador passa a se julgar no direito de interferir na nomeação de bispos e nas eleições papais. 

Os demais reis europeus se recusam a conferir ao kaiser mais que uma preeminência simbólica, até porque a própria autoridade deles também é cada vez mais nominal: em todos os grandes reinos da Europa Cristã, a autoridade central perde terreno para pequenos feudos, burgos e cantões. A filosofia e a ciência clássicas atingem seu ponto mais baixo e a cultura clássica greco-romana cai num esquecimento quase total; o pensamento se resume ao misticismo cristão e a arte aos temas religiosos. Na Europa Ocidental, uma elite feudal de origem basicamente germânica permanece uma comunidade de leis e costumes diferentes de seus servos de origem celta e latina e a Igreja é o único fator de unidade de uma população profundamente dividida por barreiras de classe e fronteiras feudais .

Na África, em 750, os negros destronam a dinastia berbere em Ghana, que se torna um poderoso império semi-muçulmano que atinge seu apogeu entre 950 e 1075, quando a cidade de Kumbi Saleh, que se torna o principal centro comercial entre as minas de ouro da África Ocidental e o próspero califado de Córdoba. Na Nigéria, as cidades iorubás formam uma grande confederação que se estende da foz do Níger ao Togo, com capital espiritual em Ifé e política em Oyó (acredita-se que o mais importante e popular dos orixás hoje cultuados em Cuba e no Brasil, Xangô, foi originalmente um rei de Oyó). Desenvolve-se também a civilização haussa, de religião muçulmana no norte da Nigéria, a haussa, formada por sete cidades-estado (Kano, Katsina etc.), rivais das cidades pagãs iorubás.
Porém, em 1035, o califado omíada é derrubado por uma revolução dos mercadores de Córdoba e se divide em vários pequenos emirados. No mesmo ano, os pequenos reinos de Castela e Aragão se separam de Navarra. O novo reino de Castela se une a Leão e aproveita a divisão dos árabes para avançar para o sul; em 1085 toma Toledo, já na Espanha Central (região hoje conhecida como Castilla la Nueva). 

Na África, um grupo de berberes na costa da Mauritânia funda uma ordem de guerreiros religiosos, chamada almorávidas, que por volta de 1075 conquistam o reino negro de Kumbi Saleh e, em seguida, o Marrocos, a Argélia e a Tunísia. Desesperados com o avanço cristão, os emirados árabes da Península Ibérica pedem a proteção dos almorávidas, que em 1086 desembarcam na Península, derrotam o exército cristão e anexam Al-Andalus a seu império africano centralizado no Marrocos. O famoso guerreiro castelhano Cid, el Campeador, tenta um novo avanço e consegue conquistar Valência aos muçulmanos em 1094. Torna-se outro grande herói da épica cavalheiresca medieval, mas de 1103 a 1115 o contra-ataque do Império Almorávida faz os cristãos recuar novamente para as fronteiras anteriores à queda dos Omíadas. 

Ao mesmo tempo, o Império Bizantino sofre uma derrota desastrosa contra os turcos (1071) que praticamente reduz seu território à Grécia. Em desespero, o Imperador pede auxílio aos cristãos do Ocidente. Os reinos do Ocidente lançam as Cruzadas (uma versão cristã da jihad muçulmana) em 1096, que inicialmente visam reconquistar a Terra Santa, mas acabam sendo desviadas para a conquista do próprio Império Bizantino em 1201.
As cruzadas e a reconquista ibérica criam uma nova onda de fanatismo guerreiro cristão, mas a gradual recuperação do comércio e das ciências a partir do próprio contato com os muçulmanos começam a mudar o equilíbrio do poder a favor do Ocidente. Também terão um papel importante na Reconquista cristã as ordens religiosas de cavalaria, formadas para combater os muçulmanos por frades guerreiros na Ibéria (ordens de Santiago, Calatrava, Avis e Alcântara) e na Palestina (Templários e Hospitalários), mas que muito se assemelhavam às próprias ordens religiosas-guerreiras muçulmanas. Seu exemplo foi seguido no norte da Europa pelos Cavaleiros da Espada e pelos Cavaleiros Teutônicos, que se dedicaram a conquistar e catequizar os povos pagãos do Báltico.

Os reinos cristãos de Aragão e Barcelona se unem em 1137, em compensação Portugal se separa de Leão em 1143 e Castela em 1157. Em 1145, a dinastia almorávida é derrubada e o império novamente se divide em emirados. Os cristãos se aproveitam das lutas entre os muçulmanos para expandir novamente seus territórios até o rio Tejo e o centro da Península. Entretanto, a nova dinastia xiita almóada, que instala sua capital em Sevilha e mantém o domínio da África do Norte, unifica o território muçulmano e detêm o avanço cristão, mas perde o controle sob os antigos domínios almorávidas na África Ocidental, que se desintegram em pequenos reinos negros, inclusive Máli e Songhai.

Apesar da instabilidade política, o Al-Andalus almóada ou Andaluzia ainda é um grande centro cultural, famoso pela poesia, música e filosofia. Entre os filósofos, destaca-se Averróes (Ibn Rush) de Córdoba, que recupera a filosofia aristotélica, sustenta a independência do pensamento frente aos dogmas religiosos e estuda o homem como membro do reino animal. Seu rigor lógico e científico terá um enorme impacto na Europa e encontrará numerosos seguidores entre os cristãos interessados nas questões filosóficas. Os próprios teólogos cristãos, para não se sentirem refutados pela brilhante racionalidade "muçulmana", serão obrigados a também estudar Aristóteles para conciliá-lo com os dogmas cristãos. Graças aos trabalhos de Tomás de Aquino e apesar da resistência dos tradicionalistas, pouco a pouco o racionalismo aristotélico se torna um complemento indispensável da tradição como fundamento da fé e do pensamento em todo o Ocidente. Seu contemporâneo, o andaluz Moisés Maimônides, também estuda a filosofia grega e cria os fundamentos do racionalismo judeu. Outros aspectos da cultura, ciência e matemática andaluzes se difundem pela Europa, inclusive os conhecimentos astronômico-astrológicos (até hoje, a maioria das estrelas tem nomes árabes) e o conhecimento dos algarismos arábicos e do zero, dos algoritmos, da álgebra, do xadrez, do jogo de cartas, da alquimia (inclusive o uso do alambique e a produção do álcool) e da pólvora.

Por volta de 1100, a expansão dos povos malaios chega à Ilha da Páscoa, onde surge a menor e mais isolada civilização do mundo.


1150-1250


No Peru, a queda do Império Wari (cerca de 1100) abre espaço para a reconstituição das civilizações regionais: a antiga civilização Mochica renasce como o grande reino Chimú, com capital em Chanchán; a civilização Nazca dá origem ao reino de Chincha, famoso pela sua importância comercial; e a área andina onde haviam se desenvolvido Tiahuanaco e Wari dá origem há vários pequenos estados semi-tribais, inclusive os Collas, Lupacas, Chancas, Quéchuas e Incas. No início, a dinastia Inca foi apenas a liderança de um dos dois clãs da pequena cidade de Cuzco, mas por volta de 1200, liderados por Mayta Qhapaq (quarto soberano da dinastia), os Incas teriam assumido o poder absoluto em Cuzco e iniciado pequenas incursões sobre as aldeias vizinhas, criando um pequeno reino. Na atual Colômbia, inicia-se a formação dos reinos muíscas de Bacatá e Tunja, que se tornariam famosos por sua ourivesaria.

No México, em 1168, a capital do império tolteca é tomada por rebeldes e em 1174 seu último soberano, Huémac, suicida-se em Chapultepec. Aparentemente, o império foi derrubado por secas desastrosas, que originaram uma guerra civil entre toltecas e nonoalcas, e se desagregou em 28 cidades-estado, entre as quais se destacam as cidades toltecas de Colhuacán e Texcoco e a cidade nonoalca de Atzcapotzalco. Por volta de 1216, o Anáhuac também estava sendo invadido por bárbaros nômades originários do norte e oeste do México ou mesmo do atual sul dos Estados Unidos. Os mais importantes foram o bando conhecido como tepaneca, que conquistou Atzcapotzalco em 1230, e um outro grupo conhecido pelo nome de méxica, pela sua devoção ao deus da guerra Huitzpolchotli ou Mextli, cuja imagem carregavam por toda parte. Porém, este povo dava a si mesmo um nome derivado de sua terra natal, Aztlán, que haviam abandonado em 1160: asteca.

Os maia-toltecas do Iucatã também são derrubados, em 1224, pela invasão dos itzás, um povo bárbaro de língua maia, que muda o nome da antiga capital para Chichen Itzá e funda a nova cidade de Maiapán. Estas duas cidades e mais Uxmal formam uma tríplice aliança, liderada por Maiapán, que passa a dominar as demais cidades maias.

Na Europa Ocidental, a cultura puramente eclesiástica cede lugar a uma nova cultura sincrética, originada do contato dos cristãos com a filosofia e os costumes árabes. Além da influência científica e filosófica, as tradições artísticas e musicais árabes também eram absorvidas pelo Ocidente, principalmente na Galiza e no sul da França. Nessas regiões de intenso contato com o Oriente, surgia a épica e lírica cavalheirescas dos trovadores, com valores bem opostos à moral cristã mais ortodoxa. Pela primeira vez desde o fim da Roma pagã, se desenvolvia na Europa a música e a literatura profanas, bem como o culto da graça e da beleza femininas, em oposição ao rigoroso ascetismo dos monges. Renascia o interesse pelo direito romano, que crescentemente substituía o direito consuetudinário germânico (exceto nas ilhas britânicas). As diferenças étnicas e culturais entre senhores e servos iam desaparecendo na nova cultura, ao passo que a importância da Igreja na manutenção da ordem ia diminuindo e sua moral crescentemente se distanciava dos novos ideais românticos e individualistas da nascente Civilização Ocidental.

Na Ibéria, em 1212 os almóadas são vencidos pelos reinos cristãos, unidos na decisiva batalha de Navas de Tolosa e, em 1223, seu império se desintegra em emirados. Em poucas décadas, quase todo o território muçulmano é conquistado. Aragão completa sua formação territorial conquistando Valência e as Baleares em 1245 e Portugal conquistando Algarves em 1250. Castela volta a se unir a León em 1230, trai os pactos celebrados com os emires almóadas e conquista a Andaluzia. Dos domínios muçulmanos, resta então apenas o pequeno emirado de Granada. 

Para compensar a decadência árabe, surgia em 1240 um novo e brilhante império negro e muçulmano no Máli, com capital em Timbuctu, cuja legendária riqueza em ouro criou o primeiro "eldorado" dos sonhos europeus e cuja universidade se tornou famosa em todo o mundo islâmico. Na mesma época, o comércio árabe através do Índico dá a oportunidade para surgir no sudeste da África a civilização bantu de Zimbabwe, que também se fará notar por exportar grandes quantidades de ouro, supostamente oriundas das lendárias minas do Rei Salomão.

A Ásia e a Europa Oriental, a partir de 1196, são na maior parte conquistada pelos mongóis de Gengis Khan que constróem um dos maiores impérios da história, abarcando o Norte da China, a maior parte da atual CEI, o Irã e o Iraque. 


1250-1500


Cerca de 1300, o sexto governante da dinastia de Cuzco, Inka Roqa, adota o título imperial de Sapan Inka (o único Rei) e estende suas incursões até a Costa peruana e inicia uma série de lutas com os seus vizinhos chancas. Entretanto, os reinos mais poderosos e as civilizações mais brilhantes do Peru ainda se encontram na costa: de 1360 a 1460, o reino Chimú conquista toda a Costa norte peruana até as proximidades da atual Lima. Sua capital Chanchán foi a segunda maior cidade de adobe do mundo (depois de Babilônia), cobrindo 29 km2 e chegando, talvez, a cem mil habitantes. Na Costa central, surgiu o reino de Cuismancu próximo à atual Lima e na Costa sul o rico reino de Chincha, que parece ter sido a única civilização peruana a desenvolver o comércio e a navegação. Neste período, o complexo monumental de Pachacamac, ao sul da atual Lima e dedicado ao deus do mesmo nome, substituiu Tiahuanaco como principal centro cultural e religioso do Peru.

Entretanto, no ano de 1438, a iminência de uma invasão chanca faz o Inca Wiraqocha e seu herdeiro Orqo fugirem de Cuzco, mas o príncipe Pachakuteq (excluído da sucessão) recusa-se a partir e organiza a resistência. Consegue derrotar os chancas com o auxílio de aliados quéchuas, depõe Orqo e assume o trono como Pachakuteq Inca Yupanki (em espanhol, Pachacuti). Firma o domínio inca sobre os Andes centrais e meridionais, de Junín ao Titicaca, conquistando também o reino Lupaca. Este soberano, o décimo da dinastia, pode ser considerado o verdadeiro fundador do Império Inca e de seu notável sistema administrativo. Consolidou a paz e o domínio inca sobre os vizinhos através de casamentos dinásticos, transformou Cuzco numa verdadeira capital e criou um corpo de funcionários para chefiar cada tribo. Quando seu filho, Tupaq Inka Yupanki (em espanhol, Topa Inca), fez quinze anos, Pachakuteq colocou-o no comando de seu exército e as grandes conquistas incas se iniciaram. Tupaq Inka conquista o poderoso reino Chimú em 1470, depois de conquistar o atual Equador e atacá-lo inesperadamente através de sua desprotegida fronteira norte, anexação que enriquece a tecnologia inca com técnicas cerâmicas, de irrigação e de administração. No ano seguinte, Pachakuteq decide abdicar em favor de seu filho, que se volta então para a Costa sul e conquista o reino Chanca após uma guerra curta e violenta. Inicia, então, a expansão para o leste, mas logo em seguida, os lupacas e collas do Titicaca se revoltam e obrigam-no a deixar a selva amazônica e se voltar novamente para o sul. Não só domina as tribos revoltadas como continua a expansão para o sul, dominando toda a atual Bolívia, o noroeste da Argentina e o norte e centro do Chile, até ser detido pelos índios mapuches ou araucanos às margens do rio Maule.

Em 1493, Tupaq Inka é sucedido pelo seu filho, mais pacífico, Wayna Qhapaq (em castelhano, Huayna ou Guayna Cápac), que se dedicou principalmente a aperfeiçoar a administração e manter a unidade do império reprimindo pequenos levantes, limitando-se a pequenas conquistas que completaram a ocupação do atual Equador e do sul da atual Colômbia, além de pequenas extensões da selva amazônica. O Império Inca está então em seu apogeu: cobre uma área estimada em quatro milhões de quilômetros quadrados e governa entre dez e quinze milhões de pessoas. Não há linguagem escrita, dinheiro ou comércio em escala significativa, pois as comunidades peruanas são tradicionalmente auto-suficientes e seus artesãos são servos do Estado. Portanto, seu sistema administrativo é tecnicamente muito primitivo. Apesar disso, é extremamente eficiente: um corpo de contadores mantém um controle minucioso de tudo o que é produzido no Império, garante que os chefes locais não abusem de seus privilégios, recruta camponeses para o serviço militar e de conservação das propriedades imperiais (estradas, templos, palácios) e garante o sustento dos mais necessitados (órfãos, viúvas, doentes etc.). Mensageiros a pé e um sistema de revezamento possibilitam comunicações rápidas através de todo o vasto território, e um vasto sistema de estradas viabiliza o rápido deslocamento dos exércitos; o recrutamento de funcionários e esposas da nobreza entre o povo comum, a adoção obrigatória do culto aos deuses incas e a migração forçada de populações unificam culturalmente o império. Esse sistema não é essencialmente diferente dos tradicionais despotismos asiáticos, mas a ausência de elites letradas e do dinheiro tornam o sistema inca mais transparente e muito menos vulnerável a corrupção.

No México, a tribo nômade dos astecas foi aceita nas terras da cidade-estado de Colhuacán, à qual pagavam tributos; mas, em 1323, homenagearam seus senhores esfolando viva em sacrifício a seus deuses uma princesa de Colhuacán dada a seu chefe como esposa. O rei, indignado, os expulsou de seu território e os astecas, detestados por todos os povos civilizados, vaguearam até atingirem uma ilha pantanosa no meio de um grande lago, hoje quase totalmente drenado, que se localizava no centro do território mexicano. Lá se cumpriu uma antiga profecia tribal que ordenava construir uma cidade onde se encontrasse uma águia sentada sobre um cacto e segurando no bico uma serpente, imagem que hoje consta da bandeira e do escudo mexicanos. Em 1325 fundam ali Tenochtítlan e, em 1345, Tlatelolco, e em 1367 começam a servir o rei Tezozómoc de Atzcapotzalco como guerreiros mercenários. 

Em 1426, Tezozómoc é sucedido por seu filho Maxtlatzín, hostil aos astecas, que os ameaça e pressiona. Entretanto, os astecas de Tenochtítlan, liderados pelo tlatoani Motecuhzoma I e seu ministro Tlacaélel a partir de 1440, fundam uma tríplice aliança com as cidades de Texcoco e Tlacopán e iniciam a construção de um grande império que, de 1486 a 1502 é estendido, pelo tlatoani Ahuítzotl, a ponto de cobrir quase todo o México central e parte do sul, até a fronteira da Guatemala. Ao contrário dos incas do Peru, que construíram uma eficiente administração imperial, os domínios astecas constituíam um mero império tributário, onde Tenochtítlan (que já havia anexado a vizinha Tlatelolco) impunha, com o auxílio de Texcoco e Tlacopán, um domínio militar e econômico sobre os estados conquistados, que mantinham sua autonomia interna mas pagavam tributos. Por outro lado, apesar de seu território ser dez vezes menor que o dos Incas, sua população era praticamente igual e seu grau de urbanização muito maior: a metrópole de Tenochtítlan-Tlatelolco chega a 250 mil habitantes, muito maior do que qualquer cidade européia de sua época, cinco vezes maior que Cuzco e inferior apenas às maiores metrópoles chinesas (Huangzhou, Beijing, Nanjing etc.). O comércio também era incomparavelmente mais desenvolvido que nos domínios incas e desenvolvia um sistema quase monetário baseado nos grãos de cacau, e havia linguagem escrita (embora menos desenvolvida que a dos maias). Porém, incapazes de se separar de sua tradição guerreira, os astecas toleravam a existência de dois pequenos estados independentes dentro de suas fronteiras (Tlaxcala e Huexotzingo), apenas para manter com eles uma guerra cerimonial permanente destinada a capturar prisioneiros para serem sacrificados a Huitzpolchotli: o coração destes era arrancado em vida e os cadáveres consumidos numa cerimônia antropofágica.

Em 1464, os maias-toltecas do Iucatã expulsaram os chefes itzás de Maiapán e dividiram seus domínios em 16 estados independentes, governados por uma elite que se considerava de origem tolteca. Os itzás refugiaram-se no norte da Guatemala, onde fundaram a cidade de Tayasal. Permaneciam também no México e imediações, como civilizações independentes dos astecas, os mixtecas que, a partir de 1350, se uniram com os zapotecas através de casamentos dinásticos, formando uma única civilização que reproduzia em Mitla o antiqüíssimo sistema teocrático dos zapotecas, desde 500 a.C. governados por reis-sacerdotes; os tarascos do oeste do México que se mantinham livres dos astecas graças a suas armas de cobre (únicas na América pré-colombiana) e os maia-toltecas do sul da Guatemala. 

É hoje uma questão muito polêmica a dimensão alcançada pela população indígena americana antes da conquista européia. As estimativas variam de menos de dez a mais de cem milhões, para uma população européia contemporânea de 60 a 80 milhões, africana de 40 a 100 milhões e asiática de 250 a 300 milhões. Por outro lado, é certo que a população do continente no início do século XVII foi da ordem de dez milhões e isso dá uma conotação política à questão: se os números mais elevados estão corretos, o massacre da população indígena das Américas foi de longe o pior genocídio da história, com o qual aqueles promovidos por Hitler e Stálin mal se comparam. 

Um estudo recente e bastante minucioso indica uma população de 57,3 milhões, cerca de 90% dos quais na atual América Latina e dos quais mais de metade concentrados nas grandes civilizações do México (asteca, mixteca-zapoteca e maia) e dos Andes (inca e muísca), que criaram poderosos impérios e cidades-estado. As outras maiores concentrações seriam as culturas de nível intermediário da Colômbia e América Central (chibchas) e do sul andino (mapuches e diaguitas), das Antilhas (caraíbas e arauaques), das margens dos rios amazônicos e platinos e do litoral brasileiro (tupi-guaranis), que formaram federações de tribos e organizações semi-estatais: acredita-se que, só na Ilha Hispaniola (Haiti e República Dominicana) viveram três milhões de índios e, nas várzeas amazônicas, talvez mais de 5 milhões. No restante do território, isto é, nos grandes planaltos e savanas da América do Sul e nas áreas mais profundas da Selva, viviam populações esparsas de caçadores e coletores semi-nômades, organizados em hordas ou em pequenas aldeias.

A Ásia, onde os mongóis conquistam também o sul da China em 1279 e a Indochina nos anos seguintes (restam independentes apenas o Japão, a Arábia e os rajás da Índia) é quase toda governada por Kublai Khan, herdeiro de Gengis Khan, até 1294. Nesse período, recebe a visita do veneziano Marco Polo, que levará à Europa as primeiras notícias das fabulosas civilizações e riquezas do Oriente desde a queda do Império Romano. Ao mesmo tempo, os cristãos são definitivamente expulsos dos territórios conquistados durante as Cruzadas na Palestina e se encerram os tempos gloriosos da cavalaria.

Na Europa, Alemanha, França e Itália do Norte praticamente não existem como Estados e estão pulverizadas numa multidão de pequenos e médios feudos, repúblicas camponesas e cidades-estado burguesas, unidas apenas pelo comércio e pela religião; o que resta do Império Bizantino, destroçado pela intervenção dos cruzados, não passa de um pequeno território em torno de sua capital. Fora da península ibérica, os únicos reinos europeus nos quais o poder central detém uma autoridade efetiva sobre seus vassalos são os formados pelos vikings, o que inclui os normandos que dominaram a Inglaterra e Nápoles. Mesmo nestes os reis dependem do consenso de seus nobres e aristocratas para governar (como mostrou a imposição da Carta Magna a João Sem Terra em 1215). 

Na península Ibérica, entretanto, a Igreja é a única instituição capaz de impor alguns limites ao poder do Estado. Como a tradição feudal germânica foi varrida pela ocupação árabe, o poder do monarca cristão se reconstrói a partir das tradições centralistas do direito canônico católico e do direito imperial romano para formar os mais centralizados reinos da Europa. Em Castela e Aragão, os senhores feudais são muito menos poderosos que o rei ou a Igreja, que que controlam o comércio e a maior parte das terras; em Portugal o feudalismo simplesmente não existe e os nobres não passam de proprietários de terras sem privilégios políticos fomais. Isso torna os reis ibéricos os mais poderosos da Cristandade, mas é uma faca de dois gumes, pois é no resto da Europa, na liberdade gozada pelas cada vez mais poderosas cidades-estado burguesas, que está se desenvolvendo o embrião do Ocidente moderno: uma burguesia dinâmica e progressista, que desafiará a Igreja e a cultura tradicionais, criará uma nova cultura humanista e dará origem ao capitalismo.

Enquanto isso não ocorre, o poder militar de Castela - sustentada por uma sólida economia de criação de gado nos seus planaltos áridos e pelos remanescentes da agricultura, mineração e indústria muçulmanas na Andaluzia - só tem rival no poder naval de Aragão que, sustentado pelo comércio com o Mediterrâneo, começa a ofuscar o tradicional predomínio das cidades-estado burguesas da Itália (Gênova e Veneza). Os reis de Castela e Aragão baseiam seu poder numa sólida aliança com a Igreja e no uso propagandístico da luta contra os judeus e muçulmanos: embora a Reconquista esteja praticamente terminada, o clima de guerra santa continua através da permanência do pequeno emirado de Granada, mas principalmente através da repressão da população não-cristã do antigo califado, cada vez mais obrigada a optar entre a conversão forçada ao cristianismo e a morte. Muitos dos judeus e muçulmanos fogem para o reino mais tolerante de Portugal, que chega a ter mais de 20% de judeus em sua população). Esse reino também serve de asilo aos Cavaleiros Templários: essa ordem, que havia se tornado excessivamente rica e poderosa ao longo das Cruzadas, também foi fortemente influenciada pelos conhecimentos científicos e filosóficos obtidos dos árabes e judeus, o que dá oportunidade a que seja acusada de heresia e dissolvida pelo Papa, mas seus remanescentes formam em Portugal a nova Ordem de Cristo. Esses refugiados de várias origens trazem a Portugal novas tecnologias, uma considerável cultura cosmopolita e os conhecimentos geográficos, químicos, navais e cartográficos das civilizações orientais.

Em 1348, a peste devasta a Europa, mas a mais rural Castela é menos afetada, se recupera mais rapidamente e cresce ainda mais em termos relativos, ao passo que as cidades e o comércio mediterrâneo decaem, enfraquecendo Aragão, Portugal e os estados italianos. Castela planeja unificar a Península e crescentemente pressiona os outros reinos através de acordos com suas nobrezas sacramentados através de matrimônios; uma das conseqüências é que o rei de Portugal, Alfonso IV, receando as conseqüências dessa estratégia manda matar a amante castelhana (Inês de Castro) de seu filho Pedro; este, ao herdar o trono como Pedro I (1355), obriga os dois assassinos de sua amante a beijarem a mão do cadáver exumado e manda que lhes arranquem vivos seus corações. Revela-se excelente administrador e torna-se um dos reis mais amados do povo de Portugal, mas permanece notório por suas amantes, uma das quais, Teresa Lourenço (de origem judia), lhe dá o filho João, especialmente querido e que aos sete anos é eleito grão-mestre da Ordem de Avis, a mais importante ordem de freires guerreiros de Portugal. 

A coroa portuguesa é herdada pelo único filho legítimo de Pedro, Fernando I, que superestima o poder e a prosperidade de seu reino e desperdiça seus recursos numa tentativa insensata e fracassada tentativa de conquistar Castela. Quando morre, em 1383, sem deixar descendentes, a viúva D. Leonor se alia aos castelhanos e os declara herdeiros de Portugal, mas o grão-mestre da Ordem de Avis dá um golpe de estado, se apodera do trono como João I e derrota o exército castelhano. Funda, com isso, uma nova dinastia, que levará Portugal ao auge de sua glória. Seu filho mais velho, Eduardo I, herdará o trono, mas sua fama será eclipsada pela de seu irmão Henrique que, com o auxílio de grandes cartógrafos, astrólogos e alquimistas judeus e muçulmanos, funda em Sagres a primeira escola naval do mundo. Planeja a exploração da costa da África para, primeiro, alcançar as lendárias minas de ouro da Guiné e do Império Máli de Timbuctu sem a mediação dos árabes e, depois, quem sabe, atingir o ainda mais lendários impérios orientais visitados por Marco Polo. A escola de Sagres inventa o sextante e o astrolábio navais a partir dos já bem conhecidos mas excessivamente complicados instrumentos da astrologia árabe; 
desenvolve o uso bússola; aperfeiçoa a construção naval. Pela primeira vez no Ocidente, se torna possível navegar em alto mar, abandonando as tradicionais referências geográficas e tomando as estrelas e a bússola como guia. 

Essa revolução tecnológica se articula com um renascimento do interesse pelas artes e ciências clássicas que já se desenvolvia desde 1250 nas cidades-estado da Itália enriquecidas pelo comércio do Mediterrâneo e por novas invenções das quase igualmente ricas (mas menos poderosas) cidades-estado alemãs e holandesas, enriquecidas pelo comércio do Báltico, nas quais surge a imprensa de Gutemberg e se inventa a contabilidade moderna, tornando possível uma administração racional do comércio e do lucro. Igualmente importante e inovador é o pragmatismo politico de Maquiavel, que formula pela primeira vez a possibilidade de se pensar a política como objeto de uma técnica e de uma ciência e não apenas do ponto de vista da filosofia moral cristã. O novo ciclo de descobertas supera até mesmo a idade de ouro dos descobrimentos árabes e chineses .
Em 1419, os portugueses descobrem e colonizam a Ilha da Madeira, em 1435 os Açores, em 1445 as ilhas de Cabo Verde e a costa da África Ocidental. Além de monopolizar o comércio de ouro e escravos com a África Ocidental e assim enfraquecer os estados árabes da África do Norte, em 1440 os portugueses introduzem, na ilha da Madeira, o cultivo da cana e a indústria do açúcar. A produção portuguesa derruba os preços do produto (até então, uma rara especiaria) mas expande o seu mercado a ponto de transformá-lo no mais importante item do comércio internacional. 

Enquanto isso, Aragão se recupera economicamente e conquista também as ilhas do Mediterrâneo Ocidental e, em 1442, conquista Nápoles e todo o sul da Itália, além de colônias na Grécia. Porém, os dias de glória do comércio mediterrâneo (assim como o do mar Báltico) estavam contados: em 1453, os turcos otomanos tomam Constantinopla e os últimos redutos bizantinos, interrompendo um animado debate teológico sobre o sexo dos anjos.

Em mais quinze anos, os otomanos dominam toda a península balcânica e a Ásia Menor. Seu império se torna uma potência muçulmana agressiva e obscurantista, mas avançada no uso da tecnologia militar, que além de novamente colocar em perigo a civilização cristã e liquidar o que restava do antigo brilho da civilização árabe, bloqueia totalmente o comércio da Europa com o Oriente através do Mediterrâneo Oriental.

Isso mais uma vez reanima no Ocidente o espírito de Cruzada e de intolerância cristão. O Papado tenta lançar uma nova Cruzada; não tem sucesso em convencer os reis da Europa, mas consegue estabelecer de forma inédita seu poder absoluto sobre a Igreja, esmagando os movimentos reformistas. A queda de Constantinopla dá também um impulso decisivo às navegações portuguesas, que agora buscam sistematicamente estabelecer uma nova rota para o comércio com o Oriente: em 1482 chegam ao reino bantu do Congo, cujo rei aceita a proteção portuguesa e a conversão ao cristianismo; em 1487 alcançam o Cabo da Boa Esperança e verificam ser possível alcançar a Índias através do sul da África. 

Porém, o agora poderoso Portugal, ao tentar novamente conquistar Castela em 1476, facilita a fusão de Aragão e Castela em 1479 através do casamento do rei Fernando de Aragão com a rainha Isabel de Castela, criando uma potência militar de oito milhões de habitantes, sem igual no mundo ocidental: a Espanha. A Igreja, que havia fracassado em reunir contra os turcos os principados cristãos, vê nessa nova potência um protetor mais eficaz que o rei da França, pouco entusiasmado pela religião e preocupado em unificar seu fragmentado país. Vê, talvez, uma nova oportunidade de reconstruir o Sacro Império Romano. Em 1485, a Igreja elege um Papa espanhol e estabelece uma aliança preferencial com a Fernando e Isabel, que ganham o título de "Reis Católicos". Em contrapartida, a Espanha dá amplos poderes à Inquisição e retoma a perseguição aos judeus e muçulmanos, que são definitivamente expulsos do país e se lança à conquista do emirado de Granada, conseguindo a vitória final em 1492.

Ao mesmo tempo, um navegador genovês procurava interessar os reis portugueses em sua teoria de que seria mais rápido e fácil alcançar as Índias pelo Ocidente, navegando através do Atlântico. Desde a difusão da filosofia aristotélica pelo Ocidente no século XIII, era amplamente conhecido das camadas educadas da Europa que a Terra é redonda (como mostra a Divina Comédia de Dante, de 1320), mas não havia consenso quanto às suas dimensões exatas. O genovês Colombo acreditava que ela era muito menor do que geralmente se pensava, o que tornaria possível alcançar as costas do legendário império de Kublai Khan e do supostamente riquíssimo Japão em menos de um mês de viagem a partir de Lisboa. Entretanto, os portugueses acreditavam (corretamente), que a Terra era bem maior, de forma que apenas a rota do Oriente seria comercialmente viável. Recusaram-se a investir no plano de Colombo e concentraram seus recursos na preparação de uma grande expedição à Índia através da África do Sul. 

Porém, os reis de Castela — apesar dos conselhos de seus assessores e talvez justamente por serem menos ilustrados — julgaram que valeria a pena investir no genovês e, logo depois de sua vitória final sobre Granada, autorizaram e financiaram uma expedição de três navios. Em 3/8/1492, Colombo parte de Palos e, em 12/10/1492, avistam a ilha Guanahani nas Bahamas e, em seguida, descobrem Cuba e Santo Domingo (chamada Haiti pelos índios e Hispaniola pelos geógrafos modernos). Colombo acredita tratar-se de ilhas de um arquipélago indiano ou malaio próximo do Japão e, por isso, chama seus habitantes de índios.

Meses após, em maio de 1493, o papa espanhol Rodrigo Borgia (Alexandre VI) expede a bula Inter coetera, dando exclusividade à Espanha na exploração e cristianização de todas as terras descobertas ou por descobrir a mais de 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde (a totalidade das Américas), deixando a Portugal direitos sobre as terras a leste (África e a Ásia). Os reis espanhóis, financiam agora uma grande expedição de conquista, com 17 navios e 1500 homens que, sob o comando de Colombo, funda uma colônia em Santo Domingo. Entretanto, o ainda poderoso reino de Portugal, não aceita a partilha imposta pelo Papa e, em 1494 impõe à Espanha o Tratado de Tordesilhas, pelo qual o domínio português seria estendido para 370 léguas a oeste de Cabo Verde, garantindo, assim, seu controle do Atlântico Sul e do que viria a ser o Brasil.

A administração de Colombo em Santo Domingo, além de iniciar o massacre de seus cerca de três milhões de índios, que seriam reduzidos a quase nada em menos de vinte anos, consegue criar descontentamento entre os próprios colonos espanhóis. Colombo é afastado e reconduzido à Espanha para se defender das acusações. Consegue ser absolvido e organizar uma terceira expedição em 1498, que alcança a foz do grande rio Orenoco, que prova a existência de um grande continente. Entretanto, Colombo continua acreditando que está próximo da Ásia e que o novo continente é nada menos que o Paraíso Terrestre e, quando volta a Santo Domingo, os colonos espanhóis se revoltam. A Espanha envia então um governador que, com amplos poderes judiciais, manda prender Colombo e pacifica a colônia.

Enquanto isso, a expedição portuguesa de Vasco da Gama finalmente contorna a África do Sul e chega à verdadeira Índia, estabelecendo uma rota comercial que lhes daria o monopólio das especiarias do Oriente e o controle total das costas da África. 

As mudanças das rotas comerciais do ouro e o domínio português da costa levam à decadência as civilizações africanas, inclusive do Máli é conquistado pelos Songhai em 1493; estes criam um império negro ainda mais vasto, mas cujo comércio continuava sendo cada vez mais minado pelos portugueses, que se apoderavam da maior parte do ouro da costa africana. 


1500-1600


Em 1500, Portugal envia grande frota, comandada pelo diplomata Pedro Álvares Cabral, que além de estabelecer relações diplomáticas e o domínio comercial de Portugal sobre as Índias orientais — da Arábia à Indonésia — também toma posse do Brasil em 22 de abril, garantindo o controle português sobre as duas margens do Atlântico Sul. Gradualmente, as costas da África, do Brasil e da Índia, as ilhas do Ceilão e da Indonésia e a península da Malásia se tornam colônias portuguesas. Ao mesmo tempo, o rei português D. Manuel procura aproximar-se politicamente da poderosa Espanha; casa-se com uma princesa espanhola e aceita introduzir a Inquisição e expulsar os judeus de seu país. Os que não aceitam a conversão se refugiam na Inglaterra (incluindo os ancestrais de Disraeli e David Ricardo) na Holanda (incluindo a família do filósofo Baruch Espinosa) e nas terras do Império Otomano (onde constituem a comunidade dos sefarditas).

No mesmo ano de 1500, a expedição do navegador Américo Vespúcio faz um extenso reconhecimento das costas continentais das terras descobertas pela Espanha e, com o trabalho do cartógrafo Juan de la Cosa estabelece sem dar margem a dúvidas que se trata de um novo e desconhecido continente e não de parte da Ásia. Em homenagem ao navegador, essa nova parte do mundo passa a ser chamada América pelos cartógrafos europeus, embora a Espanha continue, durante todo o período colonial, denominando suas terras de Índias Ocidentais e Colombo permaneça convencido de que suas terras são mesmo asiáticas. Em 1503, perdoado, comanda uma última expedição que descobre as costas da América Central, desta vez sem poderes administrativos e proibido de se aproximar de Santo Domingo.

Na Europa, a Espanha em 1512 anexa Navarra e conquista Milão, que somada à já anexada Itália do Sul e ao Papado transformado em protetorado consolida seu total domíno sobre a Itália. Fernando morre em 1516, deixando apenas uma filha doente mental. O duque flamengo Carlos de Habsburgo, então com 16 anos e já senhor dos domínios borgonheses nos Países Baixos e leste da França, herda do seu avô materno Fernando a coroa espanhola e, com ela, a América e a Itália. Finalmente, em 1519, herda do avô paterno — Imperador Maximiliano do Sacro Império Romano — seus ducados na Áustria e norte da Itália e o direito a ser proposto à coroa imperial, tornando-se assim o mais poderoso soberano europeu desde Carlos Magno e o responsável pelas duas frentes de luta contra os infiéis: a África do Norte e Hungria, conquistadas, entre 1520 e 1529, pelo Império Otomano (exceto o Marrocos, que continua independente mas igualmente hostil ao cristianismo). Carlos consegue ser eleito Imperador Carlos V pela alta nobreza da Alemanha, mas para isso se endivida pesadamente com casas bancárias alemãs - inclusive com os Welser, que receberão o oeste da Venezuela como parte de seu pagamento.

Sua eleição se torna, porém, praticamente inútil: no mesmo ano, Lutero se rebela contra a venda de indulgências promovida pelo Papado com o objetivo de reunir fundos para construir a Basílica de São Pedro e desencadeia uma ampla rebelião alemã contra a Igreja e, ao mesmo tempo, muitos príncipes e burgos alemães vêem no protestantismo a oportunidade de conquistar mais autonomia em relação ao Imperador e se aliam aos inimigos de Carlos V, a França e Inglaterra, que lutam contra a pretensão hispano-germânica de estabelecer um Império católico pan-europeu. O próprio Papa não endossa a pretensão de imperial de Carlos e, temendo por sua independência enquanto soberano dos Estados Pontifícios, se une aos inimigos do imperador até ser derrotado por este em 1527.

O resultado é uma série de guerras que resultam num endividamento ainda maior do Imperador, no seu enfraquecimento como líder da Europa e no fim da hegemonia da Igreja Católica Romana. Com exceção da Polônia, praticamente todos os países que ficavam fora dos limites do antigo Império Romano (e, portanto, onde a implantação da cultura católico-romana era mais recente e menos sólida) se converteram ao protestantismo. Até mesmo os frades guerreiros da ordem dos Cavaleiros Teutônicos abandonam as cruzadas e os votos sagrados para se converter ao luteranismo e fundar o ducado da Prússia. A Inglaterra, embora não adote a democrática organização protestante nem suas doutrinas 
teologicamente radicais, separa sua Igreja de Roma e cria o anglicanismo em 1534.
Em compensação, na América, seu Império se expandia com uma velocidade sem precedentes: em 1513, os espanhóis fundam a colônia do Panamá, a primeira no continente; descobrem então o Oceano Pacífico e ouvem falar da existência de grandes e ricos impérios. No Peru, o soberano inca Wayna Qhapaq tem notícia do avistamento de um navio nas suas costas: é a vanguarda dos primeiros exploradores espanhóis, liderados por Vasco Nuñez de Balboa e que, vindo do Panamá, descobrem a Costa sul-americana do Pacífico. 

Em 1519, Hernán Cortéz é enviado para averiguar esses boatos e sai de Cuba para explorar o Iucatã, onde descobre a civilização maia e tem notícias do grande império asteca. Com ajuda de uma mulher maia, Malíntzin ou Malinche, que lhe serve de intérprete, Cortéz desembarca nas costas astecas, tão decidido a conquistar os astecas que manda queimar seus navios para dissuadir seus 400 homens de voltar e firma uma aliança com os tlaxcaltecas. Porém, para sua surpresa, os sacerdotes astecas o confundem com o Quetzalcóatl expulso de Tollán em 987, o qual as profecias descreviam como "pálido e barbudo" e diziam que voltaria precisamente naquele momento. Cortéz é recebido como um deus pelo tlatoani asteca Motecuhzoma II (imperador Montezuma para os espanhóis), que lhe oferece pacificamente seu trono. Entretanto, o governador de Cuba, informado da atitude de Córtez, manda detê-lo; Córtez, informado pelos astecas do novo desembarque, deixa Tenochtítlan nas mãos de seu lugar-tenente Pedro de Alvarado e parte para combater os recém-chegados. Estes são derrotados e incorporados em seu exército, mas enquanto isso Alvarado desrespeita os deuses astecas e promove um massacre entre a nobreza indígena. Os astecas se revoltam, dizimam os espanhóis — que a custo conseguem fugir da cidade — e matam Motecuhzoma. Cortéz é obrigado agora a enfrentar um exército de cem mil astecas, mas utiliza muito bem o maquiavelismo e as técnicas de trair no momento certo e de se aproveitar das divisões dos adversários aprendidas pelos espanhóis durante os séculos de luta com os árabes. Em 1521, Cuauhtémoc, último tlatoani, é aprisionado e Cortéz submete todo o império asteca, enviando em seguida expedições que conquistam os maias do Iucatã e da Guatemala, anexando a América Central ao novo vice-reino do México, ou Nova Espanha.

Nesse período, a expedição espanhola de Fernão de Magalhães completava a volta ao mundo, mas ao mesmo tempo demonstrava ser pouco prática a travessia do Pacífico e o comércio com as Índias através do Ocidente. Mesmo assim, os espanhóis colonizam as Filipinas e quebram parcialmente o monopólio português na região. 

Em 1515, os índios de Santo Domingo estão reduzidos a quinze mil e, em meados do século XVI já são apenas 200. O massacre dos índios em Santo Domingo e na América Central escandalizam o frei Bartolomé de las Casas (nomeado bispo de Chiapas após a conquista do México), que inicia um amplo debate na Igreja sobre a questão. A Igreja começa a incentivar a importação de escravos africanos, pretendendo com isso proteger o que restava da população indígena para facilitar sua catequização, ao mesmo tempo que convertia ao catolicismo os escravos recém-trazidos da África. Porém, o seu sucesso econômico foi devido à maior facilidade de dominar os africanos desenraizados, longe de suas terras e de suas famílias, do que os índios ainda relativamente organizados; além disso, a maioria dos africanos tinha uma prática da agricultura tropical e de técnicas metalúrgicas mais apropriada para as plantações coloniais, bem como uma maior resistência às doenças trazidas do Velho Mundo: um escravo africano chegou a valer cinco índios. A partir de 1518, o tráfico de escravos africanos atinge uma escala muito maior e se torna uma das principais fontes de riqueza de Portugal.

O número de escravos africanos capturados e trazidos à América é quase tão polêmico quanto o número da população indígena original, por razões semelhantes. A população efetivamente entrada na América de 1502 a 1870 é estimada em 9 a 15 milhões (dos quais, pelo menos 60% para a atual América Latina), mas sabe-se que a maioria dos africanos embarcados morreu ao longo da viagem (80% nos primeiros tempos, 50% nos últimos anos do tráfico) e que muitos outros morreram nas lutas que levaram à sua captura. É provável que mais de 50 milhões de pessoas tenham sido mortas neste processo e se sabe que a sobrevida média dos escravos nas plantações foi de apenas sete anos. 

América começa a ser devastada por epidemias de gripe e varíola, difundidas pelos primeiros conquistadores espanhóis e de uma das quais morre o Sapan Inka, em 1525, deflagrando uma crise política. Apesar da organização minuciosa da administração, os incas não tinham regras sucessórias claras e qualquer um dos seus muitos filhos podia ser indicado como sucessor, e Wayna Qhapaq optou por dividir o império entre dois filhos: Ataw Wallpa (chamado Atabaliba ou Atahuallpa pelos espanhóis), filho de uma princesa de Quito, herdou esse distrito que constituía o extremo norte do Império e Waskar (em castelhano, Huáscar), filho de uma irmã de Wayna Qhapaq e por isso dotado de maior legitimidade aos olhos da corte de Cuzco, herdou o restante do império. Ambos os irmão ficaram insatisfeitos com a partilha e iniciam uma guerra civil.

Essa guerra revelou-se desastrosa para os incas, pois os enfraqueceu no momento exato em que a Espanha autoriza um pobre militar, Francisco Pizarro, a reunir alguns soldados para efetuar uma expedição e averiguar os boatos que falavam de uma terra riquíssima em ouro, chamada Peru pelos índios do Panamá. Pizarro organizou uma primeira viagem em 1524 e outra em 1526, na qual viu e ouviu o suficiente para convencer-se de que tinha uma oportunidade única de repetir a incrível aventura mexicana de Hernán Cortéz. Em 1532, chefiou a terceira e última viagem, desembarcando em Tumbes com 168 homens. 

Nesse momento, Ataw Wallpa tinha acabado de capturar o rival Waskar e de massacrar seus partidários, inclusive centenas de membros da família imperial inca. Estava reunido com um exército de cinqüenta mil homens e seus prisioneiros na atual Cajamarca, quando inesperadamente surgiram os homens de Pizarro. Apesar de surpreendidos, os incas não tomaram os invasores por deuses, como fez o pobre imperador asteca, mas, conscientes de sua enorme superioridade numérica, os receberam com curiosidade e certo desprezo. Pizarro, dando-se conta da situação, percebeu que só através de uma armadilha poderia vencer os incas: convidou o Sapan Inka para um encontro para o qual o soberano, vítima de excesso de confiança, compareceu com guardas desarmados. Sob o pretexto de que "Atabaliba" recusava-se a se converter ao catolicismo (atabalhoadamente explicado a Ataw Wallpa por um frade espanhol), os espanhóis massacraram o cortejo imperial e o próprio Sapan Inka teve de ser salvo dos espanhóis, no último momento, pelo próprio Pizarro, consciente de que se, não o tivesse como refém, seria esmagado pelo indignado exército inca. 
Na tentativa de obter sua libertação e ganhar tempo, Ataw Wallpa oferece como resgate encher um grande salão uma vez de ouro e duas de prata, até onde a ponta dos seus dedos alcançava (cerca de 917 mil onças espanholas de ouro). Entretanto, enquanto os tesouros eram trazidos a Q'asamarka, os espanhóis negociavam com a facção da nobreza inca favorável a Waskar. Informado disso, Ataw Wallpa ordenou secretamente a morte de Waskar. Na iminência de perder o controle da situação, os espanhóis executaram Ataw Wallpa e coroaram Tupaq Wallpa, um príncipe da facção de Waskar que aceitou converter-se ao cristianismo e jurar fidelidade como vassalo do rei da Espanha, com o título de Manco Cápac II. Grande parte dos tesouros que estavam sendo trazidos foram então dispersados e escondidos pelos incas fiéis a Ataw Wallpa, dando origem à lenda do "tesouro perdido dos incas", longamente procurado pelos conquistadores.

Apesar dos ataques dos incas fiéis a Ataw Wallpa, os espanhóis e seus partidários entre os incas conseguiram repelir os ataques e chegar a Cuzco em 1533, onde foi entronizado Manco Cápac II. Entretanto, este, em 1535, acabou por se rebelar contra sua condição de fantoche dos espanhóis e, depois de tentar sitiá-los em Lima (fundada nesse mesmo ano) e em Cuzco, acabou fugindo para a serra de Vilcabamba onde ele e seus sucessores mantiveram a luta contra os espanhóis até 1572, quando o último Sapan Inka, Tupaq Amaru, foi capturado e executado pelos espanhóis. Enquanto isso, em 1537, os espanhóis chegavam à bacia do Prata, onde fundaram a cidade de Asunción (Paraguai), a partir da qual colonizariam também a atual Argentina.

Boatos de um terceiro e supostamente ainda mais rico império começam a se espalhar e três expedições convergem para o planalto colombiano à procura de um reino governado por um soberano chamado El Dorado, que seria ainda mais rico em ouro que o Sapan Inka. Em 1535 três expedições se lançam rumo à atual Colômbia Central: uma, comandada por Quesada, parte da colônia espanhola estabelecida em 1525 no litoral do Caribe; outra, liderada por um dos homens de Pizarro, parte do antigo Império Inca e a terceira parte da colônia alemã dos Welser. As três se encontram em 1538 perto da capital muísca de Bacatá, praticamente completando a conquista espanhola das Américas mas não encontrando riquezas que justificassem a lenda do Eldorado. Novas expedições espanholas (Orellana e Aguirre) seriam enviadas à sua busca na Amazônia e Guianas em 1542-44, mas fracassaram e a vasta região seria abandonada até que os portugueses se decidissem a ocupá-la. 

A população indígena caiu rapidamente, devastada por epidemias e pela exploração excessiva dos índios, obrigados a se afastar da sua tradicional agricultura de subsistência. Os conquistadores espanhóis - que pretendiam se tornar uma aristocracia feudal hereditária através de casamentos com mulheres da nobreza indígena - dividiram entre si os índios e suas terras para lhes prestar serviços forçados, principalmente na agricultura e na mineração, reproduzindo a antiga relação feudal entre servo e senhor no sistema conhecido geralmente como encomienda (isto é, os índios eram "encomendados" aos senhores para serem educados na religião cristã) e, na mineração da região andina, como mita (do nome dado pelos incas ao trabalho comunitário obrigatório). Porém, a descoberta de riquíssimas minas de prata em Potosí, Alto Peru (1545) e Zacatecas, norte do México (1546) decidem a Espanha a assumir o controle direto dos territórios e evitar que os conquistadores se tornassem um poder autônomo e hereditário. Os encomenderos do Peru revoltam-se contra a coroa, mas são vencidos em 1560 e perderão sua autonomia política e militar. Continuarão tendo direito ao trabalho forçado dos índios, mas sob concessão da coroa espanhola e sujeitos a controles. Passam a ser obrigados a pagar uma remuneração mínima aos índios, a lhes deixar parte de suas terras e o tempo necessário para trabalhá-las e são obrigados a manter sacerdotes para educar os índios no cristianismo, ficando sujeitos a destituição em caso de abusos. A mita é controlada pelo Estado e geralmente utilizada como forma de punição à rebeldia ou à heterodoxia religiosa.

Isso parece ter contribuído para uma relativa preservação da população indígena do continente, ao contrário do que ocorreu em Santo Domingo e nas demais Antilhas, onde os índios se extinguiram totalmente antes que se tomassem medidas de proteção. Mesmo assim, por volta de 1600 a população da América Espanhola havia caído para apenas 12 milhões de habitantes, incluindo 100 mil espanhóis e dezenas de milhares de escravos africanos. Estes se concentraram principalmente em Santo Domingo, onde as tentativas de promover um povoamento em massa com camponeses espanhóis fracassaram, mas que deixaram como herança uma estrutura agrícola de pequenas propriedade agrícolas, rara na América Latina. A única região onde o povoamento por camponeses espanhóis foi bem-sucedido foi a Costa Rica, cujo planalto tinha um clima peculiarmente temperado e que também mantém até hoje um sistema de pequenas propriedades.

Em toda a América Espanhola, são construídas cidades planejadas de acordo com os melhores urbanistas da Renascença e se fundam universidades (Santo Domingo em 1538, Lima em 1551, México em 1553, Bogotá em 1592, Cuzco em 1598 e Caracas em 1642), 4 arcebispados e 24 dioceses; na Espanha, uma nova e moderna capital imperial é construída em Madrid (1561), substituindo a pequena e medieval Toledo. As áreas continentais sob domínio espanhol são organizadas através de dois grandes vice-reinos, México e Peru; e as ilhas do Caribe são subordinadas a Santo Domingo (e também a Venezuela, a partir da extinção da concessão aos Welser em 1556). Juristas, burocratas e teólogos são enviados para assumir as tarefas administrativas, criando uma estrutura administrativa racional de proporções sem precedentes na história moderna. Em torno das minas de prata do Alto Peru, em Potosí, surge uma cidade de 160 mil habitantes, que por algum tempo será a segunda maior do Ocidente, menor apenas que Londres. Lima, capital do próspero vice-reino da Nova Castela, se torna a "Pérola do Pacífico" e a mais rica e luxuosa cidade do Império Espanhol. No Chile central desenvolvem-se fazendas de trigo, para que a oligarquia limenha possa comer pão branco.

Em busca de Eldorados ou atrás das fontes do Paraíso (que, segundo a lenda, proporcionariam a juventude eterna), os espanhóis exploram e ocupam a maior parte da América do Norte, a Flórida e a bacia do Prata; só são detidos pelos valorosos índios mapuches do sul do Chile e da Argentina - que comandados pelos seu toki (chefe militar supremo), conseguem vencer os conquistadores em 1553 e preservarão sua independência até 1870 - e pelas inóspitas selvas, pântanos e planaltos tropicais do interior da América do Sul, que aparentemente não valem o imenso esforço necessário para conquistá-los.

A fabulosa riqueza em prata extraída das Américas provoca uma elevação de 300% nos preços em todo o mundo, desvalorizam as rendas dos senhores feudais e desequilibram decisivamente a balança do poder econômico em favor do comércio ultramarino que só os reis podem taxar. Porém, os grandes beneficiários desse processo não são os espanhóis, mas os reis da Inglaterra e da França e os burgueses da Holanda. Ao contrário dos países ibéricos, cujo clima relativamente ameno mantinha sua população ocupada na agropecuária todo o ano, esses países têm invernos rigorosos que obrigam seu povo a permanecer em casa e dedicar-se a trabalhos artesanais, que desde a Idade Média haviam se tornado um importante produto de exportação. Através da exportação de seus produtos manufaturados para os enriquecidos aristocratas ibéricos, desenvolviam uma indústria sólida e estimulavam o progresso tecnológico, que se mostraria muito mais sólido como base de uma economia capitalista que a exploração parasitária das riquezas orientais e latino-americanas. Em comparação às imensas fortunas de seus reis e grandes mercadores, os outrora poderosos senhores feudais cada vez mais se reduzem a meros proprietários rurais, obrigados a se reunirem às cortes reais para manterem alguma influência política e não serem tratados como provincianos insignificantes e ignorantes; as cidade-estado burguesas do interior perdem importância para os novos e grande portos marítimos. França, Inglaterra e Holanda logo se tornam ainda mais ricas e centralizadas que a Espanha. Entretanto, o trabalho árduo, por si só, não garantiu o sucesso: precisou ser complementado pela boa sorte que deu a esses países acesso direto ao Atlântico. A Alemanha, sem esse acesso, continuou relativamente atrasada e fragmentada, apesar de contar com artesãos igualmente bons.

O poder se centraliza em torno dos novos e ricos estados nacionais formados em torno dos reis absolutistas europeus, cujo poder e riqueza logo será muito superior ao dos maiores impérios orientais, permitindo que a assustadora expansão do Império Otomano seja definitivamente detida na Batalha de Lepanto, em 1572. Dessa forma, a prata americana dá o impulso decisivo para que o capitalismo ocidental, com sua tradição de individualismo e liberalismo, predomine definitivamente sobre as até então poderosas civilizações orientais e sobre as sagradas tradições feudais. 

Já no Brasil, então uma mera base estratégica para o comércio português com a África e o Oriente, se adota um modelo totalmente diferente, mais baseado na iniciativa privada do que no planejamento metódico. As terras são divididas em capitanias hereditárias e subdivididas em sesmarias entregues a grandes mercadores e aristocratas portugueses, para que a explorem a seu bel-prazer. Inicialmente, limitam-se a extrair riquezas naturais (principalmente pau-brasil), mas logo compreendem a necessidade de ocupar efetivamente o território sob pena de vê-lo cair nas mãos de piratas ou dos franceses. Em 1532 fundam a primeira vila, São Vicente, mas as povoações crescem aleatoriamente, em função de conveniências comerciais. Só em 1548 é fundada uma cidade (Salvador) e nomeado um governador geral, mas este se limita a supervisionar os capitães-gerais hereditários e a administrar ou redistribuir as capitanias abandonadas por seus donatários. A presença da Igreja se limita a um unico bispado e, no interior, há apenas missionários jesuítas; não há educação de nível superior e não haverá até o século XIX. O processo de colonização é muito mais lento: em 1600, há apenas 65 mil colonos, incluindo 20 mil escravos africanos e 35 mil índios, uma população ainda muito pequena se comparada com a dos índios livres do interior do Brasil e irrisória frente à do Império Espanhol. Entretanto, estes colonos produzem açúcar suficiente para quase eliminar a concorrência das Antilhas espanholas e continuar garantindo a Portugal o monopólio do produto, que ainda é o mais importante do comércio internacional. 

Em 1555, porém, Carlos V se dá por vencido na Europa. Reconhece a liberdade religiosa dos protestantes na Alemanha e renuncia em 1556 a seus domínios, que são divididos por seus dois filhos: um deles, Fernando, herda a Áustria (e o Sacro Império Romano-Germânico, enfraquecido pela cisão religiosa) e o outro, Filipe, a Espanha com seus domínios na América, Itália e Países Baixos. Com isso, os Welser perdem sua concessão na Venezuela, que se torna dependência de Santo Domingo.

Garcilaso Inca de la Vega, filho de um conquistador espanhol e de uma sobrinha do último Inca, viaja para a Espanha em 1560 e redige os Comentários Reais, história do seu país onde descreve com orgulho as realizações incas ao mesmo tempo em que elogia os espanhóis por trazerem o cristianismo a seu país e punirem o "usurpador Atahuallpa". Sua entusiástica descrição do regime inca e as aparentes semelhanças deste com a República de Platão (controle estatal da propriedade, organização racional da administração, seleção da elite governante etc.) iriam influenciar o pensamento político europeu e a formulação das utopias de sua época, particularmente a Utopia de Thomas Morus, a Cidade do Sol de Campanella e a Nova Atlântida de Sir Francis Bacon, contribuindo para o início da história do socialismo. Sua imagem muito favorável do regime inca também contribuiria para que, até o século XVIII, os maiores movimentos anticoloniais da região andina se apresentassem como tentativas de restauração do Império Inca. 

Os incas não são os únicos americanos a impressionar os europeus: a partir das informações trazidas pelos colonizadores da América e pelos navegadores do Oriente, o pensador francês Montaigne descobre a existência de culturas e moralidades totalmente diferentes das européias, mas igualmente coerentes e racionais. Mesmo os tupi-guaranis e caraíbas antropófagos e os cruéis índios norte-americanos mostram uma integridade e uma coragem à toda prova, em comparação com a hipocrisia, desonestidade e incoerência de seus conquistadores. Suas instituições, se analisadas friamente, são mais justas e racionais que as européias: acaso não é mais nobre devorar o cadáver do inimigo do que abandoná-lo aos cães e corvos? Isso permite relativizar o valor dos costumes e da moral cristã e iniciar uma importante tradição ocidental de autocrítica - ou melhor, de crítica das idéias e valores tradicionais em nome da razão - que desembocará na tradição francesa de relativismo cético e no iluminismo. Por outro lado, o inglês Hobbes usa os mesmos exemplos para demonstrar que o ser humano, se deixado em total liberdade, cai na completa selvageria, demonstrando assim a necessidade de uma monarquia absoluta.

Uma boa demonstração das teorias de Hobbes parecia ser o florescimento da pirataria. Um número crescente de filibusteiros e piratas livres criava bases nas abandonadas ilhas menores das Antilhas e se especializava em saquear os galeões espanhóis carregados da prata do México e do Peru. Entretanto, os mais temíveis não eram os muitos pequenos saqueadores em causa própria e sim os grandes corsários financiados pelos rivais da Espanha, notadamente a Inglaterra. Os mais notável destes, Sir Francis Drake, seria até mesmo elevado à nobreza pela rainha Elizabeth I, depois de espalhar a morte e o terror pelos navios e portos espanhóis do Caribe. Seu exemplo seria seguido por outros nomes igualmente terríveis que chegariam tão longe quanto as bases portuguesas do Rio de Janeiro e manteriam uma guerrilha marítima contra a Espanha até o início do século XVIII. 

A Inglaterra também começa a testar sua vocação colonial ao ocupar e colonizar a Irlanda, até então ocupada pela última sociedade tribal da Europa e fazendo suas primeiras tentativas de colocar um pé nas Américas: devido a novos boatos que localizavam o legendário Eldorado nas Guianas, o aventureiro inglês Sir Walter Raleigh retomou a exploração da região. Para garantir o acesso às supostas riquezas da legendária Manoa do Eldorado, que de acordo com os boatos teria sido fundada por incas refugiados e se situaria num certo lago Parima no interior da Guiana. Trinidad foi ocupada pelos ingleses em 1595. Porém, os holandeses se estabeleceram a leste do Essequibo (colônia de Demerara) em 1581 e os espanhóis mantiveram a região a oeste como sua província venezuelana da Guayana. 

Em Portugal, crescia a influência política do poderoso Império espanhol, embora o país ainda estivesse cultural e economicamente próspero. O poeta português Luís de Camões compõe a última grande epopéia antiga (Os Lusíadas), mas os dias das glórias portuguesas estão contados e o espanhol Miguel de Cervantes irá ofuscá-lo, redigindo o primeiro grande romance moderno (Dom Quixote) em 1605. A família real portuguesa cada vez mais se envolve com a espanhola através de casamentos, e adere a seu espírito intolerante e ao desejo de combater os infiéis, custe o que custar. O resultado é que, em 1578, o jovem rei português Dom Sebastião, sem se preocupar em assegurar sua sucessão, parte numa cruzada para conquistar o Marrocos para o cristianismo, mas ele e a maior parte do exército português morrem numa desastrosa batalha. A coroa do indefeso reino fica para seu tio clérigo que, em 1580, a lega à Espanha. Com isso, a Espanha se novamente vê senhora de um império quase mundial: toda a Península Ibérica com suas dependências na Itália e Países-Baixos, mais as colônias na América, África e Ásia, que constituem o primeiro império da história no qual o sol "nunca se põe". 

A anexação de Portugal seria compensado pela perda da Holanda que, em 1581, com apoio inglês, reinicia sua luta pela independência e se torna uma república puritana. A ainda poderosa Espanha tenta reagir, mas em 1588 sua "Invencível Armada", enfraquecida pela perda de muitos navios numa tempestade, será derrotada em sua tentativa de submeter a Inglaterra e a Holanda. A luta, porém, continua até 1609, quando a Espanha firma uma trégua com os holandeses em troca do controle da atual Bélgica.

Na África, o empobrecido Império Songhai cai sob o domínio marroquino em 1591; as civilizações da costa são saqueadas pelos traficantes de escravos portugueses ou se aliam a estes para capturar e vender escravos de outras tribos, como fazem os reinos fon de Daomé e iorubá de Oyó. Entretanto, o projeto português de colonizar efetivamente Angola e seu interior da mesma forma que faziam no Brasil foi frustrada pela rebelião da rainha Nzinga de Ndongo. Sua revolta em 1575 contra Portugal e contra o cristianismo, seguida depois por outras revoltas dos chefes bantus no interior obriga os colonos portugueses a se restringirem às feitorias costeiras e ao tráfico de escravos. Chegam às Américas 5.000 escravos por ano, mas como sua mortalidade nos infectos e superlotados navios negreiros chega a 80%, isso implica a captura de mais de 25.000 africanos por ano. Já é o suficiente para desorganizar as tradicionais culturas africanas e interromper seu desenvolvimento.


1600-1700


Desenvolve-se na maior parte da América Espanhola uma economia auto-suficiente, baseada no trabalho de índios agrupados pelos encomenderos em grandes haciendas que criam gado e ao mesmo tempo se dedicam à agricultura de produtos destinados à subsistência dos moradores ou à venda nos mercados locais, principalmente o milho e a batata; ao lado destas haciendas, permanecem áreas destinadas à subsistência das comunidades indígenas, conhecidas no México como ejidos. Nas vilas, se desenvolve o artesanato têxtil e o de produtos de couro. 

No Caribe e na costa peruana, à semelhança do Brasil, desenvolve-se uma economia de cultivo e exportação de produtos tropicais, baseada no trabalho dos escravos africanos e que é levada a extremos de produtividade e eficácia nas pequenas ilhas ocupadas pelos novos colonizadores franceses e ingleses: a Jamaica e mesmo a pequena ilha de Barbados logo ultrapassam em produção de açúcar o imenso Brasil português, agora na maior parte ocupado pelos holandeses. Também são exceção ao contexto econômico geral (mas insignificantes em termos de população) as pastagens da Bacia do Prata, do norte do México e dos llanos do Orenoco, dedicadas à criação extensiva de gado, conduzida por trabalhadores mestiços livres.

Numa vasta terra de ninguém entre a América Espanhola e as áreas já ocupadas do Brasil, os jesuítas desenvolvem uma curiosa sociedade, que foi provavelmente a maior experiência utópica antes da Revolução Russa: reúnem centenas de milhares de índios na bacia do Paraguai e os concentram em cidades concebidas à imagem das utopias européias, onde toda a propriedade é comunitária e o trabalho é dividido igualmente entre todos. Os índios são educados e alfabetizados em sua língua guarani e têm um padrão de vida muito superior aos servos dos encomenderos, mas são submetidos a uma disciplina de colégio interno, onde o badalar dos sinos das igrejas jesuíticas estabelece a hora de acordar, de trabalhar, de comer, de cumprir as "obrigações conjugais" e, finalmente, de dormir. Em escala menor, o sistema também é aplicado na Amazônia.

Em 1603, a coroa da Inglaterra é herdada pelo rei Jaime da Escócia, que assim cria uma nova e poderosa aliança. Entretanto, o novo rei, acostumado a ter o poder absoluto em seu país, é mal aceito na Inglaterra, onde os aristocratas e burgueses reunidos nas duas casas do parlamento estavam acostumados, desde João sem Terra, a partilhar o poder com o rei. Seu sucessor Carlos I agrava o conflito e em 1642 começa a primeira grande revolução européia: o parlamento, dominado por burgueses puritanos, organiza um exército sob a liderança de Oliver Cromwell e, em 1648, derrota o rei que é julgado por traição e decapitado. Até 1658, a Inglaterra é governada por seu regime puritano e republicano (ao estilo holandês, mas muito mais ditatorial) que persegue os católicos da Irlanda e acirra a guerra com a Espanha. Porem, o regime pouco sobrevive à sua morte: em 1660, a dinastia escocesa e o anglicanismo são restaurados com Carlos II e, com eles, as tensões entre a coroa e o Parlamento burguês, que procura por todos os meios limitar seu poder. 

A perseguições religiosas ocasionadas pelos conflitos com o rei e depois pela revolução puritana e posterior restauração do anglicanismo levam a uma forte corrente migratória dos puritanos perseguidos para a costa atlântica da América do Norte, desprezada pela Espanha, onde tentam criar uma sociedade governada segundo princípios puritanos, republicanos e representativos de acordo com o modelo de Cromwell. Nas colônias mais setentrionais, de terras temperadas e de invernos rigorosos, cria-se uma sociedade relativamente auto-suficiente, baseado na agricultura de produtos tipicamente europeus e no artesanato ao estilo inglês e holandês; já nas colônias subtropicais do sudeste da América do Norte, adequadas ao cultivo do tabaco e do algodão, os princípios puritanos cedem à oportunidade de grandes lucros baseados no trabalho escravo; os grandes proprietários gradualmente se tornam aristocratas e surge uma sociedade semelhante às do Caribe e do Brasil, exceto pela menor tolerância quanto à preservação da religião e dos costumes de origem africana. É também fundada uma colônia holandesa na região: Nova Amsterdam, depois cedida aos ingleses em troca do reconhecimento da soberania holandesa nas Guianas e transformada em Nova Iorque.

Com a restauração da monarquia (seguida, em 1672, pela transformação da Holanda em principado sob Guilherme III), formam-se na Inglaterra os dois primeiros partidos políticos da história moderna, os tories (aristocratas conservadores) e os whigs (burgueses liberais). O conflito se acirra em 1685, quando seu sucessor Jaime II tenta restaurar o catolicismo como religião oficial. O Parlamento novamente derruba o rei, mas desta vez de forma mais hábil e menos violenta: em 1688, em defesa dos valores burgueses e protestante oferece a coroa ao príncipe holandês em troca de um acordo que, na prática, deixava a maior parte do poder com o Parlamento. Jaime II foge e nasce a primeira monarquia constitucional da história. 

Entretanto, a maior potência mundial é agora a França absolutista, cuja unificação é liderada por Luís XIII e seus ministros Richelieu e Mazarino. Seus senhores feudais são definitivamente submetidos após a revolta de 1653 e transformados em meros convivas na corte do rei-sol, Luís XIV, que assume em 1661. O poder, brilho e cultura da nova França tornam sua corte de Versalhes o modelo para todas as aristocracias européias. O francês se torna a língua internacional e o papel do latim se reduz aos rituais católicos.

As novas potências – Inglaterra, Holanda e França – unem forças contra o quase universal Império Espanhol e gradativamente aniquilam sua supremacia marítima e comercial, seja através do enfrentamento direto, seja subsidiando os corsários e piratas que saqueiam as costas das Américas, como Henry Morgan, que arrasa o Panamá em 1617. O ponto mais fraco do império eram as colônias portuguesas, cuja ocupação, defendida por poucos milhares de colonos e soldados, era mais superficial e precária. Logo, suas possessões na Índia, Ceilão, Indonésia, Malásia e sul da Arábia, na África do Sul e Ocidental e na costa nordeste do Brasil são conquistadas pelos novos colonizadores. Estes também conseguem ocupar a colônia espanhola da Jamaica, que a partir de 1655 se torna a principal base pirata. A partir da Jamaica se consolida o domínio de franceses, ingleses e holandeses sobre as ilhas menores das Antilhas e parte da costa da América Central e do golfo do México (no qual os franceses fundam a colônia de Luisiana que chega a anexar toda a bacia do Mississipi mexicana). Isso lhes permite intensificar os ataques às cidades espanholas da costa do Caribe e saquear várias cidades, mas não abala o bem alicerçado domínio espanhol sobre o continente. 

No nordeste brasileiro, dezenas de milhares de escravos africanos aproveitam-se dos conflitos entre portugueses e holandeses para fugir e criar comunidades livres e auto-suficientes nas serras do interior, conhecidas como quilombos e organizadas sob a liderança do Rei de Palmares. Será a maior revolta de escravos nas Américas até a revolução haitiana, e por décadas desafiará os colonizadores. Em várias outras regiões também ocorrem levantes semelhantes em menor escala, incluindo a costa peruana e o centro-sul do Brasil.

Também na Europa, os Impérios ibérico e austríaco estão acuados contra o crescente poder da França cética e iluminista e dos novos países protestantes. As tentativas dos Habsburgos austríacos de restaurar a hegemonia católica na Alemanha resultam na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e liquidam o que restava da autoridade do Sacro Império Romano, de agora em diante nem Sacro, nem Romano, nem sequer Império, mas apenas um pretexto para que os duques Habsburgo da Áustria continuem usando o título de kaiser ou Imperador. Ao mesmo tempo, os Habsburgos optam por se aliar à cada vez mais intolerante Igreja Católica da Contra-Reforma na repressão às dissidências e às novas idéias. Em seus domínios, os suspeitos de heresia, de protestantismo ou de bruxaria alimentam regularmente as fogueiras. Os cristãos-novos, descendentes de judeus e muçulmanos convertidos à força na Península Ibérica desde o século XIV, também são considerados suspeitos e muitos emigram para as Américas para fugir aos rigores da Inquisição. O aristotelismo, que já havia sido o porta-voz do racionalismo no Ocidente, se torna uma doutrina rígida e dogmática, em nome da qual se reprimem novas e desafiantes teorias racionais: Giordano Bruno arde na fogueira e Galileu só escapa do mesmo destino graças à amizade de poderosos cardeais e a uma humilhante retratação.

Assim, a nova razão iluminista e suas filosofias empiristas e racionalistas só encontram espaço para se expressar entre os piores inimigos do rei espanhol, e são estes que se beneficiam do maior boom científico de todos os tempos, em comparação com o qual os outros ciclos precedentes de invenções e descobertas (grego, chinês, árabe e renascentista) se tornaram um mero prelúdio. Kepler, Pascal, Napier, Descartes, Fermat, Newton, Leibnitz e Leeuwenhoek revolucionam a concepção das matemáticas e do universo e inventam os instrumentos fundamentais da física, enquanto, ao longo de todo século XVII, os filósofos espanhóis se limitam a interpretar e refinar as doutrinas filosóficas e teológicas do aristotélico São Tomás de Aquino. Ocorre a definitiva decolagem da moderna Civilização Ocidental, deixando para trás os reacionários e culturamente estagnados domínios ibéricos. Desenvolve-se uma nova concepção individualista no campo espiritual e mecanicista no material, que caminha para uma Revolução Industrial. 

Descartes e Leibnitz inauguram uma nova tradição de racionalismo metódico francês e alemão, uma nova idade de ouro da metafísica. Fundadas no método matemático, a maioria dessas filosofias tendia a se tornar ainda mais dogmática e absolutista que o antigo aristotelismo, mas suas divergências impedem a formação de um consenso universal e garantem a continuidade da liberdade de pensamento, da tradição cética e relativista francesa, do peculiar empirismo liberal anglo-saxônico – desenvolvido por Francis Bacon, Newton e Locke no isolamento geográfico-cultural britânico (acentuado pela ruptura efetuada pela revolução puritana em relação à tradição greco-romana do continente) – e do ainda mais peculiar materialismo panteísta do holandês Espinosa, com suas fortes conotações democráticas.

Como Portugal e Espanha estão agora unidos sob a mesma coroa, a fronteira do Brasil deixa de ser um vigiado limite entre impérios para ser uma mera convenção administrativa. Os aventureiros bandeirantes de São Paulo aproveitam-se da nova situação para explorar e ocupar, pouco a pouco, os planaltos do interior, que haviam sido desprezados pelos espanhóis mas escondiam consideráveis riquezas minerais. Ao mesmo tempo, militares portugueses interessados em prevenir invasões holandesas e missionários interessados na catequização dos índios começam, a partir do Maranhão, a ocupação das abandonadas margens do baixo e médio Amazonas, a partir das quais quase toda a Amazônia gradualmente seria incorporada à colônia portuguesa.

Entretanto, a partir de 1621, a Espanha reduz Portugal, até então tratado como reino autônomo, a simples província. Isso revive o nacionalismo português, alimentado pela lenda messiânica de que o rei D. Sebastião estava vivo e voltaria para libertar o país. A lenda permaneceu viva em alguns lugares de Portugal e do Brasil até (pelo menos) o início do século XX, mas a mera espera do salvador acaba por dar lugar a ações mais efetivas. Em 1640, os portugueses se rebelam e, com o apoio de Richelieu e da Inglaterra, coroam rei o duque de Bragança, que funda uma nova dinastia. Portugal começa a se afastar da intolerância espanhola e a adotar uma postura mais iluminista, mas a maior parte de seu império colonial na África e Oriente está irremediavelmente perdida. Seus dias de glória se foram para sempre; Portugal se torna um protetorado inglês. Sua última grande colônia é o Brasil e os portugueses procurarão agora aproveitá-la ao máximo. 

Os portugueses inicialmente concentram seus esforços em expulsar os holandeses do nordeste, conseguindo a vitória em 1654; em seguida, com o auxílio dos aguerridos bandeirantes de São Paulo, esmagam o reino negro de Palmares, conquistam grande parte das missões "comunistas" jesuíticas do Paraguai e escravizam seus índios, levam os domínios portugueses até o rio da Prata, fundando uma colônia no atual Uruguai e ameaçando o já importante porto espanhol de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, tornam mais centralizado o até então pouco efetivo governo-geral e o transformam em vice-reino ao estilo espanhol. Apesar da produção de açúcar no Caribe por ingleses e franceses ter reduzido o preço do açúcar e assim empobrecido a colônia brasileira, o vice-reino eleva os impostos e reduz a autonomia das capitanias hereditárias, levando às primeiros confrontos com as elites locais.

A França se expande tomando Trinidad e outras pequenas ilhas aos ingleses e aos piratas e, em 1697, conquista à decadente Espanha a parte oeste da ilha de Santo Domingo, onde começa a criar uma nova e grande colônia escravagista (Saint Domingue, atual Haiti) para onde são levados mais de 20 mil escravos por ano. Essa colônia se dedica ao cultivo da cana-de-açúcar, do café, do cacau e do anil e se constitui num novo e grande rival das demais colônias caribenhas e do Brasil. Em 1700, a população da América Espanhola se mantém em 11 milhões (incluindo 250 mil espanhóis); a do vice-reino do Brasil ainda é muito menor, mas a proporção já se alterou. A colônia portuguesa supera os 300.000 habitantes (na metade, escravos africanos) e é maior que o conjunto das colônias inglesas da América do Norte, que somam apenas 250 mil colonos. Em Saint Domingue, na Jamaica e nas demais pequenas ilhas açucareiras do Caribe, há agora centenas de milhares de escravos africanos e também 100 mil colonos franceses, ingleses e holandeses. 

Desaparecem, neste período, os últimos remanescentes das civilizações pré-colombianas: a ilha da Páscoa, cuja civilização é destruída por conflitos sociais antes de sua descoberta por europeus e a cidade maia-itzá de Tayasal, tomada pelos espanhóis em 1697.
Na África, os portugueses dominam o reino de Zimbabwe em 1660, mas sua penetração no interior é frustrada por uma tribo bantu que se apossa das terras recém-conquistadas e seus redutos na maior parte da costa da África Oriental são tomados pelos árabes de Omã, restando apenas a atual costa de Moçambique e seu comércio de escravos. As civilizações da África Ocidental são devastadas pelas guerras originadas pelo tráfico de escravos, que já leva para as Américas 50.000 pessoas por ano. Alguns reinos prosperam exclusivamente capturando outros africanos para os mercadores brancos, como é o caso de Oyó e Benin, que com isso unificam sob seu domínio toda a civilização iorubá. A partir do tráfico de escravos e de ouro com os europeus, surge também outro grande reino africano, chamado de Ashanti, na atual Ghana.


1700-1800


Em 1701, o último rei espanhol da dinastia Habsburgo, Carlos II, morre sem deixar descendentes e lega em testamento todos os seus domínios ao neto de Luís XIV, o rei-sol. A França voltara a ser o mais poderoso Estado europeu e sua união com o decadente mas ainda enorme Império Espanhol ameaçava criar um novo e progressista Império Universal Bourbon, ainda mais intolerável para as demais potências que o reacionário e fracassado Império Habsburgo. Inicia-se a Guerra da Sucessão, onde a França e a Espanha enfrentam a Grande Aliança formada por Grã-Bretanha, Holanda, Prússia, Hannover, Áustria, Savóia e Portugal. Luís XIV é obrigado a ceder grande parte de seus direitos: os domínios italianos da Espanha passam à Áustria, a Bélgica é cedida à Holanda e Gibraltar à Inglaterra. Seu neto é confirmado no trono espanhol, mas com a condição de jamais herdar o trono francês e, assim, manter separados os dois domínios. 

Apesar disso, a Espanha entra efetivamente na órbita cultural, política e econômica da França que, apesar da derrota parcial, se vê confirmada como a grande potência européia. Seu comércio e manufatura continuam a se desenvolver e seus pensadores são atentamente ouvidos por toda a Europa. A tradição cética e relativista é retomada pelos novos iluministas que, influenciados pelo empirismo britânico (continuado por Hume) e pelo materialismo de Espinosa, retomam a tradição de Montaigne e ofuscam o racionalismo dogmático: Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Diderot. Estes pensadores atacam violentamente o absolutismo e a Igreja em nome da razão e retomam a crítica das instituições européias, recorrendo novamente à comparação com os povos do Novo Mundo (e também da África, Ásia e Oceania). Para o puritano Rousseau, o índio selvagem e livre das florestas tropicais se torna o mais perfeito modelo de humanidade, ao passo que o aristocrático Voltaire prefere o refinamento das civilizações asiáticas e da civilização inca que alguns ainda acreditavam viva no Eldorado, tal como surge no seu romance Candide. Ambos, porém, contribuem para desenvolver a teoria do contrato social e da liberdade fundada na razão, preparando os fundamentos da democracia liberal (que, levados às últimas conseqüências, resultarão também nas doutrinas anarquistas). O iluminismo se difunde pelas elites cultas de todo o mundo e até mesmo os déspotas da Europa Oriental e os senhores de escravos das Américas serão, até certo ponto, seduzidos pelas novas idéias.

Quem mais tirará proveito dessas idéias, entretanto, será o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, formado pela união da Inglaterra, Escócia e Irlanda em 1707 e agora efetivamente governado por seu parlamento, que escolhe a dinastia reinante de acordo com sua conveniência. Além de obter a estratégica Gibraltar, os britânicos obtêm o monopólio do comércio de escravos com a América Espanhola e firmam com Portugal o Tratado de Methuen, que garante um mercado para seus tecidos em troca da importação de vinhos portugueses. Esse tratado, apontado por Adam Smith como paradigma dos benefícios mútuos do liberalismo em sua obra A Riqueza das Nações, na realidade criou as condições para reduzir Portugal à perpétua dependência econômica ao mesmo tempo em que a Grã-Bretanha inicia sua decolagem para a Revolução Industrial. Enquanto a produção de vinho português era limitada pela natureza e não admitia grandes inovações tecnológicas, a tecelagem só é limitada pela quantidade de fibras que se pudesse produzir e importar e tinha um infinito potencial para o aperfeiçoamento técnico. Os grandes proprietários de terras da aristocracia britânica começam a expulsar seus camponeses e criar ovelhas em enormes quantidades e, ao mesmo tempo, começam a cultivar algodão em suas colônias americanas. Para eliminar a concorrência do refinado e tradicional artesanato têxtil indiano, os colonizadores britânicos proíbem os artesãos em seus domínios (ainda restritos a Bengala e à costa) de trabalhar; alguns dos recalcitrantes tiveram seus dedos decepados. Como se não bastasse, a muito mais próspera Grã-Bretanha logo adquiriu a propriedade da maior parte da indústria portuguesa de vinhos e se apoderou de seus lucros. 

Faltavam poucos ingredientes para a Revolução Industrial, e estes aparecem logo em seguida. Em 1693, os bandeirantes de São Paulo já haviam descoberto enormes jazidas de ouro e diamantes em Minas Gerais e, em 1720, também no Centro-Oeste. O ouro brasileiro produzido de 1700 a 1801 somou (sem considerar o contrabando) 983 toneladas, mais que toda a produção do resto da América de 1493 a 1850 e cerca de um terço da produção de todo o mundo de 1500 a 1800. Isso torna o ouro, que será cunhado nas novas libras esterlinas, um padrão monetário quase tão importante quanto a prata havia sido até então. Porém, isso não tem o grande impacto inflacionário mundial da prata espanhola no século XVI: a nova riqueza é absorvida pela produção industrial britânica que, a partir de 1764 passa a contar também com a primeira máquina-ferramenta (máquina de fiar), em 1769 com a máquina a vapor, em 1770 com a locomotiva e em 1784 com o tear mecânico. A combinação das máquinas-ferramentas, da força do vapor, do ouro brasileiro e dos mercados abertos pela força das armas britânicas dispara a Revolução Industrial, a maior transformação já vivida pelo homem desde a invenção da agricultura. Inicia-se o domínio mundial do capitalismo industrial. 

Apesar de seu dinamismo colonizador, a capitania de São Paulo conta então com apenas 150 mil habitantes e não consegue manter o controle dos territórios desbravados. Estes são gradualmente desmembrados para formar novas capitanias administradas pelo vice-rei e o regime de capitanias hereditárias é definitivamente extinto em 1759. A colonização do interior é acelerada e o centro econômico do vice-reino se desloca do Nordeste para o Sudeste, situação que se consolida em 1763 com a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, na tentativa de reduzir o contrabando de ouro (estimado em 20% da produção total). 

A colonização se acelera em proporções nunca vistas; centenas de milhares de portugueses emigram para se enriquecer no Brasil. O tráfico português de escravos, que havia sido muito reduzido pelo monopólio britânico na América Espanhola, renasce e atinge seu auge com a demanda por novos escravos para trabalhar nas minas de ouro e diamantes, nos serviços urbanos das cidades que agora floresciam e nas novas lavouras de café que surgiam em torno do Rio de Janeiro para concorrer com a produção francesa em Saint Domingue. Por volta de 1770, a colônia tinha cerca de 2 milhões de habitantes, dos quais a metade eram escravos; era tanto quanto as colônias inglesas na América do Norte. 

A população da América Espanhola, em contraste, permanecida estagnada nos níveis de 1600. Porém, os franceses dispunham de um Brasil em miniatura na sua colônia escravista de Saint Domingue, com sua fabulosa produção de açúcar e de café, que já ia substituíndo o açúcar como item mais importante do comércio internacional. A população dessa próspera colônia incluía 20 mil brancos, 400 mil escravos africanos e 40 mil mulatos e negros alforriados. Havia, porém, muitos escravos fugidos para o interior, chamados marrons, que fundavam comunidades livres semelhantes aos quilombos do Brasil.

Portugal e Espanha, arrastando seus respectivos impérios coloniais, se tornam meros títeres na disputa pelo poder entre britânicos e franceses. A disputa entre portugueses e espanhóis pelo sul do Brasil e pelo Uruguai é apenas uma guerra franco-britânica por procuração, assim como os enfrentamentos entre espanhóis e piratas que prosseguem no Caribe. As demais potências – Prússia, Áustria e Holanda – são incapazes de fazer frente ao imenso poder britânico e francês e se limitam a um prudente segundo plano. Com o desenvolvimento do relativismo e do empirismo entre franceses e britânicos, a Prússia se torna o principal reduto da tradição filosófica do racionalismo metódico, representada principalmente por Kant e Hegel e que mantém sua tendência ao dogmatismo. A partir de então, a Alemanha passa a ser o país das ciências teóricas e abstratas, a França se torna a pátria da crítica social e a Grã-Bretanha a capital do pensamento econômico empírico.
O prosseguimento da guerrilha marítima no Caribe leva a Espanha a reforçar a presença na região e a criar em 1718 o novo Vice-Reino de Nova Granada, desmembrado do Peru e compreendendo os atuais Venezuela, Colômbia e Equador. Os interesses de Lima ainda são suficientemente poderosos para fazer revogar a medida em 1724, mas as minas de prata já dão sinais de esgotamento e os iluministas franceses começam a dar sinais de impaciência com os privilégios da nobreza, dos governos locais, da Igreja e dos encomenderos. 

Orientado por seus conselheiros franceses, o rei da Espanha inicia uma profunda reforma administrativa. Na Espanha e nos seus Vice-Reinos, o governo central abole os privilégios das câmaras municipais e provinciais e assume o governo direto. A Igreja perde seu poder judicial, já não mais pode censurar obra, nem torturar ou prender os suspeitos de heresia. A Inquisição acabam por ser expulsos dos domínios espanhóis e, no Paraguai os poderosos jesuítas são expulsos e substituídos pelos mais cordatos franciscanos. Essas reformas provocam no Paraguai as rebeliões dos comuneros, que protestam contra a perda das autonomias municipais e a expulsão dos jesuítas. 

Em 1740, o Vice-Reino da Nova Granada é definitivamente separado do Peru, agora incluindo também o Panamá, e a penetração britânica na região é temporariamente contida. Porém, em 1763, depois da Guerra dos Sete Anos anglo-francesa, a Espanha perde a Flórida e a França perde sua colônia no Canadá (Quebec) para a Grã-Bretanha. Com isso, a França decide transferir a agora insustentável colônia da Luisiana para o Vice-Reino espanhol do México. Como parte do tratado de paz, os britânicos também deveriam devolver à Espanha sua colônia na Misquítia (atual costa da Nicarágua), mas os índios Miskitos recusam a autoridade espanhola e criam um reino independente sob proteção britânica, que durará até o fim do século XIX. Em 1776, os espanhóis também firmam um tratado de paz com os portugueses que reconhece sua expansão para muito além da linha de Tordesilhas e define aproximadamente a atual fronteira sul do Brasil. Entretanto, a ameaça portuguesa (ou melhor, britânica) continua sendo séria na região do Prata e para assumir mais diretamente o controle da região é criado o Vice-Reino do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires. Dois anos depois, o Chile (governado pelo capitão irlandês O'Higgins) também passa a se subordinar diretamente à Espanha, consumando a decadência do antigo centro do Vice-Reino do Peru em relação às prósperas economias agrícolas e pecuárias de suas antigas dependências. Buenos Aires se torna o principal porto de exportação das riquezas sul-americanas, inclusive do que resta da riqueza em prata do Alto Peru, que também é incorporado a seu Vice-Reino.

Entretanto, a oligarquia peruana mal tem tempo de protestar, pois em 1780 o índio José Gabriel Condorcanqui toma o nome de Túpac Amaru (que já havia pertencido ao último inca e a um rebelde anterior) e lidera uma vasta rebelião contra o poder espanhol e pela restauração do Império Inca, chegando a dominar todo o sul do Peru. Com auxílio de líderes indígenas rivais, Túpac Amaru é derrotado e morto em 1783 e são extintos os últimos privilégios dos descendentes da nobreza inca, mas também definitivamente abolido o regime de encomiendas. Os índios se tornam, ao menos formalmente, trabalhadores livres. Na prática, porém, serão obrigados a comprar o produto de seu trabalho nos armazéns de proprietários da terra e assim são submetidos a uma igualmente eterna servidão por dívidas. Os grandes proprietários de terras peruanos, aterrorizados pela ameaça de novo levante indígena, passarão a ser os mais fiéis súditos da coroa espanhola.
Em Portugal, sob a influência britânica, ocorre uma evolução similar: a escravidão indígena também é abolida no Brasil (mas não a africana) e os jesuítas são igualmente expulsos, sob a administração iluminista do Marquês de Pombal.

A França e a Espanha, enquanto isso, obtêm uma bela desforra da Inglaterra. As treze colônias americanas de língua inglesa proclamam sua separação da Grã-Bretanha em 1776 e recebem apoio dos franceses e espanhóis, que também se lançam na guerra contra os britânicos. Apesar de seu poderio naval e industrial, Londres sofre sua primeira derrota desde a guerra dos cem anos e, em 1783, é obrigada a reconhecer a independência das colônias norte-americanas, além de devolver a Flórida e alguns pequenos territórios do Caribe à Espanha, ceder o Senegal à França e encerrar suas atividades corsárias. Os norte-americanos leais à coroa inglesa emigram para o Canadá, somando-se à população de língua francesa já existente, enquanto, em 1787, as ex-colônias adotam uma constituição presidencialista e federativa. A aliança é chamada de Estados Unidos da América; curiosamente, os primeiros grandes líderes dessa nação de origem puritana e burguesa vieram da aristocracia iluminista dos estados do Sul escravista, principalmente da rica Virgínia. 

Entretanto, para franceses e espanhóis é uma vitória de Pirro. Nas colônias espanholas, os britânicos substituem a obsoleta pirataria pelo muito mais subversivo contrabando de produtos industriais baratos, que estimula as novas classes burguesas que vão surgindo em Buenos Aires e nos portos de Nova Granada a sonhar com a possibilidade de comerciar livremente com os britânicos, ao mesmo tempo que discutem as idéias racionalistas francesas e a possibilidade de repetir a experiência norte-americana. 
Na França, a longa guerra endivida seriamente o tesouro francês e obriga seu governo a elevar os impostos, ao mesmo tempo em que se inicia um ciclo de más colheitas, os aristocratas tentam extrair o máximo de seus direitos feudais para manter o luxo da corte de Versalhes. A tentativa do ministro da Fazenda Turgot de adotar uma reforma econômica liberal resulta na elevação do tradicionalmente regulamentado preço do pão, ao mesmo tempo que as manufaturas francesas são esmagadas pela concorrência dos muito mais baratos produtos industriais britânicos, provocando a revolta das classes urbanas. Burgueses, proletários e camponeses começam a conspirar contra o poder do monarca absoluto e a alimentar idéias radicais de reforma política e econômica.

O governo insiste na necessidade de novos impostos, mas a crescente oposição exige que o povo seja ouvido através da convocação dos os Estados Gerais (Parlamento), que os reis franceses haviam dispensado desde 1614. Finalmente, em 1789 o absolutista Luís XVI cede e se abrem os Estados Gerais. Nestes, os representantes do Terceiro Estado (que compreendia todo o povo, menos o Clero e a Nobreza) exigem, ao contrário do que determinava a tradição, peso nas deliberações compatível com sua importância numérica. Como sua exigência é rejeitada, o Terceiro Estado se proclama Assembléia Nacional e se atribui plenos poderes. Seus representantes são expulsos por ordem do rei, mas se reúnem numa sala de jogo e continuam as deliberações. Recebem a adesão de parte do clero e da nobreza e se proclamam Assembléia Constituinte. O povo se levanta e invade a prisão da Bastilha, o exército aristocrático é dissolvido e substituído por uma guarda nacional popular, o regime feudal é abolido. Os franceses repetem o caminho percorrido no século anterior pelos revolucionários de Oliver Cromwell na Inglaterra, mas agora não em nome do protestantismo, mas sim da Razão e das Luzes. A aristocracia conservadora foge para a Áustria e pede a intervenção do seu Imperador para restaurar a ordem na França; o rei também tenta fugir, mas é impedido e é proclamada uma monarquia constituicional e criado um parlamento. Como as alas mais populares e radicais do parlamento ocupavam seu lado esquerdo, surgiu a moderna nomenclatura política de direita e esquerda.

Em 1792 o parlamento declara guerra à Áustria com apoio do rei, que vê nessa guerra uma possibilidade de voltar ao poder. Entretanto, a Áustria e sua aliada Prússia tornam tão evidente sua intenção de restaurar o poder do rei francês que Luís XVI é acusado de traição e deposto. A ala mais esquerdista, dominada por representantes da pequena burguesia e do proletariado urbano, toma o poder, proclama a república e a começa as execuções de aristocratas e de membros do alto clero. Os revolucionários rompem totalmente com a Igreja, substituída pelo culto da Razão, e adotam um novo calendário com festas cívicas no lugar das antigas festas cristãs. Luís XVI é guilhotinado para tornar impossível qualquer acordo com os setores monarquistas, ao mesmo tempo que o recém-formado exército revolucionário popular enfrenta o aristocrático exército austríaco e ocupa territórios na Itália e na Bélgica. Grã-Bretanha, Espanha e Holanda se unem à Áustria e Prússia, que ameaça invadir novamente o território francês, mas os revolucionários recorrem a um recrutamento em massa e o exército atinge um efetivo de um milhão de homens, nunca visto na história mundial. Vencem decisivamente os aliados e invadem a Holanda, que transformam na República Batava. Nesse processo, o pequeno nobre, quase burguês, Napoleão Bonaparte, originário da recém-anexada ilha da Córsega, ascende do posto de cabo ao de general, coisa impensável no antigo regime (quando os altos postos eram reservados à alta nobreza). Também luta entre os revolucionários franceses o venezuelano Francisco de Miranda. 

Em 1794, os setores centristas burgueses recuperam o poder e guilhotinam os esquerdistas, mas continuam a guerra contra os austríacos e obrigam a Prússia e a Espanha a aceitar a paz. Sob o comando do general Napoleão Bonaparte, os exércitos revolucionários conquistam a Itália e a Suíça, onde fundam novas repúblicas e realizam uma incursão no Egito. Em 1799, os aliados voltam a atacar e reconquistam a Itália. Bonaparte retorna à França e estabelece uma ditadura militar. Em 1800, os revolucionários franceses sob comando do ditador Napoleão derrotam a Áustria e recuperam o controle da Itália.

Na América Latina, o primeiro impacto da Revolução Francesa é sentido na colônia francesa de Saint Domingue. Em 1789, os grandes latifundiários se solidarizam com os comerciantes locais e com os brancos pobres para exigir o fim do estatuto colonial e a liberdade de comércio. Os negros e mulatos livres logo os apóiam, pretendendo obter a igualdade de direitos proclamada pela Revolução. Entretanto, em 1790, os plantadores brancos reprimem ferozmente suas reivindicações. Com isso, os negros livres se aliam aos escravos fugidos marrons, então organizados em duas grandes comunidades e organizam o maior levante de escravos desde os tempos dos romanos. Os escravos descem em massa das montanhas, atacam os brancos e incendeiam as plantações. Os brancos, em desespero, fogem em massa para outras ilhas do Caribe ainda sob controle francês (Guadalupe, Martinica, Trinidad) e, em 1794, a escravatura é oficialmente abolida e o ex-escravo Toussaint L'Ouverture assume o governo da colônia, liqüidando os latifúndios cafeeiros da colônia francesa que havia sido a maior fornecedora mundial do produto. Com isso, seus concorrentes da elite latifundiária do Rio de Janeiro se enriquecem e passam a desempenhar um papel econômico e político cada vez maior. A decadência do colonialismo francês nas Antilhas é completada pela ocupação britânica de Trinidad em 1797.
Em outras colônias latino-americanas, também há levantes inspirados na Revolução Francesa e na Independência Americana, organizados por intelectuais em Nova Granada e nas Minas Gerais portuguesas, mas são facilmente desbaratados pelas autoridades espanholas e portuguesas, sendo seus líderes executados ou exilados na África. Um levante mais sério, inspirado nos escravos de Santo Domingo, ocorre em Salvador, mas também é esmagado.

Na África, o crescimento da economia escravista de Saint Domingue e do Brasil levou ao auge do tráfico escravista na década de 1780, quando 100.000 escravos desembarcam anualmente na América. O século XVIII representou cerca da metade de todo o tráfico escravista e removeu do continente africano dezenas de milhões de negros, a maior parte deles apenas para morrer de sede e asfixia durante a viagem, absorvendo todo o potencial crescimento de sua população. Em função disso, a África sofria uma redução de população de 100 para 95 milhões, enquanto a Europa superava os 140 milhões e a Ásia os 476 milhões. Ao contrário do que ocorria na Europa – onde o comércio colonial estimulava o desenvolvimento industrial, o aumento de produtividade do trabalho e a absorção do crescimento demográfico pelas novas atividades manufatureiras e comerciais – o crescimento demográfico da Ásia só podia ser absorvido por uma agricultura que aumentava a produtividade da terra à custa de uma mão-de-obra cada vez mais intensiva, não deixando praticamente nenhum excedente para os serviços e indústrias urbanas. O resultado é que os estados da Ásia, apesar da população imensa, de uma forte tradição artesanal e de PIBs que ainda eram os maiores do mundo, transformaram-se em gigantescas hortas, cada vez mais indefesas frente ao poder militar e econômico da pequena Grã-Bretanha, com sua nova indústria que a transformava na "oficina do mundo". O processo se acentuaria mais ainda no século seguinte.


1830-1900


Na Europa, o rei Bourbon Carlos X, apoiado apenas pela Igreja e pelos aristocratas ultraconservadores, é deposto em 1830 por uma revolução promovida pela alta burguesia financeira, que coloca em seu lugar o aristocrata liberal Luís Filipe para se tornar o "rei burguês" e encabeçar uma monarquia constitucional. A França passa a se alinhar à Grã-Bretanha como parte do bloco liberal, opondo-se às monarquias conservadoras e apoiando os movimentos liberais em Portugal e na Espanha. Com dificuldades em manter sua autoridade no Brasil e desafiado em Portugal pelo irmão conservador Miguel, que tinha usurpado seu trono, em 1831 Pedro I do Brasil abdica do trono brasileiro em favor de seu filho Pedro II, então com 5 anos de idade para derrotar os absolutistas em Portugal e, finalmente, entronizar sua filha Maria II, iniciando um período de predomíni liberal. Na Espanha, entretanto, os liberais são derrotados e um regime aristocrático e obscurantista se manterá no poder até 1975, exceto por duas breves experiências republicanas (1873-74 e 1931-39). Em ambos os países, o liberalismo é fragilizado pela impossibilidade de se desenvolver uma indústria autônoma frente à concorrência britânica.

Em muitas das repúblicas da antiga América espanhola, inicia-se uma longa fase de instabilidade política, marcada por dezenas de guerras civis e incontáveis golpes de estado promovidos por caudillos. O pano de fundo é geralmente a disputa entre "conservadores" e "liberais", mas estes termos têm ali um significado um pouco diferente do europeu. Os "liberais" (também federalistas ou blancos) não representam os interesses do livre comércio e da burguesia industrial e sim os das pequenas cidades, dos artesãos locais e dos proprietários rurais voltados para o mercado interno (geralmente pequenos e médios), que desejam maior autonomia local, escola pública laica e gratuita e a proteção de seus produtos contra as importações britânicas. Os "conservadores" (também chamados centralistas ou colorados) geralmente representam interesses que defendem tanto a abertura comercial para a Europa quanto a centralização do poder nas capitais e a manutenção dos privilégios tradicionais, inclusive os da Igreja: são basicamente os latifundiários que cultivam produtos de exportação e os grandes comerciantes que intermediam sua relação com a Europa. 

Do ponto de vista político, como seus homônimos europeus, os "liberais" professam a crença na soberania do povo e no governo da razão e os "conservadores" a crença na superioridade das aristocracias e no governo inspirado na tradição, inclusive religiosa. Isto tem poucas conseqüências práticas, já que o povo ainda majoritariamente alheio à civilização ocidental e às suas conquistas constituía uma base frágil não só, como é evidente, para um regime autenticamente republicano, quanto também até mesmo para um regime tradicionalista: o prestígio da Igreja enquanto instituição era muito mais frágil que na Europa e a intransigência da Espanha impediu qualquer possibilidade de as novas oligarquias criollas manterem alguma aparência de legitimidade aristocrática tradicional. Assim, os novos regimes, fossem liberais ou conservadores, tendiam a governar através da combinação de poder militar com carisma pessoal. A luta entre os dois partidos freqüentemente degenerou em revanches e ódios transmitidos hereditariamente onde os princípios de ambas as partes acabam por ser esquecidos. Os partidos são cada vez mais inimigos e menos diferentes, e sua luta resulta apenas no massacre das populações civis, na destruição da economia e no fracionamento dos próprios países.

Nos países onde as exportações de produtos agropecuários ou minerais eram suficientemente importantes, a enriquecida oligarquia conservadora mais cedo ou mais tarde acabaria por assumir gradualmente o controle dos exércitos, iniciar sua profissionalização e substituir o poder dos caudillos por "repúblicas" oligárquicas baseadas na restrição do direito de voto aos grandes proprietários e seus dependentes, às vezes com alguma tolerância à oposição "liberal", como no Brasil. Dariam início à reconstrução da estrutura estatal deixada pelos espanhóis e à formação de uma classe média relativamente significativa, formada por funcionários da administração civil e do setor de serviços criado pelo comércio internacional: é o caso do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Peru. 
Naqueles onde o comércio exterior era menos importantes, os conflitos entre caudillos "conservadores" e "liberais" geralmente continuariam dominando a cena política até o início do século XX, como ocorreria na América Central, Haiti, Nova Granada, Equador, Venezuela e Bolívia. Exceto pelo caso da Venezuela, onde as exportações de petróleo consolidariam uma ditadura conservadora do início do século XX, isso resultou no fracionamento do país ou na perda de vastos territórios para seus vizinhos. Houve apenas dois casos de hegemonia "liberal": o Paraguai (até a guerra de 1863) e o México (a partir da revolução de 1910), que deram origem a governos nacionalistas e modernizantes.
Nas Províncias Unidas da América Central, as divergências internas levam, em 1839, à desintegração do país em cinco pequenas repúblicas: Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica. No Haiti, em 1844, a antiga parte espanhola da ilha se rebela contra o governo negro e proclama sua independência como República Dominicana. Os novos pequenos países caem na mesma instabilidade que afetava a maioria de seus "irmãos" e na total dependência econômica da Europa. A Guatemala e a Nicarágua se vêem obrigadas a ceder territórios aos britânicos e reconhecer a consolidação de colônias em suas costas caribenhas (a atual Belize e o protetorado indígena da Misquítia). A única exceção é a Costa Rica, onde uma maioria de pequenos proprietários passa a sustentar um governo de orientação mais "liberal" e relativamente estável.

No Peru e no Chile, a oligarquia conservadora era suficientemente forte para se manter a maior parte do tempo no poder sem enfrentar uma forte oposição liberal. Ela precisou, entretanto, enfrentar guerras causadas por conflitos de poder com seus vizinhos: o general boliviano Santa Cruz invade o Peru e força a formação de uma Confederação Peruboliviana em 1835. O Chile, porém, não aceita a existência desse rival potencialmente perigoso e entra em guerra com Santa Cruz, derrotando-o em 1839 com apoio dos peruanos do Norte, que não suportavam o domínio do sul indígena. O Peru inicia então, a partir de 1845 um período de razoável prosperidade graças à exploração do guano, excremento depositado por aves marinhas nas pequenas ilhas do litoral que se torna o mais importante fertilizante mundial. 

Para as plantações de produtos tropicais do Peru e de Cuba imigram muitos trabalhadores chineses que aceitam qualquer oferta de trabalho, por piores que sejam as condições salariais, para fugir da fome e da superpopulação de seu país. Apesar da oposição da Grã-Bretanha (que, com razão, via nessa imigração uma forma disfarçada de escravidão) esses trabalhadores, conhecidos como cules, começam a substituir o crescentemente bloqueado tráfico de escravos negros como fonte de mão-de-obra barata.

No Paraguai, então o país mais populoso da região platina, o ditador Francia, apoiado pelos pequenos proprietários, assume o poder absoluto e fecha o país em si mesmo, eliminando a oligarquia comercial "conservadora" da capital. O bom nível cultural de seu povo educado por jesuítas e franciscanos num ideal utópico e comunitário torna possível uma economia totalmente independente do mundo exterior (isto é, da Grã-Bretanha) baseada no controle estatal da produção agrícola e na construção de ferrovias, fundições e telégrafos com tecnologia própria que, sob o governo de seus sucessores Carlos Antonio López e Solano López, se torna uma pequena potência militar.

No Brasil, a atitude mais transigente da dinastia portuguesa permitiu, apesar dos tropeços, a manutenção da legitimidade tradicional. Com a volta de Pedro I para Portugal, a rica oligarquia cafeeira do Rio de Janeiro assume o poder central em nome do pequeno Pedro II deflagrando, nas demais regiões, revoltas por maior autonomia das províncias e por ideais "liberais". No Norte e Nordeste surgiram movimentos populares radicais e separatistas, em São Paulo e Pernambuco, rebeliões liberais e no Rio Grande do Sul um grande movimento separatista e republicano que, apoiado pelo revolucionário italiano Garibaldi, conseguiu derrotar as tropas monarquistas. O país pareceu condenado ao mesmo destino de desintegração e instabilidade da América Espanhola, mas a elite cafeeira, rica e consciente do perigo, optou por abrir mão de parte do poder e restaurar a legitimidade antecipando a maioridade de Pedro II que, em 1840, aos 16 anos, assume o trono. O regime, consegue, então, dominar os movimentos separatistas e populares através da combinação da repressão militar com a anistia dos revoltosos. O maior sucesso dessa política registrou-se em 1845, quando os líderes da República do Rio Grande do Sul, atacados pelo Uruguai, aceitaram a anistia oferecida pelo Imperador reunificando definitivamente o país. Em seguida, o Imperador renunciou ao poder executivo e o Brasil se tornou uma monarquia constitucional, governado por um parlamento que dá espaço às diversas oligarquias regionais, no qual os partidos liberal e conservador se alternam no poder e dividem pacificamente os títulos de nobreza fartamente distribuídos pela monarquia.

Em função da nova atitude anti-escravista da Grã-Bretanha, que havia sido a principal fornecedora de escravos para a América Espanhola durante o século XVIII, o tráfico de escravos para os países hispano-americanos se retrai rapidamente após a independência. Dada a alta mortalidade e baixa natalidade dos escravos, isso provoca uma rápida queda na população de origem africana nas áreas tropicais dos países hispano-americanos e nas colônias espanholas de Cuba e Porto Rico (que chegaram a ser povoadas em mais de 40% por escravos africanos). Nas décadas de 1840 e 1850, a maioria dos países hispano-americanos independentes abolem a escravidão, já praticamente destituída de importância econômica. 

Entretanto, no Brasil, apesar dos compromissos assumidos e das pressões britânicas, o compromisso de abolir o tráfico de escravos se torna letra morta. O papel econômico dos escravos no boom do mercado cafeeiro ainda é vital, os traficantes são brasileiros não submetidos ao poder britânico e as resistências à abolição ainda são fortes; a população escrava do país atinge seu auge em 1850, quando chega a 2,5 milhões (para uma população total de 8 milhões). As dificuldades ao tráfico colocadas pelos britânicos já estão elevando consideravelmente o preço dos escravos: a partir de 1845, a marinha britânica começa a interceptar abertamente os navios negreiros de qualquer bandeira. Há uma ligeira melhora nas condições de vida dos escravos, que se tornam mais valiosos: a mortalidade na viagem da África ao Brasil, por exemplo, cai dos 80% dos primeiros séculos para 50% (embora muitos traficantes simplesmente joguem os escravos aos tubarões ao primeiro sinal da marinha britânica). Em Cuba e Porto Rico, a Espanha também insiste em manter o regime escravista e assim continuar obtendo apoio dos grandes latifundiários.

A Grã-Bretanha acaba por encerrar o tráfico internacional de escravos à força em 1855. A escravidão continua existindo no Brasil, nas colônias espanholas do Caribe e no sul dos EUA, mas apenas neste último país se faz um esforço sistemático para eternizá-la através de uma reprodução sistemática dos escravos. Nos demais começa a ocorrer uma queda da população de origem africana, à semelhança do que já havia ocorrido nos demais países do subcontinente. 

A população da antiga América Espanhola volta a crescer, atingindo em 1850 mais de 20 milhões (8 no México, 12 na América do Sul), mas é muito mais expressivo o crescimento dos EUA (que chegam a 23 milhões) e até mesmo o do Brasil (8 milhões).

Na África, a população também volta a crescer, de 95 milhões em 1850 para 118 milhões em 1900, mas os reinos da costa ocidental que haviam se enriquecido através do tráfico desaparecem, com exceção do pequeno reino de Daomé. Crescem agora os Estados mais hostis aos europeus, como o reino muçulmano de Sokoto, que unifica as cidades-estado haussa e conquista os iorubás. 

Mesmo com o atraso social do Brasil e sua rebeldia em relação às determinações britânicas, a riqueza trazida pelo café e a relativa estabilidade política tornam o país um intermediário dos interesses britânicos na América Latina. Depois que França e Grã-Bretanha fracassam em derrubar o ditador "liberal" das Províncias Unidas do Rio da Prata, Rosas, através do bloqueio naval (1838-40), o Brasil intervém em 1851 para derrubar seu aliado uruguaio Oribe e em 1852 alia-se aos dissidentes argentinos liderados por Urquiza para derrubar o próprio Rosas, ganhando com isso garantia de navegação nos rios Uruguai e Paraná. O interior proclama a constituição federalista da República Argentina, a mais "conservadora" Buenos Aires reage proclamando sua independência sob uma constituição própria e o Reino Unido ocupa as então desabitadas ilhas Malvinas/Falklands em 1853. A reunificação definitiva do país só seria obtida em 1861.

Em 1863, o Brasil intervém no Uruguai para depor Aguirre, aliado do Paraguai e provoca a reação do ditador paraguaio Solano López, que declara guerra ao Brasil e ocupa a Mesopotâmia argentina, planejando se unir ao Uruguai e assim obter acesso ao mar. O Brasil se une à Argentina e ao Uruguai e após sete anos de guerra acaba por destruir o Paraguai, arrasando sua economia e reduzindo sua população de 1,25 milhões para apenas 300 mil habitantes, quase todos mulheres, velhos e crianças. A vitória trouxe poucas vantagens diretas para o Brasil mas mudou o país em muitos aspectos: para evitar que seus filhos fossem convocados para a guerra, os senhores de escravos libertaram mais de cem mil escravos para lutar em seu lugar; o exército se fortaleceu e se profissionalizou e adquiriu fortes convicções anti-escravistas. 

Para o México, os conflitos internos levaram a um desastre: depois de anexar a Luisiana, os EUA iniciam sua marcha para o oeste e não se deixam deter pela fronteira mexicana. Aproveitando-se dos conflitos internos do México, colonos norte-americanos se estabeleceram em grande número na sua província rebelde do Texas. Em 1836, o Texas proclama sua independência do México e, em 1846, se une aos Estados Unidos. Os EUA declaram guerra ao México pelos territórios texanos ainda sob controle mexicano e, em 1848, uma expedição militar norte-americana desembarca em Veracruz e avança até a capital. O governo do general Santa Ana capitula e cede aos EUA mais de metade do território do seu país. 

Os EUA se expandem para o Oeste até o Pacífico e incorporam uma numerosa comunidade latino-americana, os chicanos. Nos meses seguintes, é descoberto ouro em grandes quantidades na Califórnia recém-conquistada, deflagrando uma corrida dos norte-americanos da costa leste para o oeste. A esta grande descoberta se seguiriam outras na Sibéria, África do Sul, Austrália e Alasca; a produção de ouro nos dez anos de 1852 a 1861 foi maior do que toda a produção mundial dos 350 anos anteriores. EUA, Reino Unido e Rússia passariam a emitir grandes volumes de papel-moeda com lastro em ouro, que assim se tornou a nova base do sistema monetário mundial, eliminando a prata como padrão monetário.

A economia capitalista do Norte e do Oeste dos EUA se desenvolveria aceleradamente para criar uma potência mundial e o anterior equilíbrio de poder com o Sul escravista se romperia. A disponibilidade de novas terras torna acessível a qualquer americano a propriedade rural e faz o papel de uma verdadeira reforma agrária: cria uma grande classe de pequenos proprietários e para concorrer com a possibilidade de enriquecimento no oeste, os patrões elevam os salários urbanos, estimulando a imigração européia. A conquista foi complementada, em 1853, quando Santa Ana vende mais uma parte do território mexicano aos EUA e logo depois, foge do país levando consigo grande parte do tesouro nacional. 

Isto recupera a importância econômica do Panamá, abandonado desde a queda do Império Espanhol: na ausência das grandes ferrovias que só seriam completadas a partir de 1869, a rota através do Istmo passou a ser a mais rápida ligação entre o leste e o oeste dos EUA. A nova prosperidade estimula o separatismo da região e o governo de Nova Granada se vê forçado a elevá-la de mero departamento ao status de Estado federado. Em sua atenção, o país retorna ao nome mais abrangente de Colômbia. 

No México, é então eleito Presidente o liberal Benito Juárez, um índio zapoteca, que assenta as bases da livre iniciativa com a nova Constituição, implanta o federalismo e as garantias individuais, separa a Igreja do Estado, expropria os bens do clero, até então senhor de metade das terras do país e dissolve o regime de ejidos, "liberando" os índios para se tornarem mão-de-obra assalariada. Os conservadores, com apoio da Igreja (que excomunga Juárez), se levantam em armas e o país afunda na guerra civil da Reforma de 1858 a 1861. No estado independente do Iucatã, os índios maias se revoltam e se apoderam da maior parte do país.

Enquanto isso, o pensamento é novamente revolucionado a partir das descobertas efetuadas por Charles Darwin entre 1831 e 1836, ao visitar a América Latina e o Pacífico – em particular, a peculiar ecologia do arquipélago equatoriano das Galápagos – que permitem criar uma teoria científica segundo a qual a vida e o a sociedade humana não se originaram de um plano harmônico de Deus, mas sim da luta pela existência e da sobrevivência dos mais fortes, sendo assim tão passíveis de análise científica objetiva quanto os objetos inanimados. Isso dá origem a novas filosofias conservadoras – que justificam o imperialismo, o racismo, o poder das aristocracias (Gobineau, Nietzsche) – revolucionárias – que explicam a história humana como um processo evolucionário cujas lutas levarão naturalmente a uma sociedade socialista ou ao anarquismo (Marx, Stirner) – e liberais, que concebem uma sociedade aperfeiçoada por seleção natural de talentos individuais e pela evolução natural de um sistema político e social compatível com as leis da nova ciência da sociologia (Mill, Spencer e Auguste Comte). Os descontentes com essa abordagem cientifista refugiam-se num catolicismo cujo fundamentalismo se reforçava, em novas místicas (kardecismo, teosofia etc.) ou na filosofia existencialista de Kierkegaard. Em suma, forma-se um panorama cultural que ainda hoje soa muito familiar, onde as doutrinas metafísicas se tornam praticamente obsoletas e são substituídas por uma visão cientifista do mundo. Isso não afeta apenas as doutrinas conservadoras e religiosas, mas também as idéias iluministas e metafísicas da liberdade, da igualdade e do contrato social, que deixam de ser vistas como verdades eternas para se tornarem meras ficções jurídicas, cuja utilidade depende do cenário social.

Na França, a monarquia burguesa de Luís Filipe é derrubada em 1848, iniciando uma onda de movimentos revolucionários populares, nacionalistas e republicanos em todo o continente europeu. Esses movimentos são derrotados, mas marcam o momento em que os movimentos populares nacionalistas, socialistas e anarquistas começam a se tornar a mais séria ameaça à ordem estabelecida, encerrando a fase das revoluções liberais. A aristocracia conservadora e a burguesia liberal passam a se comportar como aliadas frente à nova ameaça e, na França, essa aliança é representada por Luís Napoleão, que é eleito presidente da França em 1848 e, em seguida, se faz coroar Imperador Napoleão III através de plebiscito em 1852. Milhões de camponeses e operários europeus, sem perspectivas de participar do poder político e privados de suas terras ou de oportunidades de empregos pelo rápido progresso do capitalismo industrial, começam a emigrar para as Américas, incentivados pelos governos conservadores que assim pretendem aliviar as pressões sociais, pois estas se achavam exacerbadas pela falta de empregos e de terras que absorvessem a explosão demográfica européia, iniciada a partir da melhora geral de condições de vida trazida pela disponibilidade de alimentos e matérias-primas ultramarinas.

Uma grande parte deles se dirige aos EUA e a outra para os países da América do Sul que necessitam de braços para complementar sua escassa população nas colheitas de trigo (Argentina e Uruguai) ou para possibilitar a expansão das plantações de café para as novas fazendas capitalistas do oeste de São Paulo, que já superam as da tradicional elite escravista do Rio de Janeiro. Ao contrário do Peru e do governo colonial de Cuba, o governo brasileiro, influenciado pelas teorias racistas da época, recusa a mão-de-obra chinesa como substituta dos escravos e faz um esforço sistemático para "branquear" sua população, incentivando a imigração oriunda de países europeus e do decadente Império Otomano também para acelerar a ocupação de terras ainda pouco habitadas do sul e do interior. 

Esta é a era de ouro do capitalismo liberal, pois as novas tecnologias de transporte (ferrovias, navios a vapor) possibilitam a integração de mercados regionais e o desenvolvimento da concorrência numa escala até então nunca vista, ao mesmo tempo que os sindicatos e movimentos trabalhistas estão fora da lei e são vigorosamente reprimidos pela polícia. As barreiras aduaneiras são relativamente insignificantes: as tentativas de elevá-las precisam enfrentar o poder da Pax Britannica e correr o risco de repetir o exemplo da China, que em 1840-42 tenta proibir a importação de ópio produzido nas colônias britânicas e sofre a intervenção britânica, sendo obrigada a abrir seus portos e ceder Hong Kong à Grã-Bretanha. Em 1854, o Japão é obrigado a abrir seus portos por uma intervenção norte-americana, em condições quase igualmente humilhantes. Em 1856-58 a China sofre nova intervenção, desta vez franco-britânica; sua capital é ocupada e o imperador chinês se vê forçado a fazer concessões ainda maiores, praticamente abrindo mão de sua soberania e cedendo aos europeus seus protetorados na Birmânia, Indochina e Tibet.

Porém, a nova França imperial sonha com quebrar a hegemonia britânica e assumir a liderança e a proteção dos países latinos contra os germânicos e anglo-saxônicos. Nesse contexto, apóia a unificação da Itália promovida pelo reino da Sardenha e Piemonte e pelo líder revolucionário Garibaldi e cria a expressão América Latina procurando sublinhar a identidade distinta dessa região em relação à América do Norte anglo-saxônica e, ao mesmo tempo, sua suposta proximidade cultural da França. 

Para se contrapor a seu poder, a Prússia começa a procurar unificar os principados do norte da Alemanha através da formação de um bloco econômico protecionista. Esses acontecimentos levam gradualmente ao fim da era liberal, pois a França, Alemanha e Itália (e também os EUA e, depois, a Rússia) vão se tornar suficientemente poderosas para desafiar a Grã-Bretanha e, através do protecionismo, estimular um desenvolvimento mais rápido de suas indústrias. Logo passarão a garantir monopólios comerciais através da expansão de seus próprios impérios coloniais, processo que começa a se acelerar na década de 1860 e acabará por obrigar a própria Grã-Bretanha a retomar sua expansão imperial e fechar seu próprio império ao comércio estrangeiro. 

Os EUA estavam temporariamente afastados da corrida pela expansão imperialista devido aos crescentes conflitos em torno da abolição da escravidão: o agora muito mais rico e poderoso norte capitalista necessitava dos novos territórios e se recusava a permitir a extensão do sistema escravista aos territórios do oeste. Na tentativa de criar um novo espaço para o regime escravista, o aventureiro americano William Walker desembarca na Nicarágua e se apossa do país, pretendendo criar uma extensão do Sul através da anexação das cinco repúblicas da América Central. É, porém, derrotado e fuzilado em 1860 pela união dos exércitos aliados da América Central. Nada mais pode impedir a eclosão da Guerra Civil entre o norte capitalista e o sul escravista, que dura de 1861 a 1865 que resulta na abolição da escravidão sem indenização dos proprietários, que têm seus direitos políticos suspensos por um longo período. Isso resulta em profundas e duradouras cicatrizes sociais e num profundo ódio racial entre negros e brancos no Sul dos EUA. 

Muitos dos sulistas derrotados emigrarão para o Brasil, último grande país a manter o regime escravista e muitos dos ex-escravos norte-americanos migram para as mais acolhedoras ilhas e costas do Caribe, notadamente Haiti e República Dominicana. 
Em compensação, a França inicia a construção de um império colonial capaz de rivalizar com o britânico, conquistando a Indochina, expandindo seus domínios africanos e iniciando a construção do Canal de Suez. A própria Espanha sonha reconstruir seu império e em 1861, um líder conservador da República Dominicana, incapaz de vencer a guerra civil, aproveita-se das suas ambições para pedir a reanexação do país ao Império Espanhol, tornando-se assim capitão-geral espanhol.

No México, o Presidente Benito Juárez, em meio a dificuldades econômicas depois de vencer uma guerra civil, suspende os pagamentos da dívida externa. Isso provoca a intervenção armada da Inglaterra, França e Espanha. Os conservadores mexicanos aproveitam a oportunidade para pedir ao império francês que assuma a proteção da Igreja e de seus interesses e Napoleão III impõe como imperador do México o arquiduque austríaco Maximiliano em 1864.

Simultaneamente, a Espanha continua sua tentativa de recolonizar as Américas, ocupando as ilhas guaneiras do Peru em 1864. Isso faz os países da costa sul-americana do Pacífico – Equador, Peru, Bolívia e Chile – a esquecerem temporariamente suas divergências e se unir na luta contra a antiga metrópole, derrotando sua esquadra em 1868.

A tentativa neocolonial também é derrotada na República Dominicana, onde uma nova revolução liberal expulsa os espanhóis em 1865 e no México, onde Benito Juárez se refugia no norte do país, continua a luta e, em 1867, vence Maximiliano, que morre fuzilado, anexando logo em seguida o Iucatã. A colonização européia está novamente restrita a Cuba e Porto Rico.

Em 1870, o império francês entra em guerra com a Prússia e é derrotado. Em meio à confusão da derrota, um regime operário comunista assume o poder em Paris até ser esmagado pela união das tropas prussianas com o remanescente do exército francês. A França volta a ser uma república burguesa e perde territórios para a Prússia, mas mantém seu novo poder colonial. É o fim da era liberal: a Prússia aproveita sua vitória para proclamar a unificação total da Alemanha sob seu domínio, criando o II Reich; a Itália aproveita a queda do imperador francês para conquistar sua protegida Roma papal e também completar sua unificação. As novas potências adotam medidas francamente protecionistas e iniciam suas respectivas corridas pela conquista da industrialização e de domínios coloniais. A produção e exportação de bens de capital de grande valor unitário (ferrovias, máquinas, infra-estrutura urbana), que exige grande escala e planejamento de longo prazo, torna-se mais importante que a de bens de consumo, levando os próprios governos europeus a incentivar a formação de monopólios, interferir ativamente em suas decisões e conquistar para eles grandes novos mercados na África e Ásia pela força militar. A Alemanha, com sua tradição de pensamento lógico e de disciplina metódica, é particularmente bem-sucedida em construir uma nova e grande base industrial, que supera a britânica e se torna a maior e mais moderna da Europa.

Ao mesmo tempo, as novas grandes potências precisam difundir a educação básica para criar uma mão-de-obra industrialmente qualificada e estimular o entusiasmo patriótico de seus povos para criar uma consciência nacional e atenuar a crise social, cujo perigo havia sido claramente demonstrado pela Comuna de Paris. Nesse quadro, os sindicatos são legalizados, as condições de trabalho são regulamentadas de forma a evitar abusos como o trabalho infantil e as jornadas excessivas. O direito de voto, até então limitado aos que detinham um mínimo de renda, é gradualmente expandido para toda a população masculina. Os movimentos operários ganham a possibilidade de participar das eleições e do poder e gradualmente abandonam seu radicalismo. Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista surge em 1893 e no continente, a partir da morte de Marx em 1883 e sob a liderança de Engels, o próprio marxismo toma um caráter social-democrata e é nessa qualidade que, a partir de 1890, se torna um dos maiores partidos alemães. O Papa Leão XIII, em 1891, endossa as novas políticas sociais através da encíclica Rerum Novarum.
Entretanto, a Península Ibérica, a Europa Oriental e a Itália do Sul são sociedades agrárias onde as novas classes não chegam a impor seu ritmo e nos EUA, os operários industriais são em grande parte formado por imigrantes recentes e sem direitos políticos, pois os trabalhadores nativos preferem obter condições de vida mais dignas no comércio ou nas fartas terras do oeste. Nesses países, o poder não se sentiu na mesma necessidade de fazer concessões ao movimento trabalhista, que continuou liderado pelas facções mais radicais do marxismo (na Europa Oriental) ou pelo anarquismo (no Mediterrâneo), que são exportados para as Américas através da emigração. Um enfrentamento com a polícia que leva à morte de operários anarquistas nos EUA em 1o. de maio de 1890 e transformará a data em feriado comemorativo do movimento trabalhista para quase todos os países do mundo, exceto os próprios Estados Unidos que nesse momento são o último grande reduto de um capitalismo que não sofre quaisquer restrições governamentais. 

Porém, mesmo nos EUA, o capitalismo concorrencial cede lugar à formação de grandes monopólios, freqüentemente dominados por arrivistas pouco escrupulosos, os tycoons ou (menos eufemisticamente) robber barons, que logo se tornam mais ricos e poderosos que a tradicional burguesia européia. Os EUA se tornam uma potência industrial no mesmo nível na Alemanha ou da França, embora ainda não goze do mesmo prestígio militar.

A relativa melhora das condições de vida dos povos da Europa é acompanhada por uma agressiva expansão imperialista na Ásia, na África e na Oceania: até o final do século, cada ilhota e cada aldeia desses continentes terá sido anexada a algum dos monopólios comerciais imperiais e mesmo os teoricamente independentes (China, Pérsia, Sião) são retalhados em "zonas de influência" monopolizadas pelo comércio de impérios europeus. Entretanto, a América Latina ao menos teoricamente preserva sua independência, o que na prática a torna um campo de disputa relativamente livre entre as potências: embora a Grã-Bretanha preserve, até o final do século, sua ascendência econômica no subcontinente, os EUA conquistarão cada vez mais mercados e a França e a Alemanha os superarão quanto à influência cultural e militar. Tanto quanto a África e Ásia, a América Latina depende totalmente da exportação de produtos primários para as potências industrializadas, mas a independência política implica relações de troca um pouco mais favoráveis e significa que ao menos uma parte dos lucros do comércio fica em mãos nativas. Graças a isso, a estrutura governamental e o setor terciário têm um razoável desenvolvimento, criando uma classe média de funcionários públicos e do setor de serviços a partir da qual se desenvolverá um mercado consumidor para as primeiras pequenas indústrias locais, que apesar da concorrência dos produtos importados baratos vão surgindo em São Paulo, Buenos Aires, Medellín, Monterrey e Santiago. Surge, de forma relativamente precoce, um embrião de sociedade moderna.

O único país não-ocidental que escapa da incorporação às zonas de influência dos novos impérios é o Japão. A humilhação de 1854 desmoralizou o xogunato e seu regime feudal e, em 1867, uma revolução que cria um novo regime monarquista baseado numa aliança aristocrático-burguesa, à semelhança da França ou da Prússia. Entretanto, no Japão esse regime, emergindo diretamente de um passado feudal, toma um caráter mais revolucionário do que conservador. Constrói-se uma indústria e um estado modernos e se adota a filosofia e a ciência ocidentais com uma velocidade jamais vista. Em apenas uma década, os últimos vestígios da antiga sociedade são eliminados e o Japão se torna mais uma potência imperialista, competindo com os europeus pelo domínio da Ásia e capaz de vencê-los na guerra, como mostrará derrotando a Rússia em 1905. O governo brasileiro fica suficientemente impressionado pelo progresso do Japão para aceitar a imigração de seu povo junto com a dos europeus.

Nas Américas, o guano do Peru se esgota a partir de 1870 e é crescentemente substituído pelo salitre do norte do Chile, da costa boliviana e do sul da costa peruana. Ao mesmo tempo, os governos do Chile e da Argentina, dotados de novas armas e novos recursos, finalmente derrotam os irredutíveis índios mapuches – o último grande povo indígena livre do continente – e se apoderam do extremo sul do subcontinente antes que caísse sob o controle de alguma potência européia. A influência dos capitais britânicos associados aos chilenos é suficientemente forte para persuadir o governo do Chile a mover uma guerra pelo controle total das minas de salitre em 1879, conseguindo a vitória em 1884. Isso aumenta em 50% o território chileno e dinamiza a economia chilena, mas condena a Bolívia ao isolamento geográfico e à estagnação social e econômica. O Peru também se vê privado de uma riqueza valiosa e a humilhação da derrota afasta definitivamente os caudillos do poder e permite a consolidação de uma república oligárquica fundada nas exportações de cobre, algodão e açúcar.

No Chile, surge uma classe de operários especializados, entram mais capitais estrangeiros e inicia-se o desenvolvimento de uma sociedade moderna nativa. Entretanto, a tentativa do Presidente Balmaceda de promover uma reforma social e promover a industrialização do país seguindo o novo modelo protecionista é frustrada por um golpe militar (apoiado pelos britânicos) que leva ao suicídio do Presidente reformista em 1891. O México também conhece um longo período de desenvolvimento econômico movido pelo capital estrangeiro, a partir da abertura às exportações de produtos agropecuários facilitada pela construção de estradas de ferro e portos sob a ditadura de Porfirio Díaz, a partir de 1876. As primeiras siderúrgicas do subcontinente surgem em Monterrey, fornecendo trilhos para as estradas de ferro.

Na Argentina e no Uruguai, um impulso igualmente forte é dado pela exportação de carne e cereais e pela imigração européia e otomana, que traz consigo qualificações técnicas e comerciais que possibilitam um início de industrialização. A população da Argentina salta de 1,7 milhões em 1869 para 4 milhões em 1895 e se desenvolve rapidamente uma infra-estrutura ferroviária e urbana. Com isso surge, em torno de Buenos Aires, a primeira estrutura social moderna da América Latina, e é fundado em 1890 o primeiro partido político moderno da América Latina, a União Cívica Radical. O país tem, então, uma das mais altas rendas per capita do mundo e um nível de vida comparável com o dos Estados Unidos. Buenos Aires cresceu de 187.000 habitantes em 1869 para 663.000 em 1885, ultrapassando o Rio de Janeiro. Torna-se a maior cidade da América Latina e será uma metrópole sem rival no Hemisfério Sul até a década de 1970, quando será ultrapassada pela Cidade do México e por São Paulo. Embora o desenvolvimento uruguaio comece um pouco mais tarde e seja menos espetacular devido ao pequeno tamanho do país, a partir do final do século seu desenvolvimento político e social é igualmente brilhante e o país será apelidado "a Suíça das Américas".

No Brasil, a imigração européia e agora também japonesa tem um efeito semelhante em São Paulo e no Sul. Entretanto, o regime monarquista e as oligarquias do resto do país continuam aferradas ao decadente modelo escravista, apesar da crescente oposição do exército e do crescente movimento republicano, que alimentam uma forte corrente favorável à imediata abolição da escravidão. No final da década de 80, vários governos municipais e provinciais começam a abolir a escravidão por conta própria e os abolicionistas apóiam a fuga em massa de escravos e a formação de novos quilombos. O exército se recusa a reprimi-los e o Império vê as revoltas de escravos levarem os espanhóis à abolição da escravidão em Porto Rico em 1873 e em Cuba em 1886. Isolada em sua posição reacionária, a monarquia brasileira se vê obrigada a decretar a abolição total e sem indenização da escravidão em 1888. Isso retira sua base de apoio entre a oligarquia rural e leva à sua queda no ano seguinte, quando é proclamado um governo republicano e federalista.

Além do café, o Brasil passa a contar também com a nova riqueza da borracha, que dinamiza a economia da Amazônia e estimula o país a abrir o rio Amazonas à navegação internacional em 1870, estimulando também o Peru a ocupar e explorar seu território amazônico. Atrás das seringueiras, os colonos brasileiros ocupam todas as áreas disponíveis do território nacional e ultrapassam a fronteira para explorar o território boliviano do Acre, que se torna o maior centro mundial de produção de borracha. Os acreanos recusam pagar impostos às autoridades bolivianas e proclamam a independência da região.

Os países do Cone Sul, o Peru e o México entram assim numa fase progressista onde, mais que na própria França, o positivismo de Auguste Comte é aceito em todos os seus aspectos e se torna um dogma entre as elites intelectuais mais esclarecidas, suplantando tanto o aristotelismo católico e conservador quanto o iluminismo liberal. Desenvolvem-se os estudos científicos, a literatura e as artes, mas seguindo modelos europeus (basicamente franceses) com algumas poucas adaptações à paisagem e à história locais (por exemplo, substituindo na literatura do Brasil os heróis medievais do romantismo europeu por heróis indígenas igualmente românticos). França, Alemanha e EUA competem com a Grã-Bretanha para exportar infra-estrutura, bens de capital e armamentos para esses países. Uma dos recursos das novas potências é oferecer treinamento militar e, assim, os exércitos latino-americanos começam a se modernizar e profissionalizar. Os exércitos do Chile e Argentina são treinados na rígida escola prussiana; os do Brasil e Peru no mais democrático estilo francês. As futuras intervenções dos militares na política desses países já não seriam meros golpes personalistas de caudillos, mas sim movimentos do conjunto da corporação militar, geralmente articulada a interesses sociais mais amplos, geralmente de caráter conservador, mas às vezes também progressista.

Os demais países latino-americanos, principalmente os do Caribe, continuam economicamente estagnados e freqüentemente assolados por guerras entre caudillos e por intervenções de potências européias que vêm cobrar dívidas através da diplomacia de canhoneiras. A Nicarágua finalmente conquista o protetorado britânico da Misquítia em 1890, mas o principal dado novo é o crescimento do poder norte-americano, que gradualmente vai se impondo na região caribenha. O primeiro passo é um contrato para a construção de uma ferrovia atravessando o istmo do Panamá em 1864, seguido pela gradual conquista aos europeus do comércio exterior mexicano, através das ferrovias construídas no governo de Porfirio Díaz que, a partir de 1883, começam a se interligar com o sistema ferroviário do oeste americano. Os EUA sonham com transformar a América Latina em uma esfera de influência tão sólida quanto os impérios coloniais europeus: em 1889, convocam em Washington a primeira conferência internacional dos Estados americanos. Nela, tentam impor um tribunal de arbitragem permanente para regrar os conflitos regionais e a formação de uma união alfandegária que garanta aos produtos dos EUA um mercado cativo. Porém, liderados pelo Cone Sul, os países mais ligados à Europa se irritam e torpedeiam esse ingênuo projeto. O chanceler da orgulhosa Argentina, que apesar da baixa industrialização tinha uma renda per capita equivalente à dos EUA, repudia a fórmula de Monroe "a América para os americanos" em nome de um mais ecumênico "a América para a humanidade".

Em 1880, o governo da Colômbia volta a dar prioridade aos europeus contratando com um grupo francês a construção de um canal marítimo através do Istmo, mas a empresa se vê envolvida num escândalo financeiro e praticamente vai à falência em 1891. Isso dá oportunidade aos EUA de alcançarem sua almejada liderança nas Américas, que começa pela conquista das colônias espanholas de Cuba e Porto Rico (junto com as Filipinas), que passam do domínio colonial espanhol para o norte-americano em 1898. Os EUA começam a negociar a aquisição do direito de construção do canal do Panamá aos franceses, enquanto a Colômbia (em 1899) volta a cair numa guerra civil, desencadeada pelo regime unitário novamente imposto pelos conservadores a partir de 1886. 


1900-1918


Em 1901, os EUA concedem a independência à Cuba, mas impõem a aprovação de uma emenda constitucional que lhes dá o direito a intervir sempre que considerassem seus direitos ameaçados e a possuir permanentemente a base naval em Guantánamo. Porto Rico, porém, é praticamente anexada e, em 1917, seu povo recebe a cidadania norte-americana.

O governo boliviano cogita arrendar o Acre rebelde aos EUA, mas a diplomacia brasileira a convence a aceitar ceder a região ao próprio Brasil em 1903, em troca de uma indenização e da construção de uma estrada de ferro que deu aos bolivianos acesso à navegação na Amazônia. O Brasil se torna praticamente o único fornecedor mundial de borracha.
A guerra civil colombiana termina em 1902 com uma vitória dos conservadores obtida à custa de cem mil mortes, mas os liberais e separatista predominam no Panamá. Os EUA, nesse mesmo ano, obtêm dos franceses o contrato de construção do canal, mas as condições que exigem do governo colombiano não são aceitas pelo seu legislativo. Os EUA, então, estimulam o separatismo panamenho e reconhecem imediatamente a independência do novo país, enviando seus cruzadores para protegê-lo. Em compensação, o Panamá, cuja negociação é muito mal conduzida por seu representante francês, vê-se a aceitar condições ainda mais duras que as anteriormente oferecidas à Colômbia, incluindo a soberania perpétua dos EUA sobre a Zona do Canal em troca de dez milhões de dólares e de um pagamento anual quase simbólico (US$ 250 mil). A construção atrai um novo grande contingente de trabalhadores chineses, que depois de sua conclusão se fixam no país ou em seus vizinhos da América Central.

Os norte-americanos inauguram a política do big stick intervindo na República Dominicana (1905) para controlar suas receitas alfandegárias, em Cuba (1906, de acordo com o direito concedido pela própria constituição cubana) e na Nicarágua (1909) para colocar no poder um presidente conservador e preparar a construção de um segundo canal interoceânico (idéia depois abandonada). 

Em compensação, no México a influência americana sofre um considerável golpe, dado pela primeira grande revolução popular latino-americana. Pela sexta vez, o ditador Porfirio Díaz se elege fraudulentamente em 1910, mas desta vez seu adversário Madero foge da prisão, obtém o apoio do líder guerrilheiro camponês Zapata no sul e do líder bandoleiro Pancho Villa no norte, obriga o ditador a renunciar e, após nova eleição assume a presidência. Restabelece os direitos civis e cria um imposto sobre a produção de petróleo que lhe custa a inimizade de ingleses e americanos, mas nada propõe de concreto em relação ao problema agrário e monta um gabinete composto principalmente por ex-partidários de Porfírio. 

Os camponeses de Zapata, sentindo-se traídos, imediatamente radicalizam sua revolta e decretam a expropriação sem indenização dos latifundiários do estado de Morelos; no norte, o general Orozco também se subleva, acusando Madero de traição; Pancho Villa é preso, mas logo foge da prisão. Finalmente, em 1913, três generais se rebelam na capital e atacam o Palácio Nacional. Madero nomeia Victoriano Huerta para reprimir o golpe, mas este, com apoio dos EUA, se alia aos golpistas, toma o poder, manda fuzilar Madero e seus partidários e intensifica a repressão. Milhares de zapatistas são presos e deportados para o Iucatã e um grande número de mexicanos se refugia nos EUA, somando-se aos chicanos que lá permaneceram após a anexação de 1848.

Os estados do norte, entretanto, não aceitam a ditadura de Huerta e se rebelam, liderados pelo governador maderista Carranza, que obtém o apoio de Pancho Villa, Zapata e de militantes anarquistas da capital. No ano seguinte (1914) os revolucionários são ajudados pelos resultados das eleições dos EUA colocam na Presidência o democrata Wilson, que manda seus fuzileiros apoiarem Carranza. Com isso, Huerta é obrigado a se render e as tropas norte-americanas se retiram.

Os revolucionários vitoriosos se dividem: os líderes camponeses Villa e Zapata, que ocupavam a capital, exigem a entrega das terras às comunidades camponesas e se unem contra os intelectuais e os operários anarquistas que aceitavam a liderança de Carranza e estavam mais interessados em reformas sociais urbanas e na modernização do país. Porém, Carranza recupera a capital e o centro do país e, em 1915, vence Pancho Villa, que volta a ser um líder guerrilheiro, dedicando-se a fuzilar os viajantes norte-americanos dos trens tomados de assalto e a atacar as cidades norte-americanas da fronteira. Uma expedição norte-americana sob o comando do general norte-americano Pershing invade o norte do México à caça de Pancho Villa, mas não consegue capturar o ex-bandoleiro, que conta com grande apoio popular. Zapata continua controlando o estado de Morelos até 1919.

Carranza dedica-se a construir uma ordem política mais estável. Os latifundiários e os capitalistas estrangeiros, saqueados e atemorizados pelos líderes camponeses, aceitaram seu governo revolucionário como um mal menor, que ao menos possibilitava a ordem e o progresso econômico. Em 5 de fevereiro de 1917, é promulgada uma das mais revolucionárias Constituições de sua época, fortemente socializante, apesar da total ausência de influência marxista na Revolução Mexicana. Todas as terras e todas as riquezas do subsolo passaram a pertencer à Nação, que as redistribui a particulares e a organizações comunitárias através de concessões. As concessões de terra para agricultura são limitadas a um tamanho máximo e negadas a estrangeiros, sociedades anônimas, empresas não-agrícolas e organizações religiosas. As propriedades comunitárias indígenas são preservadas e, pela primeira vez na história, são incorporados a uma constituição nacional medidas sociais e trabalhistas: jornada de oito horas, salário mínimo, restrição ao trabalho infantil, direito de greve etc. O ensino religioso é proibido.

Enquanto isso, em 1914, as tensões acumuladas entre os impérios colonialistas europeus a partir do esgotamento das terras conquistáveis do planeta e da saturação dos mercados de bens de capital finalmente explodem em guerra generalizada, opondo os impérios alemão, austríaco, búlgaro e otomano aos aliados – Grã-Bretanha, França, Japão, Rússia e outros menos importantes (o que inclui Portugal). A América Latina é a única grande região que se mantém totalmente a margem dessa I Guerra Mundial, salvo pela participação simbólica da marinha brasileira no patrulhamento das águas africanas ao lado dos aliados. Inicialmente, os Impérios Centrais conseguem importantes vitórias na frente oriental, que acabam por levar a Rússia a capitular. A derrota humilhante leva à queda do regime czarista na Rússia em 1917, inicialmente substituído por um regime republicano liberal logo deposto por um levante do partido socialista bolchevique liderado por Lênin e Trótski. Apesar da oposição dos socialistas mencheviques (social-democratas) e das outras facções da esquerda, os bolcheviques assumem o poder absoluto em nome dos conselhos revolucionários (em russo, sovietes) formados por operários, soldados e camponeses. Em compensação, os EUA entravam na guerra, somando aos aliados seus imensos recursos econômicos. O México recebe uma estapafúrdia proposta da Alemanha de se juntar à guerra em troca da recuperação dos territórios conquistados pelos EUA, mas tem o bom senso de não a levar em consideração. O resultado é o destroçamento dos impérios austro-húngaro e otomano e o fim do império colonial alemão e de sua monarquia em 1918, mas também o surgimento de uma nova e inquietante potência militar – os Estados Unidos – e de uma força revolucionária comunista que busca abertamente sua propagação pelo resto do mundo – a União Soviética. 


1918-1930


Os países europeus caem num impasse econômico mais grave do que o anterior à guerra, com pouco espaço para expandir sua economia e agora afetados por uma inflação generalizada decorrente das despesas militares. Começam a haver sérias rebeliões nos seus impérios coloniais e o império britânico é obrigado a recuar pela primeira vez, aceitando a separação da Irlanda e a crescente autonomia dos seus dominions. Insiste, entretanto, em manter seu poder intacto na Índia, onde Gandhi e Nehru iniciam uma campanha de desobediência civil e resistência pacífica à ocupação: os ingleses não sabem o que fazer com as multidões que protestam pacificamente e se deixam prender superlotando as prisões.

A inquietação social volta a crescer e no movimento operário ocorre um renascimento do marxismo radical, alimentado pelo sucesso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que consegue estabilizar seu poder após três anos de sangrenta guerra civil contra os anticomunistas apoiados pelas potências ocidentais. Entretanto, ao contrário do que esperavam os líderes soviéticos, os socialistas radicais do ocidente (que adotam o nome de comunistas para se diferenciarem dos social-democratas) fracassam em tomar o poder em seus países e a revolução russa permanecia um fato isolado, cujo sucesso a longo prazo se tornava duvidoso. Do ponto de vista cultural, o período é fértil – surgem o cinema, a psicanálise, a arte e a literatura modernas e a ciência faz novas e surpreendentes descobertas que abrem possibilidades totalmente inesperadas e levam à teoria da relatividade e à mecânica quântica. Porém, o público pouco ou nada compreende das novas idéias, os próprios filósofos e cientistas profissionais se sentem perplexos e de forma geral os políticos e sociólogos – dos mais conservadores aos mais revolucionários – as consideram nocivas ou irrelevantes. Abre-se verdadeiros abismos entre as vanguardas, a média intelectualidade e a cultura de massa que até hoje não foram preenchidos; as idéias predominantes continuarão sendo, por muito tempo, as do século XIX.

Uma exceção ao quadro de estagnação econômica e conflito social da maior parte do mundo capitalista na primeira década após a grande guerra foram os EUA. Novas e surpreendentemente eficazes técnicas de organização do trabalho, criadas por Taylor e Ford na virada do século, foram difundidas pelo esforço de guerra e inicaram uma verdadeira segunda revolução industrial. Essas técnicas simplificaram o processo de trabalho, economizaram esforço físico e substituíram mão-de-obra altamente qualificada por trabalhadores pouco qualificados mas relativamente bem pagos a ponto de reduzir brutalmente o custo de bens de consumo duráveis – tais como automóveis – e torná-los acessíveis a uma grande parte da população. Incidentalmente, também permitiram a incorporação da mão-de-obra feminina à indústria e ao comércio, expandindo ainda mais a renda familiar, o mercado de consumo popular e a importância social do segundo sexo, que obtém o direito de voto em 1920. 

Infelizmente, a obsessão com a produtividade também levou à repressão violenta do movimento sindical e à proibição das bebidas alcóolicas, que trouxe violência, corrupção e expansão do crime organizado. Isto, porém, não impediu a criação de um novo, imprevisto e imenso mercado, que permitiu a continuação do boom econômico norte-americano ao longo de toda a década de 20. Sua indústria dobrou em dez anos e atingiu uma escala sem rival na Europa – produzia, por exemplo, 4 ou 5 milhões de carros por ano, contra 200 mil do Reino Unido ou da França, reduzindo-as a potências industriais de segunda classe. Entretanto, embora seus excessivamente competitivos, imediatistas e ambiciosos magnatas norte-americanos não se apercebessem de estar chegando a seus limites, mesmo o grande mercado interno americano não era infinito. Em 1929 uma inesperada crise, que em questão de meses reduziu em 54% a produção industrial, colocou 17 milhões de trabalhadores americanos no desemprego e agravou a crise dos demais países, privados do último grande mercado em expansão: três milhões ficam desempregados no Reino Unido e seis milhões na Alemanha.

Na URSS, com a morte de Lênin em 1924, a ala dos antigos líderes revolucionários – liderados por Trótski, que insistia que só a exportação da revolução garantiria sua vitória – é derrotada e seu líder se exila no México. O poder cai nas mãos de uma facção mais autoritária e burocrática, liderada por Stálin, que pretendia seguir uma política externa mais discreta e concentrar esforços na construção por quaisquer meios de um poder industrial e militar capaz de resistir ao Ocidente. Consegue o que quer – através de dois planos qüinqüenais, a partir de 1927 o vasto e até então quase todo rural território do antigo império czarista se enche de novas e grandes cidades e pólos industriais (Stalingrado, Stalino, Rostov, Gorki, Kharkov etc.), a produção siderúrgica soviética passa de menos de metade da britânica para quase seu dobro e as novas técnicas de produtividade americanas são adotadas. O salto é quase tão espetacular quanto o do Japão no século XIX, mas seu custo humano é muito mais alto: para esse resultado, morrem mais de onze milhões de oposicionistas, na maioria pequenos proprietários rurais submetidos a trabalhos forçados sob péssimas condições ou fuzilados por se resistirem ao processo de coletivização e industrialização.

A crescente ameaça do comunismo leva os conservadores, nos países mais estagnados e socialmente agitados, a apoiar a instalação de regimes igualmente totalitários mas que preservassem a ordem tradicional e a propriedade. O primeiro caso é a Itália fascista, em 1922, seguida por Portugal e por alguns dos novos países europeus mais a leste. Os novos regimes se fundam em partidos únicos que pretendem representar o conjunto da nação e de sua "raça" e defender ao mesmo tempo o interesse das classes trabalhadoras e das patronais, substituindo os sindicatos e os partidos tradicionais e garantindo, ao mesmo tempo, melhores salários, melhor assistência social e maiores lucros. Porém, num quadro de estagnação internacional persistente e generalizada, cumprir a promessa implicava obter a ampliação de mercados através da conquista militar ou da própria indústria armamentista criada para isso. A Itália faz exatamente isso, conquistando os vizinhos mais frágeis (Albânia e Etiópia) e ameaçando os mais poderosos de forma a justificar uma corrida armamentista e alimentar o sonho de criar um império mediterrâneo sucessor dos antigos romanos.

Para a América Latina, uma das principais conseqüências da I Guerra Mundial também é o crescimento do poder norte-americano, que substitui a Grã-Bretanha como poder hegemônico sobre a América Central, Caribe e região Andina, onde passa a investir na extração de petróleo e no cultivo de produtos tropicais, dando origem às banana republics da América Central – principalmente Honduras, que se torna o maior exportador mundial de bananas – e ao explosivo desenvolvimento da Venezuela, que se torna um novo pólo atrator de imigrantes europeus. O capital americano (e, em menor escala o britânico) também transforma México, Colômbia, Equador e Peru em produtores de petróleo de menor escala, reforçando seus mercados internos e dando algum estímulo ao desenvolvimento industrial até 1950, quando suas jazidas, excessivamente exploradas, começaram a se esgotar. O Paraguai finalmente rompe seu isolamento em 1920 na tentativa de atrair investidores, mas tem pouco mais a oferecer além de uma vaga possibilidade de existência de petróleo, que não veio a ser comprovada. Na Argentina, os capitais estrangeiros também iniciaram a produção de petróleo, mas com a concorrência da estatal YPF.

A Colômbia firma um acordo de fronteiras com o Equador que lhe transfere territórios que aquele país considerava como seu, mas que também era reivindicado pelo Peru. Depois de um breve confronto, o Peru aceita esse acordo de fronteiras para melhor isolar o Equador, cuja reivindicação era mais séria e abrangia uma grande parte da Amazônia peruana que foi ransferida do Equador para o Peru pela Espanha pouco antes da independência. A ditadura peruana inicia um processo de modernização mais acelerada do país com capitais norte-americanos.

A partir de 1915, os EUA intervêm novamente no Haiti, na República Dominicana e na Nicarágua. Sob o pretexto de encerrar a era dos caudillos e pôr termo ao "relaxamento geral dos laços da sociedade civilizada" (segundo Theodore Roosevelt), são impostos governos militares norte-americanos que se mantêm por mais de uma década. Na República Dominicana se retiram em 1926, mas a guarda nacional treinada pelos norte-americanos coloca no poder o ditador Trujillo, um dos mais duradouros e caricaturais da história do subcontinente. Os EUA arbitram também conflitos de fronteira que surgem entre Honduras e a Nicarágua e causam a "guerra filatélica" em 1931 (devida à emissão de selos de correio dos dois países que estampavam limites diferentes).

Outra conseqüencia importante é o desenvolvimento da indústria de bens de consumo do Cone Sul, visto que a paralisação do comércio internacional elimina temporariamente a concorrência dos produtos industrializados europeus e a classe média local, originada do comércio exterior do século XIX, já constitui um mercado consumidor de certa importância. Por outro lado, é prejudicada sua tradicional exportação de produtos agrícolas e minerais, em alguns casos de forma permanente: a borracha brasileira é substituída pelos seringais cultivados pela Grã-Bretanha na Malásia, o salitre chileno é substituído pelo produto sintetizado pelos químicos alemães na luta para tornar seu país economicamente auto-suficiente e o café, embora continue importante, cede lugar ao petróleo como principal item do comércio mundial. 

A burguesia industrial, os operários e as classes médias passam a ser forças importantes nesses países e a pressionar por uma política que preserve seus interesses e mantenha a prosperidade apesar do enfraquecimento das exportações de produtos primários. Mais especificamente: protegendo a indústria nacional através de barreiras alfandegárias e retirando os recursos naturais das mãos das transnacionais européias para administrá-las em benefício do desenvolvimento nacional. A Argentina leva a União Cívica Radical ao poder em 1916, para criar a primeira grande empresa estatal da América Latina, a YPF. O Chile, aproveitando a mão-de-obra treinada na falida indústria do salitre tenta construir uma indústria pequena mas moderna, voltada para o mercado interno, mas o governo conservador precisa constantemente enfrentar a oposição de um movimento sindical que já é o mais militante do subcontinente; no Peru, a industrialização é mais precária, mas a situação é similar. Na Colômbia, a decadência do café leva os fazendeiros da região de Medellín a investirem seus capitais nas novas indústrias que surgiam na cidade. No Brasil, a indústria de São Paulo cresce pelo mesmo motivo e já atenderá nos anos 30 à maior parte das necessidades nacionais nos setores têxtil, de calçados, de alimentos e de móveis. Esse Estado, enriquecido também pelo café, forma uma aliança com o Estado de Minas Gerais – o mais populoso do país e o segundo mais rico, graças à mineração e à pecuária – e assim consolida uma hegemonia absoluta sobre a federação brasileira. 
No México, Zapata é assassinado em 1919, mas seu movimento continua vivo no sul do México e recebe o apoio de outros insatisfeitos com a moderação de Carranza na implantação das reformas social e agrária. O general Obregón, um dos comandantes do exército revolucionário de Carranza, postula sua candidatura contra o candidato oficial em 1920. Carranza manda prendê-lo, mas Obregón foge e alia-se aos zapatistas, iniciando uma nova revolução. Carranza é morto, Obregón toma o poder e o exército guerrilheiro zapatista é incorporado ao exército nacional. Pancho Villa entrega-se e passa a viver em sua fazenda, onde seria assassinado em 1923. Apesar da radicalização da revolução, Obregón consegue, finalmente, a estabilidade institucional. O programa de reforma agrária é implementado e 10,6 milhões de hectares são distribuídos a 870 mil camponeses. A conservadora Igreja Católica é duramente reprimida e reage apoiando a guerrilha dos cristeros, e em 1928 Obregón é assassinado por um jovem crente. É, porém, sucedido por Calles, que continua sua política e em 1929 promove a fusão dos zapatistas do Partido Agrário Nacional com as demais correntes revolucionárias. Forma-se assim o Partido Nacional Revolucionário, atual Partido Revolucionário Institucional (PRI), que até hoje controla as Forças Armadas, as organizações populares e sindicais e a burocracia estatal mexicana. A confederação sindical salta de 70 mil para 1 milhão de filiados, mas é totalmente controlada pelo regime semi-socialista de partido único.

Com o fim da guerra, os países do Cone Sul ganham uma maior autonomia econômica, mas se mantém na órbita britânica: o poder norte-americano ainda não alcançava o extremo sul do continente. Os movimentos operários locais, inicialmente de inspiração anarquista mas agora crescentemente comunistas, se tornam mais importantes que as tradicionais rebeliões rurais e que os conflitos entre liberais e conservadores, mas sem alcançar a dimensão que tinham na Europa. Nesses países, como no México, se faz sentir a influência da literatura e da arte modernista européia, com sua ênfase mais na criatividade do que em padrões estéticos rígidos; isto dá oportunidade para que se inicie o desenvolvimento de uma arte e literatura autenticamente latino-americanas.


1930-1950


A Itália fascista não chega a ser uma ameaça séria para as grandes potências, mas com a Alemanha seria outra história. Embora o regime republicano e social-democrata que emergiu da derrota do kaiser contasse com uma dinâmica base industrial pouco afetada pela guerra e não se incluísse de forma alguma entre os países socialmente atrasados, as excessivas indenizações de guerra exigidas pelos aliados levaram à pior crise econômia da Europa e uma hiperinflação que reduziu o marco a um trilionésimo de seu valor original. O caos econômico e social, agravado pela crise norte-americana, levou em 1933 a um regime análogo ao fascista, que se denominou nacional-socialista, ou nazista. A principal diferença em relação à Itália era o muito maior desenvolvimento industrial e a tradição cultural dogmática da Alemanha, que levou seus líderes a idéias ainda mais delirantes e megalomaníacas: nada menos que criar o III Reich, um império mundial, destinado a durar mil anos da "raça ariana": uma mistura confusa de uma noção cultural e lingüística – a família dos povos indo-europeus – com uma noção propriamente biológica – o grupo étnico nórdico, que no entanto sempre abrangeu, além dos escandinavos, apenas uma pequena parte da população alemã. À Itália e Alemanha, junta-se também o Japão, cujo regime aristocrático de estilo prussiano e militarista facilmente se adapta ao novo figurino fascista, adotando idéias imperialistas e racistas análogas e partindo para a conquista da China, último grande país indepente da Ásia.

Felizmente para o mundo, a resposta norte-americana à crise foi mais civilizada. O fracasso do governo republicano em controlar a crise pelos meios convencionais levou o partido democrata – que tradicionalmente era apenas um defensor de uma maior autonomia dos Estados e de menor intervenção no exterior, com penetração geralmente restrita ao Sul – adota um programa de governo intervencionista mas democrático, inspirado nas idéias do economista britânico Keynes. Vence as eleições de 1933 e substitui o liberalismo por um programa quase social-democrata, subvencionando a agricultura, regulamentando preços, salários e condições de trabalho, abolindo a proibição das bebidas alcoólicas e eliminando o desemprego através de programas de construção financiados com recursos públicos, que incluem grandes projetos de planejamento regional em grande escala (grandes hidroelétricas e projetos de irrigação). O movimento sindical se alia ao novo presidente Roosevelt e atinge o auge de sua influência no país, a população em geral recupera sua confiança na democracia e os únicos insatisfeitos são os liberais mais dogmáticos e os tycoons à moda antiga, obrigados a praticar um capitalismo mais civilizado. Roosevelt torna-se tão popular que será reeleito três vezes, caso único na história norte-americana.
Além disso, Roosevelt encerra a política de intervenção armada na América Latina, pregando uma política de "boa vizinhança". Na Nicarágua, onde a presença norte-americana estava sendo combatida pela guerrilha liderada por Augusto Sandino, os americanos se retiram em 1933. Entretanto, o comandante da guarda nacional Anastasio Somoza aproveita uma reunião de negociação com os rebeldes para assassinar Sandino e inaugurar uma ditadura análoga à de Trujillo. No Haiti, os EUA se retiram em 1934, deixando no poder uma elite mulata de cultura francesa, hostil à maioria negra que havia governado o país desde a independência. Em Cuba, em comum acordo com o governo americano, é revogado o dispositivo constitucional que permitia os EUA intervir na sua política interna. 

Uma frente democrática de esquerda – liberal (num sentido latino), socialista e anarquista – obtém, na seqüência da grande crise, uma vitória na Espanha, onde derruba a tradicional e obscurantista monarquia em 1931. Porém, em 1936 o general direitista Franco se rebela, obtém apoio dos regimes fascistas da Alemanha e Itália e derrota o regime republicano em 1939, criando um reduto fascista que duraria até 1975.

Nos grandes países da América Latina, a crise norte-americana de 1930 também teve um impacto considerável, que recebeu muitas diferentes respostas. Em primeiro lugar, reduziu drasticamente o mercado internacional de café e derrubou seus preços, o que provocou uma crise no sistema de poder brasileiro e a única verdadeira revolução da história do país, que leva ao poder o governador nacionalista Getúlio Vargas, do Rio Grande do Sul, no lugar da tradicional oligarquia de São Paulo. O Estado de São Paulo se rebela em 1932, mas é vencido e o governo federal propõe amplas reformas democráticas e sociais e suspende o pagamento da dívida externa, obtendo apoio popular contra as oligarquias tradicionais. 

Em El Salvador, a queda das cotações de café tem conseqüências ainda mais graves: centenas de milhares de camponeses pobres passaram fome, criando condições para uma insurreição popular dirigida pelo Partido Comunista, então liderado por Farabundo Martí, ex-secretário de Sandino na sua luta contra a intervenção norte-americana. A rebelião é afogada em sangue em 1932, iniciando o governo particularmente repressivo do general Hernández Martínez, que governou o país até 1944 e era um teósofo convicto que acreditava ser mais criminoso esmagar uma formiga que matar um homem, já que este pode se reencarnar.

Ao contrário do café, o petróleo continuava essencial e mantinha sua importância comercial. Bolívia e Paraguai iniciam uma guerra pelo território do Chaco e suas supostas riquezas petrolíferas (até hoje não descobertas), que termina em 1935 com uma arbitragem norte-americana que deixa 80% do território disputado com o Paraguai. A derrota humilhante da Bolívia marca o início da formação de sua consciência nacional e da decadência da era dos caudillos, que cada vez mais cederiam lugar a partidos ou militares de orientação nacionalista e antioligárquica. 

O Peru enfrenta o Equador pelas jazidas petrolíferas da Amazônia e garante seu controle do Alto Amazonas em 1942. Na Colômbia e Venezuela, a prosperidade trazida pelo petróleo garante a estabilidade de seus regimes conservadores. No México, as eleições de 1934 opõem o intelectual revolucionário José Vasconcellos ao general Lázaro Cárdenas. Vasconcellos aceita a derrota, apesar da prisão de seus partidários e da evidente fraude a favor de Cárdenas, e se exila. Lázaro Cárdenas aprofunda a reforma agrária e trata de tirar o máximo proveito possível do petróleo: expropria os bens das empresas petrolíferas estrangeiras e nacionaliza o petróleo, criando a PEMEX. Além disso, promove a industrialização do país e a ampliação da rede de escolas. 

Na Argentina, o governo centrista da UCR tenta seguir o exemplo mexicano, mas a crise leva à queda da democracia e ao início de uma década de autoritarismo, golpes de Estado, explosões sociais e fraudes eleitorais. O padrão de vida, porém, ainda é de longe o mais elevado da América Latina e comparável ao do Canadá; alguns de seus líderes se consideram, com certo orgulho, os governadores do sexto dominion britânico (depois da Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Canadá). No Chile, ao contrário, a crise desestabiliza o governo autoritário conservador e leva ao poder uma Frente Popular, que consegue unir a burguesia nacionalista aos partidos Socialista e Comunista e governar o país de 1936 a 1952. No Peru, a nova conjuntura também parece favorável à ascensão do APRA, partido nacionalista inspirado no PRI mexicano, mas a oposição conservadora impede sua posse, originando uma série de regimes militares. Em 1942, o Equador é derrotado pelo Peru numa guerra pelos disputados territórios amazônicos, que passam definitivamente ao controle peruano.

Os partidos comunistas de todo o mundo, embora muitas vezes fundados com a participação de legítimos líderes populares locais, deixam-se fascinar pela União Soviética a ponto de se tornarem meros títeres e aplicarem cegamente as orientações de Stálin, muitas vezes desastrosas, principalmente quando aplicadas em condições muito diferentes das européias. Embora obtenha algumas adesões na Espanha e na América Latina, Trótski fracassa em organizar um grande movimento comunista independente e é assassinado no México em 1940, por um agente soviético. Assim, alguns partidos comunistas deixam-se estupidamente esmagar ao seguir orientações soviéticas para tentar a tomada do poder: é o que ocorre no Brasil em 1935 e, dois anos depois, Getúlio Vargas se aproveita dessa ridícula tentativa de golpe comunista para justificar a implantação de um regime semifascista, incluindo reformas sociais e sindicatos operários e patronais controlados pelo Estado, mas não a um partido único (na verdade, todos os partidos são proibidos, inclusive o fascista). É seguido, em 1939, pela Argentina, onde o regime conservador pró-britânico é substituído por um regime semifascista semelhante, porém ainda mais simpático ao Eixo. Governos pró-fascistas surgiram também na América Central e na Bolívia.

Enquanto isso, o III Reich cresce em poder militar e agressividade. Depois romper unilateralmente com as limitações armamentistas impostas pelos aliados, ajuda a esmagar os republicanos na Espanha, anexa a Áustria e ameaça fazer o mesmo com a Tchecoslováquia. Grã-Bretanha e França, porém, hesitam em iniciar uma guerra de conseqüências imprevisíveis e preferem que o nazismo se mantenha como um contrapeso estabilizador ao poder soviético. Assim, na conferência de paz de 1938 em Munique, decidem permitir que Hitler anexe parte da Tchecoslováquia. Porém, logo em seguida o Reich se apodera do restante do país e, logo em seguida, firma um surpreendente pacto de não-agressão com Stálin, que não vê outra maneira de se proteger da atitude dos aliados ocidentais. 

Em 1939, Hitler invade e esmaga a Polônia; os aliados, dado que sua suposta utilidade em conter o comunismo desaparecia, declararam guerra, enquanto a URSS avançava para ocupar a fatia da Polônia e dos países bálticos que lhe havia sido garantida pelo pacto com o nazismo. A seguir, Hitler invade a Escandinávia para se apoderar das ricas reservas minerais norueguesas, enquanto os aliados assumem uma postura defensiva. Porém, a ágil e moderna máquina de guerra nazista ocupa a Holanda e a Bélgica em poucos dias, contorna facilmente as fortificações da linha Maginot e invade inesperadamente a França pelo norte, levando-a a capitular em apenas quarenta dias de guerra. O norte do país é ocupado pelo Reich e no sul se instala um governo fantoche fascista. A Grã-Bretanha é protegida de uma invasão pela sua ainda poderosa esquadra, mas pela primeira vez seu território é maciçamente atingido por bombardeios aéreos. O Japão aproveita-se para invadir as colônias britânicas, francesas e holandesas do Sudeste Asiático e a Itália para tentar se apoderar da Iugoslávia e da Grécia. Entretanto, o exército italiano se mostra incompetente para dominar qualquer força superior à da minúscula Albânia ou da atrasada Etiópia; os nazistas se vêem obrigados a partir em seu socorro e ocupar a Península Balcânica antes que ela se tornasse uma base britânica. O arrogante Mussolini se torna mais um satélite de Hitler.

A Grã-Bretanha não tinha condições de lançar um contra-ataque imediato, mas foi capaz de destruir a esquadra alemã no Atlântico e de se defender – com sua aviação dirigida pela nova tecnologia do radar e com a decodificação dos códigos secretos alemães obtida através dos primeiros computadores. Incapaz de conquistar uma superioridade decisiva no mar ou no ar e enfrentando a insatisfação do povo alemão com o prolongamento da guerra e das suas privações, Hitler decide adiar o problema britânico e partir para seu maior projeto: conquistar a Rússia e construir um grande império colonial no mundo eslavo, à semelhança do que ensaiava na Polônia ocupada, cujas instituições educacionais e culturais iam sendo destruídas para permitir sua transformação numa colônia de servos semi-analfabetos. Em 1941, invade a URSS, para imensa surpresa de Stálin, que não a esperava para tão cedo. Suas fronteiras estavam relativamente desguarnecidas e o comando de seu exército havia sido desfalcado pelo comportamento paranóico do ditador comunista, que eliminava suas melhores lideranças à menor suspeita de infidelidade pessoal ou de heterodoxia política. Assim, os alemães avançaram rapidamente até as portas de Moscou e Leningrado e conquistaram uma enorme fonte de alimentos e recursos, suficientes para restaurar a confiança do povo alemão na genialidade do Führer a ponto de fecharem os olhos para todas as suas loucuras, a começar pelo início do extermínio sistemático de todos os que não se enquadrassem em seu ideal de uma pura e coesa raça ariana: quatro a seis milhões de judeus, além de centenas de milhares de esquerdistas, homossexuais, ciganos e deficientes físicos ou mentais.

Entretanto, Stálin ao menos havia sido eficaz em prover seu país de uma sólida base industrial difundida pelas regiões mais inacessíveis do país, e de um exército tão disciplinado e bem armado quanto o alemão. Apesar da falta de comandantes soviéticos experientes, o inverno russo atrapalhou os nazistas o suficiente para permitir à URSS organizar um contra-ataque, detendo o avanço de Hitler e permitindo que Stálin providenciasse a transferência de seus pólos industriais mais ameaçados para os Urais e para a Sibéria. Ao mesmo tempo, o Japão decidiu iniciar sua expansão pelo Pacífico e destruíu com seus aviões a frota norte-americana ancorada em Pearl Harbor, lançando os EUA na guerra e a transformando numa verdadeira II Guerra Mundial. 

Em 1942, os alemães e seus satélites retomam a ofensiva, desta vez visando os campos petrolíferos do mar Cáspio. Entretanto, ao tentarem a tomada de Stalingrado são, pela primeira vez, fragorosamente derrotados e obrigados a recuar. Ao mesmo tempo, britânicos e norte-americanos começam a articular seu contra-ataque a partir da África do Norte italiana e francesa, que é invadida pelos aliados com a colaboração dos dissidentes franceses liderados por De Gaulle. 

Além disso, Roosevelt acelera a construção de uma imensa máquina militar através de um planejamento econômico estatal sem disfarces, incluindo o congelamento de preços e salários. A principal confederação sindical protesta com uma grande greve, mas sua atitude é tão repudiada pela opinião pública e pelos meios de comunicação que o poder sindical nos EUA sofreu sua maior derrota e nunca mais voltou a ter o prestígio de que chegou a desfrutar na década de 30. Roosevelt também busca conseguir que os países da América Latina se unam aos aliados e recusem seus recursos naturais ao Eixo, dos semi-socialistas México e Chile aos semifascistas Brasil e Argentina. Na Zona do Canal do Panamá, os EUA fundam a Escola das Américas, que nas próximas décadas profissionalizará os exércitos dos países latino-americanos que ainda emergiam da era dos caudillos e treinará e doutrinará 44 mil oficiais latino-americanos no combate aos inimigos dos EUA por todos os meios.

Em 1943, os aliados derrotam as dez divisões alemãs na África e iniciam a invasão da Itália, enquanto uma batalha ainda maior se trava na frente russa, onde 200 divisões alemãs enfrentam um contingente russo comparável em Kursk. A invasão da Itália obriga os alemães a transferir alguns recursos da frente oriental e ceder terreno aos soviéticos; para piorar as coisas para seu lado, os italianos começam a conspirar contra Mussolini e o aprisionam no momento em que os aliados desembarcavam no território peninsular, anunciando que a Itália mudava de idéia e passava a apoiar os aliados. O exército alemão já estava solidamente entrincheirado no território italiano e conseguiu manter o controle do norte da Itália e resgatar Mussolini da prisão para governá-lo, mas na frente russa já não conseguiam deter o avanço soviético, que recupera a maior parte do terreno perdido e priva o Reich de sua maior fonte de alimentos e recursos. Seu exército começa a sofrer o mesmo destino das tropas de Napoleão e morre de fome e frio. Porém, Hitler ainda guardava alguns ases na manga: aviões a jato e mísseis capazes de alcançar a Grã-Bretanha e talvez de transportar até os EUA a bomba atômica que seus cientistas estavam desenvolvendo. Cientistas alemães e italianos exilados advertiram os aliados do perigo e convenceram Roosevelt a desenvolver suas próprias armas nucleares e priorizar o bombardeio dos centros industriais e científicos alemães onde as novas armas estariam sendo desenvolvidas. Começam os bombardeios sobre a Alemanha; o desenvolvimento das novas armas é suspenso devido à destruição do centro de pesquisas dirigido por von Braun e à urgência em produzir armas convencionais. Os mísseis chegam a ser lançados sobre Londres, mas na falta de ogivas nucleares causam muito menos estrago que os maciços bombardeios convencionais aliados.

O México opta por apoiar os norte-americanos em troca de recursos financeiros e começa a abandonar sua linha revolucionária por um pragmatismo econômico: o Partido Nacional Revolucionário se torna Partido Revolucionário Institucional e aproveita a já sólida infra-estrutura do país para deslanchar um ciclo de desenvolvimento industrial impulsionado pela entrada de capitais norte-americanos. O Chile é mais relutante, devido principalmente à simpatia de seu exército de formação prussiana pela causa alemã. Embora a esquerda pró-soviética participe de seu governo, o Chile só adere aos aliados na etapa final da guerra.
Em 1944, os russos já chegam à fronteira alemã e os aliados desembarcavam na Normandia, enquanto seus aviões arrasavam as cidades alemãs. Apesar disso e da perda dos recursos orientais a indústria bélica alemã atingia seu auge, mesmo assim insuficiente para fazer frente ao imenso poder industrial dos EUA e da URSS. O Brasil finalmente concorda em se alinhar aos aliados em troca de recursos para a construção de uma siderúrgica moderna (CSN) e de uma grande empresa de mineração de ferro (Vale do Rio Doce), que se tornarão as bases da sua indústria estatal; em compensação, reforça com 30 mil soldados as tropas norte-americanas que combatem na Itália.

Em abril de 1945, com os soviéticos já em Berlim, Hitler se suicida e os alemães se rendem, poucos dias depois da Argentina fascista se convencer de que já era hora de mudar de lado e declarar guerra à Alemanha para poder se juntar à Organização das Nações Unidas que os aliados estavam fundando. Mesmo assim, a Argentina ainda será o melhor refúgio para os oficiais nazistas que conseguirem escapar aos aliados, seguida do Paraguai e das áreas de colonização alemã do Brasil. Logo depois, os norte-americanos conseguem desenvolver a bomba atômica e decidem testá-la no Japão, que ainda insistia em não se render. Com a destruição de Hiroshima e Nagasaki, o imperador japonês, pela primeira e última vez desde 1192, assume o comando efetivo, apenas para ordenar a rendição incondicional de suas tropas. 

Em Yalta, os aliados dividem a Alemanha e, a bem da verdade, quase todo o mundo, entre as esferas de influência norte-americana e soviética. A França e a Grã-Bretanha, embora participem das negociações e da ocupação da Alemanha com status de grandes potências, já são pouco mais que protetorados norte-americanos, com sua influência restrita aos seus decadentes impérios coloniais: os EUA, além de monopolizarem a tecnologia nuclear, já detêm a maior parte do poder militar convencional ocidental, como também mais da metade do PIB mundial e mais de 60% das reservas internacionais. Em Bretton Woods, são definidas as linhas mestras do novo sistema financeiro ocidental, baseado no dólar, e é criado o BIRD para promover a reconstrução dos arrasados países europeus e do Japão, de acordo com o plano Marshall. 

Os EUA se tornam mais hegemônicos do que o Império Britânico havia sido em seus melhores dias; o inglês se torna língua internacional para todos os efeitos. A América Latina, unida aos EUA na nova Organização dos Estados Americanos (a versão norte-americana da Commonwealth britânica) deveria entrar totalmente na esfera norte-americana e alguns de seus governos passam a ser substituídos por outros mais democráticos e de acordo com os novos tempos, muitas vezes com uma mais ou menos discreta ajuda da CIA. No Brasil, Getúlio Vargas é deposto por um de seus generais e é restaurada a democracia (exceto pela proibição dos comunistas), na Venezuela um golpe derruba o governo militar para eleger um governo democrático. O mesmo sucede nas ditaduras da América Central e os novos governos democráticos se unem à Costa Rica na Organização dos Estados Centro-Americanos para melhor defender os interesses das pequenas repúblicas da região. Por uma questão de coerência, os EUA se vêem obrigados a alterar o status colonial de Porto Rico, que ganha o direito a eleger seu próprio governador em 1947 e é elevado a Estado Associado em 1952. A tradicionalmente pacífica Costa Rica passa, em 1948, pela maior revolução de sua história. A vitória na eleição presidencial de um candidato não alinhado com a tradicional elite de cafeicultores e banqueiros é anulada pelo Congresso e desencadeia uma guerra civil na qual as forças populares e antiditatoriais derrotam o governo autoritário e o ditador nicaragüense Somoza que o apoiava. O presidente eleito é empossado e e é promulgada uma nova constituição, que proibiu a formação de forças armadas e até hoje garante ao país uma estabilidade política sem rival na região e uma relativa tranqüilidade social.

Entretanto, nem tudo ocorre de acordo com os planos dos aliados. No Peru a tentativa de eleger um governo democrático é frustrada por um golpe militar e na Colômbia a revolta liberal degenera numa nova era de violência que dura até 1957. Na Europa Oriental, a Iugoslávia, onde os nazistas foram expulsos pelas guerrilheiros comunistas locais e não pelas tropas soviéticas, recusa se submeter a Stálin. Na Indonésia, que havia proclamado sua independência durante a ocupação japonesa, a Holanda não consegue restabelecer o regime colonial; o mesmo acontece com a França em relação ao Vietnã, à Síria e ao Líbano. Na Índia, os britânicos são obrigados à ceder à longa campanha de Gandhi e Nehru e conceder a independência sem mais tergiversações; no Egito também são forçados a se retirar, mantendo apenas o controle do canal de Suez e, ao concederem metade da Palestina aos colonos judeus, provocam um ataque conjunto dos novos países árabes. Estes são derrotados pelo novo Estado de Israel, mas abre-se uma profunda fenda entre o mundo árabe e os interesses ocidentais. 

Na Argentina, as eleições levam ao poder o general Juan Domingo Perón, que conseguira considerável apoio dos sindicatos enquanto ministro do Trabalho do governo fascista e o reforçou casando-se com uma mulher ainda mais popular e carismática, a radialista Evita. O casal inaugura a nova era do populismo, isto é, de governos baseados numa aliança entre empresários nacionais, massas populares urbanas (operários e funcionários públicos) e governantes carismáticos para promover o desenvolvimento nacional através de grandes investimentos estatais e da proteção dos capitalistas nacionais através de barreiras às importações, da nacionalização dos recursos naturais e da infra-estrutura e de maciças subvenções governamentais. As diferenças em relação ao fascismo são a orientação ideológica centro-esquerdista (governa-se em nome do "povo", mas preservando o sistema capitalista) e a manutenção dos valores e regras democráticos, ainda que distorcidas pela corrupção e pela manipulação dos recursos públicos para favorecer os candidatos do governo. O novo governo nacionaliza o comércio exterior, os bancos, as estradas de ferro, o gás e as telecomunicações. A Argentina, nesse período, ainda é suficientemente rica para colaborar com os EUA no plano Marshall, ajudando a financiar a reconstrução da Europa.
No Brasil, a popularidade adquirida por Getúlio Vargas por suas reformas sociais e econômicas durante a ditadura é comparável à de Perón e também recebe apoio da esquerda devido a suas posições nacionalistas. Em 1950, é eleito para implementar um programa muito semelhante, que incluirá a nacionalização do petróleo de acordo com o modelo mexicano e argentino, criando-se a Petrobrás. No Brasil como na Argentina, os regimes populistas herdam a tutela estatal dos sindicatos estabelecida pelos anteriores regimes semifascistas e continuam proibindo as organizações sindicais independentes. Os sindicatos permanecem sob controle das lideranças estabelecidas sob a ditadura, reduzindo a pequena esquerda marxista a uma simples linha auxiliar dos grandes mas pouco organizados partidos populistas.

A nova orientação do México também é muito semelhante à dos países do Sul, exceto que a nacionalização dos recursos naturais e da infra-estrutura já está consolidada há muito tempo e que a organização do PRI torna dispensáveis as lideranças carismáticas, e o mesmo pode se dizer do Chile sob a Frente Popular, exceto pela maior participação os partidos marxistas no governo e nas organizações sindicais. 

Estes novos governos têm alguns pontos em comum com a Iugoslávia e os novos regimes nacionalistas da Ásia e do Oriente Médio e esboçam a formação de um "Terceiro Mundo", mais ou menos neutro em relação aos blocos norte-americano e soviético e que adota um sistema misto de forte intervencionismo estatal em combinação com uma economia basicamente capitalista. 

Porém, o fato mais marcante do final da década de 40 é o inesperado crescimento do "Segundo Mundo". Em 1949 Mao vence definitivamente o governo nacionalista e junta a China ao bloco soviético. No mesmo ano, a URSS rompe o monopólio atômico e faz explodir seu primeiro artefato nuclear. Além disso, mostra-se tão capaz quanto os EUA de produzir grandes aviões bombardeiros e os supera em mísseis intercontinentais. Encerra-se um período de quase total hegemonia norte-americana e se inicia a "Guerra Fria": o risco de uma total destruição nuclear impede o confronto direto das superpotências, mas estas passam a lutar por vias indiretas, apoiando seus respectivos simpatizantes para reprimir violentamente os representantes do "outro lado" onde estavam no poder, ou para pegar em armas contra os respectivos governos onde não estavam. O "Terceiro Mundo" será menos um bloco independente que o principal campo de batalha da guerra fria.


1950-1976


A tecnologia soviética certamente recebeu alguma ajuda de seus espiões e simpatizantes, mas não se deve exagerar sua importância. O crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico nos anos 40 e 50 não se basearam em idéias radicalmente novas, mas na difusão e aplicação mais sistemática de técnicas e princípios já amplamente conhecidos nos anos 30 ou desenvolvidos durante a II Guerra Mundial: a produção em série, a válvula, a televisão, a desintegração do átomo, o avião a jato, o míssil de longo alcance. Para isso, o planejamento e a disciplina eram mais importantes que a ousadia e a criatividade: mesmo no Ocidente, a administração impessoal e burocrática das diretorias executivas substituía o antigo espírito empresarial dos grandes magnatas e as equipes de pesquisadores anônimos substituíam os grandes inventores. As novas invenções continuam a ser cada vez mais numerosas, mas de importância social menor que a difusão das antigas. 

Isso deu à URSS a possibilidade de diminuir sua defasagem em relação aos EUA. Por pesada que fosse, a burocracia soviética não podia permanecer inoperante sob a vigilância de um ditador paranóico e assassino que se multiplicava em milhões de militantes fanáticos do Partido Comunista. Assim, o PIB soviético crescia regularmente a taxas superiores às norte-americanas e a URSS obtinha liderança tecnológica em alguns setores de tecnologia pesada, notadamente a construção de grandes projetos hidroelétricos e de irrigação e na fabricação de mísseis intercontinentais. Este último ponto seria dramaticamente demonstrado com o lançamento pela URSS do primeiro satélite artificial (1957) e do primeiro astronauta (1961), enquanto os esforços dos EUA eram desperdiçados numa absurda concorrência entre os projetos da Força Aérea, da Marinha e do Exército.

A maioria dos países abrangidos pelo plano Marshall também cresceu, nesse período, mais que os EUA, por motivos semelhantes: tinham apenas que aplicar à sua indústria, comércio e agropecuária o planejamento econômico keynesiano e as técnicas de Taylor e Ford que os EUA já haviam testado na primeira metade do século. Com duas vantagens: estavam construindo plantas industriais totalmente novas e a resistência dos sindicatos às novas técnicas de aumento da produtividade havia sido minimizada pelas privações da guerra e pelo esforço de reconstrução nacional. A principal exceção foi o país que havia sido menos devastado pela guerra – a Grã-Bretanha. Os que mais se destacaram foram exatamente os dois países mais arrasados – os derrotados Japão e Alemanha, que cresciam mais que a URSS e com a imensa vantagem de estarem proibidos de se dedicar a atividades militares e concentrarem seus esforços na produção de bens de capital e de consumo. A partir da revolução chinesa e da Guerra da Coréia, uma versão reduzida do "plano Marshall" também beneficiou Taiwan e a Coréia do Sul, que os EUA estrategicamente transformaram em "vitrines do capitalismo".

Pouco depois, França, Alemanha Ocidental, Itália e Benelux começam a se unir para criar um mercado interno capaz de competir com o norte-americano, formando a CEE e a Grã-Bretanha fazia o mesmo com os demais países da Europa Ocidental, formando a Associação Européia de Livre Comércio (EFTA). Assim, tudo colaborava para repetir numa escala muito maior o boom norte-americano dos anos 20 numa intensidade muito maior fora do que dentro dos próprios EUA. 

Essa prosperidade também se reflete nos países latino-americanos que vêem suas exportações voltarem a crescer e possibilitarem a importação de bens de consumo numa escala muito maior que no passado. Aos produtos de exportação já tradicionais, soma-se agora a indústria pesqueira do Peru e do Chile, que se torna um importante fornecedor de ração animal para a nova pecuária européia de alta produtividade e acelera o crescimento desses países. Na Colômbia e no México, o esgotamento do petróleo, que passa a ser importado, leva os governos a estimular a dar maiores estímulos à substituição de importações de produtos industriais e de alimentos e a promover a exportação de produtos agrícolas, como o café. 

Na América Latina, África e Ásia, o crescimento econômico é acompanhado por uma aceleração do crescimento demográfico devida à difusão dos antibióticos e da nova tecnologia médica pela II Guerra Mundial, repetindo numa escala muito maior a explosão demográfica da Europa no século XIX. O maior desenvolvimento social da América Latina permite que essa tecnologia seja absorvida mais rapidamente e, nesse período, se torna a região do mundo de mais rápido crescimento demográfico (2,8% ao ano, contra 2,1% para a África, 2,2% para a Ásia e 1,2% para os países desenvolvidos).

Mesmo assim, o inesperado desafio lançado pela tecnologia e pelo poder militar da supostamente atrasada e ineficiente URSS havia convencido a direita norte-americana de que ela dispunha de uma vasta rede de espionagem e sabotagem dentro dos próprios EUA, para não falar do resto do mundo. Assim, a década de 50 se inicia nos EUA com a campanha anticomunista do senador Joseph McCarthy, que inicia uma ampla perseguição aos norte-americanos e aos imigrantes suspeitos de simpatizar com o marxismo. 

A nova atitude norte-americana também se refletiu no "Terceiro Mundo", onde a direita foi encorajada a derrubar governos surgidos na década anterior que assumiam posições pró-soviéticas ou nacionalistas. Além do Irã, onde o nacionalista Mossadegh foi deposto pelos partidários do xá Reza Pahlevi, os principais golpes ocorreram na América Latina: na Venezuela, o presidente é assassinado em 1950 e sucedido por um tenente-coronel que retorna à política repressiva do início do século; na Colômbia, a violência política atinge o auge; no Chile, o Partido Comunista é posto fora da lei, liqüidando a Frente Popular; em Cuba, o governo constitucional reformista é derrubado pelo general Fulgencio Batista; no Haiti, chega ao poder o ditador negro François Duvalier, o Papa Doc; no Paraguai, se inicia a ditadura de Stroessner. Na Guatemala, o governo nacionalista eleito em 1950 e que havia nacionalizado as companhias bananeiras americanas, é acusado de simpatias pró-soviéticas e derrubado em 1954. O mesmo ia acontecendo com Getúlio Vargas no Brasil, mas ele se suicida às vésperas da consumação do golpe, provocando uma reação popular tão violenta que os golpistas são obrigados a recuar. As eleições colocam então no poder um partidário moderado de Vargas, Juscelino Kubitschek, que conduzirá uma política mais aberta ao capital internacional. 

A esquerda nacionalista só obtém uma vitória duradoura na Bolívia, onde um movimento revolucionário nacionalista leva ao poder Paz Estenssoro, que nacionaliza as minas de estanho, divide as terras entre os camponeses e estabelece o sufrágio universal no último grande país latino-americano onde o poder ainda era disputado por caudillos personalistas ao estilo do século XIX. O exército foi reestruturado, reduzindo-se o poder das oligarquias militares.

Na Argentina, a popularidade de Perón está sendo minada pela crise econômica: o plano Marshall recupera a agropecuária européia e aumenta sua produtividade a ponto de permitir aos seus países dispensarem as importações de carne e cereais e se tornarem eles próprios competidores da Argentina. A morte de Evita o enfraquece ainda mais e, ao tentar elevar impostos sobre a oligarquia agrária em 1955, é deposto por um golpe militar pró-EUA, iniciando-se três anos de violência política e praticamente restaurando a hegemonia norte-americana no subcontinente. Os únicos "rebeldes" que restavam eram a Bolívia e o México, mas neste último caso a rebeldia era apenas aparente: a retórica nacionalista e esquerdista do PRI era apenas uma homenagem às tradições revolucionárias: a propriedade comunitária camponesa cedia lugar a novos latifúndiso e o país se tornava, cada vez mais, um dos países mais adaptados ao neocapitalismo do pós-guerra e à instalação de novas indústrias de capital norte-americano.

Ao longo de 1958, o relaxamento das tensões permitiu a restauração da democracia na Argentina, na Venezuela e na Colômbia, neste último caso através de um curioso acordo que uniu os tradicionais inimigos mortais – liberais e conservadores – numa frente que passou a dividir o poder em partes rigorosamente iguais. Entretanto, em meio ao reveillon, a tensão volta a subir de forma dramática: no país latino-americano mais próximo dos EUA, Cuba, o ditador Batista é obrigado a abandonar o país pelos rebeldes nacionalistas liderados por Fidel Castro que, em aliança com os comunistas liderados pelo argentino Che Guevara, iniciam um governo nacionalista e socializante, expropriando empresas norte-americanas e decretando uma reforma agrária. Grande parte da burguesia e da classe média cubanas se asilam nos EUA, criando uma grande comunidade cubana em torno de Miami.

Na África e Ásia, continuava a decomposição dos impérios coloniais: ao longo da década de 50, os esforços dos europeus em manter sua autoridade sobre o que restava dos impérios coloniais se mostram contraproducentes, principalmente a partir do fracasso da intervenção no canal de Suez, nacionalizado pelo líder nacionalista egípcio Nasser em 1956. O governo britânico sucateia sua famosa esquadra, conforma-se com um papel de mero coadjuvante dos EUA na Europa e limita a política colonial a uma retirada ordeira, procurando apenas assegurar que os novos países independentes sejam assumidos por governos favoráveis a relações amigáveis com a ex-metrópole, consagradas pela participação numa organização meramente econômica e cultural, a Commonwealth of Nations. A França insiste mais alguns anos e, em 1958, de Gaulle lidera um golpe contra o regime parlamentarista para tentar impedir a total desintegração do império colonial. Porém, o vigor do movimento independentista da sua principal colônia, a Argélia, acaba por obrigar os franceses a seguir o exemplo britânico e isolar em sua teimosia o regime fascista português. Os mais importantes dos países recém-descolonizados, liderados pela Índia, Indonésia e Iugoslávia, começam a se organizar de forma independente, dando alguma consistência à idéia de um "Terceiro Mundo". Uma de suas novas organizações foi a OPEP, fundada em 1960 pela Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela. 

Os anos 60 começam sob uma atmosfera internacional de relativa distensão. Na URSS o líder Krushev, pressionado pela necessidade de diminuir a ênfase na tecnologia bélica e produzir mais bens de consumo, mostra-se disposto a externamente adotar uma política mais maleável. Internamente, denuncia os crimes de Stálin e dos seus partidários fanatizados e procura reduzir o poder político do Partido Comunista em favor de uma liderança mais técnica e pragmática, que inicia uma reforma econômica que dá mais autonomia às empresas e ao mercado. 

Nos EUA, assume Kennedy, um líder também disposto a enfatizar a melhora das condições sociais e do crescimento econômico em seu país, em vez das intervenções militares. Apesar disso, Kennedy opta por uma discreta intervenção no caso da República Dominicana, onde a CIA colabora na derrubada do ditador direitista Trujillo, que havia se apropriado de 71% das terras e 90% da indústria de seu país, além de dar seu nome à tradicional Santo Domingo, primeira colônia européia da América Latina. Também tenta uma intervenção, desta vez muito menos hábil, no caso da esquerdista Cuba, apoiando uma tentativa de exilados direitistas de desembarcar em Baía de Cochinos, que não obtém apoio popular e é esmagada pelas tropas cubanas. O resultado da intervenção é que Fidel Castro opta por se alinhar declaradamente à URSS e proclamar em Cuba um regime socialista de partido único. 

Além disso, Kennedy não abre mão de reforçar seu poderio bélico e de disputar com a URSS no plano simbólico da corrida espacial: força a unificação dos programas espaciais das forças armadas num único, organizado pela NASA e dirigido por von Braun. Com isso, os EUA retomam a liderança na tecnologia de foguetes e mísseis e se tornariam os primeiros a colocar um homem na Lua, em 1969. 

Em 1962 Krushev tenta contrabalançar a vantagem estratégica dos EUA, que tinham mísseis nucleares em países vizinhos da URSS, instalando seus próprios mísseis em Cuba. Os EUA erguem um bloqueio naval a Cuba, ameaçam com guerra e foi provavelmente o momento em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear. 
Os soviéticos perdem a partida de pôquer nuclear e os EUA isolam economicamente o regime castrista, que cai na total dependência da troca de seus produtos agrícolas e minerais por bens de capital e combustíveis do bloco soviético e, incidentalmente, dando um novo impulso à produção de açúcar no Brasil, que substituiu Cuba como principal fornecedor do Ocidente. Entretanto, Castro manteve uma certa independência política e freqüentemente apoiou movimentos revolucionários em outros países latino-americanos sem aprovação soviética. Outro resultado é a desmoralização de Krushev em relação a seus liderados: a China acusa a URSS de trair o marxismo e a revolução e volta a um regime de estrita liderança do Partido Comunista, tornando-se uma potência independente que logo passa a dispor de sua própria bomba atômica. 

A causa da ruptura da China com a URSS, porém, foi menos a política de Krushev e mais a sua economia baseada numa agricultura de mão-de-obra intensiva de difícil modernização, que levou ao fracasso tanto os esforços dos líderes chineses para implantar uma industrialização forçada ao estilo stalinista, quanto as tentativas de estimular a iniciativa dos gerentes e tecnocratas estatais ao estilo de Krushev. Apesar da volta da URSS a uma linha mais próxima do stalinismo com a ascensão de Brezhnev em 1964, o afastamento só aumentou. Em 1967, os maoístas negam o papel determinante que o marxismo sempre atribuiu à industrialização e à tecnologia para promover a "revolução cultural". Onde a burocracia e a tecnologia haviam falhado, esperava-se agora o sucesso através do entusiasmo revolucionário da jovem militância comunista que, aliado aos valores comunitários da tradição dos camponeses chineses, deveria varrer os corruptos valores individualistas da civilização ocidentais. No lugar das fazendas mecanizadas, o trabalho de formiga das comunas camponesas; no lugar dos manuais de produtividade, o "livro vermelho"; no lugar da medicina moderna, a acupuntura e a medicina tradicional chinesa. A tese encontrou eco em países onde havia uma cultura camponesa tradicional e não-ocidental, principalmente no Cambodja do Khmer Vermelho e no Peru do Sendero Luminoso. 

O governo Kennedy tenta fortalecer governos democráticos anticomunistas através da ajuda econômica, simbolizada pela Aliança para o Progresso. Para a América Latina, é uma era de governantes reformistas e simpáticos, que com auxílio dos capitais norte-americanos, mas também com apoio do povo e do populismo tradicional, conseguem manter políticas de promoção social e promover um rápido desenvolvimento através da substituição de importações por produtos de uma protegida indústria nacional: Juscelino Kubitschek no Brasil, Eduardo Frei no Chile, Belaúnde no Peru, Paz Estenssoro na Bolívia, Juan Bosch na República Dominicana. É verdade que, na Argentina, o peronista Arturo Frondizi é afastado por golpe militar em 1962, mas seu substituto foi um líder da UCR igualmente nacionalista e desenvolvimentista – Arturo Illía – que também recusou reprimir as esquerdas e se alinhar incondicionalmente aos EUA. O México continua governado por políticos de carreira do PRI, mas estes dirigem um dinâmico desenvolvimento industrial e turístico em moldes semelhantes. A Venezuela era a única grande exceção à política nacional-desenvolvimentista: graças às grandes exportações petrolíferas, o crescimento econômico prosseguia sem apoio ou intervenção do Estado, criando uma sociedade cujo padrão de vida já rivalizava com o da Argentina e que se tornava o principal centro de atração de imigrantes na América Latina. Os principais países latino-americanos – México, países andinos e países do Cone Sul – organizam a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) que pretende seguir o modelo do Mercado Comum Europeu, que já se constituía e se associava às demais economias de mercado do Hemisfério Norte na OCDE. A Igreja Católica sintoniza com os novos tempos através do Concílio Vaticano II promovido por João XXIII, que abandona seu tradicional conservadorismo por uma atitude mais favorável às reformas sociais e aberta até mesmo às idéias de origem marxista.

A América Latina torna-se uma das regiões de maior crescimento econômico no mundo, mas, na falta de uma burguesia forte com uma tradição de poupança interna, esse crescimento precisou ser impulsionado através de grandes e altamente inflacionários gastos estatais – construção de infra-estrutura em transportes e serviços urbanos (no caso do Brasil, até mesmo de uma nova capital); expansão da indústria estatal; proteção e subvenção às indústrias privadas nacionais ou estrangeiras através de incentivos fiscais e fornecimento de matérias-primas estatais a baixo preço (como no caso do novo pólo automobilístico de São Paulo); expansão da previdência social e do sistema educacional para atender ao crescimento da mão-de-obra industrial sem ônus excessivos para as novas indústrias.

Além disso, ao contrário do que ocorria no Japão, Taiwan e Coréia do Sul, esse crescimento trouxe um considerável aumento das tensões sociais. Nos pouco tradicionalistas países latino-americanos, não havia uma cultura que criasse, como na Ásia, uma solidariedade de classes baseada na fidelidade incondicional por parte dos subordinados em troca da garantia de dignidade e de meios de vida apropriados por parte das classes superiores. Também não houve a moderada reforma agrária que, após o fim da II Guerra Mundial, contribuiu para fixar no campo parte dos camponeses asiáticos e moderar o impacto social da industrialização. Por fim, Japão, Coréia do Sul e Taiwan seguiram o exemplo da Europa do século XIX e aliviaram parte de sua pressão social através da emigração para a América Latina (principalmente para o Brasil, Peru e América Central), sem que esta tivesse uma saída semelhante. 

A modernização da agricultura, combinada à explosão demográfica, levou os latifundiários a despejar milhões de camponeses na estrada, sem outras opções além de tentar sobreviver nas grandes cidades, que começaram a crescer explosivamente. Até então, a América Latina havia sido uma civilização basicamente rural: com exceção de Buenos Aires, nenhuma de suas cidades se contava entre as grandes metrópoles mundiais, quase todas norte-americanas, européias ou asiáticas. Em menos de vinte anos, esse quadro mudou radicalmente: a maior parte da população passou a ser urbana e duas de suas cidades – Cidade do México e São Paulo – não só ultrapassaram Buenos Aires como também a maioria das metrópoles do Hemisfério Norte, contando-se entre os quatro maiores centros urbanos e industriais do mundo. 

Os países mais modernos e urbanizados da América Latina- isto é, Argentina e Uruguai – começaram a ficar para trás. Com a crescente concorrência da nova agropecuária européia, já não entravam divisas capazes de sustentar novos investimentos. Sua economia, tecnologia e condições sociais pararam nos níveis dos anos 50 e presenciaram a aproximação do resto da América Latina em rápido desenvolvimento e o irremediável afastamento dos países industrializados do Hemisfério Norte, que se desenvolvia com igual rapidez e, em vez de enviar emigrantes ao resto do mundo, passava a atraí-los. O Chile teve um pouco mais de sorte, pois suas exportações de cobre não podiam ser tão facilmente substituídas e continuaram sendo demandadas pela expansão da indústria japonesa e européia.

Por mais rápido que fosse, o crescimento da indústria e dos serviços não era capaz de absorver esse crescimento explosivo da população urbana, que em grande parte começou a vegetar no subemprego e se alojar em cortiços e favelas, sem gozar dos benefícios reservados aos trabalhadores do setor formal. Finalmente, o endividamento dos Estados atingiu níveis tão críticos que já não podiam sustentar o ritmo de crescimento nem impedir que a inflação atingisse um ritmo galopante. À época da morte de Kennedy, já havia uma escalada da radicalização política na maior parte da América Latina: os populistas tradicionais caminhavam do centro para a esquerda, aproximando-se dos regimes ultranacionalistas e terceiro-mundistas da África e Ásia ao mesmo tempo que a direita radicalizava suas posições por um capitalismo sem restrições e por um alinhamento incondicional aos EUA. 

A esquerda marxista foi fragmentada pelas divisões originadas da revelação dos crimes stalinistas e do enfraquecimento da liderança soviética, que opuseram os perplexos Partidos Comunistas tradicionais a novos agrupamentos originados das novas lideranças cubanas e chinesas e até do quase esquecido trotskismo. Essa divisão foi uma faca de dois gumes: reduziu a coerência da intervenção da esquerda nos movimentos sociais, mas também permitiu o surgimento de lideranças radicais independentes, dispostas a realizar a revolução por quaisquer meios, com ou sem o apoio externo. Embora geralmente pequenos e divididos, esses grupos se tornariam para os estrategistas ocidentais um problema ainda maior que os antigos partidos stalinistas: como não obedeciam a um comando centralizado, também não respondiam a negociações ou ameaças à superpotência inimiga. Suas organizações pequenas e desburocratizadas não dependiam do apoio soviético e, além disso, havia muitos rivais da URSS ansiosos para tomarem seu lugar.

A ameaça de ver a América Latina tornar-se um imenso Vietnã, como pregava Guevara, levou a uma radicalização das direitas latino-americanas que, com apoio dos EUA, passaram a ver nos "inimigos internos" seu maior desafio militar e nos tolerantes governos nacionalistas e populistas a preparação do golpe comunista. O breve governo de Bosch na República Dominicana é encerrado por um golpe militar em 1963; em 1964, um golpe militar de direita derrubou o governo populista no Brasil e estudantes panamenhos são mortos ao tentar hastear a bandeira de seu país na Zona do Canal; em 1965 uma rebelião contra a junta militar dominicana leva a uma nova intervenção norte-americana, reforçada por soldados do novo regime militar brasileiro, que resulta na eleição para a presidência do ex-vice de Trujillo, Joaquín Balaguer; um golpe militar derruba a democracia de Paz Estenssoro na Bolívia; e em 1966 o governo democrático argentino foi substituído por uma ditadura militar. Esses golpes resultaram em algumas centenas de "desaparecidos", mas sua violência foi moderada comparada à do contemporâneo golpe direitista na Indonésia, que encerrou o governo terceiro-mundista de Sukarno logo após sua tentativa de nacionalização do petróleo e levou à morte ou à prisão quase um milhão de militantes da esquerda. Na Bolívia, Guevara foi morto combatendo o governo militar em 1967 e no Brasil e os movimentos guerrilheiros de inspiração castrista ou maoístas foram esmagados nos anos seguintes. 

O México, onde os problemas econômicos do governo são amenizados pelas receitas do setor estatal petrolífero, é o único grande país latino-americano a escapar da crise generalizada e agora cria uma nova e importante fonte de divisas criando a indústria "maquiladora" na zona franca da fronteira norte. Suas primeiras fábricas começam utilizar mão-de-obra barata e isenta de encargos sociais para montar produtos para o mercado norte-americano a partir de componentes importados em 1966, crescendo ainda mais rápido que suas similares dos portos livres de Singapura e Hong-Kong.

Os novos regimes militares latino-americanos foram inicialmente vistos pela direita liberal (agora já no sentido "moderno" da palavra) como uma simples intervenção, destinada a varrer as lideranças populistas e marxistas, privatizar a economia e em breve formar um novo governo civil, legitimado por eleições relativamente livres onde seriam vetados apenas os suspeitos de simpatias esquerdistas. 

Entretanto, os militares do Brasil tinham outros planos: suprimiram a tradicional estrutura partidária e as eleições diretas para o poder executivo, fundados numa doutrina do Estado de Segurança Nacional, que repelia os direitos políticos tradicionais em nome do combate ao "inimigo interno". Ao verem o crescimento do movimento oposicionista ser engrossado por muitos dos seus ex-aliados liberais, os militares radicalizam ainda mais seu autoritarismo, fecham o Congresso em 1968 e iniciam um regime que gradualmente adquiriu tonalidades semifascistas. Em vez de privatizar e liberalizar a economia, o regime ampliou os investimentos e as empresas estatais numa escala sem precedentes, lançando planos ambiciosos que visavam fazer do Brasil uma potência industrial e militar capaz de desenvolver, independentemente dos EUA, uma indústria informática, bélica e nuclear que assumisse a liderança da América Latina. Mantiveram o protecionismo herdado do populismo, mas contiveram os aumentos salariais e ofereceram condições mais favoráveis à entrada de capitais e empresas estrangeiras que favorecessem a substituição de importações. A economia brasileira tornou-se a mais atrativa para investimentos estrangeiros no mundo em desenvolvimento, cresceu a um ritmo que chegou a superar o do Japão e consolidou-se com a maior indústria da América Latina, incluindo novos setores como a petroquímica e os bens de capital pesados. O preço, entretanto, foi uma deterioração relativa das condições sociais, transformando o Brasil no país de mais alta concentração de renda no mundo. O regime militar argentino tentou responder a esse desafio, mas sua indústria obsoleta não era capaz de acompanhar o ritmo da rápida industrialização brasileira. Ainda assim, a Argentina também chegou a iniciar seu próprio programa bélico e nuclear.

Desde a queda de Krushev em 1964, a URSS vinha sendo governada por Brezhnev. O regime voltou à ditadura do partido e ao planejamento centralizado de estilo stalinista, mas não ao comunismo militante dos velhos tempos. Livre do chicote do fanatismo, a burocracia soviética tornou-se cada vez mais acomodada e menos capaz de absorver as tecnologias realmente novas que agora começavam a ganhar importância, a começar pelo transistor que, no Ocidente, estava viabilizando o uso comercial generalizado do computador mainframe e a popularização da eletrônica de consumo: apesar da concentração dos melhores cérebros e dos investimentos estatais na tecnologia militar, a eletrônica dos mais modernos caças soviéticos da década de 80 ainda era baseada em válvulas. O governo Brezhnev dedicou todos os esforços a, apesar de administrar uma economia três vezes menor, construir um poder nuclear pelo menos igual ao dos EUA. Atingiu esse objetivo, mas o resultado foi a total deterioração da economia civil: seus índices de crescimento caíram abaixo da média do mundo capitalista e sua tecnologia se estagnou nos padrões da década de 50. A reluzente máquina militar mal disfarçava o estado cada vez mais precário da enferrujada indústria civil soviética, mas era suficiente para impressionar tanto seus aliados quanto seus inimigos. 

O dinamismo da atuação política internacional da URSS também estava consideravelmente reduzido. Os soviéticos pouco faziam para estimular ou controlar os movimentos revolucionários que surgiam espontaneamente por todo o mundo, mas os novos regimes nacionalistas terceiro-mundistas e alguns novos governos marxistas independentes necessariamente procuravam sua proteção militar e econômica, ajudando a alimentar a ilusão do crescimento do poder soviético. Os EUA, no governo Nixon, reconheceram sua expansão e renegociaram os limites de sua esfera de influência, ao mesmo tempo que procuravam contrabalançá-la através do reatamento de relações com a China e do reconhecimento político do regime maoísta em prejuízo dos nacionalistas de Taiwan.
Simultaneamente, a expansão da educação de nível superior sem uma correspondente oferta de postos de trabalho qualificados compatíveis colovava a cultura ocidental numa crise que atingiu seu ponto mais agudo em maio de 1968, quando uma rebelião estudantil chegou a colocar em risco o governo francês e teve desdobramentos também no México e no Brasil. A busca do crescimento econômico capitalista a qualquer preço começou a ser questionado por grande parte da juventude instruída, que buscava novas direções para a vida na filosofia oriental, no anarquismo, na vida comunitária em meio à natureza ou mesmo no maoísmo, com seu apelo anti-ocidental. O movimento acabou por se dispersar sem resultados concretos, mas deixou como herança, de um lado, um maior respeito e tolerância pelo pluralismo, pela rebeldia e pelas idéias não-ortodoxas e não-ocidentais e uma maior ênfase na criatividade em vez da mera disciplina produtiva; por outro, uma tendência difusa ao irracionalismo, incluindo formas inofensivas como a astrologia, mas também outras mais perigosas, como o uso crescente e descontrolado de drogas pesadas.

O uso de maconha e LSD que foi comum na fase mais mística e utópica do movimento foi substituído pela cocaína e pela heroína à medida que a juventude se desiludia com as possibilidades de grandes mudanças e caía no cinismo ou no desemprego. A produção de drogas, primeiro de maconha e depois de cocaína, adquiriu uma nova dimensão e começou a se tornar um dado importante da economia e política de alguns países asiáticos e também latino-americanos – notadamente Colômbia, Peru e Bolívia. Além disso, surgiu um grande entreposto internacional do tráfico de drogas nas cortiços e favelas marginalizadas pelo progresso econômico da cidade brasileira do Rio de Janeiro, cujas perspectivas socias e econômicas se deterioraram com a perda da condição de capital para Brasília.

Em 1967, a guerra dos seis dias entre Israel e os países árabes provoca uma nova diáspora de refugiados palestinos, parte dos quais se dirigem para a América Latina. Em 1969, os países andinos, da Colômbia ao Chile, se organizaram no Pacto Andino, grupo regional dentro da ALALC que propôs a integração comercial e econômica da região, com tratamento diferenciado a cada país em função de seu grau de desenvolvimento e coordenando as políticas protecionistas para a região como um todo. Entre Honduras e El Salvador em 1969, deflagrou-se a "guerra do futebol", causada por desentendimentos em torno de emigrantes salvadorenhos no país vizinho e em torno de um jogo de futebol eliminatório para a Copa de 70. 

Na Colômbia, no Peru, na Venezuela, no Uruguai, na Argentina e na América Central a guerrilha mostrou-se difícil de ser combatida e o início dos anos 70 viu renascer a influência do populismo e da esquerda em vários países e crescer o poder político dos narcotraficantes. Também cresceu influência da Teologia da Libertação, corrente católica latino-americana que adotou parte das idéias sociais marxistas e cujos defensores mais extremados também se incorporaram à luta guerrilheira. 

No Chile, a esquerda marxista independente vencia as eleições de 1970 e iniciou o primeiro governo socialista democraticamente eleito da história. No Panamá, o general nacionalista Torrijos tomou o poder em 1969, iniciando uma campanha pela recuperação do Canal para o seu país. Na Bolívia, um golpe militar levou ao poder uma facção nacionalista e esquerdista do exército em 1970. Foi rapidamente derrubada, mas um regime similar e mais sólido surgiu no Peru em 1973, que implanta uma reforma agrária radical, distribui os meios de comunicação aos movimentos sociais e dá participação aos trabalhadores nos lucros de suas empresas. Na Argentina a crescente oposição levou à retirada dos militares e à convocação de eleições que trouxeram de volta Perón. O velho caudilho populista morreu logo depois, deixando no governo uma viúva inexperiente que nada tinha do apelo carismático de sua primeira mulher Evita. Em 1974, os EUA fizeram um acordo com o Panamá (ratificado em 1977), abrindo mão da soberania sobre a Zona do Canal e comprometendo-se a fechar a famosa Escola das Américas até 1984 e a retirar totalmente suas forças militares do Canal até o último dia de 1999. 

Este recuo dos EUA na América Latina coincidiu com a rebelião dos paises árabes que, liderados pelos regimes nacionalistas da Argélia, Líbia e Iraque, nacionalizaram suas reservas de petróleo e retiraram às transnacionais petrolíferas o controle dos preços, que se multiplicaram por quatro ou cinco, causaram um forte impacto inflacionário nas economias dos países desenvolvidos e proporcionaram um renascimento do prestígio do islamismo e da cultura árabe. Coincidiu também com um golpe militar de esquerda em Portugal, que derrubou o regime fascista e reconheceu a independência de suas ex-colônias, na maior parte já controladas por movimentos insurgentes marxistas e foi seguido por uma traumática derrota dos EUA no Vietnã e por uma revolução comunista na Etiópia. Até mesmo o semifascista regime militar brasileiro se afastou do alinhamento com os EUA, dispensou sua ajuda militar e procurou melhorar suas relações com os regimes nacionalistas e socialistas que surgiam no mundo árabe e nas ex-colônias portuguesas da África. 

Esse quadro levou a extrema-direita a ver em toda parte uma conspiração marxista-islâmica-hippie-narcotraficante-papal contra a civilização ocidental e cristã, naturalmente dirigida pela URSS e, para os mais tradicionalistas, incluindo também judeus e maçons. Levou também a um apoio cada vez mais incondicional dos EUA à repressão das esquerdas por quaisquer meios. O resultado foi uma seqüência de sangrentos golpes anticomunistas, que recorreram ao uso generalizado da tortura e da execução sem julgamento dos suspeitos de esquerdismo. Já não se tratava de centenas de desaparecidos, como na radicalização direitista do Brasil em 1968, mas em milhares nos golpes chileno e uruguaio de 1973 e dezenas de milhares no golpe argentino de 1976, que chegou a tomar conotações neonazistas e anti-semitas. A repressão foi tão excessiva que indispôs esses regimes com os EUA, que tiveram que protestar contra o assassinato pelos militares de um ex-ministro chileno nas ruas de Washington e contra o "desaparecimento" de cidadãos norte-americanos no Cone Sul.

Logo depois, caía o regime militar de esquerda no Peru, que encerra a experiência socializante, mas também dá um novo alento à guerrilha maoísta do Sendero Luminoso, que gradualmente adquire o controle de grande parte do interior. A guerrilha também ganha enfrenta com sucesso a repressão militar na Colômbia. Um golpe militar também derruba o governo populista do Equador. A ascensão de regimes militares do Chile e Peru e Bolívia, seguidos por Argentina e Equador levou à exumação das disputas territoriais pendentes na região andina desde o século XIX e deflagrou uma corrida pela expansão das forças armadas e aquisição de armamentos importados que elevou drasticamente suas dívidas externas, sem qualquer benefício para suas economias. No Chile, por exemplo, os gastos militares saltaram de 10 para 280 milhões de dólares anuais e passaram a consumir 25% do orçamento nacional.

Na Venezuela, o governo social-democrata de Andrés Pérez segue o exemplo árabe e mexicano e nacionaliza suas revalorizadas reservas de petróleo, duplicando a receita do Estado e alimentando o sonho de criar, na América Latina, um estado de bem-estar social similar aos mais desenvolvidos da Europa sem o correspondente custo em impostos; além disso, associa a Venezuela ao terceiro-mundista Pacto Andino. A nova política pacifica a guerrilha, que se transforma em partido político.


1976-1994


Os anos de 1973 a 1979 constituem o mais importante divisor de águas da história do pós-guerra. A elevação do preço do petróleo trouxe uma nova consciência de que os recursos naturais são finitos e de que o crescimento linear da produção não podia continuar para sempre. A busca do lucro deixou de passar da expansão planejada de mercados administrados por grandes empresas para a economia de materiais, combustíveis e mão-de-obra; a concorrência pelos mercados em retração se tornava mais intensa, imprevisível e aberta e criou brechas para a penetração de novas empresas e novas tecnologias. Os juros de longo prazo, tradicionalmente baixos e fixos, dispararam e se tornaram comuns os contratos de longo prazo baseados em juros flutuantes de acordo com o mercado de curto prazo, onde os juros disparavam para acompanhar a crescente inflação. Esta obrigou os EUA a abandonar o padrão-ouro, carregando consigo todo o sistema financeiro internacional.

A nova conjuntura econômica fez abortar o incipiente mercado do transporte aéreo supersônico e reduziu o ritmo das viagens espaciais tripuladas, mas deu um importante impulso à difusão de outras novas tecnologias que reduziram o custo dos transportes, dos serviços e das comunicações: navios cargueiros e petroleiros gigantes, aviões "Jumbo", telecomunicações via satélite, lasers, biotecnologias, microcircuitos integrados em grande escala e minicomputadores aplicados ao controle de processos industriais e à distribuição de bens e serviços. Estimulou também o desenvolvimento da exploração de campos submarinos de petróleo no Mar do Norte, na plataforma continental brasileira e no Golfo do México e de fontes alternativas de energia – carvão, energia solar, óleo de xisto, biogás e álcool combustível. Também fez o Reino Unido praticamente abandonar a tentativa de preservar seu relacionamento especial com suas ex-colônias na cada vez menos relevante Commonwealth para aderir à Comunidade Econômica Européia do continente, trazendo consigo a Irlanda e a Dinamarca. A CEE também recebeu a adesão dos novos governos democráticos que surgiram da queda dos regimes fascistas em Portugal, Espanha e Grécia e começou a se esboçar a possibilidade de se formar uma verdadeira federação européia com uma moeda e um governo comum, aprofundando os laços econômicos, políticos e culturais que se formavam quase espontaneamente frente ao desafio lançado pelos países em desenvolvimento. Para simbolizar o novo projeto, seria adotado o novo nome de União Européia a partir da total unificação aduaneira em 1993.

O Brasil conseguiu substituir metade do petróleo importado pelo petróleo de sua própria plataforma continental e mover metade de sua frota de automóveis e veículos leves com álcool de cana, que também passou a constituir mais de 20% da sua gasolina comum. O México se tornou o maior exportador de petróleo fora da OPEP, rivalizando com a Venezuela e impulsionando um novo ciclo de crescimento acelerado. O Equador também se tornou exportador de petróleo, mas aderiu à OPEP. O petróleo do Mar do Norte passou a atender a grande parte das necessidades européias e, de forma geral, os países desenvolvidos diminuiram o ritmo de crescimento de sua demanda de matérias-primas e combustível passando a produzir máquinas e veículos mais leves, inteligentes e econômicos; contiveram a inflação elevando consideravelmente suas taxas de juros e reduzindo preços através da importação de peças e produtos montados nos países recém-industrializados da Ásia e na indústria "maquiladora" do México.

A elevação das taxas de juros internacionais obrigou os países em desenvolvimento da América Latina a forçar sua indústria e agricultura a se adaptarem a um mercado externo mais concorrencial e gerarem divisas para continuar pagando os juros da dívida e contraindo novos empréstimos. 

Os militares chilenos fizeram de seu país o primeiro grande campo de testes das idéias neoliberais da Escola de Chicago, que resultaram na retirada do país da política protecionista da ALALC e do Pacto Andino, na total abertura às importações e no sucateamento de sua indústria tradicional voltada para o mercado interno, parcialmente compensada pelo início do crescimento de uma nova indústria voltada para a exportação de semi-manufaturados: celulose, peças metálicas, rações e alimentos industrializados. Porém, não abriram mão das minas de cobre estatizadas pelo governo socialista e tiraram proveito da elevação do nível cultural e técnico da população pelos anteriores governos desenvolvimentistas. 

A Argentina adotou uma política semelhante, mas de forma muito inepta: um terço de sua indústria desapareceu sem ser substituída por coisa alguma, enquanto os empréstimos externos eram totalmente desperdiçados numa inútil importação de armamentos ou simplesmente desapareciam na especulação financeira. 

O regime militar brasileiro adotou uma estratégia mista e mais cautelosa, contendo salários e incentivando as exportações, mas mantendo as barreiras às importações. A alta dos juros desestimulou os investimentos produtivos e o mercado interno e as pesadas inversões efetuadas em infra-estrutura e na indústria de bens de capital nos anos anteriores ficaram superdimensionadas. A siderurgia, a indústria automobilística, a petroquímica e o setor de construção pesada se voltaram com maior ou menor facilidade para o menos lucrativo mercado externo, mas a indústria de bens de capital precisou enfrentar altíssimos índices de ociosidade e as centrais nucleares em construção foram abandonadas. Os investimentos estatais passaram a se concentrar na produção de petróleo e em projetos geradores de divisas, notadamente o grande projeto de mineração de ferro na Serra dos Carajás, que superou Minas Gerais como maior centro mineiro do país. Os incentivos financeiros se concentraram nos setores privados capazes de substituir petróleo por álcool ou eletricidade, ou de obter divisas no mercado externo, tais como calçados, celulose, alumínio, ferroligas e armamentos (fartamente exportados para o Oriente Médio em troca de seu petróleo). Também cresceu (como também na Argentina e no Paraguai) a cultura e a indústria da soja, exportada para a Europa como ração animal. O café perdeu sua primazia até no setor agrícola, superado pelo álcool de cana e pela soja, ao passo que os produtos industrializados passavam a compor a maior parte da pauta de exportações. O fim do processo de recuperação dos salários e o crescimento da inflação deflagraram o surgimento de um novo movimento sindical, independente do populismo tradicional e do marxismo ortodoxo, mas apoiado pela esquerda católica e pelas novas correntes marxistas surgidas após a crise dos anos 60.

O México tornou-se o único outro país latino-americano a exportar predominantemente produtos industrializados, incluindo os da sua indústria "maquiladora", que revolucionava a economia de sua região norte e os do novo pólo petroquímico que surgia em torno de sua exploração de petróleo. 

A valorização do petróleo pela formação do cartel da OPEP e a desvalorização do açúcar pelo crescimento da produção canavieira brasileira levaram Cuba a cair numa dependência ainda mais total do comércio exterior com a URSS, que manteve os termos de troca com seus parceiros congelados nos padrões da década exterior. Isto permite a Cuba manter sua bem-sucedida política social, mas reduz sua autonomia política em relação às determinações soviéticas. Além disso, o comércio internacional no bloco socialista começa a se descolar dos padrões ocidentais e a agravar as distorções originadas de um planejamento que insistia em ignorar o mundo exterior. A defasagem do bloco soviético em relação às novas tecnologias e princípios administrativos que se difundiam no Ocidente se aprofundava mais e mais.

A China, ao contrário, efetuou uma drástica mudança de posição: em 1977, alentada pela reabertura do comércio e das relações com o Ocidente, a ala mais pragmática do Partido Comunista Chinês aproveitou a morte de Mao para encerrar definitivamente a Revolução Cultural, expulsar os maoístas e iniciar uma política de abertura para os investimentos privados estrangeiros e a formação de uma classe capitalista nacional, aproveitando a classe trabalhadora moderna educada e disciplinada pela Revolução Cultural. Criaram-se zonas francas em várias regiões, que se tornaram importantes rivais de Hong Kong e Singapura e logo passariam a disputar mercados com Taiwan e a Coréia do Sul. Esses "tigres asiáticos", em comparação com o dragão que surgia, começaram a parecer meros gatinhos.

Em 1979, uma nova revolução voltou a abalar o equilíbrio internacional: no Irã, a modernização, a adoção da cultura e dos hábitos de consumo ocidentais e a aliança do xá com norte-americanos e israelenses em prejuízo dos interesses muçulmanos levou a uma rebelião popular encabeçada por dirigentes religiosos, que colocou no poder o aiatolá Komeini. O novo regime se proclamou uma república islâmica e adotou uma orientação religiosa e fundamentalista tão violentamente antimarxista quanto anti-ocidental, que invadiu a embaixada norte-americana e aprisionou seus diplomatas como reféns ao mesmo tempo que reprimia severamente a esquerda marxista. As exportações de petróleo foram temporariamente interrompidas, provocando uma elevação ainda maior dos preços e o apoio norte-americano foi transferido ao maior rival do Irã, o Iraque de Saddam Hussein que, no ano seguinte, tentaria derrubar o regime iraniano e provocaria uma guerra que se arrastaria por anos, destruiría os dois países e os colocaria temporariamente fora do mercado de petróleo. 

Na Nicarágua, uma aliança de grupos guerrilheiros pôs um fim a cinqüenta anos de ditadura da família Somoza e desapropriava seus bens que compreendiam 40% da economia nacional. O novo regime, embora de inspiração castrista, era politicamente pluralista e deixou em paz os proprietários anti-somozistas, mas mesmo assim teve de enfrentar uma forte oposição dos EUA.

A nova elevação dos preços do petróleo fez com que a crise de 1973 se repetisse numa escala muito maior e mais grave: a inflação nos EUA atingiu a casa dos dois dígitos e alguns exportadores de petróleo, a começar pelo Irã, começaram a recusar dólares e exigir moedas mais estáveis – marcos ou ienes. Para conter o processo inflacionário, as taxas dos contratos de longo prazo agora submetidos a juros flutuantes subiram a níveis antes inconcebíveis e provocaram uma recessão mundial: a Europa poupou-se de uma inflação de dois dígitos à custa de um desemprego da mesma ordem de grandeza; e o Japão sacrificando sua taxa de crescimento tradicionalmente superior a 10% anuais. Os países ocidentais reduziram o ritmo de sua indústria, racionaram seu consumo de petróleo e aceleraram seus programas de racionalização do consumo e substituição do petróleo árabe. A demanda internacional de petróleo, pela primeira vez, começou a cair. 

Os sindicatos deixaram de poder contar com aumentos sistemáticos de salários e postos de trabalho em função dos aumentos regulares de produtividade e pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial os países mais desenvolvidos viram as economias caírem totalmente fora do controle do planejamento keynesiano, ressurgir o desemprego estrutural e se deter o movimento na direção de uma sociedade de bem-estar social cada vez mais igualitária. Os governos voltados para o bem-estar social dos EUA e Reino Unido foram substituídos pela política neoliberal de Reagan e Thatcher, que favorecia a concentração de renda, a redução dos gastos com previdência social e o desmantelamento dos mercados protegidos do "Terceiro Mundo" e de seus cartéis de produtos básicos. Na França, a maré oposicionista levou ao poder o Partido Socialista, pela primeira vez desde o golpe gaullista de 1958, mas o novo governo se viu obrigado a abandonar grande parte de suas metas reformistas e adotar uma política monetarista ortodoxa.

As tendências de renovação tecnológica iniciadas em 1973 se aceleraram. Os microcircuitos atingiram uma tal escala de integração que passou a ser possível montar toda uma unidade de processamento num único chip, deflagrando a revolução do microcomputador e reduzindo drasticamente o custo da automatização nas fábricas; as telecomunicações começaram a ser totalmente digitalizadas, facilitando a comunicação internacional entre microcomputadores. Máquinas-ferramentas operadas por computador e mesmo robôs começaram a se tornar comuns nas indústrias e elevaram brutalmente os padrões internacionais de qualidade, produtividade e velocidade de giro do capital; o software deixou de ser um serviço prestado sob encomenda para se tornar uma indústria de produção em massa. A biotecnologia se tornou uma grande indústria, indispensável à indústria farmacêutica e à agropecuária moderna. 

A mudança no cenário tecnológico dos anos 70 e 80 foi tão grande que se falou numa "terceira onda" de renovação tecnológica, tão importante quanto a primeira (a revolução agrícola de 10.000 a.C.) ou a segunda (a revolução industrial do século XVIII). Ao que parece, esta é uma meia-verdade. O principal símbolo da nova revolução, o microprocessador, é uma tecnologia de comunicação, não de produção: é certamente comparável com as primeiras tabuinhas de argila dos sumérios ou com a prensa de Gutemberg. Jamais se poderá compará-lo com a enxada dos primeiros agricultores, com a máquina a vapor de Watt, ou mesmo com a linha de montagem de Henry Ford. Seu impacto cultural é revolucionário e a médio e longo prazo teve e continuará tendo importantes conseqüências políticas e econômicas, mas não pode multiplicar a produção e o consumo como fizeram as grandes revoluções tecnológicas. 

Sua aplicação à produção agiliza o fornecimento e melhora a qualidade, mas como a mão-de-obra já era uma parcela pequena do custo nas indústrias mais modernas, a redução de preços é marginal e não chega a ampliar mercados de forma a integrar grandes populações antes excluídas. Desse ponto de vista, a industrialização convencional dos "tigres asiáticos" e da China, cuja competitividade se baseia na aplicação de uma mão-de-obra extremamente barata a processos de montagem ainda não facilmente automatizáveis, tem tido um sucesso muito maior.

Na verdade a nova tecnologia chega a contrabalançar os efeitos da continuação da expansão da "segunda onda": o aumento de produtividade é maior do que o do crescimento global da produção, resultando em retração dos mercados de mão-de-obra e matérias-primas. Os mercados especificamente criados pela microeletrônica ou apóiam os setores tradicionais, ou expandem operações meramente comerciais e financeiras, ou são nichos de consumo relativamente restrito (como novos eletrônicos domésticos) que de forma alguma são tão necessários ou atraentes para as massas quanto os cereais do neolítico, os tecidos industrializados do século XVIII ou os automóveis e eletrodomésticos populares do século XX.

A biotecnologia seria mais promissora se pudesse transformar saúde, vigor, força, inteligência ou longevidade em mercados de massa, mas ainda há enormes problemas técnicos e éticos a resolver. Mesmo que a microeletrônica ou a robótica pudessem, de alguma forma, reduzir brutalmente os preços dos produtos ainda inacessíveis à maior parte da população mundial e assim expandir mercados, ainda teriam de ser enfrentados os problemas já incontornáveis surgidos do esgotamento da capacidade da ecologia mundial de absorver novos grandes aumentos da poluição e da extração de matérias-primas – principalmente se considerarmos que a atual população mundial ainda pode dobrar antes de se chegar a uma estabilização. Se a maior parte dessa população chegasse a um nível de consumo e industrialização semelhante ao Ocidente, o resultado mais provável seria o derretimento dos gelos da Antártida e a submersão de grande parte do mundo civilizado (salvo se as atividades produtivas puderem, de alguma forma, serem transferidas para o espaço).

Portanto, apesar das novas tecnologias o cenário global tem sido mais de crise estrutural que de revolução tecnológica. O desemprego continuou subindo, com seus corolários de crescimento da violência e do consumo de drogas. O boom das novas tecnologias efetivamente criou uma nova economia internacionalizada e dinâmica, mas que mesmo nos países mais desenvolvidos beneficia uma parcela da população menor do que aquela que a velha produção em série conseguiu abranger. A ampliação das redes de transporte e telecomunicações e a redução de seus custos, combinada à maior facilidade de coordenação proporcionada pelos microcomputadores viabilizou a dispersão por diferentes continentes de linhas de montagem que antes era preciso concentrar numa mesma fábrica ou pólo industrial. A rapidez, a flexibilidade e a qualidade se tornaram mais importantes que as economias de escala, ampliando as possibilidades de pequenas empresas e iniciando uma forte tendência mundial à terceirização. Os mais capacitados para dominar as novas regras do jogo enriqueceram com uma velocidade sem precedentes e deram origem à geração yuppie, mas os menos afortunados empobreceram. De maneira geral, a distribuição de renda piorou em todos os países do mundo, e o abismo entre os países mais desenvolvidos e os mais atrasados aumentou ainda mais.

Os povos da América Latina (como também da África e Ásia) começaram a procurar legal ou ilegalmente novas oportunidades de trabalho nos países desenvolvidos, apesar das crescentes barreiras à imigração levantadas pelos países do Hemisfério Norte: só do México para os EUA emigram 4 a 12 milhões de imigrantes ilegais ou wetbacks, e a eles se acrescentam um milhão de colombianos e uma nova grande onda de refugiados cubanos, além de centenas de milhares de outros imigrantes hispânicos, brasileiros e haitianos. Somados às já grandes comunidades de chicanos, porto-riquenhos e cubanos, isto cria nos EUA um verdadeiro grande país latino-americano, com sua própria língua e rede de telecomunicações. Comunidades análogas de africanos, asiáticos e latino-americanos surgem na Europa. Porém, Europa e EUA já cessavam a política de estímulo à imigração dos anos 50 e 60; seus povos começavam a ver nos imigrantes dos países em desenvolvimento não uma mão-de-obra barata auxiliar uma séria ameaça a seus empregos, salários e benefícios sociais e até mesmo a causa de todos os seus problemas. 
Os gigantescos e minuciosamente planejados pólos industriais que eram a especialidade dos países socialistas se tornavam obsoletos. No bloco soviético, agravou-se a defasagem tecnológica e a confusão provocada pelas novas mudanças de relações de preços em relação ao mundo ocidental. A insatisfação popular começou a se mostrar abertamente na Polônia, onde se organiza o sindicato independente Solidariedade. A partir do fim da era Brezhnev, em 1982, os dirigentes soviéticos e dos demais países da Europa Oriental começam a recorrer ao capital e à tecnologia ocidental numa desesperada tentativa de recuperarem sua indústria de bens de consumo e reduzirem sua defasagem tecnológica. Isto os obriga a fazerem pesadas dívidas externas e seu planejamento econômico, ao procurar conciliar as exigências de sua política social de pleno emprego com a modernização econômica nos moldes capitalistas, se torna cada vez mais confuso e contraditório.

Para os países capitalistas, a integração dos mercados pela modernização dos transportes e telecomunicações foi um passo tão significativo quanto o dado no início do século XIX graças às ferrovias, aos navios a vapor e aos telégrafos. Mais uma vez e numa escala ainda maior, os monopólios regionais e nacionais foram obrigados a concorrer entre si e dar início a uma nova era de capitalismo agressivamente concorrencial, onde até mesmo diferenças mínimas de custo ou qualidade podiam ser fatais para a sobrevivência de indústrias inteiras. Com as novas facilidades que permitem transferir capitais e direitos sobre mercadorias de um continente para outro de forma praticamente instantânea, os governos nacionais pouco podem fazer para conter, controlar ou estimular as novas tendências e o resultado é uma segunda "idade de ouro" do liberalismo.

O novo quadro recessivo internacional provocou uma depressão nas economias endividadas e abalou a maioria dos governos latino-americanos, endividados devido a seus grandes investimentos em infra-estrutura social e econômica (Brasil, Venezuela e México) ou em equipamento militar (Argentina, Equador, Peru, Bolívia, Chile e países da América Central). O mesmo aconteceu, com gravidade ainda maior, nas frágeis economias africanas e em muitas das asiáticas. Resistiram apenas a China e os "tigres asiáticos", cujas novas indústrias haviam sido formadas através da poupança interna ou de investimentos estrangeiros diretos e que desde o início estavam voltadas para o mercado externo. Mesmo os grandes exportadores de petróleo – México e Venezuela – não puderam fazer frente à crescente carga do serviço da dívida externa e foram obrigados a tomar medidas recessivas, enquanto seus investidores promoviam a evasão de divisas para o mais rendoso mercado internacional. 

Nos demais países, a situação era ainda mais grave, pois a recessão internacional e o aumento da produtividade da indústria dos países desenvolvidos fez cair drasticamente a demanda e o preço de seus principais produtos de exportação, principalmente para aqueles que mais dependiam de commodities minerais e agrícolas. O Chile, dado o grau de abertura de sua economia, recebeu um impacto particularmente rápido e violento, que provocou 30% de desemprego e 60% de desnutrição numa economia que antes se propunha como modelo para a América Latina, provocando um igualmente rápido crescimento da oposição ao regime militar. As divergências entre os países latino-americanos e a crescente competição pelo retraído mercado internacional levou ao fim do projeto de criar um mercado comum e a ALALC foi substituída pela menos ambiciosa Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Na prática, dividiu-se em três blocos com políticas distintas: o Pacto Andino, que continuou sua política protecionista; o México e o Chile, que buscaram sua integração econômica com a América do Norte e o bloco do Pacífico; e os demais países do Cone Sul, que seguiram um caminho intermediário que resultaria no Mercosul. 

Em outros países, a proteção do mercado interno fazia o desemprego se elevar um pouco menos rapidamente, dando margem a que fosse disfarçado pelo subemprego. Mesmo assim, a oposição aos regimes militares do Brasil, Argentina, Peru e Bolívia cresceu drasticamente e a guerrilha ganhou um novo impulso na Colômbia e na América Central. Os militares brasileiros começaram a preparar a transferência do poder aos civis permitindo eleições locais diretas e a organização de novos partidos – incluindo o PDT, herdeiro do populismo nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas e o PT, formado a partir do novo movimento sindical liderado por Lula, aliado à nova esquerda marxista independente e à esquerda católica. Ao mesmo tempo, o governo norte-americano pareceu ter se convencido, a partir do colapso da ditadura de Somoza na Nicarágua e dos excessos de violência e veleidades de independência dos regimes militares do Cone Sul, que as ditaduras militares não garantiam sua influência na região e podiam preparar o caminho para revoluções comunistas. Passou a pressionar os governos militares pela redemocratização e a negar apoio aos novos candidatos a ditadores militares que se apresentassem.

Na Bolívia e no Peru, os regimes militares concordaram em se retirar pacificamente do poder e entregar o poder para governos livremente eleitos. Na Argentina, entretanto, os militares tentaram recuperar seu prestígio através de uma arriscada manobra nacionalista, aproveitando suas recém-ampliadas forças armadas para anexar, em 1982, a colônia inglesa nas ilhas Malvinas/Falkland. Entretanto, o novo governo conservador britânico não estava disposto a se deixar humilhar: destruiu a marinha argentina e recuperou as ilhas em um rápido contra-ataque. Os militares foram obrigados a abandonar desordenadamente o poder e muitas de suas lideranças foram colocadas na cadeia pelo novo governo civil da UCR. Também cai de forma desastrada a longa ditadura dos Duvalier no Haiti, em 1986. No Panamá, Torrijos morre em 1981 e é sucedido por Noriega, que a partir de 1987 é acusado pelos EUA de participação no tráfico de drogas e de fornecimento de armas às guerrilhas latino-americanas.

No Brasil, os militares conseguiram manter mais controle sobre a transição para a democracia, mas mesmo assim esta avançou mais do que esperavam: a divisão do próprio partido criado pela ditadura fez fracassar a tentativa de eleger um presidente civil que continuasse a politica dos militares. Apesar da morte inesperada do presidente oposicionista, seu vice-presidente assumiu normalmente em 1985 e o regime democrático foi plenamente restabelecido, incluindo a total liberdade de organização partidária, ampliação dos benefícios sociais e trabalhistas e a restauração das eleições diretas para a Presidência da República. 

No Uruguai, o regime militar é mais bem-sucedido em manter o controle da abertura política, garantindo a anistia dos crimes cometidos por militares durante a ditadura e a eleição de um presidente civil conservador. 

Apesar do crescimento das novas indústrias proporcionarem uma gradual recuperação da economia chilena nos anos 80, em 1988 o regime militar foi derrotado num plebiscito que prorrogaria a permanência de Pinochet no poder e teve que aceitar a convocação de eleições livres que levam ao poder a oposição moderada democrata-cristã, mas garantiu através da constituição a intangibilidade dos militares em seus postos. O novo governo mantém a política econômica neoliberal, mas retoma os investimentos públicos com finalidade social e em infra-estrutura urbana.

Em 1989, cai no Paraguai o regime de Stroessner, último caudillo do subcontinente, sucedida por um governo civil colorado que também inicia um programa de liberalização, tirando proveito do crescimento econômico proporcionado pela co-propriedade da usina hidroelétrica de Itaipu (construída pelo governo militar brasileiro nos anos 70) que transformou o país em exportador de energia e dinamizou o comércio na região da fronteira. Ao longo dos anos 80, as ditaduras militares da América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador) também foram substituídas por governos civis eleitos de caráter conservador, mas a guerrilha marxista, apesar de combatida com forte auxílio norte-americano, continuou a luta.

Na Colômbia, o governo abriu negociações para a incorporação dos grupos guerrilheiros à política partidária e obter o repatriamento dos narcodólares pelos líderes dos cartéis de drogas, que progediram favoravelmente. No México, o PRI perdeu algumas eleições locais e teve seu monopólio do poder contestado pela primeira vez, tanto pela direita neoliberal que crescia em torno da nova indústria "maquiladora" quanto pela sua dissidência mais à esquerda, que divergia da política oficial cada vez mais afastada da tradição nacionalista. 
A queda dos preços do petróleo e a desintegração do cartel da OPEP em seguida ao fim da guerra Irã-Iraque em 1986 criaram graves dificuldades para o México e da Venezuela sem melhorar o cenário nos demais países, pois os juros internacionais continuaram altos e a recessão continuou se agravando sob os novos regimes democráticos. As tentativas "heterodoxas" de controlar a inflação sem causar desemprego nem redução de salários ou empregos fracassam na Argentina e no Brasil. Os governos populistas da Bolívia e Peru suspendem o pagamento da dívida externa, mas não conseguem apoio dos demais países endividados. A combinação do isolamento econômico com a tentativa de manter dispendiosas políticas sociais, nacionalistas e desenvolvimentistas agrava ainda mais sua crise econômica e acaba por causar uma devastadora combinação de depressão econômica com hiperinflação. 

A Bolívia é também afetada pelo colapso do preço do estanho, provocado pela descoberta de novas e mais acessíveis jazidas na Amazônia brasileira, que acabaram de devastar esse mercado já abalado pela recessão mundial e inviabilizaram a tradicional produção boliviana. Esse país particularmente sem saída inaugura uma série de políticos de tradição populista e nacional-desenvolvimentista que, impedidos pelo déficit público de continuarem uma política estatista, aderem à política neoliberal antes praticada apenas pela ditadura militar chilena. Em 1985, o tradicional líder populista Paz Estenssoro libera as importações, fixa o câmbio do dólar, desregulamenta a economia, prende líderes sindicais e inicia a privatização das estatais bolivianas. O PRI mexicano adota uma politica similar e inicia a privatização da maior parte das mais de mil empresas estatais do país. Em 1988, Andrés Pérez é novamente eleito na Venezuela e também rompe com a tradição social-democrata do seu partido e com a política social inaugurada em seu primeiro mandato: impõe uma política de austeridade financeira, redução de salários reais e aumento de tarifas públicas. Na Argentina, a grave crise econômica leva à derrota da UCR e a obriga a antecipar a posse do peronista Menem, que também surpreende seus partidários comandando uma guinada neoliberal incluindo a dolarização da economia e a total abertura às importações, dizimando o que restava da obsoleta indústria argentina. 

No Brasil, o Presidente Collor de Mello recorre a uma campanha personalista e de tom populista para derrotar seus adversários, mas confisca a maior parte do meio circulante do país, abre repentinamente o país às importações e inicia um programa de privatização. No Peru, Fujimori desempenha o mesmo papel eleitoral populista para em seguida conter o déficit governamental elevando em até 3.000% as tarifas públicas. No Uruguai, o novo governo também inicia um programa de privatização. Na Nicarágua, onde o bloqueio econômico e a guerrilha direitista dos contras apoiados pelos EUA agravaram a mais grave crise econômica do subcontinente, as eleições de 1990 afastam a esquerda do poder e a UNO de Violeta Chamorro inicia um ajuste econômico monetarista. Entretanto, a extrema-direita não se satisfaz com o acordo que mantém a esquerda no comando do Exército e retoma a guerrilha com o apelido de recontras. Alguns membros da esquerda sandinista também não aceitaram o acordo e voltaram à luta armada, sendo chamados de recompas.
Entre 1989 e 1991, a onda neoliberal atinge o auge no Ocidente e, ao mesmo tempo, obtém uma vitória que nem mesmo os seus defensores mais entusiastas esperavam tão cedo: desaba repentinamente a maior parte dos regimes socialistas. A crescente defasagem entre os preços do comércio internacional ocidental e o do bloco soviético ao longo dos anos 80 e sua crescente necessidade de obter divisas que lhe permitissem continuar captando tecnologia, capitais e financiamentos do Ocidente acabaram por tornar impossível aos governos do bloco socialista manter seus padrões de salários, assistência social e pleno emprego. Por fim, tornaram impossível para a URSS continuar sustentando seus termos de troca tradicionais com seus aliados socialistas, que repentinamente se viram abandonados à própria sorte e à fúria de suas populações frustradas com a progressiva piora das condições econômicas e ansiosas para participar da sociedade de consumo ocidental. 

O primeiro regime a cair é o da Alemanha Oriental, e o muro de Berlim vai abaixo em 1989. Numa questão de meses, caem os demais regimes socialistas pró-soviéticos da Europa Oriental e até mesmo os regimes socialistas independentes da Iugoslávia e Albânia. Em 1991, o governo reformista de Gorbachev é deposto por golpe militar, mas um contragolpe liderado pelo presidente da Rússia, Bóris Yeltsin, não só derrota os golpistas como também dissolve a URSS em 15 países independentes e encerra 74 anos de regime socialista. Os únicos regimes socialistas que restaram em todo o mundo foram Cuba, China, Coréia do Norte, Vietnã e Laos, pois os governos socialistas da África e do Oriente Médio também caíram ou mudaram repentinamente de linha política.

Porém, as conseqüências imediatas da mudança foram muito diferentes do que os povos da Europa Oriental esperavam. Em relação aos países mais desenvolvidos, a maior parte de suas indústrias tinha um atraso tecnológico de décadas e não tinha a menor condição de concorrer num mercado mundial altamente competitivo e internacionalizado onde as menores diferenças de custo e qualidade são decisivas. O caso da Alemanha Oriental foi o mais dramático: embora fosse a economia mais moderna da Europa Oriental, sua anexação ao mercado da Alemanha Ocidental reduziu a zero o valor de sua base industrial, cuja privatização se mostrou, na maioria dos casos, absolutamente inviável. O desemprego chegou oficialmente a 15% dos trabalhadores e um número ainda maior trabalha apenas meio período e é sustentado por subvenções diretas do governo alemão. A própria economia da Alemanha Ocidental foi arrastada para a recessão.

Os outros países da Europa Oriental e da nova Comunidade dos Estados Independentes (CEI), formada pela maioria dos países da ex-URSS, estavam ainda mais atrasados e não puderam contar com a esperada ajuda maciça dos países capitalistas desenvolvidos, mas ao menos tiveram a oportunidade de se proteger através de barreiras alfandegárias e da desvalorização de suas moedas. Ainda assim, para a maior parte de suas classes médias, o sonho de logo participar das condições de vida ocidentais foi substituído pelo pesadelo da marginalização, do desemprego e da miséria: quase todos esses países se acharam mergulhados numa crise tão grave quanto a que afetou os EUA e a Alemanha em 1929, devidamente acompanhada da proliferação de robber barons, líderes mafiosos e partidos fascistas. A sobrevivência do planeta pode perfeitamente estar dependendo apenas de se na ainda nuclearmente poderosa Rússia vai surgir um Roosevelt ou um Hitler. Por enquanto, há apenas uma desastrada república de Weimar (ou um igualmente desastrado Hoover). 

A outra grande incógnita da política internacional e a grande exceção a esse cenário é a China. A economia mista chinesa (cuja indústria é hoje 44% estatal e 56% privada) continuou crescendo, através de todo esse cenário de crise, a um ritmo que nenhum outro grande país do mundo atingia desde os melhores anos do "milagre japonês" e do "milagre brasileiro". Avaliada em termos de poder aquisitivo real, sua economia já superou de muito a japonesa e, nos anos 90, passa a deter no mínimo o posto de segundo maior PIB do mundo, antes ocupado pela URSS. A continuação desse crescimento num país cuja população supera a do conjunto do mundo desenvolvido (entendido como Europa, América do Norte e Japão) coloca sérios problemas de ordem internacional, tanto do ponto de vista político e econômico como mesmo do ecológico: como a atmosfera poderá absorver centenas de milhões de novas geladeiras destruidoras de ozônio, para não falar de automóveis? 

Além disso, o crescimento chinês gera consideráveis tensões internas que opõem de um lado as relativamente pequenas regiões e classes industriais próximas aos portos de exportação que se desenvolvem a um ritmo impressionante e de outro um imenso interior ainda maciçamente camponês, cujo desenvolvimento é muito mais lento e pouco aproveita desse crescimento voltado para o mercado externo. Ambos os lados se ressentem da inflação e do êxodo rural que tem acompanhado esse rápido crescimento e não está claro como esse crescimento poderá começar a beneficiar seu vasto mercado interno (e assim aliviar a pressão competitiva exercida sobre o mercado internacional), pois seu sucesso tem dependido basicamente de salários extremamente baixos. As duas alternativas mais prováveis são bastante preocupantes: ou essas tensões resultam no bloqueio do crescimento e na desintegração violenta do país a médio prazo, ou então a China se torna a nova "oficina do mundo" e a potência econômica e política hegemônica do século XXI, duplicando a pressão que já está sendo exercida sobre o meio ambiente mundial pela indústria dos países desenvolvidos. 

A brutal reversão de expectativas na Europa Oriental foi acompanhada de uma busca desesperada por divisas: com a indústria paralisada e privada de competitividade, os países ex-socialistas colocaram no mercado internacional matérias-primas e produtos intermediários a preços aviltados, agravando a depressão do comércio internacional e colocando mais lenha na fogueira dos problemas que cresciam tanto no mundo capitalista desenvolvido quanto nos países do ex-"Terceiro Mundo". Os primeiros viam o persistente desemprego e falta de perspectivas para grande parte da juventude se manifestar como violência, uso de drogas e adesão a idéias neonazistas. Nos países em desenvolvimento da América Latina, na maioria destituídos de salário-desemprego e assistência social confiável, cerca da metade da população já sobrevive na "economia informal", que pode significar comércio ambulante ou subemprego, mas também crime e tráfico de drogas. Nos paises mais dependentes da exportação de matérias-primas desvalorizadas, os resultados foram ainda mais graves e, em alguns casos como o da Somália, incluíram o total desaparecimento do país enquanto sociedade organizada. 

Assim, logo após sua maior vitória, a onda neoliberal começou a sofrer um forte refluxo. Nos EUA, foi eleito um governo democrata com um programa de parcial recuperação da assistência social. No Reino Unido, os trabalhistas voltaram a ser favorecidos pela opinião pública. Em alguns dos países da Europa Oriental, os antigos comunistas, reorganizados em partidos menos dogmáticos, voltaram ao poder através do voto.

Na América Latina, também se presenciou o refluxo neoliberal. Os novos governos neoliberais se iniciaram com considerável apoio popular, mas nem todos conseguiram mantê-lo. Fujimori e Collor, que se elegeram com base no carisma pessoal e sem apoio de grandes partidos enfrentaram forte oposição às suas drásticas medidas econômicas à medida que se refletiram num agravamento do desemprego e da recessão. Fujimori consegue manter sua autoridade através de um golpe militar, recupera a popularidade reprimindo de forma eficaz a guerrilha do Sendero Luminoso e implanta sem mais oposição uma política de privatização irrestrita. Ao contrário, a popularidade de Collor, já abalada pelo impacto recessivo de sua política, é ainda mais minada por graves denúncias de corrupção e acaba sendo afastado por impeachment. O novo governo modera o ritmo da abertura econômica e a oposição de esquerda mais radical cresce a ponto de se tornar favorita para as eleições presidenciais. A manutenção da politica de privatização e liberalização da economia passa a depender do sucesso eleitoral do candidato do governo e da boa aceitação pública do plano de estabilização e parcial dolarização tentado em julho de 1994. Ainda assim, sua vitória dificilmente significaria uma volta ao neoliberalismo irrestrito de Collor, pois seria o resultado da aliança de políticos conservadores preocupados com a sobrevivência da base industrial construída pela ditadura, com um partido de centro que tradicionalmente defendeu a promoção de políticas sociais.

Na Colômbia, um dos melhores desempenhos econômicos da América Latina é obtido graças à exploração de novas e grandes jazidas minerais – de carvão, níquel e petróleo – sem que a política econômica tradicional – que nunca chegou a ser excessivamente fechada – fosse abandonada e sem que o desenvolvimento industrial fosse interrompido. Apesar da oposição de grupos paramilitares de extrema-direita, a incorporação da esquerda guerrilheira à política eleitoral é quase totalmente bem-sucedida e acompanhada pela promulgação de uma constituição nova e mais democrática. O problema político mais grave do país passa a ser o tráfico de drogas, mas isso não chega a prejudicar a economia. Pelo contrário: como no Peru e na Bolívia, a exportação clandestina se torna uma fonte não desprezível de divisas e contribui para a dinamização da economia. 

Em Guatemala, El Salvador e Honduras também se negociou a incorporação das guerrilhas ao processo eleitoral, mas dada a gravidade da crise econômica e o grande poder da extrema-direita na região, os acordos são muito mais difíceis e precários. Em El Salvador, houve acordo, mas o cenário continua tenso e pode degenerar em violência a qualquer momento: a extrema-direita venceu a esquerda ex-guerrrilheira por pequena diferença, a economia está destroçada pela longa guerra civil e a maciça ajuda econômica norte-americana foi suspensa. Na Guatemala, houve uma tentativa de golpe ao estilo de Fujimori, mas que fracassou devido à divisão dos militares, resultando no afastamento do Presidente golpista e numa crise institucional que interrompeu a negociação com os guerrilheiros. Em Honduras, os desentendimentos entre o governo civil e os militares também impediu o sucesso das negociações.

Na Venezuela, apesar do apoio do seu tradicional partido social-democrata e de um sucesso inicial em promover uma recuperação da economia, o desempenho econômico volta a piorar em 1993. Andrés Pérez sofre uma tentativa de golpe militar e, logo em seguida, é envolvido por acusações por corrupção e sofre o mesmo destino de Collor, seguindo-se eleições que liqüidam a hegemonia dos partidos tradicionais e ampliam as forças da esquerda. A tendência se inverte: um político tradicionalmente conservador, Rafael Caldera, se elege para implementar um governo populista apoiado pela esquerda marxista tradicional.

No Panamá, a ditadura militar nacionalista de Noriega, acusado de envolvimento no tráfico de drogas, foi derrubada por uma intervenção militar norte-americana no final de 1989. No Haiti, foi eleito Presidente em 1990 um socialista, o padre católico Aristide, partidário da Teologia da Libertação. Um golpe militar o derrubou depois de poucos meses, mas novo regime ditatorial se vê isolado no plano internacional e sofre sanções da ONU. 
Entretanto, o bloqueio não tem sido respeitado pela vizinha República Dominicana: o governo de Balaguer mantém o intercâmbio comercial para deter o fluxo de refugiados e evitar a restauração do governo esquerdista. Inicia-se um impasse até hoje não resolvido, no qual os EUA se sentem continuamente pressionados a intervir pela avalanche de miseráveis refugiados da ditadura militar que vão bater às suas portas em busca de asilo, mas hesitam em intervir para recolocar no governo um presidente que lhes é declaradamente hostil.

Na Argentina, a política de Menem consegue um crescimento econômico mais continuado, mas que se vê cada vez mais ameaçado pelo congelamento artificial do câmbio que mina a competitividade das exportações argentinas; além disso, as altas taxas de crescimento do PIB são paradoxalmente acompanhadas pelo aumento do desemprego e da pobreza, devido à privatização das estatais e à drástica redução dos salários reais do funcionalismo público. A partir de 1993, crescem os protestos contra o governo e, nas eleições para a Constituinte de 1994, a frente de esquerda obtém um resultado inesperadamente favorável e ameaça a segunda posição da UCR, que obtém o pior resultado da sua história. A esquerda também obtém resultados favoráveis em eleições municipais no Paraguai.

No México, o governo Salinas obtém uma expressiva vitória no campo internacional unindo-se aos EUA e ao Canadá num mercado comum norte-americano que permitiu ao país colocar um pé no "Primeiro Mundo" e atrair para si uma parte dos empregos industriais dos EUA, do Canadá e de Porto Rico. Por outro lado, isso ameaçou com a total miséria o tradicional campesinato indígena mexicano, incapaz de concorrer com a eficiente agricultura norte-americana. Essa perspectiva levou ao renascimento da guerrilha após 70 anos de tranqüilidade política e o agravamento das tensões entre a sociedade industrial e neoliberal do norte e o campesinato indígena e esquerdista do sul ameaça retirar do relativamente centrista PRI o controle da evolução política do país. Um dos resultados foi o assassinato de seu candidato original à presidência, apressadamente substituído por um economista muito menos popular. 

Em Cuba, apesar dos prognósticos da maioria dos observadores, o regime socialista sobreviveu ao fim de seu comércio subsidiado com a antiga URSS e à queda do bloco soviético. Porém, como seus produtos exportáveis são açúcar e outras matérias-primas desvalorizadas e como seu comércio continua bloqueado pelos EUA, a escassez de divisas é tão dramática que falta combustível até para movimentar sua colheita de cana. O país tem buscado incrementar o turismo e a venda de serviços médicos e abrir seu mercado a investidores externos, mas com poucos resultados. 

O novo cenário mundial, de forma geral, se assemelha ao do último terço do século XIX, quando o primeiro liberalismo ultrapassou seu apogeu e se iniciou a formação de blocos comerciais e de grandes monopólios. Os novos superblocos tendem a reproduzir o processo de unificação da Alemanha e Itália e de construção e fechamento comercial dos impérios coloniais do fim do século XIX, com o agravante de que já não há mais a saída da migração intercontinental em massa, que naquela época contribuiu para alviar as tensões sociais na Europa e promover o desenvolvimento das Américas. A polarização direita-esquerda característica dos primeiros dois terços do século XIX e da maior parte do século XX é novamente seguida de uma relação mais transigente e flexível – os dogmatismos neoliberal e marxista cedem lugar, à direita, a um "liberalismo social" mais preocupado com a ecologia e com as condições de integração social das classes menos favorecidas e, à esquerda, a um "socialismo democrático" (diferente da social-democracia tradicional) que abandona as teses da estatização, do desenvolvimento industrial irrestrito e da ditadura do proletariado por uma proposta de organizações cooperativas e não-governamentais que efetuem uma supervisão democrática das atividades econômicas privadas e de severo controle do crescimento da indústria e do consumo em nome da ecologia. 

É verdade que há também novos movimentos radicais. À direita, neonazistas que, em vez de propor a expansão territorial e a escravização dos povos mais fracos, propõem a secessão política das regiões mais desenvolvidas e a expulsão dos "estrangeiros". À esquerda, movimentos inspirados num neo-anarquismo ou no ecologismo radical que pretendem reorganizar a sociedade de e acordo com ideais igualitários e libertários. Todos estes movimentos se baseiam nas cada vez maiores minorias de jovens razoavelmente cultos ou qualificados, que a economia absorve com crescente dificuldade. Contudo, esses movimentos ainda não receberam apoio de correntes sociais realmente poderosas, situação que obviamente pode mudar com um estancamento mais grave do crescimento econômico mundial. 

Existem algumas dificuldades técnicas para voltar a levantar as velhas barreiras: as novas telecomunicações parecem ser muito ágeis para serem devidamente controladas pelos governos e a guerra em grande escala se tornou demasiado perigosa para que conquistas e pressões militares voltem a ser rotina. Também poderia parecer que a tecnologia de "terceira onda" dos países mais desenvolvidos é suficiente para os proteger da concorrência sem necessidade de barreiras artificiais. 

Porém, novas e mais sofisticadas formas de protecionismo e de controles governamentais já estão surgindo. No plano internacional, os países desenvolvidos propuseram, nas negociações que transformaram o GATT na nova Organização Mundial do Comércio, novas formas de protecionismo, fundadas no combate ao assim chamado dumping social e ecológico dos países em desenvolvimento. Ou seja, criando barreiras alfandegárias que suprimam as vantagens comparativas desses países decorrentes de seus baixos salários e de suas legislações ambientais mais complacentes e assim bloqueando todas as suas possiblidades de desenvolvimento. Além disso, o governo americano já se prepara tecnicamente para controlar o fluxo das novas telecomunicações, implantando e regulamentando uma nova e gigantesca rede de telecomunicações informatizadas de modo a assegurar, em caso de necessidade policial, a possibilidade de investigar as informações transmitidas.

Surgiram dois novos e muito grandes blocos econômicos:
– Espaço Econômico Europeu – EEE, União Européia e seus estados associados da antiga EFTA, aos quais se somam, na prática, as ex-colônias européias do Caribe organizadas no CARICOM e as da África Negra, algumas das quais organizadas em pequenas comunidades econômicas regionais (CEAO e WAEC);
– Associação da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico – APEC, formada pelos países da América do Norte associados no NAFTA; pelo Chile; pelos países do Sudeste Asiático associados na ASEAN; por Coréia do Sul, Taiwan, Japão e China; e por Austrália, Nova Zelândia e Papua-Nova Guiné. 

Ficaram à margem dessas organizações e sob risco voltar a desempenhar o papel de campo de batalha econômico que a América Latina como um todo desempenhou no final do século XIX a maior parte da América do Sul e Central, o Oriente Médio, a Índia e seus vizinhos e os países ex-socialistas da CEI e Europa Oriental. Exceto por alguns países da Europa Oriental, que podem pretender uma integração à União Européia, esses países não são especialmente atrativos para nenhum dos blocos. Salvo pelas exportações petrolíferas de alguns países do Oriente Médio, essas economias são relativamente fechadas e dividem um comércio exterior relativamente reduzido de forma mais ou menos equilibrada pelos dois superblocos. Uma possível alternativa seria constituírem blocos menores, quase insignificantes comparadas aos dois superblocos em vias de constituição, mas que ainda assim proporcionariam autonomia e poder de barganha superiores ao que seus países poderiam obter isoladamente. É a perspectiva dos países em desenvolvimento do Cone Sul, que tentam consolidar seu Mercosul e considerar uma ampla união sul-americana. 
Tudo indica que, apesar dos neo-hegelianos, a História não acabou. 

Texto de autoria de Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa- digitaliz\ado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa. Disponível em In: http://antonioluizcosta.sites.uol.com.br/

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