4.20.2011

HISTÓRIA DA CACHAÇA

Leopoldo Costa

Segundo o Prof. Fernando Valadares Novaes, pesquisador da ESALQ de Piracicaba, a cachaça  surgiu no Brasil entre 1550 e 1560. Era a época inicial do Ciclo do Açúcar.
Era designada inicialmente como ‘aguardente da terra’, por oposição à do reino, a ‘bagaceira’.
Acostumados a tomar 'bagaceira', o aguardente extraída da uva, os portugueses sentiram falta de uma bebida da terra quando chegaram ao Brasil. A bebida dos índios, o cauim, tinha um inconveniente. A fermentação era produzida pela saliva das mulheres da tribo, após um longo processo de mastigação. Elas mastigavam a mandioca e cuspiam a massa em uma vasilha. Era demais para os padrões dos ditos 'civilizados' portugueses.

Quando a cana de açúcar, trazida da Ilha da Madeira, foi plantada em São Vicente, entre 1532 e 1548, os donos de engenho descobriram uma espécie de 'vinho' no processo de fabricação do açúcar. Era um líquido azedo resíduo da fabricação da rapadura e do açúcar mascavo deixada em cochos de madeira para o consumo dos bois. Notava-se que os bois ficavam um pouco alterados no seu comportamento.  Observando esta reação, o caldo passou a ser consumido clandestinamente pelos escravos, que deram-lhe o nome nada palatável de “cagaça”. Os senhores de engenho aprimoraram o processo usando o mesmo sistema da produção da 'bagaçeira' destilando o caldo e o nome da bebida resultante mudou-se para 'cachaça'. Tem como sinônimos pinga, caninha e parati, entre outros. Devido esta história, de ser uma bebida barata e consumida pelas classes populares, sofreu muito preconceito entre as classes mais favorecidas. Ser xingado de cachaceiro era uma das maiores afrontas.

No final do século XVI já era comum a existência das “casas de cozer méis” nos engenhos. Um lugar destinado  só a produção de cachaça. A cachaça tornou-se inclusive, uma moeda para a compra de escravos na África. Por aqui, ganhou a fama de ser um remédio contra o banzo, a tristeza que acometia os negros retirados violentamente de suas famílias na África. Quem bebia cachaça, parecia recuperar a alegria de viver.

Foi em Minas Gerais, durante o ciclo do ouro, que a cachaça se popularizou entre os descendentes de europeus. Nas pequenas cidades que foram surgindo nas montanhas, a cachaça era artigo essencial para aplacar o frio.
  
A Coroa portuguesa não viu com bons olhos a expansão do consumo da bebida, que prejudicava a comercialização dos vinhos e da bagaceira de origem portuguesa. Assim a cachaça acabou proibida diversas vezes, sob a alegação de que o seu consumo prejudicava a extração do ouro.

Como a proibição da produção e até mesmo do consumo de bebida haviam sido infrutíferos, a Coroa resolveu cobrar um imposto alto para dificultar o acesso à cachaça.
  
Em 1756, quando a Coroa precisou de muito dinheiro para reconstruir Lisboa depois do terrível terremoto, usou o dinheiro recolhido com o imposto da cachaça. Mais tarde foi criado outro imposto, chamado 'literário', sobre a cachaça com o objetivo da manutenção das escolas.

A cachaça no Brasil acabou de popularizar ao tornar-se um elemento fundamental nas festas religiosas portuguesas. Misturada ao gengibre e ao cravo, transformou-se no quentão e hoje é uma tradição que vem atravessando os séculos. 

No século XIX, com a imitação dos modismos franceses e ingleses, a cachaça foi relegada a segundo plano. Voltou a ser a bebida das raças miseráveis. Só a partir do resgate da cultura brasileira vinda com o Modernismo, na Semana da Arte Moderna da década de 1920, a cachaça, junto com a culinária brasileira e o carnaval, foi redescoberta. Hoje luta-se para transformar a cachaça numa bebida fina.

A produção brasileira de cachaça é de um bilhão e trezentos milhões de litros por ano. O estado de São Paulo é o maior produtor nacional com mais de 600 milhões de litros, sendo a maior parte de bebida produzida em escala industrial.
Em São Paulo, a cidade de Cabreúva é um dos redutos onde ainda são produzidas cachaças artesanais de qualidade. Em 1970 a região tinha 26 alambiques e hoje apenas quatro sobrevivem: Vilela, Rainha da Praia, Varginha e Cristal. A concorrencia das cachaças industrializadas com melhor preço e a melhor logística de distribuição, provocou a inviabilidade da produção das artesanais.

Minas Gerais, ao contrário, produz cerca de 140 milhões de litros anuais, quantidade quase toda produzida de modo artesanal em alambiques caseiros. Existem 8 mil alambiques, sendo apenas 7% registrados. É justamente esse caráter artesanal que faz da cachaça mineira ser considerada a de melhor qualidade do Brasil. O consumo anual do estado de Minas Gerais é de 180 milhões de litros sendo necessário a importação de outros estados. É o maior consumo per capita do Brasil.

Entre as cachaças artesanais, as mineiras vem dominando o mercado. A mais famosa delas é a Havana, produzida em Salinas e que no alambique  custa  US$ 15 por garrafa. Nos grandes centros chega a ser vendida entre US$ 60 e US$ 100 por garrafa. A dose nos bares chega a custar US$ 7, superior até ao preço de muitos uísques escoceses de primeira linha.
A  Havana, é considerada a melhor cachaça do Brasil. Fabricada deste 1949 na fazenda de Anísio Santiago (nascido em 1916). Por ano são engarrafados apenas 7 mil litros da Havana, o que significa apenas 12 mil garrafas, distribuídas por quota a comerciantes amigos e empregados do fazendeiro.
O salário dos empregados da fazenda é pago com a cachaça, o que rende muito dinheiro para eles, pois, a cachaça é vendida bem cara para visitantes e comerciantes. Salinas, cidade de origem da Havana, no norte de Minas Gerais, é também produtora de outras grandes cachaças como a Canarinha, Lua Cheia, Beija Flor, Asa Branca, Java, Boazinha, Seleta, Salineira, Indaiazinha, Boa Nova, Monte Alto, Peladinha, Barra Viva, Paladar, Jacurutubana, Preciosa, Brinco de Ouro, Brinco de Prata, Meia Lua, Salicana e Salinas. 


Boazinha e Seleta são produzidas na fazenda de Antônio Eustáquio Rodrigues. A cidade produz 2 milhões de  litros de cachaça por ano e leva o título de capital brasileira da cachaça artesanal. Além de Salinas, outros municípios do norte de Minas também são produtores de cachaça: Januária, Cristália e Taiobeiras.
  
Além do  norte, cachaças de outras regiões merecem destaque:
  • Em São Tiago é produzida a Espírito de Minas, também muito apreciada em São Paulo e no Rio de Janeiro  e o município de Cláudio tem suas afamadas cachaças, como a Sapezinha, a Ariana, a Açucarina, a Apetitosa, a Zazá e no passado teve a Matusalém, que ganhou fama por ser a preferida de  Tancredo Neves.
  • No sul de Minas, na fazenda Timbó, é produzida a 100 Limite, que participou da Feira de Alimentação de Paris  e tem prestigio no mercado internacional. Sua produção é de 600 mil litros por ano.
O solo e as condições climáticas de Minas Gerais são ideais para o cultivo da cana de açúcar.  A cana deve ser cortada rente ao chão e o canavial não pode ser pisoteado por animais. A cana deve ser transportada pelo homem até fora do canavial, quando o carro de boi pode ser usado. Os produtores utilizam variedades mais antigas de cana, como a caiana e a java e como fermento utilizam apenas  canjica de milho.
  
Em Sabará, cidade histórica de Minas Gerais, é realizado todo ano o Festival da Cachaça, que premia as melhores cachaças do Brasil. Já foram premiadas a Havana, a Salinas, a Lua Cheia, a Germana e a Vale Verde. A Vale Verde  com um volume de 220 mil litros anuais é produzida em Betim. Já exporta para o Canadá e a Belgica. A Germana, produzida em Nova União, tem uma produção anual de 60 mil litros sendo que basicamente 70% é vendida em aeroportos internacionais a turistas voltando para seus países de origem. A cachaça Germana envelhecida dois anos é vendida a US$ 6 a garrafa, enquanto a envelhecida 10 anos é vendida por US$ 40. É de Minas Gerais que vem também a primeira cachaça ‘blended’ do Brasil, a Arraial Velho, feita da mistura de 30 cachaças produzidas artesanalmente, assim também como a primeira gelatina de cachaça, com essência de abacaxi, que é produzido pela Vale Verde. A fábrica da Vale Verde tem um programa de visitas para turistas chamado de Roteiro da Cachaça que recebe nos finais de semana cerca de 1700 pessoas. Outros 14 alambiques, localizados em 7 cidades diferentes, também fazem parte do Roteiro da Cachaça.
  
Desde 1997 realiza-se em Belo Horizonte a Feira Nacional de Cachaça, onde são reunidos mais de 100 produtores de cachaça de qualidade e recebe mais de 30 mil visitantes. 

Em 1999, os voos da Varig para Miami, Roma, Frankfurt e Buenos Aires passaram a servir três opções de cachaça na primeira classe. Seriam servidas a Germana, a 100 Limite e a Vale Verde.

O governo mineiro criou o Pró-Cachaça, programa para incentivar a melhoria da qualidade do produto e com isso fazer da produção de aguardente uma atividade geradora de renda para o pequeno produtor, que trabalha de forma isolada e acaba vendendo o produto a preço baixo, tornando vítima fácil do especulador. Também tem como meta, valorizar o produto e acabar com o mito de que o consumidor da bebida é de baixa renda e de baixo nível sociocultural. Hoje já é consumida por todas as classes sociais.

Foi criada também a Ampac (Associação Mineira dos Produtores de Aguardente de Qualidade) que tem como presidente Walter Caetano Pinto. O objetivo da associação é promover a produção de cachaça de qualidade. A exemplo do que ocorre com os produtores de café, o selo da associação é aplicado nas garrafas das cachaças de qualidade.
                             
As aguardentes industrializadas, apesar do cuidado com que são produzidas, não podem competir com as artesanais. Na maioria das vezes essas bebidas vêm de diferentes produtores e são “estandardizadas” pelas engarrafadoras. O consumidor, ao invés de beber uma única cachaça, acaba por tornar uma mistura delas. O Aguardente 51, produzida em Pirassununga, é a cachaça mais consumida no Brasil e uma das bebidas  alcoólicas mais consumidas no mundo ocidental.
Existem ainda outras cachaças famosas como o Velho Barreiro, a Três Fazendas e a Tatuzinho, produzidas pelas Indústrias Reunidas de Bebida, sediadas em Rio Claro. A Caninha da Roça de Piracicaba e a Oncinha de Ourinhos são outras bastante vendidas. Nos outros estados, destacam a Pitú, produzida na Bahia e a Ypióca, do Ceará.
A Pitú é fabricada desde 1939 em Vitória de Santo Antão e é líder de vendas na região Nordeste, respondendo por 42% das vendas. No Brasil é a segunda colocada com 12% do mercado.

Segundo a “expert” Dirlene Maria Pinto, nutricionista , fundadora e presidente da Coocachaça ( Cooperativa de Produção e Promoção da Cachaça de Minas) e uma das diretoras da Ampaq (Associação Mineira de Produtores de Aguardentes de Qualidade), as cachaças podem ser divididas em artesanais e industriais. O tipo mais interessante é o artesanal, caracterizada por processo de fermentação natural e alambique de cobre, com capacidade de produzir até mil litros por dia.
As artesanais são novas ou envelhecidas, divididas em claras ou escuras (amarelas). Envelhecidas são as aguardentes guardadas por no mínimo um ano em tonéis de madeira, que determina a tonalidade e a suavidade da bebida após o processo. As mais usadas são o jequitibá, o carvalho e o bálsamo. As novas tem mais adstringência, e podem ser consumidas geladas.
Deve-se tomar cuidado com as falsas envelhecidas. Percebe-se a diferença no gosto. As verdadeiras envelhecidas não são rascantes, descem bem, além de não possuírem cheiro químico, de adulteração.
A especialista afirma que não existe o melhor tipo de cachaça, mas a boa ou má  qualidade do tipo.

COMO FABRICAR CACHAÇA

Fazer cachaça não é complicado. A cana de açúcar é moída e a garapa é fermentada por 15 a 30 horas, dependendo da cana, para desdobramento do açúcar em álcool. O caldo fermentado é colocado em uma cuba chamada de ‘alambique’, onde sofre fervura, passando o vapor da ebulição por um cano chamado ‘carpelo’, resfriado externamente. Condensado, o líquido vai para a ‘serpentina’, onde é mais uma vez resfriado. Da aguardente obtida, os 20% produzidos inicialmente e no final  são eliminados- chamados de ‘cabeça’e ‘cauda’- aproveitando se apenas o ‘corpo’, ideal para consumo.

 DEZ MANDAMENTOS DA CACHAÇA

1.     Deve ser tomada sempre em pequenos goles.
2.     Dose maior que dois dedos é considerada de mau gosto.
3.     A bebida cai bem como aperitivo ou digestivo.
4.     Cachaça boa não tem cheiro ativo e não deixa bafo.
5.     Ideal é ser servida sem gelo, à temperatura ambiente.
6.     Qualquer cachaça cai bem em drinques.
7.     Água gasosa é o acompanhante ideal da cachaça quando se quer beber muito sem deixar o álcool fazer muito efeito.
8.     Ao ser derramada no copo, deve formar pequenas bolhas.
9.     A boa cachaça deve escorrer lentamente pela borda do copo, comprovando a sua oleosidade.
10.O teor alcóolico ideal é de cerca de 43 graus.







1 comment:

  1. Seu blogue é organizado e o texto bastante muito trabalhado.
    Você escreve de forma clara e também até me ajudou à melhorar minha escrita.

    ReplyDelete

Thanks for your comments...