5.01.2011

A DEMOGRAFIA HISTÓRICA NO BRASIL

Ao buscarem o conhecimento das características demográficas das populações  do passado brasileiro, os estudos empreendidos extrapolaram largamente o elemento demográfico scricto sensu, tendo encontrado na historiografia terreno fértil onde se imiscuir, alargar, multiplicar.

Introdução

Este artigo é resultante do interesse em estabelecer um dossiê sobre os avanços realizados pela Demografia Histórica no Brasil e os desafios com que ela se depara. Tal interesse, que tem encontrado no âmbito da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) espaço valioso para concretizar-se, implica um esforço conjunto dos estudiosos vinculados à "nossa" ciência, esforço esse que se revela oportuno, se não mesmo necessário, à vista do vulto  - em termos quantitativos e qualitativos -   dos trabalhos que têm sido produzidos na área, em um ritmo crescente nos últimos lustros. Trata-se de uma tomada de fôlego, um olhar para trás com o intuito de aperceber-se do quanto foi feito, um olhar para a frente visando  explicitar o muito que ainda há a fazer, ordenar os esforços, somá-los, nunca cerceando as iniciativas individuais, mas sim levantando formas de alavancagem de tais iniciativas.
O objetivo aqui perseguido, parte desse esforço conjunto, é proceder a um apanhado dos avanços realizados. Em sua consecução perfilha-se, de um lado, uma definição abrangente de Demografia Histórica. Assim, não obstante se caminhe sempre no sentido do conhecimento das características demográficas das populações do passado brasileiro, os estudos empreendidos extrapolaram largamente o elemento demográfico stricto sensu, tendo encontrado na historiografia terreno fértil onde se imiscuir, alargar, multiplicar (1). De outro lado, privilegia-se uma aproximação de natureza temática. Afasta-se, pois, qualquer pretensão de um arrolamento exaustivo da produção em foco, selecionando-se alguns poucos trabalhos com fundamento, sobretudo, em sua utilidade na tarefa de evidenciar o amplo espectro temático que marca de maneira distintiva as contribuições da Demografia Histórica à nossa historiografia.
Cabe ressaltar também, de imediato, estar-se ciente de que a seleção feita propicia, inevitavelmente, a detecção de lacunas no elenco de autores e/ou estudos contemplados. Está-se ciente, igualmente, de que essas faltas, ao menos em certa medida, podem ser atribuídas quer à formação de economista do autor, quer ao seu contato mais estreito com determinados segmentos dentre os diversos grupos de pesquisadores dedicados à Demografia Histórica, ou ainda, são omissões que se explicam pelas dificuldades de acesso a alguns dos trabalhos produzidos na área.

Demografia Histórica e Historiografia

Tomem-se, de início, os estudos sobre a região das Minas Gerais no período colonial realizados, isoladamente ou em co-autoria, por Iraci del Nero da Costa e Francisco Vidal Luna (2).  Utilizando-se de registros paroquiais de nascimentos, casamentos e óbitos, de livros anotados tendo em vista a preocupação fiscal de arrecadação dos quintos e de um conjunto de listas nominativas de habitantes, os autores aludidos deram inequívoco contributo ao avanço do conhecimento acerca da economia e da sociedade que se constituem em torno à atividade mineratória.
As contribuições de Costa e de Luna são aqui enfocadas segundo duas vertentes, ainda que com esse procedimento incorra-se em certo simplismo. Dessa forma, em seus livros e artigos, vê-se efetuada ampla caracterização das populações  - livre, escrava e forra -  de algumas localidades mineiras, ao mesmo tempo em que se delineia o perfil da estrutura da posse de cativos nas Gerais. Em ambas as vertentes, patenteia-se o mútuo condicionamento entre os âmbitos econômico e demográfico. Os comentários tecidos a partir de cada uma delas permite, ademais, encadear uma série de temas caros à nossa historiografia, pelos quais se derramam copiosamente os resultados dos estudos de Demografia Histórica.

O estudo da estrutura da posse de escravos e seus desdobramentos

No que respeita à estrutura da posse de escravos, o trabalho pioneiro de Luna (1981) e o conjunto de estudos dedicados a esse tópico que a ele se seguiu produziram três efeitos que devem ser salientados (3).  Em primeiro lugar, tais trabalhos implicaram uma revisão da noção presente na historiografia tradicional acerca dos padrões de distribuição da propriedade escrava, em especial no que concerne à atividade mineratória e, outrossim, embora com menor intensidade, no que tange à produção açucareira. Em segundo lugar, possibilitaram aos estudiosos o aprofundamento nesse tema de relevância inegável para o entendimento da economia escravista brasileira, não apenas no que concerne às regiões particularmente comprometidas com a extração do ouro e o fabrico do açúcar, mas igualmente com relação a outras áreas do país, com destaque para São Paulo e Paraná. Em terceiro lugar, como um corolário da análise da estrutura da posse de escravos propriamente dita, e que aqui se comentará em meio à primeira vertente acima referida, muito se avançou no conhecimento das características de escravistas e de cativos no Brasil.
Nas cinco localidades mineiras analisadas por Luna, contrariamente ao que se poderia esperar em termos da eventual dominância da grande unidade de exploração, evidenciou-se a presença majoritária dos proprietários de cinco ou menos cativos, que chegavam a perfazer mais de quatro quintos do total de escravistas. Esses proprietários, ademais, detinham significativa parcela da massa escrava, em nenhum caso inferior a um quarto e em vários superior a um terço. Tais proporções verificaram-se para pontos distintos no período de 1718 a 1804, vale dizer, quer na etapa ascendente, quer na fase de decadência da mineração (4).
O estudo da estrutura da posse de escravos para o caso da economia açucareira trouxe à luz resultados que também podem ser considerados, em certa medida, inesperados, embora nem de perto tão surpreendentes quanto os verificados para Minas Gerais. Assim, Stuart B. Schwartz (1988), em sua análise da Bahia colonial, observa que, não obstante as plantações baianas de açúcar apresentassem "as mais elevadas concentrações de escravos da Colônia", apenas cerca de 15% dos 165 engenhos computados  - mais de dois terços dos engenhos do Recôncavo e quase metade dos da Capitania - possuíam cem ou mais cativos, e tão-somente um, o de Sergipe do Conde, contava com mais de 200 escravos (5).  Era de 65,5 o número médio de escravos por senhor de engenho, o que leva o autor a afirmar que "propriedades com uma escravaria dessa magnitude não se parecem enquadrar na imagem comum da grande lavoura brasileira como um imenso latifúndio com centenas de escravos trabalhando sob o controle unitário e patriarcal de um proprietário e senhor residente" (Schwartz, 1988: 364) (6).
Schwartz observa que a mão-de-obra escrava empregada pelos engenhos, enquanto unidades de produção, não se restringia unicamente ao contingente de cativos possuído pelo senhor de engenho. Cada uma dessas unidades produtivas dependia, em média, do fornecimento realizado por três lavradores de cana, sendo de 10,5 o tamanho médio dos plantéis de escravos desses indivíduos; eventualmente, outros proprietários de cativos poderiam fornecer mão-de-obra escrava adicional aos engenhos, tais como agregados, moradores, artesãos.
De outra parte, os senhores de engenho correspondiam a menos de um décimo dos escravistas baianos estudados por Schwartz. Os demais vinculavam-se a amplo espectro de atividades, todos detentores de plantéis de porte bem menor, em média, que o verificado entre os senhores de engenho. Eram plantadores de tabaco, pescadores, donos de alambique, artesãos, eclesiásticos, profissionais liberais, pequenos negociantes, feitores etc. Nas palavras de Schwartz: "a escravidão como instituição, sistema econômico e forma de riqueza era amplamente distribuída entre a população brasileira. No final da era colonial, nem o Brasil como um todo nem o Recôncavo baiano eram simplesmente um engenho em tamanho ampliado" (Schwartz, 1988: 360).
Com foco na Capitania de São Paulo (incluídas aí algumas localidades paranaenses) entre as décadas finais do século XVIII e os primeiros decênios do XIX, vários têm sido os trabalhos dedicados à análise da estrutura da posse de cativos, fundamentados sobretudo nas listas nominativas de habitantes preservadas no Arquivo do Estado de São Paulo. Este é o caso, por exemplo, do estudo de Luna e  Costa (1983) acerca de dez núcleos populacionais paulistas em 1804 (Campinas, Curitiba, Guaratinguetá, Iguape, Itu, Jacareí, Lorena, Mogi das Cruzes, São Sebastião e Sorocaba), núcleos  representativos de regiões diversas da capitania e que abarcavam, aproximadamente, um terço de sua população.
Os autores referidos observam que, em São Paulo, o perfil característico da distribuição da propriedade escrava não difere do verificado para outras regiões do Brasil. Assim, foi sempre significativa a participação relativa dos domicílios em que havia cativos (entre 13,9% e 38,3%); entre os escravistas, foi em todos os casos marcante a presença dos pequenos plantéis (os detentores de cinco ou menos escravos correspondiam a 70% do total de proprietários); e esses senhores de menores posses possuíam entre 16,2% e 45% do total da escravaria existente em cada localidade.
Algumas das localidades acima mencionadas, e várias outras, foram posteriormente objeto de trabalhos isolados, nos quais o estudo da estrutura da posse de escravos foi desenvolvido. Em um breve e, evidentemente, não exaustivo arrolamento tem-se: Costa e Nozoe (1989) sobre Lorena em 1801, Fernández (1992) sobre o litoral norte paulista entre 1778 e 1836, Gutiérrez (1987b) sobre nove localidades paranaenses em 1804 e 1824, Luna (1986b) sobre Sorocaba entre 1778 e 1836, Luna (1988) sobre Jacareí entre 1777 e 1829, Luna e Klein (1990) sobre Mogi das Cruzes, Itu e a cidade de São Paulo em 1829, Motta (1990) sobre Bananal entre 1801 e 1829 e Rangel (1990) sobre Taubaté entre 1765 e 1835.
Uma produção assim tão variada incorporou inúmeros desdobramentos a partir do enfoque original do tema em tela. A esses desdobramentos passa-se agora a dedicar a atenção. Observe-se, de início, a relação entre o ciclo de vida dos escravistas e a posse de cativos. Em Costa (1983) essa relação é estudada com base em levantamentos censitários concernentes a oito localidades mineiras e dez paulistas, todas em 1804. Para Minas Gerais, o autor verifica "[...] o persistente incremento do número médio de escravos que, de 1,1  relativo à faixa dos  10 aos 19 anos [de idade dos proprietários], alça-se a 8,4 para a faixa dos 80 e mais anos de idade" (Costa, 1983: 125).
No caso de São Paulo, Costa corrobora a relativa proporcionalidade entre a idade dos escravistas e a quantidade de cativos possuídos, tendência que se reverte, porém, exceto para os senhores de engenho, nas faixas etárias mais elevadas. Já para os senhores de engenho paulistas, a média de escravos por proprietário mostra-se inequivocamente  - e fortemente -  crescente apenas a partir da faixa dos 60 aos 69 anos de idade, evidenciando, como afirma o autor, "[...] a relativa homogeneidade da massa escrava pertencente aos distintos senhores de engenho[...] [a qual] estaria a indicar a prevalência de um dimensionamento ótimo da planta dos engenhos paulistas existentes à época" (Costa, 1983: 123-124) (7).
A consideração do ciclo de vida dos escravistas conduz a uma primeira, ainda que breve, referência ao tema da família escrava, o qual será objeto de maior atenção ao se tratar das características de senhores e cativos, que compõem a primeira vertente acima explicitada. Por ora, mencionem-se os comentários constantes de Motta (1988a), baseados no modelo cíclico de destruição, construção e dispersão da família escrava elaborado em Gutman (1976:137-143) (8).  Esse movimento cíclico, de acordo com Gutman, acompanha as diversas etapas da vida  - e da atividade econômica -  do proprietário de pequenas plantações. Este, ao iniciar sua vida adulta, procede à formação de sua força de trabalho, com isso acarretando, amiúde, a destruição de laços familiares anteriormente possuídos por seus escravos; tais laços vão-se reconstruindo e se desenvolvendo, em um processo de estabilização e reprodução da mão-de-obra que marca a "meia-idade" do senhor; por fim, a velhice ou a morte deste freqüentemente provoca a quebra dos laços construídos na fase anterior, tendo lugar a dispersão daquela mão-de-obra.
Motta, analisando a introdução da lavoura cafeeira em Bananal (SP) entre 1801 e 1829, a partir das listas nominativas de habitantes, sugere que o desenvolvimento vivenciado pela cafeicultura naquele período
          "[...] imprimiu à evolução da família escrava um movimento cíclico, em cujas etapas  - percebidas a nível agregado, para o conjunto da população -  a família escrava apresentou um comportamento que se assemelha àquele explicitado no modelo de Gutman. Assim, a uma situação de relativa estabilidade, em 1801, segue-se a fase da destruição, manifesta em 1817 e 1829, sendo que neste último ano [...] começam a verificar-se, aparentemente, indícios [por exemplo, o acréscimo na importância absoluta e relativa dos filhos legítimos] de que se caminha novamente em direção a uma fase de estabilidade." (Motta, 1988a: 89)
A família escrava, posta ao lado da compra de cativos como estratégia visando ao incremento do patrimônio dos escravistas (9),  bem como as distinções presentes no âmbito da produção, grosso modo representadas na dicotomia atividades de exportação versus atividades voltadas ao mercado interno, conduzem à análise dos processos de acumulação. A essa questão é dedicado o estudo de Motta e Nozoe (1994). Os autores selecionam uma amostra dos habitantes de Bananal formada pela totalidade dos cafeicultores arrolados na lista nominativa atinente a 1829. Em seguida, a trajetória dos elementos da amostra é acompanhada exaustivamente por meio dos recenseamentos disponíveis desde 1799, enfatizando-se as relações que se estabelecem entre a atividade econômica empreendida e as possibilidades que se apresentam em termos da acumulação em escravos.
Motta e Nozoe verificam a existência de ritmos diferenciados de acumulação em Bananal. Em um primeiro momento, anterior à difusão da rubiácea, tal diferenciação colocava-se entre partícipes e não-partícipes do mercado. Assim, observam os autores, era
           "a paisagem rural da localidade, amplamente dominada pela vegetação natural, entremeada pela ocorrência de roças de mantimentos, pastagens e alguns esparsos canaviais. Nesse contexto, as possibilidades de acumulação em cativos, intimamente vinculadas à produção de gêneros mercantis, não se estendiam aos agricultores menos abastados; de outra parte, o acesso aos ramos agropecuários mais rentáveis, à medida que só se apresentava viável a partir da existência de uma dotação prévia de recursos, não abria aos pequenos agricultores a possibilidade da acumulação em cativos. Portanto, a aludida paisagem característica da localidade via-se habitada por um pequeno grupo de indivíduos que transacionavam no mercado externo e aumentavam gradualmente seus cabedais, ao lado de uma arraia-miúda que, por produzir tão-somente o bastante para seu sustento, tendia a perpetuar-se enquanto tal." (Motta e Nozoe, 1994: 314)
Em um segundo momento, a diferenciação aludida viu-se estremecida e ao mesmo tempo reafirmada, sob novas formas, entre cafeicultores e não-cafeicultores. A difusão da lavoura cafeeira como atividade aberta aos menores cabedais rompe o círculo vicioso detectado na etapa anterior. Tal disseminação ocorreu de maneira estreitamente ligada ao evolver demográfico de Bananal, marcado por um denso afluxo populacional. Amiúde indivíduos jovens, às vezes famílias recém-constituídas, não-escravistas ou detentores de escravaria diminuta, vinham usufruir seja do desenvolvimento dos mercados acarretado pela transferência das Cortes de Portugal, seja do vínculo com uma atividade que lhes permitiria participar do comércio com requisitos apoucados vis-à-vis os exigidos pelos segmentos tradicionais de exportação.
Por fim, a acumulação mostrou-se divergente, internamente à cafeicultura, consoante o porte econômico dos indivíduos a ela dedicados. Como verificado por Motta e Nozoe,
         "[...] na década de 1820, os grandes agricultores, possuidores dos plantéis de maior tamanho, passaram a dominar amplamente a produção cafeeira. Esse contingente compunha-se tanto de produtores recém-partícipes de cultivo da rubiácea, boa parte deles formada por adventícios, como dos agricultores enriquecidos pela cafeicultura. Caminhava-se, pois, em Bananal, decididamente no sentido de uma agricultura de plantation, assentada no cultivo do café em larga escala." (Motta e Nozoe, 1994: 315)
Sob a perspectiva da acumulação também pode ser enfocada a discussão acerca da economia escravista em Minas Gerais no século XIX. Destacam-se, neste tópico, os trabalhos de Martins (1980) e Libby (1988) (10).  Com fundamento nos cálculos que efetua do evolver da população escrava a partir, sobretudo, do Censo de 1872 e da estimativa disponível para 1819, Martins argumenta contrariamente à noção tradicional da existência de um processo de involução econômica a marcar a região das Minas Gerais entre a decadência da atividade mineratória e o desenvolvimento da indústria cafeeira; mais ainda, aquela região ter-se-ia caracterizado como fornecedora de uma mão-de-obra semi-ociosa a ser alocada na produção da rubiácea.
Martins afirma que Minas se manteve como importante importadora de cativos da África até meados do século passado, tendo, a partir de então, se colocado como um dos pontos de destino do tráfico interprovincial. O autor propugna, adicionalmente, que a economia escravista mineira evolui de forma descolada do complexo agroexportador. A entrada continuada de escravos assentar-se-ia, pois, em uma agricultura de subsistência de baixo grau de mercantilização, a qual se defronta, em seu desenvolvimento, com uma oferta elástica de terras que garante a sua reprodução.
Apoiado sobre ampla base documental, em que se destacam os mapas de população disponíveis no Arquivo Público Mineiro e referentes ao período 1831-1840, Libby (1988) reafirma a relevância da agricultura mercantil de subsistência como "o grande sustentáculo da economia mineira do século XIX". Não obstante, salienta a existência de "[...] outro setor importante, envolvendo uma variada gama de atividades de transformação" (Libby, 1988:14). Entre essas atividades, as principais eram a siderurgia, a indústria têxtil e a mineração aurífera subterrânea. As duas primeiras repõem, em outro nível, as conclusões de Martins, pois igualmente se inserem em uma caracterização de Minas Gerais que se traduz em um "perfil pouco condizente com a visão que normalmente se tem de sociedades  enquadradas nas  estruturas da  agroexportação escravista”.  Perfil este no qual se fazem notar uma “pauta produtiva marcadamente diversificada, de certa forma reveladora da independência da província com relação às importações, e o obstinado apego à escravidão" (Libby, 1988: 16).
Em que pese o tratamento ligeiro  - apropriado, ressalve-se, aos objetivos aqui perseguidos -, evidencia-se pelo exposto a contribuição da Demografia Histórica para a vertente historiográfica que tem procurado se aproximar cada vez mais da rica complexidade definidora da história brasileira em seu período escravista, evitando, por conseguinte, colocar uma ênfase desmedida, para o entendimento de nossa formação econômica e social, nas atividades de exportação e nos segmentos de senhores e cativos nelas envolvidos (11).
Inestimável, nesse contexto, é o contributo de Costa (1992). Nesse estudo, a atenção do autor está voltada para o contingente dos não-proprietários de escravos, cujas características demográficas e econômicas são avaliadas vis-à-vis às dos escravistas. Costa utiliza-se de um conjunto de levantamentos censitários realizados nos séculos XVIII e XIX, concernentes a localidades situadas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e Bahia; ademais, para o Piauí, o autor serviu-se de fontes primárias representativas de sua população em 1697 e 1762.
Entre os resultados apresentados no trabalho em questão destaca-se a confirmação de que os não-escravistas compunham parcela majoritária da população livre, em algumas localidades/anos atingindo uma participação relativa superior a 80%. A comparação com os escravistas e seus dependentes fundamenta a afirmação da inexistência de diferenças sensíveis no que respeita aos caracteres demográficos; em outras palavras, os dois segmentos populacionais aludidos mostram-se como se fossem duas amostras de uma mesma população. De outra parte, Costa observa não restar dúvida de que os escravistas dominavam a produção de gêneros exportáveis, e esta também era a situação quanto aos produtos de ampla comercialização no mercado interno. Todavia, os não-proprietários de escravos igualmente faziam-se presentes na produção de tais gêneros, além de dominarem amplamente a produção de mantimentos, de algodão e a pesca. De fato, em alguns casos tal domínio dos não-escravistas atingia proporções similares às alcançadas em termos da participação relativa desses indivíduos no total da população livre.
Como desdobramentos do estudo da estrutura da posse de escravos, dois temas adicionais devem ser considerados: os forros proprietários de cativos e as mulheres escravistas. A figura do escravista ex-escravo aparece com destaque nos estudos de Costa e Luna (1980)  e Luna e Costa (1982) sobre Minas Gerais. De fato, a presença do elemento forro nas Gerais  - proprietário ou não de cativos -  havia sido já ressaltada em Costa (1979). Observava então o autor que os dados de óbitos, casamentos e batismos para Vila Rica no período de 1719 a 1826 indicavam existir, em termos relativos, expressiva quantidade de alforriados na etapa de afirmação e, sobretudo, no apogeu da atividade mineratória. Esse resultado levou Costa a questionar o entendimento do movimento de alforrias como resultante da decadência da exploração aurífera (12).
Significante foi também a participação relativa dos forros entre os escravistas. Compulsados os assentos de óbitos de cativos da freguesia de Nossa Sra. da Conceição de Antônio Dias, em Vila Rica, Costa e Luna (1980) verificam ser de 14,6% as mortes de escravos de propriedade de ex-escravos no período 1760-1762. O porcentual correlato alçara-se a 8,8% em 1743-1745, declinando para 6,9% em 1799-1801 e 3% em 1809-1811. De outra parte, no Serro do Frio em 1738, os forros correspondiam a 22,2% dos proprietários de cativos e detinham 9,9% da escravaria existente na localidade. Em Congonhas do Sabará, em 1771, esses porcentuais igualavam-se, respectivamente, a 21,7% e 10,2%. Digna de nota é a predominância feminina no conjunto dos forros escravistas: no Serro do Frio, as mulheres representavam 63% daquele conjunto e, em Congonhas do Sabará, 53%.
A mulher proprietária de cativos  - não apenas a ex-escrava -  foi também alvo da atenção de Luna e Costa em seus trabalhos sobre Minas Gerais. Assim, escrevem os autores:
       "nos vários anos e locais analisados ocorreu franco predomínio masculino. Entretanto, ao longo do século XVIII e início do XIX, nota-se uma gradativa tendência ao equilíbrio. [...] Destarte, no período 1718/1723, na Vila de Pitangui, o peso relativo dos homens alcançou marca superior a 90% [...]. Em 1738, no Serro do Frio, esse percentual reduziu-se significativamente, mas ainda se manteve elevado (83,6%). Na Freguesia de Congonhas do Sabará, verificou-se gradativo aumento na importância relativa das mulheres: 22,6% em 1771, e 30,6% em 1790. Por fim, em Vila Rica e no Distrito de São Caetano (1804) o sexo feminino correspondeu a 37,3% e 28,9%, respectivamente." (Luna e Costa, 1982:  42-43)
Diversos trabalhos dedicados à estrutura da família brasileira realçam igualmente a presença da mulher como chefe de domicílio, fosse ela possuidora de escravos ou não. Dentre esses estudos estão, por exemplo, o de Ramos (1993) e o de Brettell e Metcalf (1993) (13).  Donald Ramos, a partir de levantamentos censitários atinentes a 12 localidades mineiras no período 1831-1838, verifica que cerca de um terço dos domicílios era chefiado por mulheres, as quais, segundo o estado conjugal, repartiam-se em solteiras (58,7%), viúvas (34,1%) e casadas (7,2%). No caso da localidade paulista de Santana de Parnaíba, cuja lista nominativa dos habitantes referente a 1820 é utilizada por Caroline Brettell e Alida Metcalf, a proporção de domicílios chefiados por mulheres  - 31% -  aproxima-se da encontrada em Minas Gerais na primeira metade do século XIX.
A temática da estrutura familiar no passado brasileiro, ainda que introduzida como um desdobramento do estudo da estrutura da posse de escravos, apresenta-se como oportuno elo de ligação com a outra das duas vertentes por meio das quais, esquematicamente, foram enfocadas as contribuições de Iraci del Nero da Costa e Francisco Vidal Luna e que fornecem o fio condutor para os comentários aqui delineados. Adentre-se, pois, pelas trilhas abertas a partir da caracterização das populações livre e escrava e seus desdobramentos.

O estudo das características das populações livre e escrava e seus desdobramentos

Em muitos dos estudos de Demografia Histórica, ao lado da descrição das características demográficas das populações livre e escrava no passado brasileiro - vale dizer, paralelamente à explicitação das estruturas daquelas populações segundo o sexo, a idade, o estado conjugal, a cor  -, adquiriu particular relevância a preocupação com as estruturas familiar e domiciliar vigentes no Brasil colonial e imperial. De fato, foi ímpar a contribuição da Demografia Histórica na crítica à generalização da noção da grande família patriarcal como elemento definidor daquelas estruturas.
Nas palavras de Eni Samara, "é difícil desvincular essa produção da própria Demografia Histórica, pois a maior parte dos estudos foi feita por demógrafos-historiadores interessados nas estruturas demográficas e também na família" (Samara, 1989: 9).
Em meio a essa crítica, as tipologias de famílias e de domicílios foram construídas tendo como centro da atenção a população livre. É o caso, por exemplo, do trabalho de Marcílio (1973), pioneiro no campo da Demografia Histórica no Brasil. A autora compulsa os registros para a Paróquia da Sé de São Paulo, bem como os antigos recenseamentos daquela cidade.  Com base na lista nominativa de 1765, observa que "[...] os domicílios constituídos por uma única família constituem a quase totalidade: 660 ou 87,7% sobre 751 domicílios com uma ou mais famílias"   (Marcílio, 1973:127) (14).  Ainda para a cidade de São Paulo, agora com base no levantamento censitário de 1836, Samara (1989) calcula em 72,8% a participação relativa das categorias domiciliares mais simples, ou seja, as formadas pelos domicílios singulares, desconexos e nucleares (15).
Marcílio (1974), valendo-se do conjunto das listas nominativas dos habitantes das diversas vilas integrantes da Capitania de São Paulo, corrobora o verificado para a cidade paulistana. A autora evidencia "[...] a forte preponderância de domicílios com apenas um chefe de família. No total dos fogos, as proporções desse caso situam-se em torno dos 86% de todos os domicílios desde 1765 a 1828 [...]. O território de São Paulo, fica demonstrado, não era povoado por famílias múltiplas, de grandes dimensões, como se poderia admitir" (Marcílio, 1974:174). Afirmativa semelhante, fundamentada no mesmo tipo de fonte documental, encontra-se no trabalho da pesquisadora sobre Ubatuba (SP): "a família nuclear constitui três quartos dos domicílios, tanto em 1801, como em 1830. [...] Desta forma, a idéia tão propagada da família patriarcal e extensa, em nossas sociedades tradicionais, não resiste às evidências quando vista de perto" (Marcílio, 1986: 131-134).
Situação análoga é a verificada nas Minas Gerais. Em Vila Rica em 1804, de acordo com Costa (1979:164), "[...] menos de um décimo (exatamente 9,07%) dos domicílios enquadrar-se-ia no grupo caracterizado como complexo", isto é, eram fogos com um núcleo familiar ampliado (de forma ascendente, descendente e/ou colateral) ou com mais de um núcleo familiar. Para as dez localidades mineiras analisadas em Costa (1982), a partir de recenseamento efetuado em 1804, o autor estabelece quatro tipos básicos de estruturas populacionais: urbana (Vila Rica, Mariana e Passagem), rural-mineradora (Gama, Abre Campo e Capela do Barreto), intermédia (Furquim, Santa Luzia de Sabará e São Caetano) e rural de autoconsumo (Nossa Sra. dos Remédios) (16).  Em todos os casos, os domicílios simples, singulares e aqueles sem estrutura familiar corresponderam a mais de quatro quintos do total de domicílios (81% na estrutura tipo urbana, 88% na rural-mineradora, 92% na intermédia e 94% na rural de autoconsumo).
No Piauí em 1762, Mott (1978) calcula em 77,1% a participação relativa dos domicílios solitários, sem estrutura familiar e com família simples. Por fim, em seu estudo sobre Salvador no século XIX, Mattoso (1988:125-126) escreve:
          "os grupos domésticos simples e sem estruturas familiares representam 85,1% do total, o que nos leva a discutir bastante a afirmação de que os grupos domésticos 'extensivos' ou 'complexos' caracterizam a organização familiar dos baianos. Os grupos extensivos existem mas são antes exceção à regra. A reprodução do modelo patriarcal característico da vida rural brasileira perde aqui a rigidez, é substituído por formas de organizações familiares mais simples, mais flexíveis, mais adaptadas à cidade."
Em suma -  e os estudos acima mencionados o atestam -, ainda que não se invalide a noção de família patriarcal como característica da lavoura açucareira do Nordeste brasileiro, o afastamento deste padrão, seja em termos espaciais ou temporais, dá sustentação a que se propugne, tal como o faz Eni Samara, no estudo da família brasileira, o cuidado em considerar "inicialmente a revisão do termo família patriarcal ou extensa como sinônimo de família brasileira e a sua adequação a outros contextos e épocas da nossa história" (Samara, 1989: 20-21).
No âmbito da contribuição da Demografia Histórica ao estudo da família brasileira - e de fato extrapolando esse âmbito -, há que se registrar os desdobramentos advindos da aplicação da técnica de reconstituição de famílias. São exemplares dessa aplicação os trabalhos de Bacellar (1987) e Scott (1987). Em ambos os casos estuda-se a elite agrária, as famílias dos grandes escravistas na capitania, depois província de São Paulo. Scott ocupa-se das regiões do Vale do Paraíba e da capital; Bacellar dedica-se ao Oeste. As fontes utilizadas foram as listas nominativas de habitantes, os cadastros de terras de 1817 e 1855 (este último não utilizado por Scott) e as genealogias.
Trabalhando com os escravistas que, em algum momento, detiveram 40 ou mais cativos,
Scott observa que, "[...] além da família, poucos elementos livres compartilhavam o domicílio do grande proprietário, já que seu tamanho médio corresponderia a aproximadamente seis elementos". Reafirma-se, pois, o predomínio das "[...] estruturas mais simplificadas, cabendo a supremacia aos domicílios compostos por famílias nucleares (pais e filhos solteiros), ao invés das estruturas complexas formadas por domicílios de família extensa e múltiplos" (Scott, 1987: 268-269).
De outra parte, consoante assevera Bacellar, "para salvaguardar o processo sucessório de fracionamentos indesejáveis, apelava-se para uma concentração da propriedade nas mãos de poucos sucessores e para o encaminhamento dos demais rumo à Frente Pioneira. Assim, evitava-se os mecanismos seja da herança igualitária, seja do morgadio" (Bacellar, 1987:270-271). Verificação análoga é feita por Scott, que detecta elevada homogamia social e geográfica no comportamento dos grandes escravistas. Nas palavras da autora, "a análise dos troncos familiares mais importantes comprovou que o casamento se dava estrategicamente entre as próprias famílias da elite, favorecendo a concentração cada vez maior dos bens entre estes indivíduos" (Scott, 1987: 270) (17).
Os dois trabalhos aludidos também compartilham a preocupação com o processo de acumulação. Scott, por exemplo, afirma que "[...] a imensa maioria dos indivíduos começou com poucos ou nenhum escravo e dedicando-se inicialmente à lavoura de subsistência, para, a partir daí, e com o casamento, caminhar no sentido de se transformarem em senhores de engenho, tropeiros ou negociantes, ou combinando estas atividades" (Scott, 1987: 271). Por fim, no que tange à propriedade da terra, cabe ressaltar a observação, calcada nos censos de bens rústicos, de que parcela significativa das propriedades fundiárias foi adquirida mediante a compra.
Se foi decisiva a contribuição da Demografia Histórica para o estudo da estrutura domiciliar brasileira, centrada na figura do chefe de domicílio, não menos importante tem sido seu contributo para o conhecimento da família escrava. De fato, aproximadamente até meados dos anos 1970, imperou na historiografia brasileira a interpretação que atribuía diminuta relevância -  se é que atribuía alguma - à família escrava. Um amplo conjunto de argumentos sustenta essa interpretação, incluindo desde uma alegada inferioridade racial do negro até a ação destruidora do regime escravista sobre a organização familiar. Quando detectadas, as ligações entre os cativos são caracterizadas como temporárias, seja como decorrência das elevadas razões de masculinidade prevalecentes até a extinção da importação de escravos africanos, seja por força do comércio interno de cativos que se avoluma após a mencionada extinção. Nesse contexto, as relações sexuais são enfatizadas em seu aspecto meramente instintivo; o relacionamento de cunho familiar não encontra espaço na pintura de um quadro de generalizada promiscuidade. Em suma, a licenciosidade é encarada como a regra, cabendo à família escrava colocar-se como rara exceção.
No decurso dos últimos 20 anos, sedimentou-se uma significativa mudança na perspectiva de enfoque da família escrava adotada pela historiografia brasileira. A responsabilidade por essa alteração é, quando menos, partilhada pela Demografia Histórica. Em um número crescente de trabalhos, não apenas se atribui maior importância à família escrava, como também seu estudo torna-se cada vez mais rico. Uma vez verificada, a presença das relações familiares entre os cativos é relacionada à atividade econômica empreendida e, por essa via, ao número de escravos possuído por proprietário. Assim, segundo a evidência fornecida em alguns desses trabalhos mais recentes, a família escrava fazia-se mais presente nos plantéis com maior número de cativos e em áreas onde a produção organizava-se em maior escala, visando ao comércio de exportação. Tais trabalhos, ademais, preocupam-se com o estudo dos casais de escravos, das mães solteiras, da questão da legitimidade da prole; vão além da família nuclear e observam o extenso relacionamento entre os cativos, por meio dos laços de parentesco e compadrio (18).
Os resultados a que se tem chegado apontam para uma família escrava muito mais estável do que até então se acreditava, não obstante, em grande medida, tendo seu desenvolvimento cerceado pelo regime escravista inclusivo. Uma família que se mantinha até com relativa autonomia, apesar da presença, sem dúvida muitas vezes constrangedora, do proprietário, lembrança viva e permanente da existência em cativeiro. Afirma-se crescentemente o consenso em torno da idéia de que se, por um lado, as famílias escravas evoluem em meio às relações de caráter paternalístico que se estabelecem entre senhores e escravos, por outro, tais famílias consubstanciam-se na manifestação da vontade da própria população cativa e expressam seus elementos culturais próprios (19).  Refuta-se, pois, o estereótipo da “promiscuidade nas senzalas” fundamentalmente mediante uma ênfase maior em fontes documentais de natureza demográfica.
A análise da família escrava traz à discussão outro tema para o qual a Demografia Histórica tem dado seu contributo: o do crescimento vegetativo da população escrava. Nesse tópico, esquematicamente, os trabalhos têm se desenvolvido segundo dois cortes fundamentais, que em certa medida se sobrepõem. De um lado, o crescimento vegetativo é enfocado segundo o tamanho dos plantéis; de outro, a ênfase é posta na dicotomia decorrente da atividade econômica empreendida, se direcionada para a produção de gêneros exportáveis ou se voltada para o mercado doméstico.
Quanto ao primeiro desses cortes, mencione-se, por exemplo, o trabalho de Costa, Slenes e  Schwartz (1987), dedicado ao estudo da localidade de Lorena (SP) em 1801, com base nas listas nominativas de habitantes. Os autores verificam a crescente participação relativa dos filhos legítimos no total da escravaria, consoante faixas de tamanho dos plantéis,
            "[...] a qual atinge o máximo de 31,7% para os plantéis que contavam com 15 a 19 escravos, caindo ligeiramente (26,6%) para os plantéis situados na faixa de tamanho de 20-41 cativos. [...] [O peso relativo] situado acima de um quarto revela-se tão expressivo que nos faz pensar no grande impulso potencial que os casamentos regulares podiam significar para a reposição ou ampliação de plantéis com mais de 10 escravos [...] Tais resultados apontam na direção de um eventual crescimento vegetativo positivo dos plantéis de maior porte; esta possibilidade, a nosso juízo, não deve ser afastada in limine." (Costa, Slenes e Schwartz, 1987:269-270)
No que respeita ao segundo dos cortes aludidos, cite-se, por exemplo, o trabalho de Paiva e Libby (1992). Os autores, dedicados à análise de Minas Gerais no século passado, compulsam um conjunto de listas nominativas concernentes ao início da década de 1830, bem como alguns manuscritos relativos à matrícula de cativos de 1873-1875, fontes essas preservadas no Arquivo Público Mineiro. Paiva e Libby sugerem que a reprodução natural da população escrava na província mineira viu-se favorecida pelas características da economia da região, em especial seus vínculos com o mercado interno.
Em que pesem os enfoques diferenciados, ambos os trabalhos referidos explicitam o relevante papel da Demografia Histórica no estudo do crescimento vegetativo da população cativa, particularmente com respeito à necessidade de evitar-se a adoção apriorística da hipótese de que aquele crescimento haja assumido valores negativos de maneira generalizada no Brasil escravista (20).  Outrossim, a discussão da reprodução natural da população escrava levada a efeito nos estudos contemplados reintroduz dois dentre os temas abordados anteriormente: o da natureza da economia escravista nas Minas Gerais nos Oitocentos e o dos processos de acumulação, mormente em cativos, vigentes no passado brasileiro.

Considerações finais

Finaliza-se, pois, este artigo, reafirmando-se a modéstia de seus objetivos. Isto é, procedeu-se  tão-somente a um apanhado ligeiro dos avanços realizados no campo da Demografia Histórica, enfatizando-se seus efeitos positivos na evolução recente da historiografia no Brasil. Permaneceu-se, dessa forma, muito aquém de um levantamento exaustivo dos trabalhos produzidos na área. Não obstante, este texto mostra -  assim se crê -  inequivocamente o muito que a Demografia Histórica tem contribuído, mediante uma contundente e, sobretudo, proveitosa intromissão em um alentado universo temático, para o conhecimento da economia e da sociedade no passado brasileiro.

Referências bibliográficas

ANDERSON, M. Family structure in nineteenth century Lancashire. Cambridge, Cambridge University Press, 1971.

BACELLAR, C. de A.P.  Os senhores da terra - família e sistema sucessório entre os senhores de engenho do oeste paulista, 1765-1855. Tese de doutorado, São Paulo, FFLCH/USP, 1987.

BERKNER, L.K. “The stem family and the developmental cycle of the peasant household: an eighteenth century Austrian example”. The American Historical Review,  77 (2), abril, 1972, pp. 398-418.

BRETTELL, C.B. e METCALF, A.C. “Family customs in Portugal and Brazil: transatlantic parallels”. Continuity and Change, 8 (3), 1993, pp. 365-88.

CANO, W. e LUNA, F.V. “A reprodução natural de escravos em Minas Gerais (século XIX): uma hipótese”. Cadernos IFCH-Unicamp, Campinas, n. 10, outubro, 1983, pp. 1-14.

CARDOSO, C.F.S.  Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas.  São Paulo, Brasiliense, 1987.

CHALHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.  São Paulo, Cia. das Letras, 1990.

COSTA, I. del N. da.  Vila Rica: população (1719-1826). São Paulo, IPE/USP, 1979.

--------------.  Populações mineiras  - sobre a estrutura populacional de alguns núcleos mineiros no alvorecer do século XIX. São Paulo, IPE/USP, 1981.

--------------. Minas Gerais: estruturas populacionais típicas. São Paulo, EDEC, 1982.

--------------. “Nota sobre ciclo de vida e posse de escravos”. História: Questões & Debates, 4 (6), junho, 1983, pp.121-7.

¬¬¬¬¬-------------. “Nota sobre a posse de escravos nos engenhos e engenhocas fluminenses(1778)”.  Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, IEB/USP, n. 28, 1988, pp.111-3.______

_________. Por uma definição de Demografia Histórica.  São Paulo, IPE-FEA/USP, mimeo, 1989.

--------------. Arraia-miúda: um estudo sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. São Paulo, MGSP, 1992.

COSTA, I. del  N. da  e GUTIÉRREZ, H. “Nota sobre o casamento de escravos em São Paulo e no Paraná”. História: Questões & Debates,  5 (9), dezembro, 1984, pp. 313-21.

COSTA, I. del N. da e LUNA, F.V.  “A presença do elemento forro no conjunto de proprietários de escravos”. Ciência e Cultura, 32 (7), julho, 1980, pp. 836-41.

COSTA, I. del N. da e NOZOE, N.H.  “Elementos da estrutura de posse de escravos em Lorena no alvorecer do século XIX”. Estudos Econômicos, 19(2), maio-ago., 1989, pp. 319-45.

COSTA, I. del N. da; SLENES, R.W. e SCHWARTZ, S.B. “A família escrava em Lorena (1801)”. Estudos Econômicos, 17 (2), maio-ago., 1987, pp. 245-95.

DEAN, W. “Comments on ‘Slavery in a nonexport economy’ (II)”. Hispanic American Historical Review, 63(3), agosto, 1983, pp. 582-4.

EISENBERG, P. “Ficando livre: as alforrias em Campinas no século XIX”. Estudos Econômicos, 17 (2), maio-ago., 1987, pp. 175-216.

ENGERMAN, S. e GENOVESE, E.D. “Comments on ‘Slavery in a nonexport economy’ (III)”. Hispanic American Historical Review, 63 (3), agosto, 1983, pp. 585-90.

FERNÁNDEZ, R.V.G. Transformações econômicas no litoral norte paulista (1778-1836). São Paulo, IPE/USP, mimeo, 1992.

FRAGOSO, J. L.R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992.

FRAGOSO, J. L. R. e FLORENTINO, M.G. “Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872)”. Estudos Econômicos, 17 (2), maio-ago., 1987, pp. 151-73.

--------------------. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro, Diadorim, 1993.

GRAHAM, R. “A família escrava no Brasil colonial”. In: GRAHAM, R. Escravidão, reforma e imperialismo, São Paulo, Perspectiva, 1979, pp. 41-57.

GUTIÉRREZ, H. “A harmonia dos sexos: elementos da estrutura demográfica da população escrava no Paraná, 1800-1830”. Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais, São Paulo, ABEP, 1986, vol. 1, pp. 35-52.

----------------. “Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná, 1800-1830”. Estudos Econômicos,  17(2), maio-ago., 1987a, pp. 297-314.

----------------. “Grandes e pequenos senhores de escravos no Paraná”. Documento para Discussão, São Paulo, IPE/USP/ANPUH, julho, 1987b.

GUTMAN, H.G. The black family in slavery and freedom, 1750-1925. Nova York, Vintage Books, 1976.

KARASCH, M.C. Slave life in Rio de Janeiro, 1808-1850. Princeton, Princeton University Press, 1987.

LARA, S.H. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

LASLETT, P. “La famille et le ménage: approches historiques”. Annales, 27(4-5, número especial), jul.-out., 1972, pp.847-72.

LIBBY, D.C.  Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1988.

LINHARES, M.Y.L. (org.). História geral do Brasil: da colonização portuguesa à modernização autoritária. Rio de Janeiro, Campus, 1990.

LUNA, F.V.  Minas Gerais: escravos e senhores - análise da estrutura populacional e econômica de alguns centros mineratórios (1718-1804). São Paulo, IPE/USP, 1981.

----------------. “Estrutura da posse de escravos em Minas Gerais (1718)”. In: BARRETO, A.E.M. et al.,  História econômica: ensaios, São Paulo, IPE/USP, 1983, pp. 25-41.

----------------. “Estrutura da posse de escravos em Minas Gerais (1804)”. In: COSTA, I. del N. da (org.),  Brasil: história econômica e demográfica, São Paulo, IPE/USP, 1986a, pp. 157-71.

---------------. Posse de escravos em Sorocaba (1778-1836). São Paulo, IPE/USP, mimeo, agosto, 1986b.

---------------. “Estrutura da posse de escravos e atividades produtivas em Jacareí (1777 a 1829)”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 28, 1988, pp. 23-35.

LUNA, F.V.  e COSTA, I. del N. da. “Vila Rica: nota sobre casamentos de escravos, 1727-1826”. África. Revista do Centro de Estudos Africanos da USP, n. 4, 1981, pp. 105-9.

------------------. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo, FIPE/Pioneira, 1982.

------------------. “Posse de escravos em São Paulo no início do século XIX”. Estudos Econômicos, 13(1), jan.-abr., 1983, pp. 211-21.
___________
LUNA, F.V. e  KLEIN, H.S.  “Escravos e senhores no Brasil no início do século XIX: São Paulo em 1829”. Estudos Econômicos, 20 (3), set.-dez., 1990, pp. 349-79.

MACHADO, M.H.P.T.  “Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão”. Revista Brasileira de História, 8(16), mar.-ago., 1988, pp.143-60.

----------------. “Vivendo na mais perfeita desordem: os libertos e o modo de vida camponês na província de São Paulo do século XIX”. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 25, dezembro, 1993, pp. 25-42.

MARCÍLIO, M.L.  A cidade de São Paulo: povoamento e população, 1750-1850, com base nos registros paroquiais e nos recenseamentos antigos. São Paulo, Edusp/Pioneira, 1973.

-----------------. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista, 1700-1836. Tese de livre-docência, São Paulo, FFLCH/USP, 1974.

-----------------. Caiçara: terra e população - estudo de demografia histórica e da história social de Ubatuba. São Paulo, Edições Paulinas/CEDHAL, 1986.

MARTINS, R.B.  Growing in silence: the slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil.  Tese de doutorado, Nashville, Vanderbilt University, 1980.

------------------. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa economia não-exportadora”. Estudos Econômicos, 13(1), jan.-abr., 1983, pp.181-209.

------------------. “Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez”. Texto para Discussão, Belo Horizonte, Cedeplar/UFMG, n. 70, 1994.

MARTINS FILHO, A.V. e MARTINS, R.B. “Slavery in a nonexport economy: nineteenth-century Minas Gerais revisited”. Hispanic American Historical Review, 63 (3), agosto, 1983, pp. 537-68.

--------------------. “Slavery in a nonexport economy: a reply”. Hispanic American Historical Review, 64 (1), fevereiro, 1984, pp. 135-45.

MATTOSO, K. de Q. Família e sociedade na Bahia do século XIX. São Paulo/Brasília,  Corrupio/CNPq, 1988.

METCALF, A.C.  Families of planters, peasants and slaves: strategies for survival in Santana de Parnaíba, Brazil, 1720-1820. Tese de doutorado, Austin, The University of Texas at Austin, 1983.

--------------------. “Vida familiar dos escravos em São Paulo no século dezoito: o caso de Santana de Parnaíba”. Estudos Econômicos, 17(2), maio-ago., 1987, pp. 229-43.

-------------------. “Searching for the slave family in colonial Brazil: a reconstruction from São Paulo”.  Journal of Family History, 16 (3), 1991, pp. 283-97.

MOTT, L.R.B. “Estrutura demográfica das fazendas de gado no Piauí colonial: um caso de povoamento rural centrífugo”. Ciência e Cultura, São Paulo, SBPC, 30(10), outubro, 1978, pp. 1.196-210.

MOTTA, J.F.  “A  família escrava e a penetração do café em Bananal, 1801-1829”. Revista Brasileira de Estudos de População,  São Paulo, ABEP, 5(1), jan.-jun., 1988a, pp.71-101.

----------------. “Família escrava: uma incursão pela historiografia”. História: Questões & Debates, 9(16), junho, 1988b, pp.104-59.

----------------. Corpos escravos, vontades livres: estrutura da posse de cativos e família escrava em um núcleo cafeeiro (Bananal, 1801-1829). São Paulo, IPE/USP, mimeo, 1990.

MOTTA, J.F. e NOZOE, N. “Cafeicultura e acumulação”. Estudos Econômicos, 24 (2), maio-ago., 1994, pp. 253-320.

NISHIDA, M. “As alforrias e o papel da etnia na escravidão urbana: Salvador, Brasil, 1808-1888”. Estudos Econômicos, 23 (2), maio-ago., 1993, pp. 227-65.

OLIVEIRA, F.A.M. de. “Famílias proprietárias e estratégias de poder local no século passado”. Revista Brasileira de História, 9(17),  set.1988/fev.1989, pp. 65-85.

PAIVA, C.A. e KLEIN, H.S. “Escravos e livres nas Minas Gerais do século XIX: Campanha em 1831”. Estudos Econômicos, 22 (1),  jan.-abr., 1992, pp.129-51.

PAIVA, C.A. e LIBBY, D.C. The middle path: alternative patterns of slave demographics in nineteenth century Minas Gerais. Trabalho apresentado na Conferência Mundial sobre Povoamento das Américas, Veracruz, México, 1992.

PEYRONNET, J.C. “Famille élargie ou famille nucléaire? L'exemple du Limosin au début du XIXe. siècle”. Revue d'Histoire Moderne et Contemporaire, n. 22, out.-dez., 1975, pp. 568-82.

RAMOS, D. “From Minho to Minas: the portuguese roots of the mineiro family”. Hispanic American Historical Review, 73 (4), novembro, 1993, pp. 639-62.

RANGEL, A. de S. Escravismo e riqueza: formação da economia cafeeira no município de Taubaté, 1765-1835. Tese de doutorado, São Paulo, IPE/USP, 1990.

SAMARA, E. de M. “Estratégias matrimoniais no Brasil do século XIX”. Revista Brasileira de História, 8(15), set.1987/fev.1988., pp. 91-105.

----------------------. As mulheres, o poder e a família: São Paulo, século XIX. São Paulo, Marco Zero/Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1989.

SCHWARTZ, S.B. “The manumissions of slaves in Colonial Brazil, Bahia, 1684-1745”. Hispanic American Historical Review, 54(4), novembro, 1974, pp. 602-35.

-----------------. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo, Cia. das Letras, 1988.

SCOTT, A.S.V.  Dinâmica familiar da elite paulista (1765-1836). Tese de mestrado, São Paulo, FFLCH/USP, 1987.

SLENES, R.W.  The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-1888. Tese de doutorado, Stanford University, 1976.

------------------. “Comments on ‘Slavery in a nonexport economy’ (I)”. Hispanic American Historical Review, 63(3), agosto, 1983, pp. 569-81.

-----------------. “Escravidão e família: padrões de casamento e estabilidade familiar numa comunidade escrava (Campinas, século XIX)”. Estudos Econômicos, 17(2), maio-ago., 1987, pp. 217-27.

-----------------. “Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escrava de Minas Gerais no século XIX”. Estudos Econômicos, 18(3), set.-dez., 1988a,  pp. 449-95.

-----------------. “Lares negros, olhares brancos: histórias da família escrava no século XIX”. Revista Brasileira de História, 8(16), mar.-ago., 1988b, pp. 189-203.

Autoria de José Flávio Motta.  (setembro de 1995) com o título de  'DEMOGRAFIA HISTÓRICA NO BRASIL: CONTRIBUIÇÕES À HISTORIOGRAFIA'  editado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...