5.19.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO EM MINAS GERAIS

Leopoldo Costa


A introdução do gado em Minas Gerais foi efetuada em duas frentes, uma vinda do sul através dos paulistas que iniciaram a colonização com suas bandeiras buscando ouro e preando índios e outra vinda do norte, introduzida pelos fazendeiros da Bahia, que seguindo o curso do rio São Francisco foi tomando posse das terras e espalhando currais de criação nas suas margens e nas de seus mais importantes afluentes. O rio São Francisco chegou a ser conhecido como 'rio dos currais' . 


MARTIM CARVALHO


Vindo do norte Martim Carvalho realizou uma expedição pioneira em 1567/1568, composta de 60 homens brancos e vários índios escravizados, durante oito meses percorreu 220 léguas rumo ao sul, chegando a atingir a região marginal do rio Jequitinhonha. A sua aventura foi importante para o conhecimento da região e muitos outros seguiram o seu trajeto, estabelecendo currais de criação de gado. Infelizmente não temos registros dos nomes destes pioneiros. 


DOMINGOS DIAS DO PRADO


Domingos Dias do Prado, nos princípios do século XVII, explorou as margens do rio São Francisco, ultrapassando os sertões do rio das Contas e o de Jacobina na Bahia.  Em 1723 conseguiu da Coroa grandes sesmarias e obteve a patente de mestre de campo, que lhe dava o direito de capturar e conquistar as terras dos índios. Amealhou vasta fortuna e capitalizado dedicou-se ao comércio de gado entre a Bahia e as Minas Gerais, estabelecendo vários currais nas margens dos rios afluentes do São Francisco. 


SEBASTIÃO PEREIRA DE AGUILAR



O fazendeiro Sebastião Pereira de Aguilar (ou Aguiar), próspero fazendeiro da Bahia conseguiu várias sesmarias na região central de Minas, onde instalou fazendas destinadas a cria e engorda de bois. Uma das mais importantes foi a fazenda do Ribeirão das Abóboras, onde foi fundado o arraial de Contagem, onde mais tarde foi instalado um posto de fiscalização para o pagamento dos impostos sobre o comércio de gado. O próprio nome da vila deve-se a este posto chamado de Posto da Contagem. Havia a contagem e marcação do gado que passava pelo posto após pagar o imposto de 2 e meia oitavas de ouro por cabeça. Esta fazenda estendia-se desde as divisas do Curral Del Rei (hoje Belo Horizonte) até as serras próximas de Anhanhonhacanhuva ou Sumidouro (hoje o distrito de Fidalgo no município de Pedro Leopoldo). Da grande quantidade de gado que criava, uma parte era destinada para Sabará, Caeté e outros arraiais auríferos da região. Outra parte ia para Itabira, onde eram subdivididos em vários lotes menores que seguiam para a região de Ouro Preto, através do caminho de Cachoeira (hoje Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto) e para o Carmo (hoje Mariana). 


BARTOLOMEU PAES DE ABREU


Bartolomeu Paes de Abreu , fez sua história ligando-a à conquista do Sertão de São Paulo, Minas, Mato Grosso e Goiás. Ativo e arrojado, em 1704, foi procurador do Conselho da Câmara de Vereadores de São Paulo e, no ano seguinte foi, também seu Juiz Ordinário. Possuía fazendas de criação no caminho por onde passavam as bandeiras paulistas que buscavam as regiões auríferas, localizadas entre o Rio Grande e o Rio das Mortes. Nessa região ocorreria a sangrenta Guerra dos Emboabas, entre mineradores paulistas e portugueses. Bartolomeu Paes de Abreu, nessa ocasião, teve sua fazenda destruída, perdendo 400 cabeças de gado. Possuía, também, outras terras nos campos de Curitiba, com grande rebanho.


MANUEL NUNES VIANA


Manuel Nunes Viana depois de viver aprisionando índios obteve uma sesmaria à margem do rio São Francisco, onde se dedicou à criação de gado. Mais tarde conseguiu outras sesmarias, que transformou em grandes fazendas de criação, chegando a monopolizar o abastecimento de gado para a região de mineração. Graças à amizade com o secretário particular do governador Artur de Sá, foi nomeado para o cargo de superintendente das Minas do Ribeirão do Carmo. Transformou-se também em minerador, explorando lavras no Caeté e nas Catas Altas, em sociedade com o seu primo Manoel Rodrigues Soares. Posteriormente, foram-lhe confiados à administração de grandes fazendas que Isabel Maria Guedes de Brito tinha herdado dos pais e avós, famosos pioneiros da criação de gado na Bahia. Estas fazendas de criação de gado estendiam-se desde a divisa da Bahia, até as nascentes do rio das Velhas. Adquiriu grande fortuna e poder no território mineiro e em razão disso conquistou muitos amigos, e o dobro de inimigos, descontentes com as suas negociatas e privilégios. Foi acusado por estes inimigos de descaminho e outros procedimentos ilícitos. Nunes Viana tornou-se membro de uma organização de comerciantes e criadores de gado que defendia o direito dos habitantes da região, de comercializar livremente os seus produtos, sem a interferência da Coroa, e com isso provocou a retaliação do bandeirante paulista Manoel Borba Gato, que contratado pela coroa portuguesa, exigiu a sua saída do território de Minas Gerais.Teve que sair e entre 1715 e 1718, transferiu-se para o sul do Brasil, dedicando-se a captura de índios no território que hoje é o Rio Grande do Sul. Quando eclodiu a Guerra dos Emboabas (1707-1709), voltou a Minas e se juntou aos rebelados. 
O conde D. Pedro d Almeida governador de Minas Gerais  escreveu ao Ouvidor da Comarca de São Paulo, Rafael Roiz Pardinho: 'O famoso Manoel Nunes Viana, bem conhecido pelos seus levantamentos e pelas suas insolências, veio a este país e não sendo eu de humor de os sofrer a ninguém, muito menos a esse sujeito por ser prezado de levantadiço, e como saísse daqui pouco satisfeito do modo como o tratei, foi fazendo das suas pelos confins deste Governo, lá junto para os Currais da Bahia, onde foi causa de se levantar o povo para que houvesse o motivo de que não entrem gados neste país; e eu desejava retrucar-lhe pelo mesmo jogo sendo eu quem lhos embaraçasse porém não faço esta diligência sem saber o número de currais que da Curituva (sic) me podem aqui introduzir; e como esta seja uma diligência de muita consequência para o serviço de Sua Majestade e conservação deste país, encomendo a VM muito particularmente se queira informar de todos os criadores dessa cidade que gado podem aqui introduzir e por que tempo, e dar-lhes todo o calor para que o façam com a brevidade que se pode conseguir do passo do Boi; e VM lhe segurará da minha parte se que acaso puderem vir de 18 até 20.000 cabeças de Gado, então mandarei certamente fechar os Currais da Bahia, e também se forem até 15.000; com isto nos remediaremos e como isto é tanto do meu empenho não haverá coisa que lhe não franqueie e lhe não facilite para o bom sucesso do seus negócios e espero que VM me ajude da sua parte a consegui-lo, pois não só fará nisto um grande serviço a Sua Majestade mas castigará este régulo, pondo-o a ele de sitio, como aqui nos quer fazer, e assim fico com grande confiança na grande atividade e zelo de VM. José Gois, me dizem que tem muitos currais para aquelas partes e dois sargentos-mores que estão em Santos, e tanto que VM lhes tiver feito a estes e aos demais a proposta, despachará dois índios com toda a diligência porque carece muito disto o negócio para eu saber o que hei de obrar e para tudo o que for do gosto de VM me achará sempre mui pronto. Deus guarde a VM muitos anos. Vila do Carmo em 13 de dezembro de 1718.Conde D. Pedro d Almeida.’
Em 1723 Manuel Viana teve a sua prisão decretada o que o obrigou a viajar a Portugal. Entre 1725 e 1728, permaneceu em Portugal, conseguiu a sua reabilitação e até um importante cargo. Retornando ao Brasil passou a ser escrivão da Ouvidoria do Rio das Velhas. Faleceu na Bahia em 1738, deixando fortuna e uma grande descendência. 


A EXPLORAÇÃO DOS PAULISTAS


Depois, da investida dos baianos ou algumas vezes ao mesmo tempo, a região das Minas Gerais foi palmilhada pelos desbravadores paulistas, que iniciaram a colonização com as suas 'bandeiras', primeiro capturando índios para serem escravizados nas vilas de São Vicente e São Paulo, e depois, procurando as minas de ouro.
Capistrano de Abreu  citou que muito antes do descobrimento das minas de ouro, nas margens do rio das Velhas, assim como nas margens do rio São Francisco, havia mais de 100 famílias de paulistas já envolvidas na atividade de criação de gado. Uma delas era a família de Antônio Gonçalves Figueira, que desbravou a região ribeirinha do rio São Francisco, nos limites entre Bahia e Minas Gerais, estabelecendo fazendas de criação. Antonio já conhecia a região, pois participou de uma expedição do bandeirante paulista Matias Cardoso de Almeida.

JOÃO LEITE DA SILVA ORTIZ


Quem primeiro chegou à região da mineração, foi o bandeirante João Leite da Silva Ortiz em 1701, conseguindo desbravar uma grande área, que em 19 de janeiro de 1711, foi-lhe concedida como sesmaria, pelo governador Antônio de Albuquerque (1655-1725). O local ficou conhecido como fazenda do Cercado. Durante 20 anos dedicou-se a criação de gado e ao cultivo de milho e arroz. A posição estratégica da sua fazenda tornou-se um ponto de concentração dos rebanhos provenientes da Bahia e de outras fazendas e currais das margens do rio São Francisco, destinadas ao abastecimento da região das minas de ouro. Em 8 de fevereiro de 1711, obteve a sesmaria das Sete Lagoas. Porém João Leite ficou durante poucos anos na posse de sua sesmaria das Sete Lagoas que logo foi concedida a Antônio Pinto de Magalhães. Foi o embrião do povoamento que deu origem a cidade do mesmo nome.

No vale do rio Urucuia, Estevão Raposo Bocarro, (pai de João Leite da Silva Ortiz) estabeleceu várias propriedades, onde explorava também a criação de gado. 


JAGUARETÊ


Gaspar Vaz da Cunha, apelidado de Jaguaretê ou Oiguara (‘cão feroz’ em tupi-guarani), em 1703 abriu o primeiro caminho que partindo de Pindamonhagaba, no vale do rio Paraíba do Sul em São Paulo, alcançava as margens do rio Sapucaí, no sul de Minas Gerais. Este caminho mais tarde, foi trilhado pelo bandeirante Miguel Garcia, quando descobriu as minas de Itajibá (hoje Itajubá). Alguns currais de gado e roças foram estabelecidos neste trajeto, com o objetivo de fornecer alimento para a expedição. 


ANTONIO FRANCISCO DA SILVA


O paulista Antônio Francisco da Silva, que foi um dos líderes da Guerra dos Emboabas (1707-1709), estabeleceu em 1706, uma grande fazenda próxima de Ouro Preto, em 1711 uma fazenda de criação em Brumadinho e em 1719, outra fazenda em Papagaios. 


JOSÉ DE FARIA PEREIRA


O primeiro colonizador da barra do rio Paraobeba foi José de Faria Pereira. Obteve quatro grandes sesmarias, a primeira delas, denominada fazenda da Barra em 7 de novembro de 1738, a segunda no dia 14 de novembro do mesmo ano, a terceira em 1741 e a quarta em 1744, esta última a maior de todas com 3 léguas quadradas de área, que ia de Indaiá até os limites da sua fazenda da Barra. Como a primeira, todas estas áreas eram destinadas à criação de gado. José de Faria Pereira tornou-se num dos um dos homens mais ricos de Minas Gerais. 


MIGUEL GONÇALVES DE SIQUEIRA


Miguel Gonçalves de Siqueira foi outro notável desbravador, preador de índios e criador de gado. Estabeleceu-se por volta de 1730 na região situada entre os rio São Francisco e o Rio Verde Grande. Posteriormente foi nomeado capitão-mor do sertão da Ribeira do Rio Verde e também intendente comissário de todo o sertão do distrito de Serro. Faleceu em 1751. 


ANTONIO GONÇALVES FIGUEIRA

Antônio Gonçalves Figueira em 1694, na região do médio São Francisco no lugar denominado Brejo Grande ergueu o primeiro engenho de açúcar da região. Antes em 1689 ele fez parte da bandeira de Fernão Dias Pais que descobriu  Sabarabuçu  e acompanhou Matias Cardoso de Almeida  na sua expedição à Bahia
Em 1715 abriu caminho até a vila de Pitangui para comercializar o gado que criava nas fazendas da Bahia.
Por volta de 1720, o capitão-mor João Veloso de Carvalho, tendo recebido uma sesmaria no oeste de Minas, não muito distante da margem esquerda do rio São Francisco, instalou a sua fazenda de criação de gado que veio a dar origem a cidade de Bambui. O padre Diogo Soares escreveu em 1731, ser esta ‘a última fazenda de criação do rio São Francisco acima.’ No vale do rio Verde Grande, onde é hoje o município de Montes Claros, os criadores baianos estavam sofrendo constantes ataques dos índios, que invadiam os seus currais e roubavam o gado. O governador decidiu contratar dois bandeirantes paulistas para defender as propriedades dos baianos. Os bandeirantes e suas tropas de mercenários, munidas com arcabuzes, massacraram os índios impiedosamente. Alguns dos que participaram da expedição dos bandeirantes, decidiram fixar na região e serem criadores de gado. Dentre eles, Antônio Gonçalves Figueira, que conseguiu três sesmarias, estabeleceu uma grande fazenda de criação que foi denominada Montes Claros, embrião da cidade do mesmo nome.


SUL DE MINAS

No Sul de Minas surgiu uma região de criação que serviu de traço de união entre o que mais tarde se difundiu também por São Paulo e Espírito Santo.
Em 1756 o sul de Minas já exportava gado para São Paulo. Essa região compreendia a bacia do rio Grande conhecida com comarca do rio das Mortes. Havia água em abundância fornecida por rios volumosos como o próprio rio Grande, o Sapucai, o Verde, todos com muitos afluentes e caudalosos durante o ano todo.


TRÊS CORAÇÕES



As primeiras notícias sobre as terras onde hoje se situa o município de Três Corações datam de 1737, quando Cipriano José da Rocha, ouvidor de São João del-Rei, informa que, quando de passagem pela região, encontrou roças e catas de mineração na região da Aplicação do Rio Verde. Por volta de 1760, o português Tomé Martins da Costa se estabelece na barranca direita do Rio Verde, embriagado pelo ouro abundante existente em suas lavras. Após adquirir novas terras, construiu a fazenda do Rio Verde e mandou erigir uma capela sob a invocação dos Santíssimos Corações de Jesus, Maria e José. No ano de 1764, de passagem pela região em viagem de inspeção e demarcação de limites, o governador da capitania de Minas Gerais, D. Luís Diogo Lobo da Silva, visita Tomé em sua fazenda, já encontrando alguns casebres ao redor da capela.  Cresceu e virou a cidade de Três Corações do Rio Verde (hoje apenas Três Corações) onde foi instalada em 1900, uma feira permanente de gado. Esta feira, concessão do governo provincial, centralizava, mediante o recolhimento de taxas e impostos ao erário público, todos os embarques de bovinos de uma extensa área do sul de Minas. Foi uma época de muito progresso para a cidade, com grande movimentação de dinheiro. Em razão disto a cidade teve inaugurada em 1916, a primeira agência do Banco do Brasil do estado de Minas Gerais. Informações publicadas na imprensa da época (‘Diário Popular’) dão conta que na primeira quinzena de janeiro de 1902 foram comercializadas 1.225 reses ao preço de 9$500 por arroba. A feira oficial continuou funcionando por muito tempo, comercializando aproximadamente 100 mil cabeças de gado por ano, até vir a ter a concessão cassada em 1920. Depois, desta data passou a funcionar como feira livre e perdeu a sua importância. 


COMARCA DO RIO DAS MORTES



A comarca do Rio das Mortes, que compreendia o município de São João del Rei, Barbacena, Campanha e as respectivas áreas de influência, era especializada na exportação de produtos pecuários também para o Rio de Janeiro. Detinha os maiores rebanhos e o privilégio de poder usar os melhores caminhos da época, os mesmos por onde o ouro chegava até à corte.
Em 1807, Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos em ‘Breve Descrição Geográfica, Física e Política da Capitania de Minas Gerais’ escreveu: ‘cresce em grande cópia toda a espécie de gado vacum e cavalar, principalmente nas vastas planícies da comarca de São João Del Rei, e nos sertões das do Sabará e Serro, e margens do rio São Francisco, cujos pastos salitrosos são próprios para a produção e criações. Como se tenham multiplicado, é hoje o bom mercado de duas até quatro oitavas cada cabeça de gado vacum, que da infância da capitania valia dez e mais oitavas. O gado porcino produz em muita bastança e faz de tempos atrás bem como o vacum um dos mais lucrosos ramos do comércio deste para as capitanias de beira-mar.Bahia e Pernambuco. Quanto ao gado ovelhum, a sua penúria é prova do menoscabo em que os povos de Minas o têm’
Saint-Hilaire teceu algumas considerações sobre a região do rio Grande . Observou que a mineração acabara e a agricultura e a criação de gado eram as principais atividades econômicas. Gerava um importante fluxo comercial  que era intermediado por negociantes, que compravam o gado na região e revendiam para o Rio de Janeiro. 
Saint-Hilaire caracterizou a criação bovina: o gado era ‘afamado por sua robustez e seu grande porte’. A produção de leite e de queijos coexistia com a criação de bois para corte.  A criação de porcos também era expressiva, voltada para a produção do toucinho que também era exportado para o Rio de Janeiro. Criavam-se carneiros de cuja lã era produzidos tecidos grosseiros para a vestimenta de inverno de dos negros e chapéus. 
No final do século XVII e durante o século XVIII, o estado de Minas Gerais se firmava como o maior produtor de suínos da colônia. A região de Formiga exportava muito para o Rio de Janeiro. Só um comerciante informou a Saint-Hilaire em 1818, que tinha exportado 20.000 animais. Também eram importantes as exportações de São João del Rey, Oliveira e Tamanduá (hoje Itapecerica). Saint-Hilaire menciona ainda, que a raça de porco mais comum na região era o canastra, um animal preto, orelhas eretas que pesava quando cevado, mais de 8 arrobas (120 kg). Conta que os porcos eram levados caminhando até a cidade do Rio de Janeiro, que dista 80 léguas de Formiga e que o condutor recebia 6.600 réis pela empreitada. 
O município de Oliveira tinha uma boa participação nestas exportações, principalmente para o Rio de Janeiro. Sobre Japão, um dos distritos de Oliveira (hoje a cidade de Carmópolis de Minas), Pereira Magalhães no seu 'Almanack Administrativo, Civil e Industrial’ de 1870, informava que a freguesia tinha uma população de 4.000 homens livres, 2.000 escravos e exportava para a Corte anualmente, 2.000 cabeças de bois, e 1.000 cabeças de gado caprino.


FALTA DE ALIMENTOS NA REGIÃO DE MINERAÇÃO



O fator que mais contribuiu para o esplendor do ciclo do ouro de Minas Gerais foi a dispersão dos mineiros pela falta de alimentos. Em 1697/1698, ocorreu na região de mineração a primeira crise de falta de alimentos, outra pior veio a ocorrer em 1700/1701. A dificuldade de transporte dos alimentos e a falta de oferta local foram os motivos destas calamidades. Havia abundância de ouro e pouco alimento para ser comprado. A fome grassava em todos os arraiais, obrigando a população a comer de tudo, cobras, lagartos, içás, sapos e até ‘bichos mui alvos que se criam em taquaras e pau podre’, como chegou a escrever um cronista da época. 
Cerca de 30.000 pessoas garimpavam ouro e pedras preciosas na pequena região delimitada entre Vila Rica, Caeté, Mariana e Sabará, e a região não tinha estrutura para suportar tanta gente. A falta de alimentos provocou a debandada de muitos, que partiram para locais distantes algumas léguas da região. Continuaram a prospectar ouro, desta feita não nas 'catas', que tinham que ser concedidas pela coroa, mas nos córregos e rios onde a garimpagem era livre e fora do controle do governo. Este procedimento aumentou a produção e os locais de procedência do precioso metal. Nas áreas onde de estabeleceram plantavam milho, feijão e mandioca, como também preocupavam em criar bois, porcos e galinhas. Não queriam mais experimentar a situação angustiante de passar fome.
Os bandeirantes paulistas sabedores da dificuldade algum tempo antes de empreender uma ‘bandeira’ enviavam na frente uma comitiva para plantar roças de milho e feijão para aguardar a passagem da bandeira. Algumas cidades da região hoje denominada Campos das Vertentes foram desenvolvidas a partir destes assentamentos. 
As autoridades da Colônia começaram a preocupar com a oferta de alimentos para a região mineradora, de onde provinha toda a riqueza que a Metrópole usufruía. 
Diogo de Vasconcelos  relatou que no final do século XVI, o governador Artur de Sá, alegando o objetivo de melhorar o abastecimento de alimentos, decidiu monopolizar o fornecimento de gado para a região de Ouro Preto. O escolhido para este privilégio foi Francisco do Amaral, abastado comerciante português, que em contrapartida se obrigava a reparar e manter em boa ordem, os caminhos que conduzia a Bahia, de onde proviam os rebanhos. O comércio de carne envolvia por ano um valor equivalente a 30 arrobas de ouro. O contrato foi firmado em 1701 e previsto para terminar em 1706. Francisco do Amaral conseguiu com o governador Fernando Mascarenhas a sua prorrogação.  Para se ter uma ideia de como o negócio era lucrativo, uma cabeça de gado custava nos currais de Jacobina na Bahia entre 3 a 4 oitavas de ouro, nos da margem do rio São Francisco entre 8 a 9 oitavas de ouro ,. 
Vendida nos açougues da comarca do Rio das Velhas (Sabará), apurava-se entre 70 a 80 mil-réis  por cabeça e nos açougues de Ouro Preto ou da Vila do Carmo (Mariana) entre 80 a 90 mil-réis por cabeça. O equivalente a 30 arrobas de ouro por ano estava envolvido nesse negocio.  
O sistema implantado funcionava bem, pois toda a cadeia envolvida ganhava o seu dinheiro. Uns compravam, outros vendiam, tropeiros conduziam as boiadas e os fazendeiros do percurso das boiadas ganhavam o seu lucro, alugando as pastagens para a engorda ou o descanso dos bovinos.
O maior problema era alguns bandidos foragidos da justiça, que escondidos pelas matas, viviam do furto de gado nas regiões criadoras ou assaltando as tropas nos caminhos para as regiões mineradoras. Por impossibilidade de serem punidos e pelo lucro que obtinham, muitos chegaram a fazer fortuna e depois, mudarem para outras regiões, onde não eram conhecidos e começarem nova vida honesta.


TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA


A maior liberalidade na concessão de sesmarias facilitou a introdução da criação de gado em outras regiões de Minas Gerais como a do atual Triângulo Mineiro, na época pertencente à província de Goiás, com o nome de ‘Sertão da Farinha Podre’.
No final do século XVIII, os pioneiros André de Carvalho Matos, Francisco Gonçalves Pacheco, Antônio Pereira Pires e Martinho Monteiro Ribeiro obtiveram sesmarias do governo de Goiás e estabeleceram fazendas de criação nas proximidades de Araxá Em 1809, Eustáquio da Silva Oliveira ocupou terras da região de Sacramento, instalando suas fazendas de gado. 
Escreveu Eduardo Nunes Guimarães : ‘E a maior ou menor prosperidade tinha limites naturais objetivos, mas definia-se sobretudo pela localização nas principais rotas de integração. Este foi o caso específico das Paróquias de São Domingos do Araxá (1791) e a Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio do Salitre (1800). Por serem áreas onde a pecuária encontrava condições determinantemente propícias ao desenvolvimento do rebanho bovino, a referida dotação natural de salitre, estas não perderam de todo seu dinamismo, o que permitia um mínimo de potencialidade de fixação do elemento social fragilmente ligado aos impulsos do mercado. O que foi possível devido às características históricas da pecuária. Ou seja, pela particularidade do produto, o gado, não só crescer vegetativamente como poder ser autotransportado até o mercado’.
Verificaram que ali não era necessário dar sal ao gado, bastava-se deixá-los beber a água. Depois, vieram outros posseiros interessados nesta vantagem. O sal sempre constituiu grave problema para os criadores de gado. Tinha que vir do litoral (importado de Portugal), no lombo das mulas ou ser retirado de algumas minas de sal-gema existentes, a um valor altíssimo para ser pago pelos criadores.  Por isso, quando se espalhou a noticia que as águas de Araxá eram minerais e dispensava-se o uso de sal, foi tanta a afluência de boiadas que se tornou necessário agendar dia e mês para cada fazendeiro levar o seu gado para tomar a água e era cobrada uma taxa. 
Saint-Hilaire que esteve em Araxá escreveu sobre a ocupação da área do município e observou que uma atividade econômica preponderava na região, chegando inclusive a caracterizá-la: a criação de gado era disseminada e gerava excedentes para serem exportados. Ele destacou a existência de intermediários de São João Del Rei e de outras localidades como Pitangui e Tamanduá, que funcionavam como entrepostos comerciais da região de Araxá com o Rio de Janeiro e controlavam o comércio de gado. 
A região apresentava facilidades para a criação devido a existência de boas pastagens, águas minerais que dispensavam o sal e terras férteis disponíveis. Os terrenos mais planos da região e a qualidade natural das pastagens fizeram com que a criação expandisse bastante seguindo a direção oeste, até alcançar as margens dos rios Grande e Paranaíba, tendo como ponto de convergência a vila de Uberaba.
O jornal ‘Diário Popular’ na sua edição do dia 23 de janeiro de 1902 publicou uma informação passada pelo viajante Jacob de Lima, que em Araguari, entre a cidade e o rio Grande, existiam 40.000 cabeças de gado prontas para serem abatidas.


REGIÃO DE POÇOS DE CALDAS


A região de Poços de Caldas foi ocupada no final do século XVIII, no final do Ciclo do Ouro, pelos criadores de gado de Santana do Sapucaí, Lavras e Cabo Verde, que na busca de melhores pastagens para os seus animais, chegaram aos ‘campos de Caldas’, como ficou conhecido o local. Logo instalaram diversas fazendas como a do padre Manoel Gonçalves Sorreia, chamada Monte Alegre, na divisa com a província de São Paulo, que possuía grande número de bois e vacas.


IMPORTÂNCIA DA CRIAÇÃO DE GADO



No final do século XVIII a produção de carne da província já conseguia suprir as necessidades de consumo dos centros mineradores, dispensando a importação de gado da Bahia e de Pernambuco. Minas Gerais começou a aparecer como exportador.
O governo da província para melhorar a arrecadação de impostos, instalou próximo a Juiz de Fora, em Matias Barbosa, um posto de coleta.
Eschwege (1777-1855) relata no seu diário de viagem, que em 1818/1819 as exportações de origem animal de Minas Gerais para outras províncias, perfaziam 55% do total geral exportado, sendo 15% representados por gado bovino (62.106 cabeças) e 24% representados por suinos e seus derivados (principalmente toucinho). 
Francisco Iglésias (1923-1999) informou que nos exercícios financeiros de 1839/1840 e 1842/1843, as exportações mineiras de bovinos, suínos, equinos, couros, toucinho e queijos eram maiores do que as exportações de café, fumo e açúcar. Em 1842/1843 foram exportadas 45.421 cabeças de bovinos, 1.173 de eqüinos, 379 de muares e 44.819 cabeças de suínos. 
A província de Minas Gerais exportou para outras províncias no período de 1867 a 1884, uma média anual de 82.697 cabeças de bovinos. O recorde foi em 1883/1884 quando foram exportadas 145.138 cabeças .
O volume de exportações causava a diminuição da oferta de carne nos mercados mineiros, provocando aumento dos preços. As autoridades provinciais estavam preocupadas com a carestia da carne e com a sua escassez. . 
Em 1857, para melhorar o abastecimento, foi destinado uma verba de 7:691$000 para a construção de um matadouro municipal em Sabará.
Para coibir os abusos nas exportações, a Assembléia Provincial, pela lei nº 1427 de 4 de dezembro de 1867, autorizou a Presidência da Província a estabelecer normas para regular a saída dos animais. Nas quatro barreiras em funcionamento constavam que passava por dia uma média de 1.600 reses com destino a outras províncias.


MELHORIA NA QUALIDADE DO GADO



O gado criado em Minas Gerais era formado apenas do chamado ‘Pé-Duro’ ou ‘Curraleiro’, descendente dos diversos tipos de gado que vieram dos Açores e da Península Ibérica nos primeiros tempos. O intervalo entre as parições das vacas ‘Pé-Duro’ era de 36 meses, as novilhas tinham o primeiro cio por volta de cinco anos e o boi criado para abate só estaria pronto com sete anos pesando apenas de sete a dez arrobas e com longos chifres de até um metro de envergadura.  O gado bovino de melhor qualidade, só chegou no final do século XIX.
José de Souza Castro, no livro já citado, escreveu: ‘O gado chegou a Minas Gerais também trazido do Rio de Janeiro, espalhando-se pela Serra da Mantiqueira, pela região de Barbacena e por toda a Zona da Mata. Foi por essa via que se introduziu no estado o gado Holandês, o pardo-Suíço e o gado Mestiço proveniente do cruzamento dessas raças com o gado comum’.
A partir da década de 1870, alguns fazendeiros do Triângulo Mineiro importaram Zebuínos puro sangue da Índia.
Também escreveu José de Souza Castro a respeito: ‘O Brasil se tornou a Meca do gado Zebu, de acordo com Dias (2006), começando por Minas Gerais. A dispersão dessa raça se iniciou em 1906, cerca de 80 anos depois da primeira importação feita por Dom Pedro I. Mas, desde fins do século XIX, a iniciativa privada buscava alternativas para suas fazendas de criação de gado. Animais das raças Guzerá, Nelore, Gir, Sindi e Kangayam, que eram selecionados em fazendas de marajás indianos, entraram no Brasil. Foram importados, principalmente, por criadores mineiros, que desafiaram a preferência nacional por raças europeias. O primeiro brasileiro a viajar à Índia para comprar gado foi Teófilo de Godoy, fazendeiro em Araguari, no Triângulo Mineiro. Isso aconteceu em 1893. Outro pioneiro na importação de Zebu, João Martins Borges, morreu em Calcutá, na Índia. Só meio século depois, em 1975, os restos mortais dele foram transferidos para Uberaba, sua terra natal. Os que conseguiram voltar ao Brasil trazendo gado enfrentaram outras dificuldades. No começo do século XX, havia disputa acirrada entre criadores de gado originário da Europa e da Índia. Na primeira exposição paulista, em 1925, foi proibida a presença de Zebu. Os criadores de gado europeu alegavam que Zebu não era nada além de aventura genética que não trazia qualquer contribuição à pecuária brasileira. A proibição vigorou até 1934, quando a exposição do Parque da Água Branca, na capital paulista, ganhou forte presença do gado Indubrasil, para grande regozijo dos criadores de Uberaba. As exposições foram importantes para a propagação de raças e para avanços genéticos’.
Em 1888, uma zoonose rara, conhecida como 'peste da manqueira' (carbúnculo sintomático) provocou grandes prejuízos para a criação de gado em Minas Gerais. A doença foi provocada por um bacilo proveniente da Europa. O Ministro da Agricultura do Império, Rodrigo da Silva, determinou a vacinação de todo o rebanho. Recuperado da doença, que foi dominada pela vacinação obrigatória e compulsória, o rebanho da província voltou a prosperar e no final do século XIX já era o maior do Brasil, suplantando o da Bahia. Manteve esta posição de liderança durante mais de 100 anos.



As regiões Sul e Zona da Mata são as mais evoluídas na produção de leite. Em 1965 o estado produziu 2.200.000 m³ de leite e atualmente produz 7.500.000 m³.
Em 1965 o rebanho mineiro era de 19.000.000 de bovinos, 10.000.000 de suínos, 1.600.000 de equinos e 850.000 de muares. Foram produzidas 148.000 toneladas de carne bovina e 35.000 toneladas de carne suína, sendo abatidas 834.000 cabeças de bovinos e 1.314.000 cabeças de suínos.


O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 853 municípios do estado de Minas Gerais 22.300.000 cabeças de bovinos. Possuía o maior rebanho do Brasil a mais de 100 anos e foi superado pelo rebanho do estado do Mato Grosso com 26.000.000 de cabeças.
Os cinco maiores rebanhos de Minas Gerais, que representavam 7% do total estavam nos seguintes municípios:
Unaí       331.000 cabeças
Prata 309.000 cabeças
Campina Verde 304.000 cabeças
Santa Vitória 290.000 cabeças
Paracatu        278.000 cabeças
Outros 16 municípios tinham rebanhos entre 200.000 e 100.000 cabeças e 58 municípios tinham rebanhos entre 100.000 e 50.000 cabeças.

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