5.14.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO NO ESPÍRITO SANTO


Leopoldo Costa

A capitania do Espírito Santo foi doada a Vasco Fernandes Coutinho (1490–1560), por João III (1502-1557), pela carta régia datada de 3 de julho de 1534, sendo a carta foral expedida em 7 de outubro de 1534. Vasco Fernandes Coutinho foi o segundo donatário a tomar posse de sua capitania no Brasil. Chegou em 23 de maio de 1535, domingo de Pentecostes, o dia dedicado ao Espírito Santo. Trouxe 60 pessoas e da sua expedição faziam parte Jorge de Menezes e Simão Castelo Branco. Na entrada da baía escolhida para sede da capitania, mandou disparar tiros de canhão para afugentar os índios Goitaguases que pareciam hostis. Desceu numa praia ao pé do morro Moreno, no lugar que ficaria conhecido como Vila do Espírito Santo (hoje Vila Velha) instalando a sede da capitania.

Alguns anos depois, a sede foi transferida para a Vila Nova de Nossa Senhora da Vitória, situada na ilha de Santo Antonio (hoje ilha de Vitória), por ser menos vulnerável ao ataque dos índios. Doou algumas ilhas a amigos. A ilha do Frade na entrada da baía foi doada a Valentim Nunes, a ilha do Bode, hoje chamada de ilha do Boi, foi doada a Jorge de Menezes. Mandou construir uma grande casa e um engenho de açúcar. Segundo os cronistas, estava sempre ocupado, ou eram os homens querendo permissão para aventurar-se sertão adentro em busca de ouro e pedras preciosas, ou eram os índios, atacando para tentar expulsar os invasores da terra. O engenho de açúcar começou a sua produção, sendo o primeiro açúcar transportado para o reino por Brás Teles.
Escreveu frei Vicente do Salvador[1] sobre o donatário: ‘Seu filho, do mesmo nome, também com muita pobreza viveu, e morreu na mesma capitania, e não se atribua isto à maldade da terra, que é antes uma das melhores do Brasil; porque dá muito bom açúcar, e algodão, gado vaccum, e tanto mantimento, frutas e legumes, pescado e mariscos, que lhe chamava o mesmo Vasco Fernandes o meu Vilão farto’.
Em 1545 a Coroa já conseguia arrecadar um dizimo anual de 300 arrobas de açúcar, o que na taxa de 10 por cento corresponderia a 3 mil arrobas de produção. Já existiam 7 engenhos, sendo 5 engenhos de roda d’água e 2 de tração animal (trapiches).

Entre 1536 e 1537, chegou ao Espírito Santo, a convite do donatário, Duarte de Lemos (1485-1558), que, para ajudá-lo na obra de colonização, recebeu como doação a sesmaria da ilha de Santo Antônio. A doação foi uma retribuição à ajuda dele na luta contra os índios. Mais tarde, Duarte de Lemos se desentendeu com o amigo e retirou-se então, para Porto Seguro, onde se estabeleceu.

Vasco Fernandes Coutinho fez uma viagem a Portugal em 1540 com o objetivo de arrecadar recursos para explorar a sua capitania.  Em seu lugar, deixou seu amigo Jorge de Menezes[2]. Pela má administração do substituto a capitania decaiu, até ser praticamente aniquilado por diversos ataques conjunto dos índios Tupiniquins, Aimorés e Goitacases, ocorridos entre 1547 e 1549. Num desses ataques, morreu grande parte dos habitantes da capitania, inclusive o próprio Jorge Menezes.

Em 1592 uma esquadra inglesa sob o comando de Thomas Cavendish tentou invadir o Espírito Santo, mas foi rechaçado pelas forças portuguesas.  Em 1625 os holandeses sob o comando de Pieter Heyn, também tentaram uma invasão que também foi repelidas. Os holandeses, porém não desistiram. Voltaram em 1640 com uma tropa maior, conseguiram desembarcar 400 soldados, mas foram forçados a retirar.

Como aconteceu em todas as regiões onde houve a exploração da cana de açúcar, paralelamente desenvolveu-se uma atividade subsidiária de criação de bovinos crescendo em direção ao interior, vindo a atingir os limites de Minas Gerais. Foi uma atividade importante na economia do Espírito Santo, ajudando a fixar os colonos no interior. O norte do território foi alcançado pelos desbravadores baianos, que instalaram pela região vários currais de gado, principalmente nas margens dos rios Doce e Mucuri.

Francisco Gil de Araújo (m.1687) foi o capitão donatário da capitania do Espírito Santo, entre 1674 e 1687. Em 1674, adquiriu a capitania do Espírito Santo de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, herdeiro de Vasco Fernandes Coutinho, pelo valor de 40 mil cruzados. Em 1676, quatorze expedições enviadas por ele, atingiram a serra das Esmeraldas a procura destas pedras preciosas, vindo então a ser explorado o rio Doce. Em 1679, Francisco Gil fundou a cidade de Nossa Senhora de Guarapari. Houve outras expedições de Clemente Martins de Matos, Antonio Dias Arzão, Domingos de Azeredo Coutinho e seu irmão Antônio de Azeredo Coutinho e de Antônio Ribeiro de Morais. Sabe-se que em 1693  ouro foi encontrado por Antônio Dias Arzão, num afluente do rio Doce, .
Antonil escreveu no início do século XVIII no seu famoso livro ‘Cultura e Opulência do Brasil’: ‘ a Capitania do Espírito Santo se provê (de gado) limitadamente da Moribeca e de alguns currais aquém do rio Paraíba do Sul.’
Dentre os aldeamentos dos jesuítas no Espírito Santo, destaca-se a missão de Muribeca, (citada por Antonil). Fundada em 1581 com uma população indígena estimada em torno de 5 mil pessoas, a fazenda da Muribeca era mais uma daquelas propriedades situadas não muito distantes do litoral. A fazenda com nove léguas e meia de costado e oito léguas e meia de interior pelo sertão estava situada no extremo sul da capitania, abrangendo inclusive parte do território norte do Rio de Janeiro. A propriedade especializou-se na criação de gado. No ano de 1694 havia 1.639 cabeças de bovinos, em 1739 eram mais de 2.000 cabeças. Em 1757 o padre Manuel da Fonseca era um dos administradores da fazenda. A fazenda de Muribeca fornecia animais para puxar os carros dos engenhos, como também a carne para abastecer o colégio mantido pelos jesuítas em Vitória. Cuidar do rebanho era a função principal dos escravos. Com a expulsão dos jesuítas em 1759 a fazenda passou a pertencer à Coroa e foi arrematada por particulares em 1777. 

Diz a lenda, que os jesuítas que viviam na fazenda, onde edificaram a igreja de Nossa Senhora das Neves, ao tomarem conhecimento da expulsão (que ocorreu em outubro de 1759), enterraram nas proximidades da casa-sede todo o ouro, moedas, alfaias e castiçais da casa e da igreja. Tudo foi colocado dentro de um sino de bronze tampado, para ser recuperado posteriormente, acreditando que a expulsão seria revogada. Outra lenda dizia que os padres teriam escondido ouro e dinheiro em cavidades abertas e fechadas por eles nas grossas paredes e no piso da igreja de Nossa Senhora da Ajuda e na fazenda de Araçatiba em Viana. Tais lendas fizeram que a população invadisse esses lugares com picaretas, pás e pés-de-cabra, destruindo paredes e escavando todo o solo à procura dos tesouros, o que acarretou sérios danos ao patrimônio cultural, como se depreende numa matéria publicada no jornal ‘A Província do Espírito Santo, em 1884: 
Ultimamente, alguns indivíduos entenderam procurar dinheiro nas paredes da capela de Nossa Senhora da Ajuda, edificada na fazenda de Araçatiba. Arrombando uma das janelas da sacristia, a poucos passos meteram uma alavanca para derrubar a parede; ali foram ao ladrilho encostado à mesma parede e fizeram novas escavações, escapando apenas (...) dos instrumentos destruidores, o corpo da Igreja.’
Outra fazenda dos jesuítas foi a de Araçatiba. Ela aparece nos registros dos jesuítas em 1716. Ocupava parte dos municípios de Viana, Guarapari, Vila Velha, e Cariacica. Tinha milhares de escravos e vários engenhos que produzia açúcar, cachaça e melado.
Escreveu Aroldo de Azevedo no seu livro ‘O Brasil e suas Regiões’:  ‘Na década de 1840, chegaram ao Espírito Santo colonos alemães e austríacos, fixando-se no vale do rio Santa Teresa e, mais tarde, na alta bacia do Guandu. Calcula-se em 35.000 o número de tais elementos colonizadores estabelecidos no estado, responsáveis pela fundação de cidades como Santa Leopoldina e Santa Teresa. Entre 1877 e 1899, fixaram-se ali cerca de 65.000 colonos italianos, que se estabeleceram na região de Santa Teresa e mais ao sul. Em nosso século, chegaram poloneses, que se forma fixar ao norte da área colonizada pelos alemães. Muitos dos descendentes desses colonos deram início ao povoamento da metade setentrional do estado, abrindo frentes pioneiras no vale do rio Pancas, afluente da margem esquerda do rio Doce. A eles vieram juntar-se mineiros e nordestinos. Dessa corrente povoadora vieram a surgir muitas cidades: Pancas, São Domingos, Barra do São Francisco, Nova Venécia, Ecoporanga, Mucurici. E, em apenas duas décadas a região setentrional do Espírito Santo, que era um ‘deserto’ humano, passou a conter mais de 800.000 habitantes, com uma densidade demográfica de ordem de 33 hab/km².’
Foi muito importante para a província a chegada destes imigrantes que trouxeram novas técnicas de manejo de terra e de criação de gado. Estabeleceram-se em suas pequenas propriedades a criação de suínos e de gado bovino.

No relatório do engenheiro da província do Espírito Santo para o ano de 1856 (anexo ao Relatório Anual da Presidência da Província), foi feito o comentário de que a pecuária achava-se pouco desenvolvida, mais ainda assim, suficiente para o abastecimento da população das três comarcas da província.  O rebanho totalizava 4.100 cabeças, para uma população de 54.570 pessoas, sendo 800 cabeças e 26.629 habitantes na comarca de Vitória, 1.200 cabeças e 19.124 habitantes na comarca de Itapemirim e 2.100 cabeças e 8.817 habitantes na comarca de São Mateus.

Vitória, a capital, localizada na ilha de Vitória (antiga ilha de Santo Antonio), começou a desenvolver-se na década de 1950, quando tinha pouco mais de 50.000 habitantes, alcançando 85.000 habitantes em 1960 e 136.000 habitantes em 1970 e no censo de 2010 tinha pouco mais de 325.000 habitantes. A região metropolitana de Vitória formada por sete municípios (Vitória, Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana e Vila Velha), concentra atualmente quase metade da população do estado.

No Espírito Santo foi desenvolvida uma importante raça bovina. A raça Simbrasil que teve origem em 1950 na fazenda Sabiá, no município de Muqui, resultado de cruzamentos do gado Simental com gado Guzerá.


A pecuária do estado é predominantemente leiteira. Em 1965 produzia cerca de 140.000 m³ de leite de vaca, em 1990 produzia cerca de 280.000 m³ e atualmente produz em torno de 400.000 m³ por ano. Vem mantendo um crescimento médio anual de 3%. Os maiores  produtores de leite são os municípios de Ecoporanga, Presidente Kennedy, Nova Venécia, Mucurici e São Mateus.

Em 1965 o rebanho bovino do estado era de 1.127.000 cabeças e o rebanho suíno de 1.349.000 cabeças. Foram produzidas durante o ano 23.000 toneladas de carne bovina e 3.200 toneladas de carne suína.

A superfície territorial do estado do Espírito Santo, que é de 46.078 km o que equivale uma vez e meia a área ocupada pela Bélgica.


A população do Espírito Santo no final de cada década, entre 1900 e 1960 era a seguinte:
Ano
População
1900
209.000
1910
312.000
1920
457.000
1930
603.000
1940
700.000
1950
862.000
1960
1.290.000

O rebanho teve a seguinte evolução:

1938
1950
1957
1964
Bovinos
270.000
450.000
757.000
980.000
Equinos
60.000
100.000
129.000
149.000
Suinos
294.000
700.000
1.032.000
1.304.000
Ovinos
31.000
-
28.000
29.000
Caprinos
22.000
-
86.000
115.000

O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 78 municípios do estado do Espirito Santo 2.100.000 cabeças de bovinos. Os cinco maiores rebanhos, que representavam 32% do total estavam nos seguintes municípios:
Ecoporanga                                    216.000 cabeças
Linhares                                          152.000 cabeças
Montanha                                        109.000 cabeças
Nova Venécia                                   96.000 cabeças
São Mateus                                      95.000 cabeças



[1]  No livro ‘História do Brasil’ de 1627
[2] Foi um fidalgo de elevada nobreza, que iniciou carreira militar na Índia em 1520. Participou com bravura de vários combates, tendo a mão direita decepada em uma batalha. Em reconhecimento, foi nomeado por D. João III, governador das ilhas Molucas. Durante a viagem da Índia para as ilhas, Jorge de Menezes, descobriu a Nova Guiné. Não foi um bom governador, tendo cometido várias arbitrariedades. Uma certa noite convidou os chefes nativos locais para uma reunião e quando estavam todos presentes, ordenou um ataque, assassinando covardemente a todos. Quando o rei João III ficou sabendo da ocorrência, mandou aprisionar Jorge de Menezes e condenou-o a pena de degredo no Brasil, onde chegou por volta de 1535,  a bordo da nau Glória, em companhia do donatário Vasco Coutinho, fixando-se na capitania do Espírito Santo.'


1 comment:

  1. preciso de uma foto antiga de do bairro santo antonio 1950 em diante até 1958

    ReplyDelete

Thanks for your comments...