10.02.2011

PALMARES - REAÇÃO DOS ESCRAVOS NEGROS


O africano, cuja natureza moral parecia como que estremecer e agitar-se nas vicissitudes da escravidão, deu no Brasil, como em quase toda a América, freqüentes provas do grande vigor humano que trazia lá das suas misérias no continente negro. Sem contar manifestações de menos vulto em outros pontos do Novo Mundo, bastaria indicar, para honra da raça, o Haiti, onde o negro chegou a criar, com seu inaudito heroísmo, uma das páginas mais épicas da história moderna. E não é só o seu amor à liberdade que o africano revela na desgraça: talvez seja nele ainda mais acentuada a capacidade para a vida social. Isso, além de, na profusa documentação que se encontra nas duas penínsulas americanas, lá está hoje bem afirmado, na própria África, onde libertos da América do Norte fundaram a República da Libéria [1847].

Pode-se dizer que desde que chegava ao seu exílio, e se via em presença de uma raça superior, a emancipação era o sonho torturado do negro. E isso não exprimia apenas o desejo de ser livre como tinha sido lá na terra inclemente - livre como a caça, ou a besta da floresta. O que o negro começava logo a aspirar era a condição nova cujos horizontes se lhe abriam como de súbito, a felicidade que via gozada pelo branco. Quantos, à custa do próprio esforço, conseguiam libertar-se; e entre esses não raro se viam alguns que uma perseverança infatigável e hábitos de trabalho e de ordem tornavam abastados. Há hoje no Brasil não poucas famílias distintíssimas, cujos fundadores tiveram a glória de trazer o seu destino lá da noite da escravidão - por certo origem mais digna do que a de muitas aristocracias da Europa oriundas da pirataria.

Desde os primeiros tempos de regime servil (meados do século XVI), começaram os negros a protestar contra a impiedade de seus opressores. No último grau de miséria, ignorantes, e às vezes deprimidos pelos vícios, em cuja voragem procuravam afogar a consciência de seu infortúnio, os escravos tinham de sofrer castigos rigorosos, principalmente quando caiam  sob a manopla de senhores desumanos, que tudo do escarmento reclamavam. Desamparados de todo o mundo, entregues a todos os caprichos da força - o único refúgio do seu desespero era o recurso das florestas, os alcantis das montanhas, onde iam disputar às feras a clemência da solidão. Lá dos ermos faziam convites aos irmãos das fazendas vizinhas, afrontados das mesmas angústias.

Em breve, o valhacouto crescia, e tornava-se quilombo. Formaram-se assim numerosos desses núcleos em todo o país. Dali saíram aos bandos, para assaltar estâncias e povoados da redondeza e viandantes incautos, exercendo contra os brancos as vinganças mais terríveis. Bastava a notícia de um quilombo para alarmar toda uma zona; e muitas vezes, só a voz do negro fugido espantava e punha em rebate povoações inteiras. A polícia perseguia desapiedadamente essas míseras criaturas que a crueldade dos homens convertera em bandidos; e até, quase sempre, os próprios senhores organizavam expedições contra os quilombos como se foram antros de alimárias. Em todas as capitanias houve muitos quilombos; os mais notáveis, porém foram os que se formaram ao norte das Alagoas, na encosta oriental da serra da Barriga.

Palmares compunha-se de diversos núcleos, onde os pretos faziam suas lavouras, e de onde corriam a abrigar-se no núcleo central, que era fortificado para o caso de agressão. Viveram ali esses pretos durante mais de 70 anos. Com a entrada dos holandeses em Pernambuco, aumentou consideravelmente aquela vasta aliança, chegando alguns cronistas a calcular em nada menos de 30.000 almas o total da população aldeada. De Palmares faziam correrias pelas vizinhanças; e por fim já negociavam francamente nas vilas mais próximas. Numerosas expedições dirigiram-se contra aqueles díscolos da ordem; mas os pretos repeliram sempre os ataques, até que em 1697, Domingos Jorge Velho, não sem grandes esforços, pôde destruir os mais fortes daqueles núcleos, sendo, os negros apanhados vivos, de novo escravizados e vendidos.

Extraido  por LC do livro "História do Brazil", de Rocha Pombo, publicado em 1919 pela Editora "Weiszflog Irmãos" - São Paulo



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