10.03.2011

SEU CHICO - "ESTAÇÃO CARANDIRU"


ESTAÇÃO CARANDIRU

O livro "Estação Carandiru' de Dráuzio Varella foi lançado em 1999 pela 'Companhia das Letras'.O médico Dráuzio Varella, famoso pela sua participação em programas da Rede Globo de Televisão trabalhou durante 10 anos como voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (popularmente conhecido como Carandiru) que chegou a ter quase oito mil detentos, sendo o maior presídio da América do Sul. Foi o palco do massacre de 111 presos em 2 de outubro de 1992 que tornou  motivo de polêmica (relatado pelo autor nos capítulos : 'O LEVANTE', 'O ATAQUE' E 'O RESCADO'). O presídio foi desativado e parcialmente demolido em 2002, sendo transformado em um parque estadual. O livro ganhou o Prêmio Jaboti 2000 como 'Livro do Ano' e virou filme em 2003, dirigido por Hector Babenco. Estaremos postando alguns dos capítulos mais interessantes do livro.

SEU CHICO

Seu Chico matou o cunhado, tipo à-toa; matou um outro, que ganhou consideração na quadrilha com o objetivo precípuo de alcagüetar todos; e um terceiro que ele nem conta:
- Não merecia viver, doutor.
As mortes não lhe trazem remorsos:
- Se valessem arrependimento, não tinham morrido. 
Seu Chico é pai de duas mocinhas e um filho que deve estar grande. Foi abandonado pela mulher, ingrata, filha de família que não presta, responsável pela entrada dele no mundo do crime, segundo sua opinião. Cumpre quinze anos de uma pena de 44. Sofre saudades dos filhos mas se conforma, acha até bom não virem para não freqüentar o ambiente da cadeia. O corpo não aparenta cinqüenta anos:
- O homem preso precisa fazer exercício para não perder a dignidade.
Desde que o prenderam, a mulher interceptou-lhe a correspondência com as crianças, como vingança pela morte do irmão. Para os filhos, disse que o pai morreu na penitenciária. Parado de braços cruzados, cabeça raspada, caveira tatuada no antebraço direito apoiada em dois punhais, o peso do corpo uniformemente distribuído sobre os pés paralelos, sua postura denuncia o passado na marinha mercante. Época de trabalho duro na casa das máquinas, portos distantes, brigas de faca e mulheres inesquecíveis. Na coletividade das galerias, do empedernido piolho de cadeia ao mais reles ladrão, seu nome é pronunciado com entonação respeitosa:
- Foi seu Chico que falou... Se essa fita parar no conhecimento do seu Chico, vai ser problema.
Quando seu Chico é consultado, o ladrão chega e aguarda o convite para a aproximação enquanto ele termina o que está fazendo, seja o que for. Num dado instante, dirige o olhar ao recém-chegado: é a senha. Quem fala, gesticula, é sempre o ladrão; ele se mantém calado, o olhar perdido num ponto distante ou entretido num pequeno afazer. Depois, volta-se para o interlocutor, diz algumas frases na baixa intensidade sonora das conversas sérias entre homens presos e perde o olhar na direção inicial. Está encerrado o papo.

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