12.01.2011

BRASIL E ARGENTINA EM 1938

Leopoldo Costa

De formação política e cultural completamente diferenciada, sempre houve uma emulação entre o Brasil e Argentina, seja na economia, nos costumes e até em futebol. Procuraremos aqui, retratar os dois países em 1938, um ano fatídico do período inter-guerras. 

Crash da Bolsa de Nova York
Introdução

Depois do 'crash' da Bolsa de Valores de Nova York no mês de outubro de 1929, causada pela crise de excesso de produção e falta de consumo, os Estados Unidos e a Europa entraram numa grave depressão econômica, pois as empresas dos Estados Unidos tiveram que reduzir a produção, demitir centenas de milhares de empregados e diminuir suas importações. O país era o maior importador mundial.
Calcula-se que cerca de 15 milhões de pessoas ficaram sem emprego nos Estados Unidos, provocando outro tanto de demissões na Europa, que tinha a economia interligada à estadunidense, desde o final da Primeira Grande Guerra.

O Brasil e a Argentina sofreram também os efeitos da crise. O Brasil, dependente do café, teve redução drástica nas importações do seu principal comprador (cerca de 60% de toda a exportação de café destinava-se aos Estados Unidos). Em agosto de 1929 o preço de uma saca de café no Brasil era de 200.000 réis e em janeiro de 1930 despencou para 21.000 réis.

Brasil

Getúlio Vargas (1882-1954) em 2 de janeiro de 1930 lançou a plataforma da Aliança Liberal, que o escolheu para candidato a presidente da república e o então governador da Paraíba João Pessoa (1878-1930)  como vice. As eleições foram realizadas em 1 de março. Getúlio foi derrotado nas urnas por Júlio Prestes (1882-1946) com uma diferença de 48% a mais de votos.  O candidato a vice, João Pessoa foi assassinado em Recife em 26 de julho por questões pessoais, pelo advogado João Dantas.  Inconformado  e  talvez contaminado pelo que acontecia na Argentina,  Getúlio decidiu liderar uma revolução, que a 24 de outubro alcançou a capital federal e depôs o presidente Washington Luís (1869-1957), tomando posse como presidente em 3 de novembro, abortando assim a posse do presidente eleito, Júlio Prestes.

Argentina

O período 1930-1943 é conhecido na história argentina como ‘La Década Infame’. Começou em 6 de setembro de 1930 com um golpe de estado liderado pelo general José Felix Uriburu (1868-1932), que depôs o presidente Hipólito Yrigoyen (1852-1933), eleito democraticamente pelo voto popular. Uriburu impôs um governo militar de orientação fascista que perdurou dois anos. Depois com eleições fraudulentas seguiram outros três presidentes, considerados corruptos e conservadores: Agustin Justo (de 1932 a 1938), Roberto Ortiz (de 1938 a 1942) e Ramon Castilho (de 1942 a 1943), que substitui Ortiz que ficou doente.
O Reino Unido era o principal parceiro econômico da Argentina e estava prestes a impor  medidas restritivas anunciadas na Convenção de Ottawa, visando proteger o mercado de carnes da Comunidade, obrigando os comerciantes britânicos a adquirir os produtos das colônias, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul etc. Na época, cerca de 17% das exportações  da Argentina, eram  de carne para o Reino Unido. Houve reação do governo argentino que em 7 de fevereiro de 1933, enviou uma missão à Londres dirigida pelo presidente Agustín Pedro Justo (1876-1943) que negociou com o príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VIII (1894-1972), o acordo Roca-Runciman que foi assinado em 1 de maio de 1933. Nele foi estabelecido um limite de 390.000 toneladas por ano para as exportações de carne da Argentina para o Reino Unido, devendo 85% ser efetuada através de frigoríficos estrangeiros. Em contrapartida a Argentina aceitava a isenção de impostos para o carvão importado do Reino Unido e assumia o compromisso de não habilitar novos frigoríficos para exportar carne para aquele destino. Na surdina, paralelamente ao acordo, foi criado o Banco Central da República Argentina que tinha a competência de emitir moeda e regulamentar as taxas de juros, inicialmente dirigida por uma diretoria com grande participação britânica e concedeu a empresa do Reino Unido, o monopólio dos transportes públicos de Buenos Aires.

Variedades e Entretenimento em 1938

A Argentina vivia a época áurea do tango, que destacava interpretes como Carlos Gardel, (1890-1935), Roberto Goyeneche (1926-1994), Hugo del Carril (1912-1989), Ignacio Corsini (1891-1967) e outros. Orquestras típicas, que tinham como instrumento base o bandoneon faziam sucesso nos cabarés da capital portenha, como a de Francisco Canaro, Júlio de Caro, Osvaldo Pugliese, Juan d’Arienzo e outras.
Na Literatura destacaram-se principalmente, Jorge Luís Borges (1899-1986), Leopoldo Marechal (1900-1970), vencedor do Tercer Premio Nacional de Poesia em 1937 com ‘Cinco Poemas Australes’ e Macedonio Fernandez (1874-1952).

No Brasil, era popular as marchinhas carnavalescas e o sucesso do ano foi  ‘As pastorinhas’ de Noel Rosa, (1910- 1937).  Carmen Miranda (1909-1955) causava furor em Hollywood  e estava rodando o seu filme ‘Banana da Terra’, lançado no Rio em fevereiro de1939. Dorival Caymmi  (1914-2008) lançou o seu primeiro sucesso: ‘O que que a baiana tem’, que foi gravado também por Carmen Miranda.
No início da década de 1930, existiam 21 emissoras de rádio no Brasil, todas 'beneficentes' e por isso, denominadas ‘radio sociedade’ ou ‘rádio clube’ e só tocavam músicas eruditas. Em 1932 o governo autorizou a veiculação de propaganda nas transmissões radiofônicas e a programação transformou-se notadamente.  Surgiram os programas de auditório (César Ladeira (1910-1969), Ari Barroso (1903-1964) e outros) e despontaram as cantoras e cantores de rádio como Francisco Alves (1898-1952), Mário Reis (1907-1981), Dalva de Oliveira (1917-1972), Araci de Almeida (1914-1988) etc. Cada emissora até 1933, pagava  90.000 réis para transmitir uma música e depois da data, por norma do governo, passou a pagar 500.000 réis. Em 1938 já existiam 42 emissoras de rádio no Brasil.
Na Literatura, em 1938, Graciliano Ramos (1914-1953) lançou o livro ‘Vidas Secas’.
Em julho, numa emboscada em Angicos (SE) foram mortos Lampião (1898-1938), Maria Bonita (1911-1938) e mais nove cangaceiros.
No dia 13 de agosto foi realizado o primeiro Congresso Nacional dos Estudantes, que deu origem a União Nacional dos Estudantes.

Nos cinemas das grandes cidades de ambos os países brilhavam  artistas como Tyrone  Power (1914-1858), Clark Gable (1901-1960), Claudette Colbert (1903-1996), Madge Evans (1909-1981), Marlene Dietrich (1901-1992), Joan Crawford (1905-1977), Myrna Loy (1905-1990), Greta Garbo (1905-1990), Dolores del Rio (1905-1983), Gary Cooper (1901-1961), Rita Hayworth (1918-1987), Errol Flynn (1909-1959), John Wayne (1907-1979) e tantos outros. Apareciam também em anúncios publicitários e eram imitados pelos jovens.

População

Em 1938, a população argentina era de 12.960.000 habitantes, enquanto a população do Brasil era de 39.900.000 habitantes, mais do triplo. 88% da população eram brancos, 10% mestiços e 2% indígenas. Os negros eram muito poucos.
·        Buenos Aires, a capital argentina era a maior cidade do Hemisfério Sul e tinha 2.345.000 habitantes.
As outras maiores cidades do país eram:
·        Rosário com 511.000 habitantes
·        Avellaneda com 386.000 habitantes
·        Córdoba com 323.000 habitantes
·        La Plata com 247.000 habitantes
Estas cinco cidades concentravam 29% da população total do país. Cerca de 20% da população residente (2.579.000  pessoas)  tinha nascido em outros países.

O Brasil com 39.900.000 habitantes, 60% era brancos, 25% mestiços, 12% negros e 3% de indígenas e asiáticos.
As cinco maiores cidades, que concentravam menos de 10% da população total do país eram: ·        Rio de Janeiro com 1.564.000 habitantes
·        São Paulo com 1.254.000 habitantes
·        Recife com 327.000 habitantes
·        Salvador com 293.000 habitantes
·        Porto Alegre com 262.000 habitantes

Moeda e Bancos em 1938

Com população e área territorial três vezes menores, a Argentina tinha mais pujança econômica do que o Brasil, como retrata a tabela abaixo:
Moedas e Bancos

Brasil
Argentina
Reserva de ouro
60.964
388.500
Meio Circulante
292.395
398.400
Receita do Governo
235.114
297.382
Despesa do Governo
286.967
383.042
Dívida Nacional
85.428.324
1.286.697
Depósitos bancários
706.899
68.580



            (Todas as cifras em milhares de dólares)

O Brasil já tinha uma dívida preocupante: 66 vezes maior do que a da Argentina. As reservas de ouro só pagariam 0,07% desta dívida. A dívida argentina equivalia a 3,3 vezes as suas reservas de ouro.

Comércio Internacional em 1938

A Argentina exportou 411,8 milhões de dólares e importou 422 milhões de dólares, havendo um déficit de 10,2 milhões de dólares.

O Brasil exportou 308,9 milhões de dólares e importou 314,8 milhões de dólares, havendo um déficit de 5,9 milhões de dólares.

Argentina

Na exportação de 411,8 milhões de dólares, os cinco maiores itens que perfizeram 71% do total foram:
·        Carnes e derivados         21%
·        Trigo                                  13%
·        Linhaça                              13%
·        Milho                                  13%
·        Lã                                       11%

Principais cinco países importadores, que representaram 68% do total:
·        Reino Unido                         33%
·        Alemanha                             12%
·        Estados Unidos                    9%                             
·        Bélgica                                   8%
·        Países Baixos                       7%

Na importação, os cinco maiores itens perfizeram 70% do total e foram os seguintes:
·        Têxteis e derivados                      20%
·        Combustíveis e lubrif.                   16%
·        Máquinas e veículos                     16%
·        Manufaturas de aço e ferro           9%
·        Aditivos alimentares                      7%

Principais cinco países exportadores, que representaram 57% do total:
·        Reino Unido                         18%
·        Estados Unidos                   18%
·        Alemanha                             10%
·        Itália                                        6%
·        Bélgica                                   5%

Brasil

Na exportação, os cinco maiores itens que perfizeram 75% do total foram:
·        Café                                      45%
·        Algodão                               18%
·        Cacau                                    4%
·        Couros e peles                     4%
·        Carnes e derivados              3%

Principais cinco países importadores, que representaram 73% do total:
·        Estados Unidos                      34%
·        Alemanha                                19%
·        Reino Unido                              9%
·        França                                       7%
·        Japão                                         4%                    
                                       
Na importação os cinco maiores itens perfizeram 60% do total e foram os seguintes:
·        Máquinas e equipamentos         23%
·        Veículos e peças                         12% 
·        Trigo e outros cereais                 10%
·        Petróleo e derivados                    8%
·        Manufaturas de aço e ferro          7%

Principais cinco países exportadores, que representaram 75% do total:
·        Alemanha                                    25%
·        Estados Unidos                           24%                             
·        Argentina                                      12%
·        Reino Unido                                 10%
·        Bélgica                                           4%



Produção Agropecuária em 1938


Criação de ovinos na Argentina

A Argentina era o principal exportador mundial de carne bovina e o terceiro maior de carne ovina.  As exportações de carnes da Argentina equivaliam a mais de sete vezes as exportações do Brasil.
O Brasil  já era o quarto maior exportador mundial de carne bovina.




Exportações de Carnes em 1938 (tons)

Argentina
Brasil
Carne bovina
496.074
72.890
Carne suína
20.927
4.390
Carne ovina
53.756
534
Total
570.757
77.814


O rebanho de bovinos do Brasil, já era maior do que o da Argentina. Só os rebanhos de ovinos e equinos eram maiores na Argentina que no Brasil:

Rebanho  em 1938 (cabeças)

Argentina
Brasil
Bovinos
33.100.000
41.883.000
Suínos
3.976.000
23.543.000
Ovinos
43.790.000
14.167.000
Equinos
8.527.000
6.713.000
Caprinos
4.876.000
5.906.000
Asininos e muares
905.000
4.119.000
Total
95.174.000
96.331.000
O Brasil era o maior produtor mundial de café e o maior exportador. Toda a produção  dos outros países  somados não alcançavam  a produção brasileira. 54% da exportação de café era para os Estados Unidos.
Na produção de algodão o Brasil ocupava o quinto lugar no ranking mundial e a Argentina o sexto.
Na produção de trigo, a Argentina era o oitavo maior produtor mundial e o Brasil era o maior importador de trigo argentino, com 48% do total exportado pelo país.
Na produção de milho, o Brasil detinha o terceiro lugar mundial e a Argentina o sexto.
Na produção de fumo, o Brasil era o quarto colocado do mundo, oitavo na produção de açúcar e nono na produção de arroz.







Transportes e Comunicação em 1938

Em aparelhos telefônicos a Argentina tinha 21 unidades por mil habitantes e o Brasil apenas cinco unidades.  De aparelhos de rádio a Argentina tinha 62 unidades por mil habitantes e o Brasil 11 unidades.

Comunicação em 1938 


Argentina
Brasil
Aparelhos telefônicos
unid.
377.473
241.561
Linhas telegráficas
km
47.184
61.787
Estações de rádio
Unid.
65
42
Aparelhos de rádio
Unid.
800.000
500.000

Levando em consideração,  a extensão territorial (a Argentina  representa  um terço do território do Brasil), a estrutura de transporte  argentina era melhor do que a brasileira, com exceção do transporte fluvial:

Estrutura de Transportes em 1938 


Argentina
Brasil
Vias fluviais
km
5.000
43.142
Vias férreas
km
26.531
32.714
Vias rodoviárias
km
264.194
205.450
Vias aéreas
km
-
51.831

São Paulo na década de 1940


A Indústria em 1935

A Argentina tinha 53.927 estabelecimentos industriais e o Brasil 58.512.
Na Argentina, 13.742 estabelecimentos (25%) eram de alimentos, bebidas e fumo, 8.593 estabelecimentos de máquinas e veículos (16%) e 7.699 estabelecimentos de madeira e celulose (14%).
No Brasil, 14.983 estabelecimentos eram de bebidas (26%), 13.591 estabelecimentos de produtos alimentícios (23%) e 13.591 estabelecimentos de vestuário (23%).

*Fonte das estatísticas: ‘Encyclopedia Britannica- Word Atlas, edição de 1951. Dados processados e adaptados pelo autor.




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