De formação política e cultural completamente diferenciada, sempre houve uma emulação entre o Brasil e Argentina, seja na economia, nos costumes e até em futebol. Procuraremos aqui, retratar os dois países em 1938, um ano fatídico do período inter-guerras.
Crash da Bolsa de Nova York |
Introdução
Depois do 'crash' da Bolsa de Valores de Nova York no mês de
outubro de 1929, causada pela crise de excesso de produção e falta de consumo, os
Estados Unidos e a Europa entraram numa grave depressão econômica, pois as
empresas dos Estados Unidos tiveram que reduzir a produção, demitir centenas de
milhares de empregados e diminuir suas importações. O país era o maior
importador mundial.
Calcula-se que cerca de 15 milhões de pessoas ficaram sem
emprego nos Estados Unidos, provocando outro tanto de demissões na Europa, que
tinha a economia interligada à estadunidense, desde o final da Primeira Grande
Guerra.
O Brasil e a Argentina sofreram também os efeitos da crise. O
Brasil, dependente do café, teve redução drástica nas importações
do seu principal comprador (cerca de 60% de toda a exportação de café
destinava-se aos Estados Unidos). Em agosto de 1929 o preço de uma saca de café
no Brasil era de 200.000 réis e em janeiro de 1930 despencou para 21.000 réis.
Brasil
Getúlio Vargas (1882-1954) em 2 de janeiro de 1930 lançou a
plataforma da Aliança Liberal, que o escolheu para candidato a presidente da
república e o então governador da Paraíba João Pessoa (1878-1930) como vice. As eleições foram realizadas em 1
de março. Getúlio foi derrotado nas urnas por Júlio Prestes (1882-1946) com uma
diferença de 48% a mais de votos. O candidato a vice, João Pessoa foi assassinado em Recife em 26 de julho por questões pessoais, pelo
advogado João Dantas. Inconformado e talvez contaminado pelo que acontecia na Argentina, Getúlio
decidiu liderar uma revolução, que a 24 de outubro alcançou a capital federal e
depôs o presidente Washington Luís (1869-1957), tomando posse como presidente em 3 de
novembro, abortando assim a posse do presidente eleito, Júlio
Prestes.
Argentina
O período 1930-1943 é conhecido na história argentina como ‘La
Década Infame’. Começou em 6 de setembro de 1930 com um golpe de estado
liderado pelo general José Felix Uriburu (1868-1932), que depôs o presidente Hipólito
Yrigoyen (1852-1933), eleito democraticamente pelo voto popular. Uriburu impôs um
governo militar de orientação fascista que perdurou dois anos. Depois com
eleições fraudulentas seguiram outros três presidentes, considerados corruptos
e conservadores: Agustin Justo (de 1932 a 1938), Roberto Ortiz (de 1938 a 1942)
e Ramon Castilho (de 1942 a 1943), que substitui Ortiz que ficou doente.
O Reino Unido era o principal parceiro econômico da
Argentina e estava prestes a impor medidas restritivas anunciadas na Convenção de
Ottawa, visando proteger o mercado de carnes da Comunidade, obrigando os
comerciantes britânicos a adquirir os produtos das colônias, como Canadá, Austrália, Nova
Zelândia, África do Sul etc. Na época, cerca de 17% das exportações da Argentina, eram de carne para o Reino Unido. Houve reação do
governo argentino que em 7 de fevereiro de 1933, enviou uma missão à Londres
dirigida pelo presidente Agustín Pedro Justo (1876-1943) que negociou com o príncipe de
Gales, futuro rei Eduardo VIII (1894-1972), o acordo Roca-Runciman que foi
assinado em 1 de maio de 1933. Nele foi estabelecido um limite de 390.000
toneladas por ano para as exportações de carne da Argentina para o Reino Unido,
devendo 85% ser efetuada através de frigoríficos estrangeiros. Em contrapartida
a Argentina aceitava a isenção de impostos para o carvão importado do Reino
Unido e assumia o compromisso de não habilitar novos frigoríficos para exportar
carne para aquele destino. Na surdina, paralelamente ao acordo, foi criado o
Banco Central da República Argentina que tinha a competência de emitir moeda e
regulamentar as taxas de juros, inicialmente dirigida por uma diretoria com
grande participação britânica e concedeu a empresa do Reino Unido, o monopólio
dos transportes públicos de Buenos Aires.
Variedades e
Entretenimento em 1938
A Argentina vivia a época áurea do tango, que destacava
interpretes como Carlos Gardel, (1890-1935), Roberto Goyeneche (1926-1994),
Hugo del Carril (1912-1989), Ignacio Corsini (1891-1967) e outros. Orquestras
típicas, que tinham como instrumento base o bandoneon faziam sucesso nos
cabarés da capital portenha, como a de Francisco Canaro, Júlio de Caro, Osvaldo
Pugliese, Juan d’Arienzo e outras.
Na Literatura destacaram-se principalmente, Jorge Luís Borges
(1899-1986), Leopoldo Marechal (1900-1970), vencedor do Tercer Premio Nacional
de Poesia em 1937 com ‘Cinco Poemas Australes’ e Macedonio Fernandez
(1874-1952).
No Brasil, era popular as marchinhas carnavalescas e o
sucesso do ano foi ‘As pastorinhas’ de
Noel Rosa, (1910- 1937). Carmen Miranda
(1909-1955) causava furor em Hollywood e
estava rodando o seu filme ‘Banana da Terra’, lançado no Rio em fevereiro de1939.
Dorival Caymmi (1914-2008) lançou o seu
primeiro sucesso: ‘O que que a baiana tem’, que foi gravado também por Carmen Miranda.
No início da década de 1930, existiam 21 emissoras de rádio
no Brasil, todas 'beneficentes' e por isso, denominadas ‘radio sociedade’ ou ‘rádio
clube’ e só tocavam músicas eruditas. Em 1932 o governo autorizou a veiculação
de propaganda nas transmissões radiofônicas e a programação transformou-se notadamente. Surgiram os programas de auditório (César Ladeira
(1910-1969), Ari Barroso (1903-1964) e outros) e despontaram as cantoras e
cantores de rádio como Francisco Alves (1898-1952), Mário Reis (1907-1981),
Dalva de Oliveira (1917-1972), Araci de Almeida (1914-1988) etc. Cada emissora
até 1933, pagava 90.000 réis para
transmitir uma música e depois da data, por norma do governo, passou a pagar
500.000 réis. Em 1938 já existiam 42 emissoras de rádio no Brasil.
Na Literatura, em 1938, Graciliano Ramos (1914-1953) lançou o
livro ‘Vidas Secas’.
Em julho, numa emboscada em Angicos (SE) foram mortos Lampião
(1898-1938), Maria Bonita (1911-1938) e mais nove cangaceiros.
No dia 13 de agosto foi realizado o primeiro Congresso
Nacional dos Estudantes, que deu origem a União Nacional dos Estudantes.
Nos cinemas das grandes cidades de ambos os países brilhavam artistas como Tyrone Power (1914-1858), Clark Gable (1901-1960),
Claudette Colbert (1903-1996), Madge Evans (1909-1981), Marlene Dietrich
(1901-1992), Joan Crawford (1905-1977), Myrna Loy (1905-1990), Greta Garbo
(1905-1990), Dolores del Rio (1905-1983), Gary Cooper (1901-1961), Rita
Hayworth (1918-1987), Errol Flynn (1909-1959), John Wayne (1907-1979) e tantos
outros. Apareciam também em anúncios publicitários e eram imitados pelos jovens.
População
Em 1938, a população argentina era de 12.960.000 habitantes,
enquanto a população do Brasil era de 39.900.000 habitantes, mais do triplo. 88%
da população eram brancos, 10% mestiços e 2% indígenas. Os negros eram muito
poucos.
·
Buenos Aires, a capital argentina era a maior
cidade do Hemisfério Sul e tinha 2.345.000 habitantes.
As outras maiores cidades do país eram:
·
Rosário com 511.000 habitantes
·
Avellaneda com 386.000 habitantes
·
Córdoba com 323.000 habitantes
·
La Plata com 247.000 habitantes
Estas cinco cidades concentravam 29% da população total do
país. Cerca de 20% da população residente (2.579.000 pessoas)
tinha nascido em outros países.
O Brasil com 39.900.000 habitantes, 60% era brancos, 25%
mestiços, 12% negros e 3% de indígenas e asiáticos.
As cinco maiores cidades, que concentravam menos de 10% da
população total do país eram: ·
Rio de Janeiro com 1.564.000 habitantes
·
São Paulo com 1.254.000 habitantes
·
Recife com 327.000 habitantes
·
Salvador com 293.000 habitantes
·
Porto Alegre com 262.000 habitantes
Moeda e Bancos em
1938
Com população e área territorial três vezes menores, a
Argentina tinha mais pujança econômica do que o Brasil, como retrata a tabela
abaixo:
Moedas e Bancos
|
||
Brasil
|
Argentina
|
|
Reserva
de ouro
|
60.964
|
388.500
|
Meio
Circulante
|
292.395
|
398.400
|
Receita
do Governo
|
235.114
|
297.382
|
Despesa
do Governo
|
286.967
|
383.042
|
Dívida
Nacional
|
85.428.324
|
1.286.697
|
Depósitos
bancários
|
706.899
|
68.580
|
(Todas as cifras em milhares de
dólares)
O Brasil já tinha uma dívida preocupante: 66 vezes maior do
que a da Argentina. As reservas de ouro só pagariam 0,07% desta dívida. A
dívida argentina equivalia a 3,3 vezes as suas reservas de ouro.
Comércio
Internacional em 1938
A Argentina exportou 411,8 milhões de dólares e importou 422
milhões de dólares, havendo um déficit de 10,2 milhões de dólares.
O Brasil exportou 308,9 milhões de dólares e importou 314,8
milhões de dólares, havendo um déficit de 5,9 milhões de dólares.
Argentina
Na exportação de 411,8 milhões de dólares, os cinco maiores
itens que perfizeram 71% do total foram:
·
Carnes e derivados 21%
·
Trigo 13%
·
Linhaça 13%
·
Milho 13%
·
Lã 11%
Principais cinco países importadores, que representaram 68%
do total:
·
Reino Unido 33%
·
Alemanha 12%
·
Estados Unidos 9%
·
Bélgica 8%
·
Países Baixos 7%
Na importação, os cinco maiores itens perfizeram 70% do
total e foram os seguintes:
·
Têxteis e derivados 20%
·
Combustíveis e lubrif. 16%
·
Máquinas e veículos 16%
·
Manufaturas de aço e ferro 9%
·
Aditivos alimentares 7%
Principais cinco países exportadores, que representaram 57%
do total:
·
Reino Unido 18%
·
Estados Unidos 18%
·
Alemanha 10%
·
Itália 6%
·
Bélgica 5%
Brasil
Na exportação, os cinco maiores itens que perfizeram 75% do
total foram:
·
Café 45%
·
Algodão 18%
·
Cacau 4%
·
Couros e peles 4%
·
Carnes e derivados 3%
Principais cinco países importadores, que representaram 73%
do total:
·
Estados Unidos 34%
·
Alemanha 19%
·
Reino Unido 9%
·
França 7%
·
Japão 4%
Na importação os cinco maiores itens perfizeram 60% do total
e foram os seguintes:
·
Máquinas e equipamentos 23%
·
Veículos e peças 12%
·
Trigo e outros cereais 10%
·
Petróleo e derivados 8%
·
Manufaturas de aço e ferro 7%
Principais cinco países exportadores, que representaram 75%
do total:
·
Alemanha 25%
·
Estados Unidos 24%
·
Argentina 12%
·
Reino Unido 10%
·
Bélgica 4%
Produção Agropecuária em 1938
Criação de ovinos na Argentina |
A Argentina era o principal exportador mundial de carne bovina e o terceiro maior de carne ovina. As exportações de carnes da Argentina equivaliam a mais de sete vezes as exportações do Brasil.
O Brasil já era o quarto maior exportador mundial de carne
bovina.
Exportações de Carnes em 1938 (tons)
|
||
Argentina
|
Brasil
|
|
Carne
bovina
|
496.074
|
72.890
|
Carne
suína
|
20.927
|
4.390
|
Carne
ovina
|
53.756
|
534
|
Total
|
570.757
|
77.814
|
O rebanho de bovinos do Brasil, já era maior do que o da Argentina. Só os rebanhos de ovinos e equinos eram maiores na Argentina que no Brasil:
Rebanho em
1938 (cabeças)
|
||
Argentina
|
Brasil
|
|
Bovinos
|
33.100.000
|
41.883.000
|
Suínos
|
3.976.000
|
23.543.000
|
Ovinos
|
43.790.000
|
14.167.000
|
Equinos
|
8.527.000
|
6.713.000
|
Caprinos
|
4.876.000
|
5.906.000
|
Asininos
e muares
|
905.000
|
4.119.000
|
Total
|
95.174.000
|
96.331.000
|
O Brasil era o maior produtor mundial de café e o maior
exportador. Toda a produção dos outros países
somados não alcançavam a produção brasileira. 54% da exportação de
café era para os Estados Unidos.
Na produção de algodão o Brasil ocupava o quinto lugar no
ranking mundial e a Argentina o sexto.
Na produção de trigo, a Argentina era o oitavo maior
produtor mundial e o Brasil era o maior importador de trigo argentino, com 48%
do total exportado pelo país.
Na produção de milho, o Brasil detinha o terceiro lugar
mundial e a Argentina o sexto.
Na produção de fumo, o Brasil era o quarto colocado do
mundo, oitavo na produção de açúcar e nono na produção de arroz.
Transportes e Comunicação em 1938
Em aparelhos telefônicos a Argentina tinha 21 unidades por
mil habitantes e o Brasil apenas cinco unidades. De aparelhos de rádio a Argentina tinha 62 unidades por mil habitantes e o Brasil 11 unidades.
Comunicação em 1938
|
|||
Argentina
|
Brasil
|
||
Aparelhos
telefônicos
|
unid.
|
377.473
|
241.561
|
Linhas
telegráficas
|
km
|
47.184
|
61.787
|
Estações
de rádio
|
Unid.
|
65
|
42
|
Aparelhos
de rádio
|
Unid.
|
800.000
|
500.000
|
Levando em consideração, a extensão territorial (a Argentina representa um terço do território do Brasil), a estrutura
de transporte argentina era melhor do
que a brasileira, com exceção do transporte fluvial:
Estrutura de Transportes em 1938
|
|||
Argentina
|
Brasil
|
||
Vias
fluviais
|
km
|
5.000
|
43.142
|
Vias
férreas
|
km
|
26.531
|
32.714
|
Vias
rodoviárias
|
km
|
264.194
|
205.450
|
Vias
aéreas
|
km
|
-
|
51.831
|
São Paulo na década de 1940 |
A Indústria em 1935
A Argentina tinha 53.927 estabelecimentos industriais e o
Brasil 58.512.
Na Argentina, 13.742 estabelecimentos (25%) eram de
alimentos, bebidas e fumo, 8.593 estabelecimentos de máquinas e veículos (16%)
e 7.699 estabelecimentos de madeira e celulose (14%).
No Brasil, 14.983 estabelecimentos eram de bebidas (26%),
13.591 estabelecimentos de produtos alimentícios (23%) e 13.591
estabelecimentos de vestuário (23%).
*Fonte das
estatísticas: ‘Encyclopedia Britannica- Word Atlas, edição de 1951. Dados
processados e adaptados pelo autor.
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