12.07.2011

A EXPANSÃO DA PECUÁRIA COLONIAL


Como já tivemos a oportunidade de escrever, os índios não possuíam animais domésticos - a carne que comiam provinha da caça e da pesca -, e sua lavoura não era de fixar o homem por muito tempo em determinado lugar.
Como a armada de Martim Afonso de Sousa deu início à colonização regular do Brasil, há os que julgam que os primeiros animais domésticos aqui chegaram com ele ou logo depois da sua armada. O certo é que Martim Afonso encontrou em São Vicente galinhas e porcos da Espanha. Gado bovino, porém, não há notícia de sua existência em Terra de Santa Cruz antes de 1534, quando Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso, o introduziu na capitania vicentina. Aqui, se pode dizer com segurança, começa a criação de gado bovino no Brasil. A criação do gado vacum era de grande importância nos engenhos de açúcar pelo trabalho que os bois ofereciam e para o sustento alimentar de boa qualidade que constitui sua carne e leite de vaca altamente nutritivo.
Mas o boi não ficaria adstrito ao engenho. Era rico demais para continuar como um simples auxiliar, mesmo que auxiliar de uma organização extraordinariamente forte e respeitada como eram os engenhos.
Aumentando consideravelmente, pela bondade dos campos que se estendiam terra adentro, o gado vacum não tardou a se tornar um elemento autônomo na economia colonial. Exigindo a criação do gado pastos enormes, o caminho do sertão estava aberto.
A Bahia recebeu gado bovino que lhe era enviado do arquipélago do Cabo Verde, conforme pedido que Tomé de Sousa fez a D. João III, por carta de 18 de junho de 1551. Às margens do Rio São Francisco, na sesmaria de Garcia d' Ávila, a criação teve grande desenvolvimento. E da Bahia “os currais aos poucos se derramaram do Maranhão a Pernambuco, ocupando os interiores dessas regiões e ainda os do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba”. Na direção de Oeste chegaram os currais de gado a Goiás e Mato Grosso, enquanto que o futuro território das Minas Gerais, antes da mineração, já era desbravado pelos criadores de São Vicente.
Aurélio Porto, que é hoje, no Brasil, a maior autoridade em matéria de história da pecuária, ensina que esse gado brasileiro de São Vicente é que iniciou a criação bovina no Paraguai, sendo para lá introduzido em 1555. E, o que é mais interessante para nós, o mesmo autor, depois de acuradas pesquisas, chegou à conclusão segura de que todo o gado do Uruguai, que se estendeu até às margens do Rio da Prata, onde Portugal fundou a Colônia do Sacramento, descende também remotamente do gado de São Vicente, através dos rebanhos do Paraguai e das diferentes reduções jesuíticas.
A penetração do interior traria, como consequência, o seu povoamento, que criadores e vaqueiros se fixavam nos currais. A distância do litoral, a ameaça mais perigosa dos selvícolas e a menor segurança que o sertão oferecia, por falta de organização de defesa (as autoridades lusas permaneciam na orla), a falta de luxo e de conforto, levaram criadores e vaqueiros a irmanarem-se, quebrando preconceitos.
Acontecia exatamente o contrário do que se dava nos engenhos de açúcar que estabeleciam uma separação entre a casa grande, faustosa, rica e aristocrática, - e a senzala, pobre e dramática. A mobilidade dos rebanhos, a amplidão dos campos, dariam ao sertanejo o um sentido de liberdade, somente superado pela organização das bandeiras.
Do boi, apenas o couro era exportado para Portugal, por razões óbvias, claras. Ocupa, no início do século XVIII, o quarto lugar entre os produtos que vão para a Metrópole, estando-lhe na dianteira o ouro, o açúcar e o fumo. “Para que se faça justo conceito das boiadas, que se tiram cada ano dos currais do Brasil basta advertir que os rolos de tabaco que se embarca para qualquer parte, vão encourados.  E sendo cada um de oito arrobas, e os da Bahia (...) ordinariamente cada ano pelo menos, vinte e cinco mil arrobas, e os das Alagoas de Pernambuco, duas mil e quinhentas arrobas, bem se vê quantas reses são necessárias para encourar vinte e sete mil e quinhentos rolos. Além disto, vão cada ano da Bahia para o Reino até cinquenta mil meios de sola; de Pernambuco quarenta mil; e do Rio de Janeiro (não sei se computados os que vinham da nova Colônia, ou só os do mesmo Rio, e outras capitanias do Sul) até vinte mil meios de sola: que vem a ser por todas, cento e dez mil meios de sola."
O couro do boi serve para a indústria do calçado e para o vaqueiro, como ainda hoje se pode observar, para a feitura de calças e chapéus. Arreios e selas, ainda agora, são feitos com ele. Na indústria de móveis, utiliza-se, principalmente, para assentos e encostos de cadeiras, revestimento de canastras, onde os artistas do artesanato têm feito verdadeiras maravilhas, e continuam a fazer, haja vista as encadernações de livros. Quando Antonil escreveu sua obra fundamental para o conhecimento do Brasil, calculava de 1 500 000 cabeças de gado vacum existentes em nossas plagas. E Roberto Simonsen estima a exportação de couro, durante o período colonial, em 1 500 000 libras.
Acabamos de falar do gado bovino que, no estudo da pecuária colonial, tem merecido maior atenção. Os muares, entretanto, na história das comunicações entre pontos os mais distantes do país e na economia e indústrias locais, têm não menor importância, muito embora não se lhe tenha dado o devido destaque.
Sabemos que Martim Afonso de Sousa encontrou, em São Vicente, porcos da Espanha, trazidos pelos povoadores ibéricos.
que primeiro nessas praias se estabeleceram. Não sabemos quando aqui chegaram. O mesmo acontece com os caprinos e ovídeos, que devem ter aqui chegado com os primeiros colonizadores. Pelo pequeno porte desses animais e por serem de transporte mais fácil, é de se admitir, sem grande margem de erro, que foram dos primeiros a serem aqui criados. Dos animais de pequeno porte, o suíno foi o que mais rapidamente proliferou, levando-se em conta, principalmente, a fecundidade das fêmeas.
O cavalo que tanta preocupação haveria de trazer aos governos metropolitanos, interessava bastante à Coroa, pois nas guerras era da maior importância. A cavalaria empregava-se frequentemente e com sucesso, isto desde os tempos mais distantes da história bélica. Além dessa importância, para os reis, fundamental, de servir para a guerra, o cavalo constituía um dos mais usados meios de transporte, quer puxando carruagens, quer servindo de montaria, quer atrelado às diligencias, conduzindo através das longas estradas, de cidade em cidade, correspondências e viajantes.
Não se sabe com firmeza quando o cavalo foi introduzido no Brasil, O qual se tornou logo meio de condução mais usado e daí sua criação ter tido crescimento notável e existir em todas as capitanias. Os cavalos de raça mereciam o melhor tratamento por parte dos seus proprietários que, na sua maioria, se formava de senhores de engenho ou poderosos senhores. Cartas régias determinavam que todos os navios que partissem dos nossos portos com destino a Angola, levassem cavalos para essa colônia. A necessidade cada vez maior, com a fundação de povoados e vilas principalmente pelos bandeirantes, fez com que se encontrasse no gado muar, meio mais eficiente de transporte.
Além disso, para muitos casos, era mais vantajoso do que o boi mais vantajoso e mais ligeiro. As regiões do Sul da Colônia ofereciam campos propícios para criação de muares e a parte espanhola da América contava com animais em grande quantidade. Os espanhóis, desde o princípio, os introduziram em suas colónias. E do Sul passaram a vir grandes quantidades de muares, formando as tropas, conduzidas pelos legendários tropeiros.
Com as "mulas e machos" a criação de cavalos declina. Daí a representação  que os criadores de cavalos da Bahia, de Pernambuco e do Piauí fizeram ao Rei. Com o transporte feito no lombo das mulas e dos burros, os cavalos não eram adquiridos, prejudicando os seus criadores.
Por esta razão sua majestade foi servida "ordenar que em nenhuma cidade, vila ou lugar do território  (. . .)  se possa dar despacho por entrada, ou por saída a machos e mulas. E que antes pelo contrário, todas e todos que neles se introduzirem depois da publicação desta, sejam irremediavelmente perdidos e mortos, pagando as pessoas em cujas mãos forem achados os sobreditos machos, ou mulas,. a metade do seu valor, para os que os descobrirem. Nas mesmas penas incorrerão as pessoas que de tais cavalgaduras se servirem ou seja em transportes, ou em cavalaria, ou em carruagens, depois de ter passado um ano", que era o prazo concedido pelo rei para acabar com as mulas e machos como meio de transporte e tração.
E ordenava, ainda, sua majestade, que se fizessem inventários em todos os distritos para se saber quantas mulas e macho~ existiam em cada um, e com a "declaração das suas idades e sinais para por eles serem confrontados os que de novo" aparecessem.
Esta carta régia haveria de provocar forte reação, como era de se esperar, tão úteis haviam se tornado os animais atingidos pela real determinação. Três anos depois foi permitido novamente seu comércio e utilização, mas todas as fazendas que os criassem estavam obrigadas a criar, também, cavalos. O gado muar não era apenas útil ao povo, mas também ao governo, dada a arrecadação que propiciava e as rendas ótimas que oferecia.
Tal o movimento que ele provocava que deu causa a celebres feiras de gado, sendo a mais famosa a de Sorocaba, em São Paulo.

Por Brasil Bandecchi (1917-1997)  com o título de 'Expansão da Pecuária' no livro ' História Econômica e Administrativa do Brasil', LISA- Livros Irradiantes S.A.,São Paulo, 1973, p. 48-52. Digitado, ilustrado e editado para ser postado por Leopoldo Costa. 

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...