12.05.2011
ITAPECERICA - BERÇO CULTURAL DO OESTE MINEIRO
Feliciano Cardoso de Camargo foi o tipo do sertanista aventureiro, daqueles que não conseguiram fixar-se em lugar algum. Depois de andar ceca-e-meca, vamos encontrá-lo descobrindo ouro, com um grupo numeroso de companheiros, no Quilombo, algumas léguas de Itatiaiuçu. Depois de aí minerar por cerca de um ano, o capitão Feliciano Cardoso de Camargo resolveu explorar um pouco mais adiante, "na diligência de achar ouro", e, depois de percorrer umas cinco léguas, descobriu um ribeiro, a que deu o nome de Tamanduá, e outro córrego que se chamou Rosário. Duas fontes seguras nos garantem a época do descobrimento do Tamanduá: 1739. O local imediatamente encheu-se de mineiros. vindos de São José, de São João e principalmente do Quilombo, cujas minas ficaram abandonadas. O guarda-mor de Paraopeba foi ali servir na mesma função. Em 1740, estava formado o arraial; e não demorou a chamar a atenção dos oficiais da Câmara de São José deI Rei. De fato, a 30 de maio de 1744, em acórdão, "a bem desta República", deliberou aquela Câmara que devia tomar posse do novo descoberto e do arraial. E a 18 de junho de 1744, no "lugar do descobrimento e arraial de São Bento", o Juiz Ordinário, capitão-mor Manoel de Seixas da Fonseca, o vereador Manoel de Araújo Sampaio, o Escrivão da Câmara Diogo Antônio de Oliveira e João de Souza Lisboa tomaram posse solenemente do descobrimento e do arraial, ·para a vila de São José. Os mesmos representantes da Câmara de São José nomearam em seguida as primeiras autoridades locais: almotacé, o capitão Vicente Ferreira da Costa; tabelião, Miguel da Costa; juiz vintenário Joaquim Pereira e escrivão, Manoel da Silva Gral.
Nos primeiros anos, a assistência espiritual foi dada aos moradores pelo vigário de Curral deI Rei; depois, devido à distância, acabaram ficando os moradores, por três anos, sem padre. Foi quando o vigário de São José se dispôs a ministrar-Ihes o pasto espiritual. Mas, depois de um ano, comunicou, por escrito, ao bispo de Mariana, a impossibilidade de continuar dando assistência, devido às distâncias. A solução foi D. Frei Manoel da Cruz criar ali a paróquia, o que fez por provisão de 15 de fevereiro de 1757. Mandou o bispo, como primeiro vigário encomendado daquele sertão, no mesmo ano de 1757, o Pe. Gaspar Alvares Gondim, filho de fazendeiro abastado da zona, e que vinha funcionando como capelão da Sé de Mariana. O vigário encontrou, em Tamanduá, uma ermida coberta de palha. Sua primeira providência foi promover a construção de uma igreja decente. O têrmo que o vigário emprega amiúde, em sua correspondência, com referência a seu apostolado, é "domesticar" os moradores daquele sertão. Pe . Gaspar foi sempre zeloso, conseguiu realmente "domesticar" os aventureiros,edificou boa matriz, chegou a construir sete capelas filiais da freguesia de S.Bento do Tamanduá, e, acima de tudo, conseguiu formar ali uma verdadeira e sã comunidade de homens trabalhadores, com famílias de moral rígida, e depois de 25 anos, ou seja, em 1782, quando a paróquia rendia 17 mil cruzados de dízimos, entra em cena o vigário de São José, Pe. Carlos Correia de Toledo, pretendendo transformar aquela freguesia que vinha funcionando havia um quarto de século, em simples capela filial de sua matriz. O Pe. Carlos Toledo fora nomeado vigário de São José em 1776, quando se achava em Lisboa; e lá mesmo tomou posse do cargo. Inicialmente, apresentou sua pretensão ao Bispo, que indeferiu a petição. Recorreu, então o vigário da vara ao juízo da Coroa e teve ganho de causa. Com a decisão favorável, pediu e obteve do governador ordem ao Bispado, no sentido de que o vigário encomendado de Tamanduá desistisse de seu emprego e todos os moradores obedecessem a ele, Pe. Toledo. Depois disso, dirigiu-se a Tamanduá, em companhia do Juiz Ordinário da vila de São José. Chegaram os dois, hospedaram-se e trataram de dormir. Mas não dormiram. Durante a noite, fizeram-se ouvir gritos de protesto, tiros, uma barulheira infernal; e, a certa hora, apareceu debaixo da porta do quarto do Juiz Ordinário uma carta, intimando-o a sair cedo do arraial, pois, do contrário, o vigário iria assistir ao seu funeral. O Juiz não se intimidou e não saiu. No dia seguinte, pela manhã, dirige-se Pe. Toledo à igreja, que encontra fechada; e ninguém dava notícia das chaves. A quase totalidade da população saíra do arraial. O Comandante Inácio Correia Pamplona, depois disso, escreveu ao governador, reclamando providências do governo. Era o protetor do vigário, que ali, não pudera exercer seu ministério. No ano seguinte, 1783, usando da faculdade concedida aos vigários da vara, o vigário de São José nomeou o Pe. Lourenço Pinto Barbosa como capelão de Tamanduá. Com o fim de facilitar a posse do capelão, o Comandante e Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona escreveu ao Comandante de Tamanduá, capitão José Pais de Miranda, ordenando que facilitasse a posse do novo capelão. Chegou o Pe. Lourenço. Mas o capitão Miranda alegou que havia perdido as chaves da igreja. Durante dois dias procurou-as inutilmente, Pe. Lourenço teve ímpetos de mandar arrombar a porta da igreja; mas examinando o ambiente em que se encontrava, julgou mais prudente não o fazer. Afinal, desiludido, retirou-se de Tamanduá, segundo êle próprio declarou em carta a Pamplona, "antes que me façam alguma desatenção". Foi então o próprio Pamplona a Tamanduá, abriu inquérito e expulsou do arraial três elementos dentre os que julgou mais responsáveis pela resistência popular: Antônio Rodrigues Azambuja, Custódio José da Silva e João da Silva Pereira. O comandante do distrito do Destêrro, a pedido de Pamplona, também esteve em Tamanduá, numa tentativa de conciliar a situação. Tudo inútil, O bravo povo de Tamanduá não se submeteu. A carta que o Mestre de Campo remeteu ao Governador constitui verdadeira catilinária contra o povo de Tamanduá e seu padre; e terminou com estas palavras: "Eu considero êstes Padres do Tamanduá (referia-se ao Pe. Gaspar e seus capelães) e seus arrabaldes como jesuítas com os índios nas missões". Na época da terrível perseguição aos jesuítas, o que êle achou de mais forte para jogar sôbre Pe. Gaspar foi o nome de jesuíta. O Comandante de Tamanduá, cap, José Pais de Miranda, por sua vez, escreveu ao Governador; sua carta é um libelo contra Pamplona; declarava que Pamplona estava avançando demais em suas atribuições e que Tamanduá estava fora de sua regência. Cônego Trindade faz referência ao requerimento do Pe. Correia de Toledo ao Bispo, acrescentando o ilustre historiador que nada mais encontrou sôbre o assunto . Pois bem, a disputa terminou com a mais completa vitória do bravo povo de Tamanduá. Não ficaram inativos os moradores.
Dirigiram seus apelos ao Bispo e pediram sua proteção a favor do antigo vigário, Pe. Gaspar. E, num dos avulsos do Arquivo Público Mineiro, encontra-se um documento assinado pelo Vigário Geral do Bispado, Cônego Dr. Francisco Pereira de Santa Apolônia que, mais tarde, como vice-presidente da Província, estêve por duas vêzes à frente do Govêrno mineiro, com data de 17 de novembro de 1783, determinava: "mando a qualquer oficial da justiça do Distrito Eclesiástico que, em cumprimento deste, indo por mim assinado, a requerimento dos fregueses da Tamanduá, notifiquem ao Revmo . Vigário da freguesia de S. José, Carlos Correia de Toledo, e seu coadjutor, operário Lourenço Pinto Barbosa, para que, no têrmo de oito dias, exibam no juízo geral e contencioso desta cidade os despachos que obtiveram do mesmo juízo, e ainda de S. Exma. Revma. depois de que, posta em juízo a ação pendente entre os mesmos padres, sem a suspensão de posse e execução dos acórdãos da Coroa, por certidão e Cura paroquial na forma referida nos mesmos Autos, pena de se julgarem nulos e de nenhum efeito". A freguesia foi elevada a colativa, por alvará de 1780. Atendendo a insistentes requerimentos dos moradores, o governador Visconde de Barbacena resolveu a 20 de novembro de 1789, criar vila, na freguesia de S. Bento do Tamanduá. E, a 18 de janeiro de 1790, O Dr. Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor Luís Ferreira de Araújo Azevedo, em nome do Governador, erigiu o arraial em vila, com as solenidades de estilo, levantando o pelourinho na Chapada do Morro, da banda do Sul, por detrás da Igreja Matriz .
A primeira Câmara imediatamente eleita pelos homens bons e pela nobreza, compunha-se de Domingos Rodrigues Gondim, Antônio Garcia de Melo, José Joaquim Carneiro, José Ferreira Gomes e Antônio Joaquim de Ávila. Nos primeiros anos do século XIX, o município de S. Bento do Tamanduá abrangia enorme área: Bambuí, Piuí, Formiga, Candeias, S. Antônio do Monte, Campo Belo, Luz, S. Roque, Carmo da Mata etc. Eram, ao todo, 34 distritos, incluído o do Arraial Velho, nome com que ficou sendo conhecido o povoado primitivo, pois a vila desenvolvera-se ao redor do pelourinho. O povo de Tamanduá sempre foi valente e brioso; por ocasião da guerra de independência, em janeiro de 1.823, mandou para a Bahia substancial auxílio: novecentos e vinte e nove mil e novecentos réis, importância obtida em subscrição popular. Logo depois de instalada a vila, é ali iniciada a construção de novo e grandioso templo. Mas... ficou anos, nos alicerces. Só depois de uma visita pastoral, com um apelo do Bispo, animou-se o povo a terminá-la; e, em 1853, estava recebendo o telhado (Avulsos A.P .M.).
No livro de Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1826 - Arquivo Eclesiástico de Mariana), lê-se sôbre a freguesia de S. Bento do Aamanduá: "vimos a igreja matriz no estado mais deplorável possível e aí certo nenhum particular quereria habitar uma casa tão indecente e que nenhuma formalidade mostra de Templo em que habita o Homem Deus Sacramentado... e assim, no mesmo estado de alicerces lançados há 40 anos! O Revmo. Pároco mudará o Sacramento para a Igreja da Confraria de S. Francisco dos Pardos, ficando declarado o Intérdito para confusão dos paroquianos... prazo de um ano". A lei no. 1.148, de 4 de outubro de 1862, elevou a vila à categoria de cidade . E a lei no. 2.995, de 19 de outubro de 1882, deu-lhe a denominação atual de Itapecerica. Itapecerica não é vocábulo artificial, como tantos outros, criados pela sabedoria dos legisladores: é o nome do rio e, segundo Teodoro Sampaio (O Tupi na Geografia Nacional) significa 'penha escorregadia' ou 'penhasco de encosta lisa'.
Por Waldemar de Almeida Barbosa publicado no livro 'Dicionário Histórico-Georgráfico de Minas Gerais' Editora Saters Ltda.Belo Horizonte, 1971, p. 234-236, como o verbete 'Itapecerica'. Editado, ilustrado e digitado por Leopoldo Costa
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