1. PARA INGLÊS VER
Afinal, o que devia ver e quem era o inglês citado na expressão acima que, desde o século XIX, indica uma tomada de atitude apenas na sua aparência ou por mera simulação de quem a pratica ?
Na explicação mais antiga dos estudiosos para a frase, o inglês era o almirante Jervis, que veio ao Brasil no navio britânico Bedford para dar proteção à família real portuguesa que fugia das ameacas dos franceses. Chegando a Salvador no final da tarde de 22 de janeiro de 1808, o rei dom João VI deslumbrou-se com a bonita iluminação da cidade. Falando aos cortesãos que o acompanhavam na nau capitânia, exclamou: “Está bom para o inglês ver.” E apontou para o local onde estava fundeado o barco sob o comando do almirante Jervis.
Na versão mais verossímil, porém, o inglês tanto podia ser o governo britânico como os comandantes dos navios dessa nacionalidade que cruzavam os mares para combater o contrabando de escravos. O Brasil firmara acordos com a Inglaterra para reprimir esse comércio ilegal. Apesar dos compromissos, a Marinha imperial vigiava as costas brasileiras com extrema tolerância em relação ao tráfico negreiro. Por isso se dizia que o patrulhamento era apenas “para inglês ver”.
Raymundo Magalhães Jr. registra crônica de Machado de Assis, de 1893, na qual o escritor-mor trata de “posturas municipais que têm o sono das coisas impressas e guardadas”. E conclui: “Nem se pode dizer que são feitas para inglês ver.”
E, já que o dia é de perguntas sobre adjetivos pátrios, por que “o holandês pagou pelo mal que não fez”? No século XVI, os Países Baixos caíram sob a dominação espanhola, e o rei Felipe II nomeou para governá-los o duque de Alba. A Holanda, país que prezava a liberdade de consciência, havia acolhido milhares de judeus expulsos da Península Ibérica. Por isso, seus habitantes, para o governo espanhol, passaram a ser suspeitos dos mesmos crimes atribuídos aos judeus na época. Numa demonstração de força e crueldade, o duque mandou executar quase 20 mil pessoas no território que administrava. A frase original, aliás, que se estendeu aos naturais dos Países Baixos, era: “Paga o judeu pelo mal que não fez.” Holandês, vamos convir, é rima bem melhor para fez...
Inês de Castro |
Ela inspirou alguns dos mais belos momentos de Os Lusíadas, no qual Luís de Camões, em dezenas de estrofes, cantou a donzela “que despois de ser morta foi rainha”. Pois foi a triste história da dama espanhola Inês de Castro que deu origem à expressão “agora é tarde, Inês é morta”, para designar a inutilidade de ações tomadas depois do momento apropriado.
D. Pedro, príncipe herdeiro do rei português Afonso IV, casou-se, por questões de conveniência política, com d. Constança, fidalga de Castela. Esta levou consigo, como dama de honra, uma bela espanhola, Inês, por quem d. Pedro terminou por se apaixonar. Perdidamente, como diriam os autores românticos. Com a morte da esposa legítima, em 1345, o herdeiro do reino tornou-se amante de Inês, com quem teve quatro filhos.
Influenciado pelos cortesãos mais íntimos, que recriminavam a união espúria, Afonso IV condenou Inês à morte, nem 1355, durante uma ausência do príncipe herdeiro. A decapitação da amada, em Coimbra, provocou a fúria de d. Pedro, que, à frente de leais seguidores, iniciou grande devastação no país. Só se reconciliou com o pai, Afonso IV, depois de muitas súplicas da mãe.
Dois anos mais tarde, porém, chegou o momento da doce vingança: com a morte do pai, o herdeiro assumiu o trono e mandou executar, com extrema crueldade, os conselheiros do rei a quem sucedeu. A seguir, promoveu a reabilitação da bela Inês. O cadáver da paixão da sua vida foi levado, com muita pompa e ostentação, de Coimbra para Alcobaça, onde Inês, depois de morta, recebeu o título de rainha. No mosteiro dessa cidade, repousam hoje não apenas os restos mortais de Inês, mas também os de d. Pedro I, que se tornara o oitavo rei de Portugal.
A paixão, por Camões
Passada esta tão próspera vitória / Tornado Afonso à Lusitana Terra / A se lograr da paz com tanta glória / Quanta soube ganhar na dura guerra / O caso triste e dino da memória / Que do sepulcro os homens desenterra / Aconteceu da mísera e mesquinha / Que despois de ser morta foi Rainha.
Estavas, linda Inês, posta em sossego / De teus anos colhendo doce fruito / Naquele engano da alma, doce e ledo / Que a Fortuna não deixa durar muito (...)
Tirar Inês ao mundo determina / Por lhe tirar o filho que tem preso / Crendo co sangue só da morte indina / Matar o firme amor o fogo aceso (...)
Queria perdoar-lhe o rei benino / Movido das palavras que o magoam / Mas o pertinaz povo e seu destino / (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam (...)
Tais contra Inês os brutos matadores / No colo de alabastro, que sustinha / As obras com que Amor matou de Amores / Aquele que despois a fez Rainha.
3. COMO FÉRIAS VIROU FEIRA, NA SEMANA
Por que alguns dias da semana têm a palavra feira e o sábado e o domingo não? Essa dúvida, manifestada por diversos leitores de História Viva, tem toda a razão de ser, até porque esse final, feira, só existe em português.
A divisão do tempo em períodos iguais de sete dias remonta à Antiguidade. Foram os caldeus que deram a eles o nome dos astros conhecidos naquela época, na seguinte ordem: Saturno (equivalente ao sábado), Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus. Em vários idiomas, ainda hoje os dias de semana são relacionados com os astros, como Monday, do inglês (o dia da Lua), Martes, do espanhol (o dia de Marte), mercredi, do francês (o dia de Mercúrio) etc.
Com o advento do cristianismo, o primeiro dia passou a ser o da Ressurreição de Cristo, ou o dia do Senhor, dies Domini (de onde vem domingo). O domingo era considerado a prima feria, ou seja, dia de festa, dia feriado, de repouso. Os demais foram chamados de secunda feria, tertia feria, quarta feria, quinta feria, sexta feria e septima feria. Como nesses dias de feriado ou de repouso era comum os vendedores oferecerem suas mercadorias em praça pública aos freqüentadores das festividades religiosas, essas expressões passaram a designar os dias da semana. Perdida, portanto, a noção original de dia de repouso ou dia de festa, houve o predomínio das feiras comerciais sobre as férias litúrgicas.
Bem, e o sábado? O nome deriva do latim sabbatum, por sua vez adaptado de Shabbath, dia de repouso, entre os judeus. No cristianismo, foi substituído pelo domingo como dia de descanso. Os primeiros judeus cristãos reuniam-se nesse dia para rezar.
De quatro em quatro anos, duas vezes sexto
A propósito do calendário, a cada quatro anos, temos o dia 29 de fevereiro. Ou seja, o ano é bissexto. Não é difícil estabelecer a relação desse dia a mais na contagem do tempo com o nome bissexto, afinal, sexto duas vezes. Lembre-se de que os anos normais têm 365 dias (e seis horas). Já o bissexto tem 366, ou seja, duas vezes o número seis.
As seis horas que sobram em cada ano normal são conhecidas desde os primórdios da fixação do calendário. O astrônomo Sosígenes, a quem Júlio César encomendou a reforma do sistema de medição do tempo, acrescentou um dia ao mês de fevereiro, para computar as seis horas excedentes. Assim, os romanos contavam duas vezes o sexto dia antes das calendas (o primeiro dia de um mês; daí o nome calendário) de março, isto é, duas vezes o dia 24 de fevereiro. Por isso bissexto: duas vezes o dia sexto, contado, por um estranho critério, de trás para frente.
4. PESSOAS TAMBÉM VIRAM PALAVRAS
Ninguém imagina um aniversário de criança sem o infalível bolo de velinhas e um ou mais pratos de brigadeiros. Afinal, por que o nome? O doce foi criado, no Brasil, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, ainda havia racionamento de alimentos no país e era difícil encontrar os ingredientes necessários à preparação de um doce digno do nome. Uma senhora da sociedade carioca teve então a idéia de combinar leite condensado com chocolate, e nasceu a delícia dos pequenos (e dos grandes). Na ocasião, uma figura muito popular e simpática era o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à Presidência da República e xodó das mulheres. Nada de estranhar, portanto, que o doce passasse a chamar-se brigadeiro.
Também no Rio, nasceram outras palavras que tomaram nomes de pessoas. Uma delas é o gari: Aleixo Gary era o proprietário de uma empresa que fazia a limpeza das ruas da antiga capital federal. Por se tratar de “homem do Gary”, o varredor de ruas logo foi chamado de gari, título a princípio usado apenas na antiga capital federal, mas comum hoje em grande parte do país.
Tem origem carioca, igualmente, o termo brechó, que até alguns anos atrás nem sequer constava dos dicionários. Os livros de referência, no entanto, classificavam de belchior o comerciante de roupas e objetos usados. A palavra belchior surgiu no fim do século XIX: um homem chamado Belchior instalou na cidade a primeira loja destinada à venda de artigos de segunda mão. Como o povo tinha dificuldade em dizer Belchior, o prenome foi sendo alterado até resultar em brechó, a variante vulgar da designação desse tipo de loja hoje.
Para continuar no Rio: por que pinel é sinônimo de louco? Um instituto psiquiátrico da cidade recebeu esse nome em homenagem ao médico francês Philippe Pinel (1745-1826), pioneiro da descrição e do tratamento das doenças mentais. Por isso, toda pessoa que merecesse internação nesse hospital era considerada pinel.
Feitiço contra o feiticeiro
Boicote foi um caso típico de feitiço que virou contra o feiticeiro. No fim do século XIX, o capitão Charles Boycott administrava propriedades na Irlanda. Como fazia exigências descabidas aos empregados e às pessoas com quem negociava, em pouco tempo ninguém queria se relacionar com ele. Essa rejeição passou à linguagem universal com o sentido de represália praticada contra alguém ou mesmo de sabotagem.
Para concluir, se você é funcionário de empresa privada, em geral recebe o pagamento por meio de holerite. A denominação, embora um tanto estranha, não tem muito segredo: provém de Hermann Hollerith (1860-1929), estatístico americano criador de um sistema de informações contido em fitas perfuradas, depois aperfeiçoadas para cartões, que originaram os holerites de hoje.
5. INCONFIDÊNCIA QUE NÃO ERA INDISCRIÇÃO
Antes e depois da Independência, em 1822, o Brasil enfrentou grande número de revoltas e revoluções conhecidas por nomes que ainda hoje causam estranheza. Entre outros, o leitor Renato Guerra Filho gostaria de saber como surgiram essas denominações.
Por exemplo, por que Inconfidência, uma vez que o significado mais usual da palavra é o da revelação de um segredo confiado a alguém? Esse, porém, não constitui o único sentido do vocábulo, que expressa também “a falta de fidelidade em relação a alguém, particularmente ao rei”, e foi com essa acepção (imprópria, vamos admitir) que entrou para a História. Por isso, grande número de estudiosos prefere chamar de Conjuração Mineira o movimento que consagrou um herói, Tiradentes, e opôs Minas a Portugal de 1788 a 1792.
Outro herói da pátria foi Zumbi, o rei do Quilombo dos Palmares. Aproveitando-se das invasões holandesas, grande número de escravos fugiu do cativeiro, formando povoações chamadas de quilombos. No de Palmares, em Alagoas, ocorreu, de 1630 a 1695, uma das rebeliões mais longas da nossa história. Quilombo é palavra comum a diversos dialetos africanos (nos quais assume as formas kilombo ou kilumbu) para designar muro, paliçada, recinto murado, campo de guerra, povoação, associação guerreira, união, exército. O cativo que buscava esse tipo de refúgio era denominado quilombola. O primeiro rei de Palmares foi Gangazumba, assassinado em 1678 por ter feito acordo com os brancos. Sucedeu-lhe Zumbi, símbolo da raça negra até hoje. Esse quilombo só foi destruído pelo paulista Domingos Jorge Velho em 1695, depois de três anos de luta ininterrupta.
E vêm os do Norte
O período de 1835 a 1843 foi fértil em levantes no Norte e Nordeste do país. De 1835 a 1840, um movimento nativista e popular dominou a província do Grão-Pará. A Cabanagem foi promovida pelos cabanos, habitantes miseráveis de cabanas à beira dos rios, que se rebelaram contra os comerciantes e proprietários, fortes defensores dos portugueses. A Balaiada, de 1838 a 1843, teve origem e motivos semelhantes: foi uma insurreição popular liderada, no Maranhão, pelo mestiço Raimundo Gomes contra os privilégios da aristocracia rural. Raimundo Gomes fabricava cestos. Por isso, os rebeldes se tornaram os balaios e o levante, a Balaiada. Já na Bahia, de 1837 a 1838, Francisco Sabino da Rocha Vieira comandou uma revolta, que teve apoio popular e militar, com o objetivo de instaurar a República Baiense. Os rebeldes tomaram o poder e ocuparam Salvador, de onde foram expulsos e dizimados pelas forças legalistas com extrema violência e crueldade. O Sabino de Francisco Sabino levou a sublevação a ser conhecida por Sabinada.
6. MUSEU TEM ALGO A VER COM AS MUSAS?
Só tem. Apesar da semelhança entre as palavras, raramente se faz a relação musa – museu. O termo grego “museion” deu origem à forma latina “museum”, usada em inglês para designar essa antiga “casa das musas”, o sentido original do vocábulo. As musas eram as deusas que presidiam às artes, às ciências e às letras. E o museu constituía inicialmente o lugar destinado ao estudo dessas atividades.
Esse, porém, é apenas um dos legados da mitologia aos dicionários. Outro deles, não tão evidente quanto a dupla musa–museu, é o adjetivo hermético.
Hermes, mensageiro do Olimpo e deus grego de múltiplas atividades (equivalente ao Mercúrio dos romanos), teria inventado um tipo de fechadura ou vedação de recipientes usado pelos alquimistas. Por isso, dizia-se que alguma coisa estava hermeticamente fechada. Mas também se atribuem a Hermes textos escritos praticamente em código sobre ciências ocultas que só os especialistas conseguiam interpretar. O que levou um texto de difícil compreensão até hoje a ser considerado hermético.
Se Hermes fazia o papel de correio do Olimpo, Íris desempenhava a função de mensageira de Hera, a mulher de Zeus, divindade suprema dos gregos. Como agia de leva-e-traz entre o céu e os homens, vestida com um xale de sete cores e envolta em fachos de luz, foi a inspiradora do nome do arco-íris (arco por causa do formato do fenômeno). Várias lendas se criaram sobre o arco-íris: uma, a de que na extremidade terrena desse raio de luz estava enterrado um pote de ouro. Outra serviu de mote para os gays: o homem que passasse sob o arco-íris viraria mulher e a mulher também trocaria de sexo. Por isso, nada estranho que seja ele hoje o símbolo dos homossexuais, presente em quase todas as casas do bairro Castro, em San Francisco, nos Estados Unidos.
Empregada atualmente até pelos dentistas para causar um estado de sonolência ou quase anestesia no cliente, a hipnose deve seu nome a Hipnos, deus grego do sono. Casando-se com a Noite, Hipnos gerou Morfeu, o patrono dos sonhos. Por isso, “cair nos braços de Morfeu” equivale a mergulhar no sono e preparar-se para sonhar. Nele também tem origem a denominação do potente sedativo morfina, que leva o paciente a um estado de letargia e de ausência de dor, pelo menos durante algum tempo.
A dica final vai para os ecologistas: Flora, por ser a deusa romana das flores, teve seu nome escolhido para designar o conjunto das espécies vegetais de uma região. Quando se sentiu falta de um equivalente para o outro reino vivo da natureza, recorreu-se ao exemplo de flora: Fauna, irmã e mulher de Fauno, deus dos rebanhos e dos pastores, foi o modelo que serviu para a caracterização do mundo animal.
7. SEM EIRA E NEM BEIRA
Quando diz que alguém não tem onde cair morto ou é uma pessoa sem eira nem beira, você já parou para pensar no que essas expressões querem dizer?
A primeira delas não deixa muita margem a dúvidas: quem não tem onde cair morto não é dono sequer de uma nesga de terreno na qual possa ser enterrado.
O sentido de sem eira nem beira está muito próximo, embora se apontem pelo menos duas origens possíveis para a locução. A primeira, mais plausível, remonta aos anos 1500 em Portugal. Eira (do latim area, área, pedaço de terra) era o terreiro ao lado das casas onde se recolhia o produto das colheitas de trigo, milho e centeio, entre outras, para secar, malhar ou limpar. Dessa forma, não ter eira significava não ter propriedade alguma no plano rural, muito menos os seus limites, a sua extremidade, a sua beira. A beira, aliás, em alguns casos, era uma espécie de anteparo destinado a evitar que o vento carregasse os cereais para fora da eira. O mais provável, porém, é que a beira, no caso, tenha entrado apenas para formar a rima, muito comum nos provérbios de origem popular. Tanto que uma variante da expressão é não ter eira nem beira nem ramo de figueira.
A outra origem possível, esta brasileira, faz parte do repertório dos guias de turistas do Nordeste, mas está registrada em 'O Guia dos Curiosos: Língua Portuguesa,' de Marcelo Duarte. No período colonial, as casas das famílias ricas de origem portuguesa tinham na parte superior uma pequena marquise, uma parte saliente chamada de eira, que as protegia da chuva. As mais sofisticadas chegavam ao requinte de exibir eiras bem trabalhadas, repletas de desenhos ou relevos denominados beiras. Já as famílias pobres, por falta de recursos, revestiam suas casas apenas com a parte superior do telhado, isto é, sem a eira nem a beira.
Em vez da trombeta, o toque de caixa
Outro legado português para o nosso vocabulário é o toque de caixa, expressão usada para designar algo feito a toda a pressa, de maneira imperiosa, sem demora. O soar das trombetas, herdado das legiões romanas, era comum em Portugal para preceder as proclamações solenes. Com a invasão dos mouros, estes levaram para a península os tambores, instrumentos adotados imediatamente pela população local. Por isso, os comunicados formais passaram a ser marcados pelo rufar das caixas sonoras. Esse ritual servia principalmente para banir da comunidade as pessoas indesejáveis, beberrões, indolentes, barulhentos e ladrões. Durante a cerimônia de expulsão, os escorraçados eram não apenas alvo das vaias e ofensas da população, mas até mesmo de manifestações mais hostis, como pedradas e pauladas.
8. PRESÉPIO
Eles já foram muito simples e tinham um objetivo único, o de reconstituir, com a ajuda da imaginação, a cena do nascimento de Jesus Cristo. Aos poucos, no entanto, ganharam sofisticação, e o uso da energia tornou móveis as figuras estáticas dos primeiros tempos, aliando-se ao engenho humano para produzir presépios que são verdadeiras obras de arte. Na língua de origem, o latim, a palavra praesepium não tinha esse significado, mas designava apenas lugar fechado. Posteriormente, adquiriu o sentido de estábulo ou recinto onde se recolhiam animais durante a noite (de praesepire, fechar, circundar). O termo, quando entrou no português, já se resumia a nomear essa representação característica do Natal. Foi São Francisco de Assis, no século XIII (anos 1200), quem teve a idéia de reproduzir dessa forma a chegada do Messias ao mundo, e o fez usando figuras vivas.
A própria palavra Natal também sofreu evolução de sentido: no latim, existia o adjetivo natal (natale), para designar tudo que dissesse respeito a nascimento. Ainda hoje, cidade ou país natal indica a terra de nascimento. Uma locução, porém, ganhou vida própria: dia natal virou natal, sozinha. E como natal passou a ser sinônima de dia de nascimento. A palavra hoje, dessa forma, é empregada praticamente apenas para assinalar o dia em que teria começado a vida de Jesus Cristo (há muita polêmica a respeito). E nessa acepção tem sempre inicial maiúscula: Natal.
O aguardado Messias
O nome de Jesus, o menino que nasceu na manjedoura (de manjar, comer, pelo italiano mangiatoia) do estábulo de Belém, deriva do hebraico Yehoshu, na forma abreviada Yeshua (segundo o filólogo Silveira Bueno), com o significado de Salvador (ou Deus é ajuda, salvação, segundo outras fontes). O sobrenome Cristo aparece no Novo Testamento, traduzido do hebraico, e tem origem no grego Kristós, ungido, numa referência ao caráter do Messias (Machiad na língua dos judeus), do rei tão aguardado pelo povo de Israel. A referência, aliás, não deixou de constar da cruz do filho de Deus na inscrição INRI – Iesus Nazarenus Rex Iudeorum (Jesus Nazareno, rei dos judeus). Foi o próprio Pôncio Pilatos, governante romano da Judéia, quem, por pressão dos sacerdotes judeus, condenou Cristo à morte. Mas, para deixar clara sua discordância, lavou as mãos e exclamou: “Estou inocente do sangue deste justo”. Como se vê, praticar um ato altamente (ou docemente) constrangido não é procedimento tão recente como se possa pensar.
9. BADERNA, FOI UMA DIVA DO TEATRO
O uso da palavra tornou-se muito comum no Brasil nos anos que precederam o golpe de 1964. Qualquer tipo de agitação, movimento ou manifestação de rua, especialmente de caráter político, era classificado pelos jornais contrários ao governo como tumulto, desordem, confusão e mesmo mazorca (!): afinal, a gíria bagunça não merecia acolhida nas páginas nobres.
Havia, porém, um termo da predileção da imprensa dita conservadora: estudantes e sindicalistas, especialmente, provocavam badernas. E o curioso é que a palavra, na origem, nada tinha a ver com protesto. Ao contrário, até. A dançarina italiana Marietta Baderna fez apresentações no Rio em 1851. E obteve tamanho sucesso que seus admiradores promoviam grandes algazarras na rua, após os espetáculos, para festejar a sua diva. Eram fãs tão extremados que chegavam a brigar por ela.
Por essa razão, a primeira definição do Aurélio no verbete baderna é "grupo de rapazes alegres, barulhentos". Mas o dicionário também registra o sentido mais comum do vocábulo hoje, ou seja, "desordem, confusão, bagunça". Os rapazes exaltados que celebravam sua paixão artística de maneira ruidosa e pouco comedida foram a princípio classificados de badernistas, grafia que evoluiu para os baderneiros da atualidade.
Mas a arte da dança também lembra uma das heroínas mais conhecidas das histórias infantis rodopiando nos braços do príncipe em sua noite de gala, o que justifica a pergunta: por que a pobre enjeitada se chamou Cinderela? Em francês, a personagem é conhecida como Cendrillon, de cendre, cinza, forma oriunda do latim cineris, que deu origem ainda ao inglês cinder. De cinder resultou Cinderela. E gata-borralheira? Como todos lhe destinavam os piores serviços da casa, à noite, muito cansada, ela se deitava num canto da sala, sobre as cinzas da lareira, local conhecido em português por borralho. Depois, apareceu o príncipe na sua vida. E, como convém a esse tipo de conto, foram felizes para sempre.
E quem era a mãe Joana da casa famosa?
A mãe Joana da frase de sentido duvidoso era nada mais nada menos que a rainha de Nápoles, protetora de poetas e intelectuais. Quando seu reino foi invadido por Luís I, da Hungria, ela teve de se refugiar em Avignon, na França, em 1348. No ano seguinte ao da sua chegada a essa cidade, ela resolveu regulamentar a atividade dos bordéis locais: entre outras coisas, eles passariam a ter uma porta por onde todos os "clientes" entrariam. Numa alusão à sua condição de rainha, logo se difundiu o título Paço (palácio) da Mãe Joana para designar os prostíbulos. A frase entrou assim em Portugal, mas no Brasil, como a palavra paço é pouco usada, foi adaptada para casa-da-mãe-joana. Este é o lugar onde todos mandam, onde cada um faz o que quer.
10. CARNAVAL
A grande festa popular deste mês já existia muitos séculos antes de levar o nome pelo qual a conhecemos hoje. O carnaval, que neste ano acontece bem mais cedo, teve origem na Antigüidade, nas manifestações populares gregas e latinas conhecidas como bacanais, saturnais e lupercais, e se revestia do mesmo caráter de licenciosidade.
Nos primórdios do cristianismo, a Igreja Católica procurou mudar o espírito libidinoso dessas celebrações, situando-as no tempo imediatamente anterior à Quaresma. Depois, elas desapareceram durante séculos para reaparecer na Idade Média ou pouco antes, principalmente em Turim, Veneza, Nice e Roma.
As palavras que resultaram na forma que hoje conhecemos começaram a surgir nos séculos XI e XII, na Itália. A expressão latina carne(m) levare ("abstenção de carne" ou "adeus à carne") desdobra-se nas variantes do latim medieval carnilevarium, carnilevaria e carnilevamen, todas referentes à véspera da Quarta-Feira de Cinzas, isto é, ao dia em que se iniciava o jejum de carne exigido pela Quaresma.
Houve, como se vê, uma pequena mudança de propósitos: a "terça-feira gorda" (véspera da Quarta-Feira de Cinzas) deveria ser o dia de "afastamento, suspensão, abstenção da carne", mas a festa se estendeu a todo o período anterior ao início da Quaresma.
Nos séculos XVI e XVII, já aparecem, no francês, as grafias carneval e carnaval, oriundas do italiano carnevale (festa em que vale a carne, ou melhor, os prazeres da carne). Lembre-se de que em inglês a palavra é carnival, o que indica claramente a sua origem. A partir da Idade Média, a expressão carne(m) levare foi sendo modificada ao passar por diversos dialetos italianos até adquirir a grafia atual.
A escola criada pelos mestres do samba
Até 1928, no Rio, só havia blocos e ranchos, todos com número pequeno de participantes. No reduto carioca do samba, o bairro do Estácio de Sá, existiam a Escola Normal e uma sociedade carnavalesca fundada por alguns dos bambas da época. O maior deles, o compositor Ismael Silva, fez a analogia: se os professores ensinavam os alunos, eles também eram mestres, só que do samba. O primeiro desfile de escolas de samba ocupou a lendária Praça Onze, e a Mangueira famosa ganhou os três primeiros concursos.
por que samba, afinal? As interpretações variam, mas existem duas mais aceitas, todas remetendo aos idiomas africanos: samba viria de semba (umbigada), do quimbundo, porque esse contato físico era típico da dança, ou de samba, do banto, "estar animado, estar excitado, saltar com alegria".
Com o acréscimo da terminação dromo, criou-se o nome do lugar onde os sambistas se exibem, o sambódromo. Drómos, do grego, quer dizer lugar para correr (hipódromo, para cavalos, autódromo, para carros etc.). Com o tempo, o sufixo teve o sentido ampliado para pista ou local de. E surgiram sambódromo e camelódromo, por exemplo.
11. CRIME DE MORTE NA CASA DAS MUSAS
Quem se enredou na profusão de pistas e mistérios que o escritor Dan Brown desfia no seu 'O Código da Vinci' terá a mesma sensação se buscar esclarecer a origem e o significado de algumas das palavras e símbolos essenciais para a compreensão do maior best seller.
A começar do cenário no qual um crime de morte serve de ponto de partida ao romance. Por que Museu do Louvre? A palavra museu já é uma velha conhecida nossa. O termo grego museion deu origem à forma latina museum, usada em inglês para designar essa antiga "casa das musas", o sentido original do vocábulo. As musas eram as deusas que presidiam às artes, às ciências e às letras. E o museu constituía inicialmente o lugar destinado ao estudo dessas atividades.
E Louvre? Você talvez se surpreenda ao acessar o site oficial do museu, em francês, e não encontrar uma única referência sobre a razão do nome. O prédio foi construído no fim do século XII (anos 1100) para ser um forte. Reformado algumas vezes ao longo do tempo, em 1793 tornou-se a primeira galeria de arte pública da França, até se converter no que é hoje, o mais importante museu do mundo. Sobre a origem da palavra, o que existe são sugestões e especulações.
Assim, lovre ou louvre em francês (lupara ou lupera em latim) remete a rubra, "lugar vermelho", numa alusão à cor da areia do local ou a rouvre, carvalho. Outra menção é a luperia, um alojamento destinado a caçadores de lobos. Finalmente, Louvre pode também referir-se a loup (lobo em francês), animal abundante nas matas da região.
A busca sem trégua ao Santo Graal
Tema de um famoso ciclo de lendas e romances da época do rei Artur, a procura do Santo Graal é um mito recorrente da história e chegou aos nossos dias no filme Indiana Jones e a última cruzada. O Graal constitui o objeto de desejo e de disputa durante todo o livro de Dan Brown.
A etimologia do nome do cálice em que Cristo teria bebido o vinho na última ceia e no qual José de Arimatéia teria recolhido o sangue do Salvador também causa dúvidas, mas tudo indica que o vocábulo se relaciona com cálice (gradalis em latim) ou no mínimo recipiente. O filólogo Antônio Houaiss localiza o termo na França em 1200, com o sentido de "prato largo e cavo", "prato da ceia".
Os dois protagonistas da história são um simbologista religioso da Universidade Harvard, Robert Langdon, e uma criptóloga da polícia francesa, Sophie Neveu. Símbolo provém do latim symbolum, adaptação, segundo Houaiss, do grego súmbolon, com vários sentidos: sinal, marca distintiva, insígnia, signo de reconhecimento. Já a especialidade da parceira de Langdon na narrativa, a criptologia, deriva do grego kryptós (escondido, oculto, obscuro) e logia, estudo ou ciência. Em outras palavras, essa prática pretende identificar um código ou aquilo que está por trás das coisas. O que nem sempre se
consegue no livro.
12. TEMPO DO ONÇA
Você já pensou quantas vezes, mesmo sem sentir, disse que alguma coisa não era "do seu tempo"? Ou que "no seu tempo" tudo se passaria de maneira diferente? Ou ainda que naquele tempo se amarrava cachorro com lingüiça? Nada que estranhar: ao longo dos séculos, o homem foi criando fórmulas que localizassem os fatos num passado remoto, nem sempre perfeitamente determinado.
Muitas dessas expressões já foram muito populares, muito usadas, mas ainda encontram registros na língua escrita ou mesmo falada. Por exemplo, quem era o Onça a que se comparava algo muito antigo? Tratava-se do governador do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro, famoso pela truculência com que exerceu o cargo (1725-1732). Seu gênio violento o fez entrar em choque com religiosos e políticos da cidade, o que originou o apelido de "Onça". O anacronismo e a irracionalidade de suas atitudes fizeram com que seu tempo se tornasse uma referência obrigatória a algo fora de moda ou de propósito: "Suas idéias são do tempo do Onça".
"No tempo dos Afonsinhos" é outra locução que caminha para o rápido esquecimento, até pela origem muito remota. Portugal teve seis reis com o nome de Afonso, e no reinado de um deles, Afonso V, em 1446, foram publicadas as Ordenações Afonsinas, primeira coleção de leis do país. Muitas delas depois foram revogadas e o povo passou a referir-se a essas disposições legais como sendo do tempo dos Afonsinhos. A denominação logo passou a qualificar acontecimentos distantes no tempo.
Era natural que a referência ao tempo também aparecesse em numerosos provérbios das mais variadas línguas. Um deles, por exemplo, Tempo de guerra, mentira como terra, significa que as notícias referentes a conflitos armados devem ser encaradas com as devidas reservas, conforme a fonte de que provêm, para evitar a tendência aos exageros ou à distorção oficial dos fatos.
"Tempo é dinheiro" nasceu nos EUA
Tempo é dinheiro talvez constitua um conceito mais atual hoje do que quando foi cunhado, há mais de 200 anos. Segundo Raimundo Magalhães Jr., a frase consta do texto Conselhos a um jovem negociante, de Benjamin Franklin (1706-1790), o inventor do pára-raios e um dos autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Ao divulgar esse princípio, pretendeu Franklin explicar ao jovem empresário que se deve fazer todo o esforço para usar o tempo da melhor maneira possível, que tempo perdido não se recupera, que tempo bem aproveitado muito vale.
Outras criações populares dispensam maiores explicações, mas justificam a citação pela expressividade, como "no tempo da pedra lascada", "no tempo em que Adão era cadete", "tempo bom é o que já passou", "o tempo é remédio para todos os males" e "tempo e maré não esperam por ninguém".
13. POR QUE TODA CPI ACABA EM PIZZA?
Quanta CPI instalada por este Brasil afora, com grande estardalhaço, você viu dar em nada? Ou, na linguagem dos jornais, acabar em pizza? Se pizza lembra São Paulo, a pista está correta: a expressão tem tudo a ver com o time do Palmeiras. No começo dos anos 60, o clube passava por grandes turbulências, com diversas alas de conselheiros e associados proeminentes se digladiando.
Uma das reuniões entre as várias correntes em que se dividia a agremiação foi muito tensa, com ameaças de lado a lado, até de choques físicos. No entanto, como costuma acontecer em grande número de entidades, quando terminaram as discussões, a maior parte dos presentes se reconciliou (afinal, eram todos amigos e freqüentadores do clube havia muitos anos). O grupo, então, se dirigiu a uma das inúmeras cantinas que circundam o Parque Antártica a fim de jantar. Por isso se disse na época que a reunião "terminara em pizza" e a expressão pegou. Muitos jornalistas esportivos atribuem a criação da expressão ao repórter e comentarista de rádio Milton Peruzzi, que cobriu essa reunião. Peruzzi trabalhava também no jornal A Gazeta Esportiva e, no noticiário a respeito desses acontecimentos, teria escrito que a reunião havia começado com discussões e terminado em pizza.
Os brasileiríssimos "à beça" e "nhenhenhém"
A única certeza a respeito da locução à beça é que se trata de criação típica do Brasil. A maior parte das interpretações vincula sua origem ao sobrenome do jurista Gumercindo Bessa, que manteve acirrada polêmica com Rui Barbosa a respeito da independência do Acre, território que o Amazonas pretendia incorporar. Bessa usou uma quantidade enorme de argumentos a favor da autonomia acreana. Mais tarde, o presidente Rodrigues Alves admirou-se com a profusão de justificativas irretorquíveis que um interlocutor lhe apresentava e admitiu que ele tinha "argumentos à Bessa". A expressão original "à bessa", com a reforma ortográfica de 1943, teve os dois ss trocados pelo ç, virando "à beça". Muitos autores vêem na mudança dos dois ss para ç uma prova da origem desconhecida da locução, que não derivaria, assim, do nome do jurista.
Quando investiu contra os adversários, alegando que as críticas ao seu governo não passavam de nhenhenhém, o então presidente Fernando Henrique Cardoso estava recorrendo a mais um legítimo brasileirismo. Nhém, em tupi, significa falar. A sua repetição, portanto, equivale a falar, falar, falar. Era quase um efeito bumerangue: como os índios falavam sem parar, os portugueses dos primeiros anos da colonização pegaram o verbo nativo e o triplicaram, para caracterizar a tagarelice incessante dos primitivos habitantes do Brasil.
14. COPACABANA
Você algum dia poderia supor que a praia que forma com Ipanema a dupla mais badalada do Brasil deve seu nome a uma santa adorada na Bolívia? Tudo começou no lago Titicaca, situado entre o Peru e a Bolívia. Ele tem uma península cujo nome deriva de duas palavras de origem quíchua: kjopak (azul) e kahuana (mirante). O assim chamado "mirante azul" deu origem aos nomes Qopaqhawana, na língua do lugar, e Copacabana, em espanhol.
No local, existe uma capela que abriga uma imagem da Virgem Maria, considerada milagrosa. Ela foi chamada de Nossa Senhora de Copacabana. Nos séculos XVI e XVII, comerciantes espanhóis trouxeram para o Brasil medalhas e relatos dos milagres da santa. Segundo a lenda, em 1745, o barco em que viajava o religioso beneditino D. Antônio de Desterro Malheiro enfrentou violento temporal, a caminho do Rio, e ele implorou proteção à Virgem de Copacabana, prometendo construir uma capela para sua devoção. Quatro anos depois, os Anais do Rio já registravam como muito freqüentada pelos romeiros a Capela da Senhora Copacabana.
O termo designava não apenas a igreja, mas toda a área à sua volta, atual posto 6. Em 1914, a capela foi demolida para a construção do Forte, mas já havia dado a toda a região o nome de Copacabana.
Ipanema, acredite, significa "água ruim"
Se Copacabana não deixa dúvidas quanto à origem do nome, o mesmo não ocorre com Ipanema. A palavra deriva do tupi y, água, rio, e panema, ruim. Segundo as versões mais antigas, essa denominação, dada pelos índios, se devia ao fato de a Lagoa Rodrigo de Freitas ser pouco rica em peixes por causa da água salobra. E a supervalorizada beira-mar de hoje não passava de um terreno arenoso, coberto de plantas rasteiras.
Em 1894, José Antônio Moreira Filho, barão de Ipanema, conseguiu autorização para lotear essas terras e criou a Villa Ipanema. O escritor Ruy Castro cita as pesquisas do jornalista e historiador Mário Peixoto para desfazer a má origem do nome do loteamento: a "água ruim, podre e sem peixes" seria a de um rio que passava em São João de Ipanema, município de Iperó (SP), cidade natal do primeiro barão de Ipanema, pai do fundador do bairro. "E não era a única", diz Ruy Castro no jornal Bafafá on Line: "Há várias Ipanemas em outros estados do Brasil, batizadas pelos índios com o mesmo propósito. A única que recebeu artificialmente esse nome foi justamente a nossa!"
E o Leblon? Era um conjunto de chácaras que no início do século passado recebeu o nome do proprietário de um lote na região, Charles Leblon. Outras versões atribuem o nome a uma das características físicas do pioneiro francês: le blond (o loiro).
15. PAGAR O PATO
Seja o contribuinte, a classe média, o aposentado ou as camadas menos favorecidas da população, por que sempre alguém paga o pato por uma situação que não criou, por um ato que não cometeu? E, aqui entre nós, que pato era esse? A expressão já aparece em antigos autores portugueses, como Sá de Miranda e Gil Vicente, nos anos 1400/1500. Um pouco mais tarde serve a Antônio José da Silva, o Judeu, e ao mordaz Gregório de Matos para chegar com a mesma força aos nossos dias.
O humanista e escritor italiano Gian Francesco Poggio Bracciolini (1380-1459), além da 'História de Florença', deixou um volume de contos, Facécias (chacotas, chistes, zombarias). Algumas dessas narrativas apresentavam caráter licencioso, como a do vendedor de patos que ofereceu sua mercadoria a uma senhora de costumes, digamos, um tanto liberais. Ela quis comprar uma das aves e perguntou o preço, mas o comerciante exigiu o pagamento em favores sexuais.
Consumado o acerto, o esperto negociante quis repetir a dose, e foi atendido. Na terceira vez, porém, a mulher considerou que a ave estava muito bem paga. A essa altura, chegou o marido e, ouvindo a discussão em altos brados, indagou que zoeira era aquela. O vendedor reclamou que faltavam 2 vinténs para completar o preço. O dono da casa achou a quantia muito pequena para atrasar o seu jantar e pagou o pato.
Uma versão mais comportada remete a um antigo jogo, no qual desafiantes a cavalo tinham de passar em disparada e cortar, com um só golpe, o barbante que prendia um pato a um poste. Quem não o conseguisse teria de pagar o pato.
"Afinal, você é amigo de quem?"
O amigo-da-onça, uma das designações mais usadas para caracterizar o amigo falso, também tem origem numa "facécia", a exemplo da locução pagar o pato. Essa história espirituosa serviu até de inspiração ao cartunista Péricles para a criação de um dos tipos de maior sucesso da antiga revista O Cruzeiro.
Diz a anedota que dois caçadores conversavam quando um deles relatou ao outro a difícil situação que vivera ao ser acuado por uma onça. Não tinha espingarda, revólver nem mesmo um facão consigo. E, no local, não havia árvore em que conseguisse subir, nem um grosso pedaço de pau para enfrentá-la, nem ao menos uma pedra com que pudesse tentar espantá-la. Só lhe restou, então, apelar para uma solução desesperada: deu um berro tão forte que a fera se assustou e fugiu em pânico.
O companheiro não se convenceu com a explicação: "Onça se espantar com grito? Você teria sido devorado, isso sim, sem dó nem piedade". Mas o caçador não perdeu a pose: "Afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?".
16. FAZER UMA VAQUINHA
Quando diversas pessoas juntam dinheiro para pagar uma despesa, é comum dizer que "fizeram uma vaquinha". A expressão intrigou a leitora Neide Nóbrega, que gostaria de saber sua origem.
Em 1923, o futebol ainda era amador, mas os torcedores do Vasco da Gama decidiram incentivar com dinheiro os jogadores do time. Assim, eles contemplavam os atletas com valores variáveis entre 5 e 25 mil réis. Como, porém, definir as bases do pagamento? O jogo do bicho foi o modelo escolhido: um empate valia um cachorro (5 mil réis, uma vez que 5 é o número do cachorro no bicho). Uma vitória simples merecia um coelho (10 mil réis). E o triunfo num clássico, por exemplo, justificava o prêmio máximo, de 25 mil réis, número da vaca. Para chegar ao valor escolhido, os torcedores precisavam muitas vezes completar o dinheiro já recolhido. Assim, nasceu a locução "fazer uma vaquinha" ou "fazer uma vaca". E também estava criado o bicho no futebol.
Os fatos, porém, nem sempre são tão atraentes como suas versões: alguns estudiosos preferem relacionar a expressão com o antigo hábito de várias pessoas se agruparem para comprar uma vaca ou boi de corte, dividindo depois entre si os lucros do negócio. E existem ainda os que a atribuem a vaca, denominação dada à quantia arrecadada por vários parceiros no jogo, mas colocada na mesa por um deles apenas.
Animal muito ligado à vida dos nossos antepassados, a vaca aparece em pelo menos uma dezena de provérbios e ditos populares de diversos idiomas. Como "voltar à vaca fria" no sentido de retomar um assunto interrompido. A recomendação está presente, historicamente, em julgamentos sobre a posse de um animal, disputado por dois pretensos donos. Numa peça francesa de teatro, A farsa do advogado Pathelin, o juiz convida o advogado de uma das partes, perdido em longas digressões, a retornar ao tema em causa. No caso, a "revenir à ces moutons" (voltar a esses carneiros). Em Portugal, o animal ora era uma cabra, ora um carneiro, ora uma vaca. A expressão tem tudo a ver com o costume de servir, no início da refeição, carne fria de vaca, à qual não se tornava depois de postos na mesa os pratos quentes.
E, para não deixar sem explicação o motivo de chamar de carne de vaca uma coisa sabida, conhecida: essa comida era quase obrigatória nas festas e dias de maior cerimônia. Por isso passou a designar também a pessoa que não falta a festa alguma. Carne de vaca (e não de boi ou de touro), segundo o filólogo Silveira Bueno, por causa do gênero feminino da palavra carne.
17. CANUDOS E FAVELA
Você sabia que o nome “favela”, tipo de aglomeração urbana da qual a Rocinha é a mais famosa, tem muito a ver com a história de Canudos?
Depois que terminou a luta contra Antônio Conselheiro e seus fanáticos, no sertão da Bahia, soldados das tropas federais que voltaram para o Rio instalaram-se num dos morros da então capital federal, chamando-o de Morro da Favela. O nome foi tirado do Alto da Favela ou Morro da Favela, elevação situada em frente do arraial de Canudos. Nesse local, os soldados tomaram posição durante a campanha contra os adeptos de Antônio Conselheiro.
Favela é um arbusto do sertão nordestino que existia em abundância no acampamento das tropas, no interior da Bahia. Segundo várias fontes, a primeira favela brasileira foi a da Providência, no centro do Rio, hoje com 107 anos e mais de 3 mil moradores.
A mais conhecida, porém, é a da Rocinha, um mito carioca. Embora se exagere no número dos seus moradores, o censo de 2000 lhe atribui pouco mais de 50 mil habitantes. Resultado da divisão em chácaras da Fazenda Quebra-Cangalha, tornou-se, por volta de 1930, o centro fornecedor de hortaliças para a feira da praça Santos Dumont, que abastecia a Zona Sul do Rio. Aos fregueses mais curiosos, os fornecedores explicavam que os legumes vinham de uma rocinha situada no Alto da Gávea.
E capoeira era refúgio de escravos
Tipo de luta de origem negra cujo objetivo consiste em derrubar o adversário pelo desequilíbrio, ela se tornou um dos principais meios de defesa dos escravos bantos de Angola no Brasil. Atração turística de alguns estados do Nordeste, a capoeira também deve o nome ao lugar onde se estabeleciam seus praticantes. Antigas roças ou terrenos semidesérticos, as capoeiras se tornavam refúgio dos escravos fugidos ou mesmo de malandros e valentões que praticavam esse gênero de luta. Segundo os especialistas, muitos de seus golpes tiveram como inspiração os movimentos dos animais brasileiros, como o pulo do macaco, o coice do cavalo, o bote da onça e a marrada do touro.
Outra versão sobre a origem do nome é a de que ele deriva da gaiola chamada capoeira. Nesse recipiente, os escravos levavam para os mercados ou para a venda de porta em porta frangos capões ou capados (donde o nome “capoeira”). Nos intervalos do trabalho, eles praticavam esse jogo de destreza, que despertava a atenção dos assistentes, como ainda hoje, pela graça e beleza da exibição. Como muitos outros, é um tema ainda aberto aos pesquisadores da língua.
18. GREVE
O mesmo país que irradiou para todo o mundo os ideais libertários da queda da Bastilha deu sentido à palavra que define hoje um dos mais sagrados direitos dos trabalhadores. À margem do Sena, há uma praça hoje pavimentada, mas que antigamente era recoberta por areia e cascalho. Como essas palavras, em francês, eram designadas pelo termo genérico grève, o local passou a ser conhecido como Place de la Grève.
Na praça funcionava a Bolsa do Trabalho, incumbida do registro dos desempregados. Com o tempo, os trabalhadores passaram a se reunir no local à espera de ofertas de serviço. Já em 1805 se adotava a expressão faire grève (fazer greve), para caracterizar a recusa voluntária e coletiva da mão-de-obra em aceitar propostas salariais menos compensadoras. Mesmo com o nome mudado para Place de l’Hôtel de Ville, referência à sede da administração de Paris, a praça continuou a ser palco de reivindicações e a concentrar os atos de protestos dos trabalhadores de toda a cidade.
Segundo Márcio Bueno, no excelente 'A Origem curiosa das palavras' (Editora José Olympio), “no local, simbólico para o movimento popular, foi proclamada a Comuna de Paris, governo revolucionário instalado na cidade em 1871”. Durou apenas dois meses e foi massacrado pelas forças do governo.
Táxis, gravatas e bastardos
Com esse nome, pelo menos, o táxi rodou primeiro em Paris. Com os carros de aluguel, no começo do século passado, logo surgiu um aparelho que calculava a quantia a pagar pelo passageiro, em função do percurso feito. Essa maquininha, o taxemètre virou depois taximètre. Assim, taxi remontava ao latim taxare, taxar, cobrar, e metre, a metro). Portanto, o taxímetro media o custo dos metros percorridos. Com o tempo, o aparelho, na forma reduzida, passou a nomear o carro dotado daquele recurso.
Famosos pela preocupação em se vestir bem, não é estranho que os franceses tenham também popularizado a peça ainda hoje indispensável no traje dos executivos. Só que esse fetiche da elegância formal, a gravata, teve o nome apropriado dos soldados mercenários da Croácia que faziam parte de um regimento francês no século XVII. Eles usavam em torno do pescoço uma larga tira de pano, que caiu no gosto dos parisienses. O nome cravate, que originou a gravata em português, veio de uma das formas utilizadas para escrever croata, Krawat.
E bastardo para o filho ilegítimo? Também vem do francês e deriva da forma antiga bastard (hoje bâtard). A raiz bast, do germânico, significa celeiro. Bastardo era o “produzido no celeiro”. Afinal, tratava-se de um lugar muito usado na época para as relações extraconjugais...
19. FRASES FEITAS E INEVIIÁVEIS
As chaves da história
Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração...
Talvez muita gente nem perceba, mas todos convivemos diariamente com centenas de frases feitas ou expressões que podem tanto ter origem popular como erudita. Se alguns cultores mais exigentes da boa escrita tentam evitá-las nos seus textos, por acharem que elas se confundem com lugares-comuns, alguma razão existe, no entanto, para que boa parte atravesse séculos com o mesmo vigor.
Por exemplo, que coluna social e/ou noticiosa ousa tratar de algum segredo, nos nossos dias, sem garantir que ele é guardado ou fechado a sete chaves por alguém? Com maior bom gosto, Milton Nascimento e Fernando Brant cunharam os versos que abrem este comentário, da Canção da América: qual de nós deixaria de guardar o amigo de verdade debaixo de sete chaves?
Pois é, chegou, então, a hora de explicar a razão desta coluna: ela vai tratar de vocábulos ou locuções que a História legou ao idioma, como as citadas e centenas de outras da língua portuguesa.
E por que as sete chaves? Desde o século XIII, existiam em Portugal as “arcas de segredo”, feitas de madeira muito resistente e dotadas de quatro fechaduras de ferro. Elas se destinavam a guardar documentos, ouro, jóias, etc. Cada chave ficava com um funcionário graduado do governo, às vezes o próprio rei. Para abrir esse baú, era necessária a presença dos quatro possuidores das chaves. Fechados dessa maneira, os segredos, documentos e tesouros da Coroa tornavam-se absolutamente invioláveis. Com o tempo, as arcas viraram peças de museu e o sete, algarismo cabalístico, assumiu o lugar do quatro no número das chaves.
Santos, mas nem tanto...
Bem, e o costume de chamar de santo do pau oco um homem sonso, dissimulado, tem também alguma coisa que ver com a história? Só tem. A expressão originou-se do artifício utilizado no Brasil, nos anos 1700 e 1800, pelos contrabandistas de ouro em pó, pedras preciosas e até moedas falsas. Esse material era colocado no interior de imagens religiosas de madeira, de grande porte. A carga valiosa circulava entre os estados brasileiros, era levada para Portugal ou até mesmo vinha de lá para o Brasil. A prática foi habitual principalmente em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Também se fala em santinho de (ou do) pau oco, santa de (ou do) pau oco e santinha de (ou do) pau oco.
Por Eduardo Martins, publicado em diversos números da revista 'História Viva', como 'PALAVRAS VIVAS'. Compilado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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