2.02.2012

ZOONOSES E SAÚDE PÚBLICA


Para iniciarmos o assunto propriamente dito, seria interessante definir primeiro o que é Vigilância Sanitária e depois definirmos zoonoses, para saber a relação entre os dois aspectos.
Assim, através da Lei 8.080 de l9/09/80 do Ministério da Saúde, Artigo 6, 1o Parágrafo, a Vigilância Sanitária foi definida como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos a saúde (estudo das zoonoses) e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
a) o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente se relacionam com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, de produção ao consumo;
b) o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde;
c) controle das zoonoses de maior importância em saúde pública.
Portanto, tendo em vista as principais atuações da Vigilância Sanitária, vamos entrar no estudo das zoonoses que são doenças ou infecções que mais nos interessam e que passaremos a estudar.

CONCEITUAÇÃO DAS ZOONOSES

Desde os primórdios da história, o homem começou a perceber que ele era suscetível de adquirir doenças dos animais. Os hebreus da época de Moisés (séc. XV ;i. C.) por exemplo, já conheciam a raiva e sabe-se que existia entre eles um dito popular que dizia: "Ninguém acreditará no homem que disser ter sido mordido por um cão raivoso e ainda esteja vivo". Referências ao mormo e sua transmissão ao homem existem nos escritos de Aristóteles e Hipócrates, que viveram no século IV a.C. Virgílio, poeta romano do século I a.C., reconheceu ser o carbúnculo hemático (antrax) no homem transmitido pelo tosquiamento de carneiros mortos pela doença. Todavia, foi somente após a descoberta das características de certas bactérias e outros organismos interiores, que se puderam estabelecer analogias entre muitas doenças contagiosas do homem e dos animais.
O vocábulo ZOONOSES foi introduzido na literatura médica pelo Médico Alemão Rudolf’ Wirchow, no século passado (XIX), para caracterizar as doenças animais que podiam ser transmitidas ao homem. Etmologicamente a palavra é originária do grego, sendo que seu prefixo "zoon" significa animal e o sufixo "nosos", doenças, traduzindo-se literalmente por doenças animal. Embora a palavra não reflita bem este sentido, o vocábulo ficou consagrado pelo uso, passando a ser, naturalmente, utilizada nas ciências médicas.
A amplitude do termo gerou inúmeras discussões com a finalidade de conceituar de uma maneira mais racional e significativa, as zoonoses. Assim, em 1966, durante a realização do "3o Encontro de Peritos em Zoonoses da Oganização Mundial da Saúde", conseguiu-se chegar a um consenso, definindo-se as zoonoses como: "as doenças e infecções naturalmente transmissíveis entre os hospedeiros vertebrados e o homem".
A presença dos vocábulos "doença" e "infecção" tem a finalidade de enfatizar as condições que um hospedeiro poderá apresentar, isto porque o animal infectado pode não evidênciar manifestações clínicas (sintomas) que permitam sua identificação no meio, ao contrário do animal doente, o qual manifestará evidências de alterações orgânicas. Assim, na febre Q, por exemplo, os bovinos podem constituir-se em fontes de infecção para o homem, observando-se neste hospedeiro (homem) manifestações clínicas (sintomas) decorrentes da ação patogênica de ricketsia, responsável pela doença Coxiella burnetti. O mesmo raciocínio se aplica à raiva silvestre, em que os morcegos hematófagos constituem reservatório para o vírus da doença, não apresentando, via de regra, sintomas de infecção, mais com capacidade de transmiti-lo a outros animais e ao próprio homem.

ASPECTOS GERAIS

As zoonoses na atualidade constituem os riscos mais freqüentes e mais temíveis a que a humanidade está exposta, relacionando-se neste contexto cerca de 150 doenças até 180 (SCHWABE, 1984).
A demanda cada vez maior de alimentos de origem animal, provocando implicitamente o incremento das indústrias zootécnicas através, principalmente, dos aumentos substanciais dos rebanhos, constitui fator decisivo para aumentar os riscos de exposição às zoonoses. Outro fator a ser ponderado diz respeito à urbanização dos centros mais desenvolvidos da esfera industrial e ao hábito de criar em casa e apartamento "animais de estimação" tais como cães, gatos, aves ornamentais, quelônios, hamsters e até pequenos símios, contribuindo para aumentar ainda mais este tipo de risco. Por outro lado, os modernos meios de transporte rodoviário, ferroviário, marítimo e aeroviário favorecem a disseminação destas doenças através da condução acidental de vertebrados (reservatórios) ou invertebrados (vetores) de uma região endemica a outra indene. Da mesma forma a comercialização de animais (importação ou exportação) ou a sua deslocação para feiras ou exposições aumenta a probabilidade de transmissão destas infecções.

De acordo com a gravidade das senses, podemos dividi-la, teoricamente, em três grandes grupos:

l) igualmente graves para o homem e para os animais: Carbúnculo hemático, Raiva e Tuberculose bovina;
2) graves para o homem e raramente (ou ligeiramente) prejudiciais à saúde animal: Brucelose, Febre Q, Hidatidose.
3) que raramente afetam ao homem, mas provocam graves epizootias (epidemias animais): Febre Aftosa, Pasteurelose, Pseudo raiva.
A maior ou menor gravidade de cada uma das zoonoses em particular, pode diferir de acordo com a região considerada e com a época de ocorrência.

CLASSIFICAÇÃO

Várias tem sido as classificações propostas para as zoonoses, porém, a apresentada por SCHWABE, 1984, é a mais adotada por ser considerada a mais completa e fundamentalmente, baseia-se no ciclo de vida do agente etiológico.

1) ZOONOSES DIRETAS: A transmissão se dá de um hospedeiro vertebrado infectado a um vertebrado suscetível, por contato, veiculação ou vetor mecânico. Ex.: Raiva, Brucelose.

2) CICLOZOONOSES: Há a participação de mais de umaespécie de hospedeiro vertebrado na cadeia de transmissão.Ex.: Cisticercose, Hidatidose.

3) METAZOONOSES: São transmitidas biologicamente através de vetores invertebrados. No interior do organismo do hospedeiro invertebrado, o parasita realiza uma fase do seu ciclo biológico durante um determinado intervalo de tempo, ao qual se denomina "período extrínseco de incubação", que precede a transmissão a outro hospedeiro vertebrado.

Na dependência dos hospedeiros necessários para a formação da cadeia de transmissão, as metazoonoses se dividem em quatro tipos:
a) requerem um hospedeiro vertebrado e outro invertebrado. Ex.: Febre amarela.
b) requerem um hospedeiro vertebrado e dois invertebrados. Ex.: paragonimíase.
c) requerem dois hospedeiros vertebrados e um invertebrado. Ex.: clonorquíase.
d) representam a transmissão transovariana. Ex.: encefalite dos carneiros (Lomping-ill).

4) SAPROZOONOES: Há a participação de um hospedeiro vertebrado e de um elemento não pertencente ao reino animal, tais como o solo, matéria orgânica e plantas. Ex. : Histoplasmose e Ancilostomíase (solo), Fasciolose (plantas).
Além dessa classificação, hoje também começa a ser levada em consideração aquela que relaciona as zoonoses com os agentes etiológicos. Assim, é que, em 1978, em Genebra, o grupo de Expertos da OMS discutiram exclusivamente as zoonoses parasitárias; em 1981, em Genebra, os expertos discutiram as zoonoses bacterianas e viricas e já se está estudando a possibilidade de reunião dos expertos para o estudo das zoonoses micóticas.
Hoje, em dia, as duas classificações são aceitas, e uma complementa a outra.

VIAS DE TRANSMISSÃO

A transmissão das zoonoses pode ocorrer através das seguintes vias:

1 ) TRANSMISSÃO DIRETA:

Um hospedeiro vertebrado infectado transmite o parasita a outro hospedeiro vertebrado suscetível através do contato direto. Ex.: a raiva, brucelose, carbúnculo hemático, sarnas, microsporidioses, tricofitoses.

2) TRANSMISSÃO INDIRETA: 

Pode ocorrer através de diferentes vias:

2.1 ) Alimentos - Ex.: leptospirose, botulismo, carbúnculo hemático, brucelose, tuberculose, salmoneloses, teníases, triquinelose.
2.2) Secreções - Ex.: Raiva, brucelose.
2.3) Vômitos - Ex.: leptospirose, peste, sarna, brucelose.
2.4) Artrópodes - Ex.: febre amarela, encefalomielite equina, tifo e peste.

IMPORTÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA

Nos países em desenvolvimento a canalização de recursos está dirigida para a assistência médica, resultando em inversões mínimas para a medicina preventiva. A ocorrência de "doença" na população acarreta a baixa produção de bens e serviços com a conseqüente redução dos níveis salariais. 0 baixo poder aquisitivo da população conduz a padrões deficientes de alimentação, moradia inadequada e à diminuição do nível de educação. Este ciclo vicioso, chamado de "ciclo econômico da doença", fecha-se com a ocorrência de mais doença, diminuindo ainda mais o potencial de trabalho da população humana. Colateralmente, verifica-se uma pequena inversão de capital e de conhecimento técnico na pecuária, favorecendo a ocorrência e disseminação de doenças entre os animais, muitas delas de Caráter Zoonótico, agravando ainda mais a já deficiente condição de saúde do homem. Em decorrência deste fato, verifica-se baixa natalidade e elevadas morbidade e mortalidade nos rebanhos, gerando, em conseqüência, a produção de bens e serviços cada vez mais baixos.

Para se aquilatar a importância das zoonoses em Saúde Pública, basta lembrar que, das seis doenças em que a notificação dos casos é exigida universalmente, duas pertencem a este grupo, a Peste e a Febre Amarela, e ambas ocorrem no Brasil.

Das doenças obrigatoriamente notificáveis de acordo com as Normas Técnicas Especiais relativas à Preservação da Saúde no Estado de São Paulo, dez pertencem ao Grupo de Zoonoses a saber: Febre Amarela, Peste, Leptospirose, Raiva Humana, Carbúnculo Hemático, Tuberculose, Brucelose, Ricktesioses, Arboviroses e Doença de Chagas.

De maneira geral, não existem muitos dados estatísticos disponíveis e fidedignos sobre a ocorrência das diferentes zoonoses no Brasil. Vários fatores contribuem para agravar esta situação, tais como, a grande extensão territorial, a escassez dos serviços de saúde e de recursos médicos em muitas regiões, a deficiente educação sanitária de grande parte da população e diversos problemas de esfera administrativa e política.

Algumas zoonoses não constituem problema de saúde pública propriamente dito, porque raros são os casos humanos até hoje descritos. A Febre Aftosa enquadra-se neste contexto; embora nao acarrete prejuízos diretamente h saúde pública é responsável por grandes perdas na pecuária, e, implicitamente, à economia nacional.

A Raiva Urbana, por outro lado, apresenta coeficientes de morbidade e mortalidade baixos, porém, constitui um grande problema para a Saúde Pública em função de letalidade no homem ser de100%. Via de regra, nos casos de acidentes com animais suspeitos, várias pessoas são envolvidas, o que acarreta um grande onus ao Estado com o tratamento preventivo aos expostos ao risco de infecção. Em saúde animal, na raiva silvestre (rural) os prejuízos são decorrentes da perda, às vezes, de grande número de animais de um mesmo rebanho.

A Leptospirose, a Raiva, as Salmoneloses, a Brucelose e as Teníases ocorrem em todos os Estados da Federação. As arboviroses apresentam elevada prevalência nas zonas de matas, Amazônia principalmente, mas, levantamentos epidemiológicos demonstram infecções humanas com ou sem manifestações clínicas, em outras regiões, tal como o sul do país, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

A Hidatidose tem incidência primordial no Rio Grande do Sul atingindo ainda Santa Catarina e Paraná e representa um grave problema de Saúde Pública. O mesmo ocorre com a Cisticercose, que ainda constitui um risco permanente para os consumidores de carne suína.

A Leptospirose apresenta prevalência moderada nos rebanho: bovino e suíno. Por sua vez a Brucelose apresenta alta morbidade e baixa mortalidade; todavia é um problema de saúde ao nível de grupos profissionais, tais como empregados de matadouros, granjas leiteiras, veterinários e tratadores de animais, embora acarrete, anualmente, consideráveis prejuízos à pecuária e a suinocultura.

A Tuberculose, além dos prejuízos à indústria animal, determina a redução da mão de obra humana disponível para o trabalho, porquanto após a alta hospitalar o indivíduo nem sempre pode voltar às suas atividades anteriores como é o caso dos trabalhadores braçais. Em razão dos fatos apresentados, pode-se concluir que qualquer que seja a zoonose considerada, de maior ou menor gravidade para o homem e para os animais, esta sempre contribuirá para diminuir a produção de bens e serviços com todas as suas conseqüências.

CONTROLE

Em decorrência da importância das zoonoses, tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista econômico, é necessária a adoção de medidas capazes de minimizar estes transtornos através de aplicação de métodos adequados para a prevenção, controle ou erradicação destas doenças.
Para que a aplicação destes métodos possa ser bem sucedida, é de suma importância o conhecimento de prevalência de cada uma das zoonoses. Assim, é necessário proceder-se a minuciosos inquéritos epidemiológicos, utilizando-se para tanto dos registros dos serviços de saúde pública e saúde animal, dos dados obtidos nas propriedades rurais das informações dos médicos veterinários e dos relatórios das indústrias de laticínios e matadouros. Conhecida a magnitude de cada um dos problemas, são estabelecidas as prioridades de ação, adotando-se programas eficientes com a finalidade de interromper a cadeia de transmissão destas zoonoses, seja pela atuação sobre as fontes de infecção, vias de transmissão ou suscetíveis.
O combate às zoonoses pode ser realizado ao nível de cooperação internacional e dentro de uma mesma ação, ao nível central, regional ou local.
No entanto, qualquer que seja o programa de controle adotado, é de fundamental importância que ao mesmo seja dado continuidade e que os procedimentos de vigilância sanitária sejam adequadamente aplicados, caso contrário, aos prejuízos econômicos já decorrentes de incidência de uma determinada zoonose, somar-se-ão os de uma campanha mal sucedida.
Em vista de tudo o que foi dito, verificamos a relação estreita entre a Vigilância Sanitária e o Controle de Zoonoses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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BRASIL. Lei n. 8.080 de 19 de setembro de 1990. Ministério da Saúde.

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Bacterial and viral zoonoses. Genebra : OMS, 1981. (lnformes Técnicos, 682, l982)

SCHWABE,C.W. Veterinary medicine and human health. 3.ed. Baltimore ; Williams A Wilkins, 1984.

Autoria do prof. Omar Miguel, coordenador do Curso de Medicina Veterinária da UNIBAN, com o título de 'A vigilância sanitária e o controle das principais zoonoses', disponível em www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232010000700057.Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopodo Costa.


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