Capítulo do livro ‘Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo’ de Pierre Monbeig apresentado como tese para seu doutoramento na Sorbonne. Em 1950 obteve o prêmio de melhor tese da Fundação Nacional de Ciências Políticas da França. Monbeig foi professor da USP- Universidade de São Paulo- na década de 1940, sendo durante este período que o livro-tese foi preparado.
As Pastagens
Destruir a floresta virgem para, em seu lugar, instalar
campos artificiais, eis o traço mais original e mais recente do movimento
pioneiro nos planaltos ocidentais de São Paulo. Entre Barretos e Presidente
Prudente, ao sul, passando por Olímpia, Novo Horizonte e Rio Preto, todos ao
norte do Tietê, e Araçatuba, Andradina e Santo Anastácio, ao sul, estima-se que
aproximadamente 50.000 km2 de mata virgem transformaram-se em pastagens. Os
primeiros passos dessa mudança considerável não datam dos últimos anos, como já
foi visto ao observarmos o papel que a criação de gado teve outrora na marcha
para oeste.
Depois do episódio inicial dos mineiros e após a abertura
das estradas boiadeiras na direção do rio Paraná e de Mato Grosso (a de Porto
Tabuado foi a mais antiga, depois vieram a de Porto Tibiriçá e, mais tarde, a
de Porto Independência a Araçatuba), a fundação do frigorífico de Barretos em
1913 marcou uma reviravolta na economia da franja pioneira. Daí em diante, O
progresso da criação de gado não cessaria. mas tornar-se-ia mais lento ao
voltar, depois da Primeira Guerra Mundial, uma situação favorável para o café.
Os Fatores do
Desenvolvimento da Criação
O declínio da cultura cafeeira depois de 1929 e a eclosão de
um conjunto de circunstâncias favoráveis, depois do início da Segunda Guerra
Mundial, reavivaram a velha tendência à criação de gado. No conjunto do Estado
de São Paulo, as pastagens, que representavam 19% da superfície total em
1930-1936, passaram a 31 % em 1937-1939, enquanto o número de bovinos entre as
duas épocas passava de 2.092.961 a 3.484.614. Cifras incompletas permitem
avaliar em aproximadamente 2.300.000 cabeças o rebanho das zonas novas em
1944-1945. O entusiasmo pela criação, que reinou nos últimos anos, nada deixou
a dever ao que cercou o algodão nos anos 1932-1935. Os animais sucederam aos
cafeeiros nas velhas fazendas de Ribeirão Preto, Araraquara, Jaú, São Manuel, o
que pode ser interpretado como normal nessas zonas já antigas. Mas a mesma
transformação operou-se também nas plantações que apenas começavam a dar
rendimentos.
Foi assim que, uma vez arrancados os 900.000 pés de café da
fazenda Almeida Prado, foram instalados em seu lugar 20.000 animais.
Transformar a plantação em declínio, deficitária ou simplesmente pouco
lucrativa em pastagem, pareceu a solução mais econômica. Ela permite também que
se fique livre da eterna preocupação com a mão-de-obra. Quando o progresso das
pequenas explorações subtraía dos fazendeiros uma parte dos colonos e a
industrialização crescente, apoiada em salários mais altos, drenava para as
grandes cidades um bom número de trabalhadores rurais, era preciso encontrar
uma atividade que usasse poucos braços. Como, seguramente, esse não era o caso
do algodão, a criação de gado oferecia uma saída cômoda. Havia outra vantagem:
a obtenção relativamente fácil de crédito junto ao Banco do Brasil. O grande
estabelecimento bancário da União e, de seu lado, o Banco do Estado de São
Paulo, aperfeiçoaram um sistema de crédito, que era muito mais acessível aos
criadores do que aos lavradores.
A criação beneficiou-se de uma política que, se não foi
concebida sistematicamente, acabou, de qualquer forma, por lhe ser inteiramente
favorável. O argumento era a necessidade de atender às necessidades das massas
operárias urbanas, lançadas no que era chamado o "esforço de guerra".
Os fretes ferroviários tomaram-se mais vantajosos para o
transporte de gado do que para o café. A expedição de um vagão de café custava
11.000 cruzeiros, em 1946, entre Aguapeí e Santos, enquanto que a de um comboio
com dez vagões transportando gado entre Aguapeí e São Paulo pagava 10.000
cruzeiros. A partir de 1942, a opinião corrente entre os fazendeiros era de que
a criação "protegia-os melhor do que o café contra eventuais
prejuízos" e, consequentemente, valeria mais a pena transformar o cafezal
em pastagem do que desperdiçar dinheiro. Seria melhor formar uma invernada, do
que desflorestar para plantar café.
A esses argumentos contra as culturas juntava-se outro, mais
decisivo ainda, em favor da criação: a persistente alta do preço do gado. Entre
1933 e 1941, o preço médio do boi vendido ao criador paulista aumentou Cr$
180,56 e o preço do animal engordado vendido por ele aos frigoríficos aumentou
Cr$ 200,21. O lucro de invernista era de Cr$ 63,95 em 1933 e atingiu Cr$ 84,60
em 1941. Quer isso dizer que os fatores favoráveis ao progresso da criação em
São Paulo existiam já antes da guerra, mas com esta não só o consumo da
população urbana aumentou, como a demanda dos frigoríficos foi reforçada.
Resultou daí uma alta sensível do preço da carne, que passou de Cr$ 2,02 o
quilo em 1940 a Cr$ 3,50 em 1944 no comércio de São Paulo, tendo o quilo da
carne-seca subido de Cr$ 3,83 a Cr$ 5,62. A alta dos preços do varejo reflete
os da produção. Compreende-se então que mais de um proprietário de floresta
tenha decidido transformá-la em campo, ao mesmo tempo aproveitando as safras
transitórias de algodão.
As condições geográficas, por sua vez, só poderiam ser
favoráveis à criação, na franja pioneira, e acabariam transformando os
desbravadores paulistas em especialistas na engorda do gado. Já fazia trinta
anos que os pioneiros haviam chegado ao rio Grande, face a face com o Triângulo
Mineiro. Aí eles souberam aproveitar a vantagem de se haverem aproximado de
regiões de criação. O fenômeno renovou-se dez anos depois, quando outros
pioneiros aproximaram-se de Mato Grosso.
Os trilhos da Noroeste haviam penetrado em zonas de criação,
os da Sorocabana chegaram às barrancas do rio Paraná e, cedo ou tarde, a
Paulista e a Araraquarense chegariam às margens dos rios das fronteiras de São
Paulo. Enquanto se espera que elas os transponham, algumas balsas foram
instaladas para facilitar a passagem das tropas.
São Paulo aproximou-se bastante das regiões de criação,
tornando-se possível uma associação com elas. Mas as distâncias continuam muito
grandes, impossibilitando a entrega imediata aos matadouros e frigoríficos dos
animais que chegam de Mato Grosso ou de Goiás. Eles chegam em território
paulista magros e esgotados, depois de longos percursos e mesmo os que são
transportados por estrada de ferro não se apresentam em melhor estado. Sendo as
estradas boiadeiras impraticáveis na época das chuvas, as viagens são ainda
mais penosas, porque se fazem na estação seca, quando as pastagens ao longo do
percurso não oferecem grande coisa aos animais fatigados. Os que são colocados
em currais junto às principais estações da Noroeste (Miranda, Aquidauana, Campo
Grande) devem às vezes esperar durante semanas até o embarque, diante da falta
de vagões e numa linha de via única. Eles chegam ao Estado de São Paulo com
pele sobre ossos.
É preciso restaurar o gado para obter um peso conveniente.
Ora, quando este atravessa o Paraná ou o rio Grande, vai encontrar pastagens
verdes e terá tempo para repousar, antes da última etapa, que o conduzirá aos
matadouros. As pastagens de engorda de São Paulo estão menos expostas aos
rigores da seca do que as do Brasil Central. São conhecidas como invernadas,
porque beneficiam-se de uma hibernação bastante longa para não sofrerem, a não
ser excepcionalmente, com as deficiências pluviométricas. Na franja pioneira,
essas invernadas encontram-se na posição geográfica mais favorável para receber
as boiadas emagrecidas. As que se localizam junto à linha da Noroeste, desde os
campos de Avanhandava até às pastagens de Castilho e Junqueira, recebem os
comboios vindos por estrada de ferro ou as tropas vindas por Porto Independência.
Depois da engorda, os animais cobrem facilmente o trajeto que os separa de
Barretos. A Noroeste é a principal via de penetração do gado na zona pioneira.
Os animais que atravessam o Paraná em Porto Getúlio Vargas
ou que chegam pelo rio Grande, beneficiam-se ainda mais da proximidade de
Barretos. A área de atuação do velho frigorífico não é mais limitada pelas
invernadas que o envolvem, mas estende-se até as recentemente formadas na
margem esquerda do Tietê. Por sua vez, a Sorocabana transporta até aos
frigoríficos de São Paulo os animais que passam pelo Porto Quinze de Novembro e
permanecem nas invernadas e campos desde Presidente Epitácio até Assis.
A circulação do gado não acompanha só os grandes eixos de
comunicação orientados para São Paulo e não está sob a influência única do
grande mercado de Barretos. O crescimento da população urbana na franja
pioneira fez nascerem necessidades locais. Para satisfazê-las, os invernistas e
os negociantes de carne fazem suas compras nos locais em que a situação do
mercado e o estado dos animais lhes parecem os melhores. Dai uma circulação de
tropas entre as diferentes regiões pioneiras. Animais entrados no Estado pelos
portos da região de Barretos podem ser destinados às cidades da Sorocabana e
passar pelos campos de Avanhandava e por Tupã para chegar a Quatá ou Iepê.
Para alimentar Londrina, nasceu uma corrente de tráfego
entre a Alta Sorocabana e o norte do Paraná, atravessando o rio Paranapanema
perto da confluência do Tibagi. Uma outra corrente parece que se esboça entre
Mato Grosso, Paranavaí e Londrina, em cujos arredores veem-se invernadas em
formação. Essas longas viagens entre as regiões novas se destinam somente a
fornecer carne necessária aos habitantes das cidades e, por vezes, as chegadas
são muito abundantes para as invernadas de uma região, sendo preciso distribuir
os animais nas pastagens vazias das outras zonas. A circulação do gado é,
portanto, intensa através dos planaltos ocidentais.
Um espetáculo comum é o encontro de uma boiada de várias centenas de animais, mil no máximo, guiados por uma escolta imutavelmente constituída. O chefe, também chamado capataz ou comissário, decide as etapas e negocia o rebanho, seja por sua conta, ou por conta de terceiros. Ele precede cortejo, acompanhado por um sinaleiro, o ponteiro, que ao som de uma trompa, avisa os camaradas sobre as paradas ou as travessias de ribeirões. Os guias, cujo número depende do tamanho do rebanho, colocam-se à frente ou dos lados e o "chave" fica na retaguarda. Vem ainda atrás o culateiro, que tem a seu cargo os bezerros, às vezes nascidos durante a viagem e incapazes de acompanhar a tropa. Um personagem muito importante, o cozinheiro, fica dispensado do trabalho e, partindo sozinho à frente, vai preparar o acampamento para seus camaradas.
Cada tarde, ao fim do percurso de uma vintena de
quilômetros, a boiada para em um pasto à beira da estrada. Os homens verificam
o estado dos animais, separam e tratam dos enfermos ou fatigados, que no dia
seguinte marcharão à retaguarda. Para dormir, abrigam-se em um rancho
miserável, quando não ficam sob um céu de estrelas. A noite é frequentemente
fria no inverno, mesmo para os que estão enrolados em um grande poncho de lã do
Rio Grande do Sul ou do Paraguai. O capataz fixa a marcha para o dia seguinte,
de acordo com o estado do gado, seu conhecimento dos pousos e as informações
recebidas sobre a situação dos pastos. Não lhe falta prudência, porque cada
animal que morre é uma perda para ele. O ofício é duro, mas não sem lucro. Com
uma boiada de quinhentos animais, um desses capatazes estimava que uma viagem
de quinze dias entre Avanhandava e Iepê lhe daria um lucro de 12 contos de
réis. Seus empregados não ganhariam tanto, mas amam profundamente essa vida
rude.
Um bom negócio enche seus bolsos por algum tempo e o ganho
inesperado em perspectiva satisfaz seu temperamento aventureiro. Ê raro um
boiadeiro abandonar seu ofício e tornar-se agricultor antes de a idade o
obrigar a permanecer no sítio. Ele fala com orgulho dos giros que fez pelo
Brasil Central, por vezes pelos pampas do sul. Tipo acabado de cowboy e de
gaúcho, o boiadeiro manifesta certa condescendência pelo homem da terra. De
todos os tipos humanos que se encontram na franja pioneira, é, entre os
humildes, o mais aventureiro e o mais empreendedor. Em todo caso, ele é mais
consciente, no seu amor pela aventura, do que o sitiante movido pelo capricho
das circunstâncias.
As Invernadas
A grande zona das invernadas estende-se de Barretos a
Araçatuba. Ela compreende os municípios de Olímpia, Guaraci, Nova Granada,
Palestina e Paulo de Faria, que recebem gado vindo de Minas Gerais ou de
pastagens de Mato Grosso ou Goiás. Nesses municípios, os campos cobrem mais da
metade da superfície (75% em Barretos, 64% em Olímpia, 56% em Palestina) e
localizam-se principalmente nas terras baixas vizinhas ao rio Grande; mas
ganharam terreno em direção aos espigões, à medida que se destruíam os cafezais
mais baixos. O raio de ação de Barretos estende-se aos municípios da Alta
Araraquarense, tanto no eixo Mirassol-Fernandópolis, como na direção de Monte
Aprazível e General Salgado. As pastagens de Novo Horizonte, na margem esquerda
do Tietê ligam-se também à área de Barretos. Pode-se avaliar em 900.000 o
número de bovinos da região. O rebanho da Noroeste não contribui senão
parcialmente para abastecer o mercado de Barretos. Uma parte é diretamente
expedida para São Paulo.
Os campos de Avanhandava e de Penápolis formam aí um
primeiro núcleo de criação, que é completado pelas áreas conquistadas desde
Bauru até Araçatuba, em prejuízo dos cafezais. O conjunto reúne 400.000
cabeças, das quais 154.000 no município de Araçatuba. É aí que começam,
verdadeiramente, as invernadas de formação recente: umas estão na vertente do
Tietê, com vastos domínios, como uma fazenda inglesa de 7.000 alqueires, perto
de Aguapeí, ou como a fazenda Guanabara, em Andradina, que abriga 45.000 bois;
outras estão na vertente Feio-Aguapeí. O espigão entre o Tietê e o Aguapeí está
envolvido por um cinturão de invernadas ocupadas por perto de 300.000 animais.
Com 100.000 cabeças, a Alta Paulista é, de todas as regiões novas, a que menos
conheceu a invasão das invernadas. Não que elas sejam inexistentes no vale do
rio Tibiriçá.
Também, é preciso registrar que quando há alguns anos as
autoridades locais pediram a construção de instalações para o embarque de gado
na estação de Marília, isso foi uma prova evidente da existência de uma
reviravolta na evolução desta zona agrícola. Mas a região não tem relações
diretas com Mato Grosso e permanecerá à margem das grandes correntes do tráfego
de bovinos enquanto a estrada de ferro não atingir o rio Paraná. Suas
invernadas têm um papel principalmente local, ou servem como escalas para os
rebanhos que circulam entre a Noroeste e a Alta Sorocabana. Na última, encontra-se
uma distribuição das pastagens análogas à da Noroeste. De um lado, trata-se de
velhas pastagens feitas pelos mineiros, de outro lado, estão as invernadas de
Presidente Venceslau e Presidente Epitácio, às quais vieram juntar-se as que
surgiram das derrubadas em Iepê. Com suas 350.000 cabeças, a Alta Sorocabana
ocupa o segundo lugar entre as zonas de criação da franja pioneira.
Assim, os campos não bastam para manter o rebanho bovino. As
pastagens artificiais não cessam de progredir, principalmente nas áreas que
mantêm relações fáceis com as regiões de criatório. Sua localização quer nos
vales outrora não desbravados, quer nos pontos extremos atingidos pelas linhas
das estradas de ferro, corresponde hoje a uma ocupação do solo muito mais
completa do que na época da monocultura cafeeira. Já no período colonial e
também durante os primeiros tempos do café, os campos de Araraquara, os de
Franca e de Piraçununga haviam sido utilizados. Chegou a haver mesmo certa
resistência por parte dos criadores de gado, contra a invasão dos lavradores de
café. Atualmente, em plena franja pioneira, ainda se encontram fazendas cujos
donos preferem criar eles mesmos o seu gado, do que comprar dos criadores de
Mato Grosso. No entanto, a grande maioria dos criadores paulistas voltou-se
resolutamente para a engorda nas invernadas, julgada mais lucrativa.
Quer a questão seja um pasto para criar ou uma invernada. É
preciso começar acabando com a floresta e plantando forrageiras. A técnica é
sempre a mesma, como já foi visto: depois de dois anos de cultivo do algodão,
uma vez queimadas as plantas da última safra, a terra passa a pasto,
apagando-se os traços da última cultura. Recolhem-se as sementes dos tufos de
gramíneas que foram plantadas nos limites dos campos, ou então faz-se transplante
de mudas, dispondo-se os tufos espaçados uns dos outros cerca de dois metros.
Durante as chuvas, as gramíneas crescem vigorosamente e em seguida os animais
são introduzidos na pastagem, que ainda se apresenta muito aberta e onde não há
muito para ser pastado. A finalidade é de que o gado colabore com o vento na
dispersão das sementes, razão porque, desde que sobrevenha uma pequena chuva,
capaz de ajudar no renascimento da forragem, retiram-se os animais da invernada
e esta passa, a seguir, pela primeira prova de fogo.
Esta queimada, cuja violência é contrabalançada pela umidade
da vegetação, visa uniformizar a pastagem, onde os tufos de capim deverão ter a
mesma altura. Nas invernadas formadas depois das culturas de algodão e de
arroz, é preciso esperar cinco anos desde a derrubada até o momento em que os
bois encontrem, verdadeiramente, nutrição abundante. Nas pastagens novas não há
necessidade de outros cuidados durante alguns anos. Entretanto, em caso de
alguma grande seca, os criadores não hesitam em queimar as invernadas, para que
o gado tenha capim mais tenro. Nas grandes fazendas, nota-se já a preocupação
de proporcionar períodos de repouso às pastagens. Deixa-se então crescer o
capim, que serve como canteiro de mudas para as invernadas que estão sendo
preparadas. depois pratica-se por um ou dois anos uma cultura de milho. A fase
do algodão é de prática comum em todas as regiões.
Mas é necessário indicar que alguns fazendeiros não procuram
lucrar com o estágio intermediário de culturas, porque ele atrasa o uso da
pastagem. Nesse caso, logo depois de abatida a floresta, faz-se a semeadura das
gramíneas. Um outro processo associa forragem e milho e este, crescendo mais
depressa, fornece sombra àquela. Ê principalmente em antigos cafezais e em solos
pouco apropriados para o algodão que se pratica esta combinação milho-pastagem.
Os criadores paulistas estão, portanto, à procura de melhores técnicas. O fato
merece ser examinado, porque são conhecidas as deficiências da criação nas
regiões tropicais, assim como a mediocridade das pastagens, que sofrem com a
seca e o fogo, a baixa ocupação por área e a magreza dos animais. As invernadas
da franja pioneira não escapam a esses defeitos, pois, as gramíneas predominam
sobre as leguminosas e, não faz muito tempo, os espécimes de cinco anos não
pesavam mais do que 225 kg.
Entretanto, foram feitos progressos indiscutíveis, que
assinalam a evolução da criação pioneira. Fez-se notável esforço para formar
pastagens que, além de resistirem ao período seco, sejam capazes de engordar um
número elevado de animais o mais rapidamente possível. A forragem de uso mais
antigo é o capim-gordura (Panicum
melinis, Trin.), que é muito sensível à seca e incendeia-se muito
facilmente e que continua sendo usado, mas só em pequenos pastos destinados a
gado leiteiro. Na região de Barretos-Olímpia, a gramínea que domina é o capim-jaraguá
(Hyparrhenia rufa), que pode suportar
até dez cabeças por alqueire. Mas, como a maior parte das gramíneas tropicais,
ela tem o inconveniente de endurecer quando cresce e o seu caule silicificado
fornece uma nutrição medíocre quando a seca se prolonga. Os invernistas de
Barretos não renunciaram ainda ao jaraguá, mas uma grande plantação deste capim
na Variante teve insucesso completo, por ocasião das grandes secas de 1943-44.
Essa foi a razão porque os invernistas dos desbravamentos
novos, isto é, os do vale do Aguapeí, os de Andradina e de Presidente Epitácio
abandonaram o jaraguá. Eles preferem forragens importadas da África, de trinta
anos para cá, como o capim-elefante (Pennisetum
purpureum Schum), o capim-de-rodes (Chloris
gayana Kurith.), o capim-kikuio, que cobre com muita regularidade o solo e,
enfim, o capim-colonião, que se revelou a gramínea mais resistente,
conservando-se melhor verde e tenra, apesar das queimadas. A carga de animais
que ele é capaz de suportar, é o dobro da aceita pelo capim jaraguá. Os
criadores distribuem as forragens de acordo com as qualidades das terras, ao
invés de as cobrir uniformemente com uma única variedade. Planta-se, assim, o
capim-estigueiro, que é uma variedade do gordura, nos solos mais secos e nas
partes altas das invernadas, e o capim-de-angola (Panicum purpurascens N.B.K.) nos fundos úmidos. As outras espécies
são semeadas nas encostas.
Esta distribuição racional permite deslocar os animais de
uma gramínea para outra, segundo a estação, aumentando a capacidade de carga
dos pastos graças à adaptação da forragem ao solo. É interessante notar a
extensão da luzerna (alfafa) que poderá vir a contrabalançar o predomínio das
gramíneas. Foi plantada por alemães há cerca de vinte anos, perto de Maracaí e
de Assis. Outros ensaios foram feitos depois de 1935 na zona de Bandeirantes e
Mariana, no Paraná. Cifras recentes indicam um progresso considerável das
luzerneiras, sem que possamos precisar a sua distribuição. Nas terras de
criação, a carga animal varia de três a quatro cabeças por hectare; nas
invernadas é somente de 2, em média. Essas cifras ultrapassam as de regiões
secas, como as da Argentina e o Texas. Quanto ao peso dos animais, é mais
elevado do que em outros países tropicais, como Madagáscar e os campos da África
Equatorial. Costuma-se indicar que um hectare de pastagem tropical só pode
suportar 50 kg de gado bovino, contra 500 na Europa. Ora, as pastagens
paulistas permitem atualmente entregar aos matadouros animais de três anos
pesando 270 kg, ou seja, na relação dois por hectare, uma carga animal de 540
kg. Foi nessa direção que se desenvolveram os esforços que visam a fornecer aos
frigoríficos os 'chilled-beef' de que eles necessitam e que até a pouco
encontravam muito raramente. Espera-se chegar aos 'baby-beef', quando os
animais pesarem 550 kg em vinte meses, o que poderá ser atingido completando a
alimentação dos pastos com a distribuição de tortas e, no inverno, de rações de
capim colonião ensilado. Tal resultado é ainda hipotético e continua grande a
deficiência de peso e de qualidade da carne. A mestiçagem do zebu, importado no
fim do século XIX para o Triângulo Mineiro, com as raças locais, produziu um
animal magro, o Caracu, que tem a vantagem de resistir bem aos bernes nos
campos naturais.
Ensaios de inseminação artificial, com genes provenientes de
raças europeias, darão, talvez, animais mais gordos.
Como os parasitas são muito raros nas invernadas recentes,
tornar-se-á possível melhorar a qualidade da carne. Os criadores modernos, a
exemplo dos plantadores de algodão, não desprezam o apoio que as estações
experimentais podem trazer. Uma propaganda mantida pelos serviços oficiais e
apoiada pelo Crédito Rural do Banco do Brasil incitou os fazendeiros a
selecionar bons reprodutores. A especulação, sem dúvida, veio perturbar a
campanha, pois entre 1940 e 1946 alastrou-se uma verdadeira mania de possuir animais
de luxo. Viam-se em plena zona pioneira criadores que cercavam de cuidados e de
ciúmes alguns touros que atingiam preços fabulosos. Mas, no que era moda, é
justo ver também uma preocupação geral com a melhora do rebanho. Pode-se ver em
tudo isso uma volta ou uma fidelidade à tradição pastoril paulista.
Não mudou muito, no seu aspecto exterior, a fazenda de
criação de gado: sempre os mesmos ranchos de madeira, onde se alojam os
vaqueiros, ao lado da casa do dono, mais espaçosa e confortável; sempre os
mesmos currais, com sólidas cercas de troncos que, envolvendo a sede da
fazenda, ou distribuídos pelas invernadas, recebem os animais para a marcação,
ou para a separação dos bois, das vacas e dos bezerros. Tudo permanece como no
tempo em que a rusticidade da fazenda de criação opunha-se ao porte senhorial
do engenho de açúcar. O contraste é ainda flagrante entre a modéstia das
instalações em uma propriedade de criação e o ar de pequeno centro industrial
que conserva sempre a fazenda de café.
Mas não se podem levar mais longe as comparações entre a criação de gado
dos velhos paulistas e a de agora, na franja pioneira.
A atividade pastoril de outrora poderia ser interpretada
como provocada diretamente pelas condições geográficas, porque tirava-se então
o melhor partido possível dos campos naturais, tanto na Alta Sorocabana como
perto de Araraquara, ou sobre o planalto de Franca. Os animais erravam
livremente por amplos espaços, limitados apenas por ribeirões que separavam as
propriedades. Para conhecer esse passado, basta ir hoje a Goiás ou a algumas
áreas de Mato Grosso. São Paulo e seus planaltos ocidentais renunciaram àquela
criação extensiva. Procurar-se-iam em vão nas suas pastagens animais semisselvagens,
paralisados pelo laço de um audacioso gaúcho. Nas invernadas cujos espaços
foram conquistados à floresta, os animais apascentam pacificamente entre cercas
de arame, durante cinco a nove meses, o tempo necessário para que engordem. Por
vezes, ficam mais tempo, se o invernista, fazendo a recria, procura obter
bezerros. Mas é sempre e cada vez mais uma atividade vigiada.
Os Invernistas
Muito mais do que imposta pela natureza ou continuadora de
uma tradição pastoril, a criação de gado dos planaltos ocidentais de São Paulo
deriva da estrutura econômica e social atuaI. Ela não é mais o apanágio dos
grandes proprietários. Certamente, há vastas pastagens, como as da fazenda
Guanabara, que se estendem por 8.000 alqueires, com uma reserva de mais 17.000;
ou os 6.000 alqueires de um criador de Presidente Bernardes, que tem outros
2.000 alqueires de pastos em Quatá. Não é mesmo raro que um grande criador
tenha aqui uma invernada de 1.000 alqueires, lá outra de 2.000 ou de 5.000, o
que lhe permite distribuir racionalmente os rebanhos que ele compra dos
criadores. Mas ao lado dessas imensas propriedades, ouve-se falar com mais frequência
em fazendas de criação que cobrem de 100 a 300 alqueires.
Há outros criadores ainda mais modestos: a massa dos
sitiantes que, como já foi visto, transforma em pasto uma parte das suas
terras. Os plantadores de algodão e principalmente de café e os donos de
cafezais fatigados que passam a praticar culturas de subsistência, todos têm
alguns animais de criação. Se a exiguidade de seus lotes impede que façam a
engorda do gado, eles vendem facilmente seus pupilos aos açougueiros das
cidades vizinhas ou aos compradores que trabalham por conta dos frigoríficos.
Outros, como os húngaros da colônia Arpad, completam o cultivo de árvores
frutíferas (laranjeiras e mangueiras) com a criação de algumas vacas leiteiras.
Os mais ricos possuem uma quinzena de animais, a maior parte só 3 a 5. Na Arpad
e também na colônia Aimoré, os sitiantes acrescentam ainda à agricultura e à
criação leiteira, a criação de porcos, gansos e patos, enquanto os letões da colônia
Varpa combinam as demais atividades com a avicultura, vendendo ovos a São
Paulo, e com a fabricação de manteiga.
Nesses núcleos de colonos europeus, a criação é parte
integrante da economia rural, em proporção muito maior do que entre os
plantadores de algodão e de café, para os quais ela conserva a forma de uma
simples atividade complementar. Essa variedade de tipos de criação, sua
associação com situações econômicas diversas, que vão desde o grande invernista
ao modesto sitiante e o caráter particularista das atividades pastoris entre os
imigrantes de origem não mediterrânea, tudo isto mostra até onde a criação
reflete, na franja pioneira, a estrutura social e a composição étnica.
Poder-se-á apreciar melhor tudo o que diverge, da tradição pastoril, ao
salientarmos a ação exercida pelas companhias inglesas sobre a criação dos
planaltos ocidentais.
Se o impulso inicial foi dado por Antônio Prado, quando
fundou o frigorifico de Barretos, seriam as firmas inglesas (sic) Swift, Wilson
e Armour que retomariam o caminho, depois da compra do frigorífico de Barretos
e a fundação, durante a Primeira Guerra Mundial, de novas instalações nos
subúrbios da capital. Essas sociedades estrangeiras são detentoras de uma parte
apreciável das invernadas. Estimava-se em 1941 que elas possuíam 77.418
alqueires em propriedades, algumas perto de São Paulo, outras em Araraquara e a
maior parte na zona de Barretos. Um bom conhecedor da Alta Araraquarense
estimava que em 1940 o total das fazendas inglesas dos municípios de Rio Preto,
Monte Aprazível e Tanabi atingia 37.000 alqueires; entre elas, duas grandes
propriedades mediam, respectivamente, 12.000 e 17.000 alqueires.
Seria necessário acrescentar a gleba da fazenda Pajé, imensa
reserva que, por sua vez, conhecerá o desbravamento, e, na Variante, uma grande
fazenda de 7.000 alqueires, perto de Aguapei, completada por outras instalações
na região de Rancharia. As sociedades detentoras dos frigoríficos possuem, além
disso, suas próprias terras de criação tanto em Mato Grosso como em Goiás. A
organização vertical foi levada mais longe ainda, no caso da Wilson (sic) cuja
base financeira é a mesma da Blue Star Line, empresa que os navios frequentam o
porto de Santos. Pode-se avaliar facilmente a força de uma organização tão
completa. De resto, os frigoríficos não se contentam em possuir suas próprias
invernadas e também as alugam de invernistas, sob contratos de dois anos,
pagando proporcionalmente às cabeças de gado (8 cruzeiros em 1946).
Assim, quando é avaliada em 120.000 a capacidade das
invernadas pertencentes aos frigoríficos, convém adicionar a esse número uma
boa parte das 550.000 cabeças atribuídas aos pastos de Barretos e sua região.
Até há pouco tempo, as companhias estrangeiras eram as únicas donas dos
matadouros que alimentam São Paulo, o que significa que sua atividade não se
limitava só à indústria da carne e que elas faziam considerável movimento
comercial interno. Como, praticamente, são os únicos grandes compradores,
exercem uma ação determinante sobre os preços e podem restringir ou aumentar as
compras junto aos criadores independentes, em função do estado das suas
próprias pastagens, ou de acordo com o rumo que desejam imprimir ao mercado de
gado. Tal controle estrangeiro, essencialmente inglês, não deixa de levantar
protestos entre os criadores, que, ao que parece, têm tido maior repercussão do
que as queixas dos sitiantes plantadores de algodão diante da ação das empresas
norte-americanas.
O sindicato dos invernistas é uma força politica poderosa,
mas igualmente poderosos são os frigoríficos estrangeiros. Esta estrutura
capitalista, que também é uma causa da renovação da criação na franja pioneira,
não tem muito em comum com a velha sociedade patriarcal dos criadores antigos.
Ela facilitou as coisas, mas é difícil reconhecer nos invernistas atuais o
mesmo valor dos que os precederam. Os de hoje, na retaguarda dos
desbravamentos, ocupam o lugar de sitiantes que partiram para terras mais
novas. No vale do Tibiriçá, houve recuo da pequena propriedade algodoeira, em favor
da média propriedade de criação. Nos arredores imediatos de Araçatuba, desde
1939 podiam ser vistos casas em ruinas, pomares invadidos pelo mato e o gado
pastando em velhos cafezais ou em antigos campos de algodão.
O que era significativo no caso, é que o proprietário desta
invernada era um comerciante sírio que residia na cidade e não possuía o menor
conhecimento das cousas da terra; havia aproveitado a ocasião para um bom
negócio, que foi a compra a preço baixo de sítios abandonados e sua transformação
em pastos. Não foi o único sírio que encontramos entre os invernistas surgidos
quando souberam aproveitar a conjuntura dos últimos anos. Não é sem angústia
que se assiste à destruição da floresta e de seu solo para a localização de
pastagens para o gado zebu. O ritmo da transformação é rápido. Uma propriedade
de 220 alqueires, situada em Pedranópolis, começou a ser desbravada em 1943. No
fim desse ano, ficou reduzida a 70 alqueires de floresta, sendo os 150
restantes transformados em roças onde se plantaram culturas de subsistência e
algodão. Em 1944, cerca de 50 alqueires já estavam semeados com capim-colonião.
No ano seguinte, a superfície dos pastos dobrou.
A floresta desapareceu completamente em 1947 e tudo foi
transformado em pastagem. Assim, em quatro anos, à razão de dois alqueires por
trabalhador, 110 homens e mulheres viveram da destruição da floresta e, uma vez
formado o pasto, deverão ser aí colocados 900 a 1.000 animais, para cujo
cuidado bastarão dois vaqueiros. A destruição das riquezas naturais não é,
dessa forma, compensada pela instalação de grupos humanos densos e ligados à
terra. Só as pequenas colônias estrangeiras enraízam-se e formam núcleos de
forte concentração. Os antigos cafeicultores que passam para a criação de gado,
são rapidamente atraídos pelas terras novas. Quanto aos invernistas, apesar das
transformações apreciáveis que se operaram nos métodos da criação, não parece
que tenham atingido o estágio em que a criação fixa os homens e exige uma
mão-de-obra apreciável.
Não se pode, entretanto, rejeitar à primeira vista tal evento, que é ponto de vista frequentemente sustentado em São Paulo: a criação poderá vir a ser criadora de riqueza, tanto ou mais do que uma agricultura nômade. Os progressos técnicos recentes levarão provavelmente a uma maior conservação dos solos. As experiências já tentadas para obter forragens que cubram todo o terreno e reúnam a dupla qualidade de suportarem maior carga de gado e sustar a ação das águas de escoamento, serão certamente levadas avante. Mas, como já foi visto, parece que o desflorestamento intenso aumenta a aridez. Levar mais para oeste as pastagens de engorda não tem sentido, porque ficariam ainda mais afastadas dos centros consumidores e também isso obrigaria à criação de uma rede de frigoríficos melhor distribuídos sobre os planaltos ocidentais. E nada garante que essas novas instalações não ficariam sob o controle de capitais estrangeiros. As soluções, no caso, parecem tão incertas como para os grandes produtos agrícolas.
Enquanto elas não vêm, as circunstâncias econômicas incitam
a aumentar as invernadas em tal escala, que é difícil acreditar que elas não
venham a ser criadoras de desertos.
Por Pierre Monbeig no
livro 'Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo', tradução de Ary França e Raul de
Andrade e Silva, publicado pela Editora Hucitec-Polis, São Paulo, 1984, p. 303-316.
Digitalizado, ilustrado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.
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