3.04.2012

PIONEIROS E FAZENDEIROS DE SÃO PAULO



OS LIDERES DA MARCHA PIONEIRA

Foram os precursores mineiros submergidos pela massa dos pioneiros cafeicultores, entre 1880 e 1910. A rapidez da conquista do solo entre essas duas datas foi obra de uma sociedade cujas tradições, espírito e ambições já não apresentavam muita coisa em comum com as de seus antecessores. Viu-se que, por entre os mineiros tinham alguns assumido o papel preponderante, mas não o deviam senão à sua iniciativa pessoal e, por outro lado, nada os distinguia de seus parentes e companheiros. Quando se pôs em movimento o avanço paulista, era ele, ao contrário, muito mais hierarquizado: encabeçava-o uma classe de grandes fazendeiros, que ao mesmo tempo dirigia importantes sociedades bancárias e ferroviárias, bem como detinha postos na administração pública. Emergiram dessa classe personalidades extremamente notáveis, cujo valor individual, entretanto, exprimia simplesmente, com maior força, as características comuns a todos eles. Sua obra consolidou, por muito tempo, a grande burguesia paulista.

1. Os Grandes Fazendeiros

Partindo dos municípios da depressão periférica, avançaram os grandes plantadores, seguindo as vias de penetração natural que diante deles se abriam. Duas famílias, os Almeida Prado, de Itu e os Toledo Piza, de Capivari, desceram o Tietê até a entrada deste na serra de Botucatu; descobriram extensa mancha de terra roxa nas cercanias de Jaú, e nessa região iniciaram a cafeicultura.

Ali tinham sido feitas as primeiras plantações, muito modestas, pelos mineiros; em 1865, comprou-as F. Paulo de Almeida Prado. Ajudado por seus irmãos e cunhados, lavradores em Tietê e Porto Feliz, aumentou as plantações e foi seguido por homens de Piracicaba, Limeira, Indaiatuba. Joaquim de Toledo Piza veio mais tarde, em 1849, e completou os desbravamentos, na zona de Jaú. Mas, não se contentando com as terras já parcialmente ocupadas, partiu, em 1891, para o sertão dos Coroados, nas nascentes do rio Feio, e o adquiriu. Acompanhado do suíço Luís Wolf, lá plantou os primeiros pés de café, nas fazendas da Faca e Bela Vista.

Sem demora, tratou de equipar suas propriedades, construindo terreiros para a secagem do café, abrindo uma estrada, a partir da estação ferroviária mais próxima, a uma distância de 20 léguas, e transportando em carros de boi as máquinas para despolpar café. Mais tarde, depois da construção da ferrovia de Bauru ao Mato Grosso, contribuía ele para o desenvolvimento da cidade de Pirajuí e foi o criador de Albuquerque Lins. Em 1923, possuía um milhão de pés de café. Seu filho, Salvador, lançara-se na direção de Agudos, onde, em plena floresta, abrira uma fazenda, em 1897, antes de juntar-se ao pai na noroeste, em Presidente Alves.

Para completar suas atividades de plantador, havia Toledo Piza fundado uma casa exportadora, na praça de Santos, e, para tirar partido de sua imensa propriedade, no vale do Aguapeí, repartindo-a em pequenas fazendas, para vendê-la. Já providos, de sólida fortuna, antes dessa conquista do sertão, tornaram-se os Toledo Piza uma das mais poderosas famílias paulistas, participando da vida politica do país. Várias vezes dirigiram a Secretaria da Agricultura. Ainda mais típico é o caso da família Prado, que partiu da zona de Limeira e Araras, no rumo da terra roxa de Ribeirão Preto. Um dos fundadores da família, Antônio da Silva Prado, agraciado com o título de Barão de Iguape, praticara o comércio de mulas, entre São Paulo, Goiás e Bahia; e crescera sua fortuna, graças ao arrendamento de certos impostos. Tornou-se presidente da primeira sucursal do Banco do Brasil, aberta em São Paulo, e vice-presidente da Província.

Martinho Prado, filho do Barão de Iguape, completou as atividades comerciais do pai, ficando dono de grande plantação de cana em Campo Alto e Engenho Velho, no atual município de Araras. Equivalia isso, em 1850, a situar-se no ponto extremo do povoamento. Tanto fez Martinho Prado à fortuna do Barão de Iguape que, na morte deste, em 1891, deixou ele um capital estimado em 2.500.000 libras esterlinas. Jornalistas e escritores brilhantes foram os dois filhos mais moços de Martinho Prado. O destino dos dois mais velhos associou-se estreitamente à marcha pioneira, nos planaltos ocidentais.

Um deles, Martinho Prado Júnior, familiarmente apelidado Martinico, para distingui-lo de seu pai, participou da corrida aos filões de diabásio. Foi ele que, num viagem efetuada em 1877, descobriu a terra roxa de Ribeirão Preto e revelou seu valor aos plantadores de café. Lá comprou Martinico Prado um domínio de 6.000 alqueires e nelas organizou a fazenda Guatapará, que contava 1.767.000 pés de café, quando morreu seu fundador, em 1912. Não bastava uma só fazenda; associando-se ao pai e a seu irmão Antônio, montou ele a fazenda São Martinho, de 12.000 alqueires e 3.400.000 cafeeiros. Conhecido é o seu papel na organização de uma sociedade de imigração, indo ele em pessoa várias vezes à Itália, para recrutar colonos.

Comissário de café envolvia-se ativamente no comércio exportador. Com seu irmão, concorreu para a fundação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que servia suas fazendas. Deputado à Assembleia provincial, nela podia defender os interesses dos fazendeiros. Seu irmão Antônio foi ministro da Agricultura no fim do Império, prefeito de São Paulo, banqueiro. fazendeiro, comissário de café, e dirigiu a Companhia Paulista de Estrada de Ferro que servia suas fazendas. Desposara uma de suas irmãs um diplomata brasileiro, outra casou-se com um fazendeiro, igualmente politico e negociante de café.

Assim. estava à família Prado bem situada nas posições chaves do movimento pioneiro - a terra, o comércio, o banco, os meios de transporte, a organização da mão-de-obra, o poder político - graças aos postos ocupados por seus membros e por suas alianças com famílias similares. De situações idênticas gozavam outras famílias. Casamentos, camaradagem entre colegas de escola, relações de negócios apertavam os laços entre elas. Podiam surgir rivalidades políticas, ásperas às vezes, porém concerniam mais à eleição deste ou daquele, que a divergências doutrinárias. Tinham todos os mesmos interesses profundos e estavam de acordo quanto às grandes linhas que a administração devia seguir. Até a década de 30, foram os grandes fazendeiros, de algum modo, os dirigentes de São Paulo.

Confundia-se o interesse coletivo com o seu interesse de classe. Esse fato sociológico liga-se à geografia do movimento pioneiro. Os problemas de mão-de-obra e, consequentemente, o povoamento, os das vias de comunicação, os dos preços foram considerados e tratados acima de tudo, em função dos interesses dos fazendeiros. A marcha pioneira foi primeiramente assunto deles. Longe estava o fazendeiro médio de possuir a fortuna de um Prado, de um Queirós Teles, de um Toledo Piza. de um Alves de Lima.

Participa, entretanto, do sistema, partilhava suas maneiras de ver, sem perceber que, em mais de um ponto. não coincidiam seus profundos interesses forçosamente com os dos outros. A massa dos plantadores, em escala mais modesta imitou os mais ricos. embrenhando-se no sertão para desbravá-lo, comprando áreas de vastos domínios de mata, que só em parte podiam ser transformados em cafezais. Formavam também eles, pequenas associações familiares, agrupando-se parentes e amigos, para realizar capitais e possuir domínios vizinhos uns dos outros. Clamavam todos por trabalhadores para as suas terras, e todos participavam do mesmo espirito senhorial. Mas, não gozava o fazendeiro médio da mesma independência econômica do grande plantador; dependia muito mais dos intermediários que lhe compravam o café e o revendiam aos exportadores. Não tinha a assistência financeira que lhe permitiria suportar as dificuldades, em caso de crise econômica.

Enquanto as grandes fazendas, que representavam o investimento de considerável capital, aguentavam as depressões, devia a média lavoura ser hipotecada ou vendida. Retomava então o seu proprietário a marcha para diante. Pouco a pouco, destacaram-se do movimento pioneiro grandes famílias que o haviam lançado. Seus descendentes tomaram-se negociantes, business-men, para os quais era secundária a importância da terra. Não se formou, pois, uma aristocracia de proprietários. A mesma evolução experimentou a massa dos fazendeiros, embora em menor escala. Trocava-se o campo pela cidade; os filhos eram advogados, médicos, engenheiros. Renunciava a gerir suas propriedades rurais, confiando-as a um administrador, responsável pela fazenda. Acabam muitos desses novos citadinos por desinteressar-se completamente da vida rural. A maioria deles, porém, mantinha contato com a fazenda.

Fiéis a um hábito herdado dos seus antepassados, gostavam de possuir cem ou duzentos alqueires de mata virgem, correspondentes a um capital fácil de realizar e cuja valorização era certa. Enquanto se urbanizavam os fazendeiros paulistas, outros novos apareciam: colonos penosamente enriquecidos, pequenos comerciantes estrangeiros que compravam plantações postas à venda ou que corajosamente se lançavam no desbravamento das terras virgens. O grupo dos plantadores perdeu sua homogeneidade. Enfraqueceu-se econômica e socialmente, ao diversificar-se. Mas a fazenda continuava a ser uma das formas predominantes do povoamento, na zona pioneira. Longe estava o fazendeiro de ter perdido seu antigo prestigio. Se já não era o único a dirigir a marcha pioneira, prosseguia sendo um de seus elementos mais ativos.

2. O Coronel

Ao lado do fazendeiro, essencialmente rural, apareceram outros tipos, na maioria citadinos, mas diretamente interessados nos problemas da terra e colaboradores do povoamento. Em primeiro lugar o coronel. cujo período próspero começou a partir de 1890, para terminar entre 1920 e 1930. Era em geral um comerciante endinheirado que, de par com sua profissão, conhecia todo mundo em derredor, e fizera muitos amigos, sobretudo por entre a gente de poucos recursos, que lhe deviam algumas faturas. Assim se tornava o chefe político da zona. Organizava as eleições, tratava com as autoridades da capital e, se necessário, eliminava os adversários com o mais notável desembaraço. Para assegurar o prestígio, levava o coronel a capricho o embelezamento da sua cidade. Eram de sua iniciativa as linhas de adução de água, a construção de escolas, a fundação de hospitais. Ação mais eficaz ainda empreendia, ao intervir para que concretizassem os projetos de uma ferrovia e se modificasse o seu traçado.

Tiranete local, que viciava qualquer sistema democrático, todavia era esse coronel capaz de realizar obra útil. Mais consequências ainda derivavam da sua atividade, quando ele intervinha nos negócios de vendas de terra. Podia então sua aliança ajudar, ou sua inimizade entravar a ação de outras personagens, que desempenharam considerável papel no povoamento pioneiro: os grileiros, os tabeliães, os juízes, e os chefes de polícia com quem tinham estes de lidar.

3. O Grileiro e o Problema da Terra

Na linguagem popular, grileiro ou grilo é um fabricante, um falsificador de títulos de propriedade.  Fato extremamente importante numa região pioneira, onde era muito difícil encontrar o primeiro ocupante, saber se este ocupante adquiriu regularmente um título de propriedade, estar em condições de apresentar às autoridades judiciárias documentos perfeitamente em ordem, num país em que a terra se valorizara subitamente e em que o domínio cobria milhares, às vezes dezenas de milhares de alqueires, era a certeza de fazer fortuna sem esforço. surgiu o problema da propriedade, em todos os países pioneiros. Não foi difícil resolvê-lo, onde a topografia plana e a vegetação de pradaria facilitava a aplicação de uma legislação rigorosa, apoiada numa magistratura e numa política soberanas. Outras dificuldades apresentava esse problema, numa região coberta de matas de penetração difícil e na qual nem os costumes políticos nem a moral individual, sempre se inspiravam em considerações desinteressadas.

Lembremos o que acima foi indicado: a colonização era uma questão de segundo plano, vindo antes o desejo de especular. o fundamento da propriedade territorial no Brasil era o sistema de sesmarias, isto é, da terra outorgada pelo governo português, depois pelo governo imperial. Toda terra, não doada em sesmaria, era teoricamente do domínio público, ou terra devoluta. Considerando a desordem existente na fixação dos limites das sesmarias e levando em conta o fato de que numerosos brasileiros, de boa-fé e ignorantes das leis, haviam-se instalado nas terras devolutas e as haviam cultivado, promulgara o Governo Federal, em 1850, uma lei que regulava a questão. A todos os que tivessem começado a cultivar o solo e pudessem justificar seu direito de primeiro ocupante, permitia essa lei que registrassem seus títulos de posse, num prazo de quatro anos.

Em 1854, foram generosamente precisadas as condições, pois que se prescrevia que podiam ser legitimadas as posses efetuadas pacificamente, por quem se tivesse instalado nelas em primeiro lugar; e desde que as terras estivessem cultivadas ou nelas houvesse um início de cultivo, e que o ocupante ou quem o representasse, nessas terras habitasse permanentemente. Outros textos administrativos, publicados em 1895 e 1898, tinham permitido a legitimação de ocupações bem posteriores. Um decreto baixado pelo governo de São Paulo, em 1900, considerou legítima a posse de quem pudesse prová-la com título legal, anterior a 2 de agosto de 1878. No caso de haver começo de exploração econômica do solo e construção de imóvel. determinava a lei de 1900 que se pudessem regularizar os direitos do ocupante, se ele tivesse chegado à sua terra entre 1878 e 1895.

Em efeito das circunstâncias a preocupação demonstrada, em 1900, pelo governo paulista em regular a questão territorial: os progressos do povoamento, o afluxo de imigrantes, a avidez geral de adquirir terras, obrigavam as autoridades a buscar uma solução. Tal solução, porém, só concorria para que o problema se complicasse, e ia suscitar mais de um processo espinhoso. As medidas legais de 1895 e 1900, exigindo a apresentação de documentos antigos, sugeriam a possibilidade de os forjar. Os falsários deram provas de imaginação e habilidade diabólicas: buscaram folhas de papel timbrado com as armas imperiais, imitaram escritas fora de uso, descolaram velhos selos, amareleceram propositalmente seus documentos, arrancaram páginas dos registras dos tabeliães. Implantavam-se à pressa cafeeiros de vinte ou trinta anos nas clareiras das florestas.

Transportaram-se partes destacadas de casas velhas, que eram guarnecidas com móveis antigos, para criar o ambiente adequado e simular uma antiga ocupação do solo. Era preciso também premunir-se contra os adversários, pois muitas vezes dois ou três indivíduos moviam demandas em relação ao mesmo território, com algumas variantes na delimitação. Nesse caso, era indispensável cair nas boas graças do juiz de direito e dos agrimensores. E, por fim, era o assassinato uma solução levada em conta. Toda a zona pioneira, em São Paulo como no Paraná, conheceu os grileiros e a prática dos grilos. Ainda hoje tornam-se litigiosas muitas glebas, e as mais poderosas companhias colonizadoras, que haviam comprado seus domínios ao governo provincial, tiveram de arrostar os grilos. Ficaram famosos certos grileiros, como os da Alta Sorocabana, os do vale do Aguapeí ou ainda os do sertão de Rio Preto. Teremos de ver que consequências teve a ação sistemática dos grileiros sobre a explotação do solo e o povoamento pioneiro.

O que por ora disso devemos reter é a chegada, a partir de 1895 e, sobretudo de 1900, de especuladores e de homens de lei, totalmente estranhos à ocupação produtiva do solo. Cabe indagar por que era tão difícil encontrar os limites de um domínio e por que não se levaram em consideração as posses dos mineiros, estabelecidos havia vinte ou trinta anos. Não é muito fácil dar com pontos de partida para balizar o perímetro de uma propriedade, que ainda estivesse recoberta pela mata cerrada. Não se prestavam à demarcação das terras a uniformidade do terreno e a monotonia da cobertura florestal. Os topônimos eram extremamente incertos ou repetidos. Quantos ribeirões Novos, de São José, da Onça. Ignorava-se até o traçado dos grandes rios, pois foi preciso esperar a expedição de 1905, pela Comissão Geográfica, para saber que o rio do Peixe era independente do rio Feio-Aguapeí.

Os verdadeiros conhecedores do país eram os "picadeiros", que abriam picadas na mata; mas o testemunho deles, por mais precioso que seja não escapava às distorções. Quando os geômetras agrimensores desembarcaram em Rio Preto, em Bauru, em Campos Novos, também tencionavam firmemente aproveitar-se do sertão. Passava sua amizade a ser solicitada e recebiam eles alguns quinhões dos que haviam demarcado. Quanto aos precursores mineiros, não eram isentos de incorreção, na forma e no conteúdo, seus próprios títulos de posse frequentemente posteriores às leis de 1850 e 1854.

E tratava-se de homens simples, desprovidos de apoio, sem outra riqueza que a vastidão de seus campos. Podia-se despojá-los, e eles bem o perceberam, sobretudo na Alta Sorocabana. O processo de delimitação que adotavam o da aguada, não convinha muito aos grileiros, que tinham em mira a revenda das terras aos plantadores de café: era cômodo, para um criador, definir sua propriedade em função de um regato, mas, para um lavrador, o mais importante, era a parte alta do relevo.

4. Os Vendedores de Terras

Assinalou o ano de 1900, mais ou menos em todo o conjunto dos planaltos ocidentais, o fim da fase da pecuária pioneira e o início do período dos especuladores. Da especulação participavam os fazendeiros, seja como comprador dos grilos, seja vendendo suas próprias terras. Era preferível lotear um domínio, cujos títulos não ofereciam plena garantia ou que sempre estava exposto ao ataque de um audacioso falsário, a desbravá-lo, cultivá-lo e de súbito ver-se privado da sua posse. Provados pelas crises econômicas, preferiam os fazendeiros também vender suas reservas florestais.

Viram-se, então, nas zonas pioneiras, os capitalistas mercadores de terras ao lado dos fazendeiros, dos agrimensores, dos advogados, principalmente desde o crack de 1929 e das revoluções de 1930 e 1932. Esses loteadores exerceram às vezes tais profissões e liquidaram os domínios recebidos como pagamento de seus honorários. Cada vez mais, tornavam-se os loteamentos negócios de sociedades especializadas. As combinações eram muitas, e desigual à importância dessas sociedades. Assim, acontecia que dois ou três associados, por vezes um único homem, ajudado por seus filhos e sobrinhos, punham à venda algumas centenas de alqueires. Noutro lugar, efetuava uma "sociedade colonizadora" o loteamento de vários milhares de alqueires, desmedida gleba que ficara anos em litígio ou herança que coubera a uma viúva ou a menores. Havia também grandes proprietários de terras, os latifundiários, que conservavam para si uma parte do seu domínio e vendiam o restante.
Assim, a firma Moura Andrade, reservando-se um grande domínio para a criação de gado, nas margens do baixo Tietê estava prestes a dividir seus 25.000 alqueires e se aprestava para fazer o mesmo com os 16.000, que reivindicava no vale do rio Feio. Eram frequentemente portugueses, italianos, acidentalmente um suíço, que se entregavam a essa especulação. Existiam também empresas de capitais exclusivamente estrangeiros, japoneses e, sobretudo ingleses. Em Birigui, foram loteados 15.000 km2 pela São Paulo Land, Lumber and Colonization Co. O maior desses negócios foi certamente o da Paraná Plantations, que possuía mais de 515.000 alqueires, no norte do Paraná, antes do seu resgate por um grupo brasileiro. Uma sociedade desse gênero exigia um corpo de diretores, engenheiros, agrimensores, caixas, corretores, que só muito indiretamente participavam da vida rural. Em compensação, significava isto a crescente importância dos centros urbanos onde residiam e trabalhavam os negociantes de terras e seus empregados.

O fazendeiro foi e ainda era o tipo de pioneiro paulista, aquele que lançava os fundamentos do povoamento rural. Por seu turno, contribuíam os loteadores e os advogados para o surto das cidades pioneiras. Entre esses dois tipos de líderes havia um ponto em comum: o desejo de ganho rápido, que animava o plantador, acentuou-se no negociante de terras.

Não viam ambos, na multidão dos pioneiros, mais que o instrumento graças ao qual devia avolumar-se o lucro pessoal. Sem dúvida, em relação ao eventual cliente, cumpria tomar maiores precauções que a respeito de um simples assalariado, ambos, porém, eram ignorantes, desarmados, em face dos poderes políticos, policiais e judiciários. Transmitiu-se aos negociantes de terras o espírito 'feudal', que os visitantes de São Paulo notavam nos fazendeiros, no início deste século (século XX). Obra verdadeiramente colonizadora, só a fazem as grandes empresas. Primava a especulação, para a maioria das outras.

Concebe-se que isto possa ter tido alguma influência no desenvolvimento da marcha pioneira e na maneira de viver dos habitantes.



Por Pierre Monbeig no livro 'Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo', tradução de Ary França e Raul de Andrade e Silva, publicado pela Editora Hucitec-Polis, São Paulo, 1984, cap. II, p. 139-147. Digitalizado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...