Sacríficio dedicado a Aton |
Heródoto considerava os egípcios "os homens mais
religiosos do mundo". A religião era politeísta, antropozoomórfica e, em
geral, dualística (os deuses são, exclusivamente, ou bons ou maus). Como não
conheciam o mecanismo da natureza, os diversos fenômenos - as inundações do
Nilo, o ciclo solar, a germinação, o dia e a noite - eram mistérios para os
egípcios. A fim de explicá-los, imaginaram que fossem produzidos por vontades
superiores - deuses - ora benéficos e protetores, ora maléficos e impiedosos
(dualismo). A divindade principal era o deus-sol, que tinha diversos nomes, de
acordo com as regiões: Rá (em Heliópolis), Ptá ou Ftá (em Mênfis), Amon-Rá (em
Tebas). O faraó era sua imagem na terra, seu representante vivo. Rá, além de
divindade protetora, é também o deus da retidão, da justiça, da verdade - e o
protetor da ordem moral do universo. Nada, porém, oferecia aos homens, como
indivíduos.
A religião solar não era religião para as massas, "exceto na medida em que sua felicidade
coincidia com a prosperidade do Estado". No começo, cada tribo tinha
seu conjunto de divindades próprias. Com a unificação do Império, os deuses
locais foram reunidos e uniformados num conjunto de grandes deuses nacionais,
adorados em todo o Egito. Os principais eram Amon e Rá, que acabaram
fundindo-se num, só: Amo-Rá. Representavam-se os deuses, ora sob figura humana
(antropomorfismo), ora sob a forma de animais (boi, gavião, íbis, escaravelho,
gato, crocodilo) (zoomorfismo), considerados sagrados. Ou, mais frequentemente,
sob forma híbrida: animal + homem (antropozoomorfismo). O animal mais venerado
era o boi Ápis, que encarnava Osíris e Ptá, ao mesmo tempo.
Osiris |
OUTROS DEUSES
Entre os demais deuses, destacavam-se Osíris (deus da terra
e da fertilidade) e Ísis (sua mulher). Ambos tinham civilizado o mundo. Set
(irmão de Osíris) e sua mulher Néftis - introduziram o mal e a morte. Osíris,
embora subordinado a Rá, foi o deus mais popular do Egito. Simbolizava a força
fertilizante do Nilo; era o vencedor da morte e o deus da ressurreição;
intervinha decisivamente no destino dos mortos. Por tudo isso, seu culto gozou
de imenso prestígio.
MITO DE OSÍRIS.
Osíris foi assassinado pelo seu irmão Set, deus das trevas e
do mal, que lhe retalhou o corpo e atirou os pedaços, espalhando-os por todo o
universo. Mas Íris, ajudada pelo seu filho Hórus, consegue juntar os restos
dispersos, reconstitui o corpo e (mediante cerimônias mágicas de Hórus e do
deus aliado Tot) faz com que Osíris reviva. Este, porém, se afasta dos homens e
passa a morar entre os deuses. Esta lenda teria sido, no começo, um mito da
natureza: a morte e ressurreição de Osíris simbolizariam a regressão das águas
do Nilo (no outono) e a volta das inundações (primavera). Posteriormente, a lenda
de Osíris adquiriu uma interpretação mais profunda: as vicissitudes divinas
refletiam as lutas e agruras do homem comum; e a ressurreição de Osíris
simbolizava a promessa duma nova vida no além. Como o deus, também o homem
podia triunfar da morte e tornar-se imortal. Ademais, a vitória de Hórus sobre
Set parecia anunciar a vitória final do Bem sobre o Mal.
O CULTO DOS MORTOS
Os egípcios distinguiam no homem três elementos: o corpo, o
'duplo' e a alma. Acreditavam que as almas compareciam perante Osíris, para
julgamento. Havia recompensas e punições. O túmulo egípcio era "a casa do duplo". Lá colocavam tudo
o que o duplo pudesse precisar: móveis, roupa, armas, livros, comida. E,
sobretudo, o 'Livro dos Mortos', um rolo de papiro com a enumeração dos ensinamentos
morais e dos ritos da religião. O destino do faraó era supremo e eterno. A
morte não alterava a sua existência: neste mundo era um deus sobre a terra, no
além-túmulo convertia-se num "akh", um "ente glorioso", e
incorporava-se ao oráculo dos deuses.
Os nobres também se convertiam em "akhs", mas não
se transformavam em deuses. Reis e nobres possuíam um "ká", uma força
especial que os guiava e protegia, quer durante a vida como após a morte. Mas o
"ká" dos aristocratas podia ser alheio a eles, isto é, não fazer
parte da personalidade do nobre. Esse "ká" poderia ser um deus
qualquer ou 'o próprio faraó, dos quais dependia, portanto, o destino do nobre.
Os faraós que morriam adquiriam um "bá", que se costuma traduzir por
"alma" (à falta de termo mais adequado), mas significava "a
continuidade duma função após a morte, ou determinado aspecto do ser de um
'deus". O "bá" era de essência divina, só: poderia corresponder
a um faraó. Os mortais comuns, mesmo os indivíduos da nobreza, não possuíam um
"bá".
Pela sua crença na vida do além-túmulo (e o
"duplo" imaterial continuaria vivo, enquanto o corpo não se
decompusesse), os egípcios punham especial cuidado na conservação dos
cadáveres. Embalsamavam-nos e convertiam-nos em múmias. Alcançaram tamanha
perícia nessa arte que, ainda hoje (3 a 4 mil anos após terem sido enterradas),
muitas múmias acham-se em perfeito estado. Há autores, porém, que negam a
existência de tais conhecimentos especiais na arte de embalsamar. Os egípcios
não teriam possuído nenhum segredo químico. As muitas substâncias usadas
correspondiam, sobretudo, ao ritual religioso e às superstições místicas.
A conservação excepcional de certas múmias deve ser
atribuída ao clima seco do Egito e à ausência de micróbios no ar e na areia. O
'Livro dos Mortos' revela um ideal elevado, cuja norma básica é o respeito à
verdade e à justiça. "Não fiz mal
- diz o trecho - não cometi violências,
não roubei, não matei, não menti, não fiz ninguém chorar. Não sou caluniador.
Sou puro, sou puro! " Perante
Osíris de nada valem as riquezas, nem a posição social do morto. Só valem seus
atos.
Tumba de Tutancâmon |
TÚMULOS REAIS
A arquitetura funerária foi uma das primeiras manifestações
da arte egípcia. Ela se destaca especialmente nos túmulos reais que, em geral,
são monumentais. Há três tipos: mastabas, pirâmides e hipogeus.
Mastabas.
A mastaba (túmulo de reis e de nobres) é uma câmara
funerária, coberta por uma singela construção de tijolos, de base retangular,
com paredes inclinadas. As mastabas foram aumentando de altura; acrescentaram-lhes
vários andares, em degrau (pisos escalonados);
e, assim, evoluíram lentamente para a forma piramidal.
Pirâmides.
Foram erguidas mais de 70. A sua construção processou-se no
período do Antigo Império. As pirâmides mais famosas - pelo seu gigantesco
tamanho - são as de Gizé (perto de Mênfis), mandadas erguer pelos faraós
Quéops, Quéfren e Miquerinos (IV dinastia). A maior das pirâmides, a de Quéops,
tinha uns 147m de altura e uns 234m de lado (da base). Foi, durante longo
tempo, o mais elevado monumento humano. Para a construção da pirâmide de Ouéops
- dizem as crônicas - foram empregados 100.000 homens, durante 20 anos. Seus
blocos de pedra (2.300.000, com um peso médio de 2.500kg por unidade) estão
ajustados com extraordinária precisão. "Em
alguns lugares, a largura das juntas não ultrapassa 25 micromilímetros."
A pirâmide de Quéfren é apenas 3 metros mais baixa que a de Quéops. Está ligada
por um longo corredor a um pequeno templo, a cuja direita se ergue a Esfinge,
estátua monstruosa com o corpo de leão e cabeça humana. O hábito de construir
pirâmides foi abolido com a VI dinastia (2423 a 2300 a.C.).
Hipogeus.
No período tebano, apareceu um novo tipo de túmulo real: o
hipogeu, túmulo subterrâneo, cavado no flanco das montanhas, formado por uma
série de câmaras onde se depositavam os esquifes.
Nefertite |
Revolução religiosa
de Amenófis IV: monoteísmo
Na época do Novo Império (após a longa luta para expulsão.
dos hicsos) sobreveio à corrupção do clero. Os sacerdotes, ávidos de dinheiro,
exploraram a superstição e o terror das massas, mercantilizaram e aviltaram a
religião. O faraó Amenófis IV, que reinou de 1372 a 1354, efetuou uma
extraordinária revolução religiosa: tentou destruir o politeísmo egípcio,
substituindo-o pelo culto exclusivo de um novo deus, Aton, o deus-sol, deus
único em todo o universo (monoteísmo). A mulher de Amenófis, Nefertite,
desempenhou um papel importante nesta revolução.
Amenófis mudou seu nome para Ikenaton, que significa "serviçal para com Aton". Abandonou
Tebas e fundou nova capital, Iketaton ("lugar da glória efetiva de Aton"), à margem direita do Nilo,
no local modernamente chamado Tel-el-Amarna. É esta a primeira manifestação de
monoteísmo que o mundo conhece. Amenófis IV tornou-se famoso na história
egípcia, sob o nome de "rei herético".
Mas esta notável revolução não teve êxito duradouro. Após a morte de Ikenaton,
dois genros seus ocuparam o trono. O primeiro reinou poucos dias. O segundo,
Tutancâmon (1354-1344), fez voltar a corte a Tebas. A rainha Nefertite ficou
sozinha em Iketaton, onde permaneceu fiel ao culto atoniano. Em Tebas, o clero
voltou ao culto de Amon e reconquistou o antigo prestígio.
Por Idel Becker no
livro 'Pequena História da Civilização Ocidental', Companhia Editora Nacional,
São Paulo, 1971, p.33-37. Digitalizado, adaptado e
ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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