3.26.2012

RELIGIÃO DOS ANTIGOS EGÍPCIOS



Sacríficio dedicado a Aton
Heródoto considerava os egípcios "os homens mais religiosos do mundo". A religião era politeísta, antropozoomórfica e, em geral, dualística (os deuses são, exclusivamente, ou bons ou maus). Como não conheciam o mecanismo da natureza, os diversos fenômenos - as inundações do Nilo, o ciclo solar, a germinação, o dia e a noite - eram mistérios para os egípcios. A fim de explicá-los, imaginaram que fossem produzidos por vontades superiores - deuses - ora benéficos e protetores, ora maléficos e impiedosos (dualismo). A divindade principal era o deus-sol, que tinha diversos nomes, de acordo com as regiões: Rá (em Heliópolis), Ptá ou Ftá (em Mênfis), Amon-Rá (em Tebas). O faraó era sua imagem na terra, seu representante vivo. Rá, além de divindade protetora, é também o deus da retidão, da justiça, da verdade - e o protetor da ordem moral do universo. Nada, porém, oferecia aos homens, como indivíduos.

A religião solar não era religião para as massas, "exceto na medida em que sua felicidade coincidia com a prosperidade do Estado". No começo, cada tribo tinha seu conjunto de divindades próprias. Com a unificação do Império, os deuses locais foram reunidos e uniformados num conjunto de grandes deuses nacionais, adorados em todo o Egito. Os principais eram Amon e Rá, que acabaram fundindo-se num, só: Amo-Rá. Representavam-se os deuses, ora sob figura humana (antropomorfismo), ora sob a forma de animais (boi, gavião, íbis, escaravelho, gato, crocodilo) (zoomorfismo), considerados sagrados. Ou, mais frequentemente, sob forma híbrida: animal + homem (antropozoomorfismo). O animal mais venerado era o boi Ápis, que encarnava Osíris e Ptá, ao mesmo tempo.

Osiris
OUTROS DEUSES

Entre os demais deuses, destacavam-se Osíris (deus da terra e da fertilidade) e Ísis (sua mulher). Ambos tinham civilizado o mundo. Set (irmão de Osíris) e sua mulher Néftis - introduziram o mal e a morte. Osíris, embora subordinado a Rá, foi o deus mais popular do Egito. Simbolizava a força fertilizante do Nilo; era o vencedor da morte e o deus da ressurreição; intervinha decisivamente no destino dos mortos. Por tudo isso, seu culto gozou de imenso prestígio.

MITO DE OSÍRIS.

Osíris foi assassinado pelo seu irmão Set, deus das trevas e do mal, que lhe retalhou o corpo e atirou os pedaços, espalhando-os por todo o universo. Mas Íris, ajudada pelo seu filho Hórus, consegue juntar os restos dispersos, reconstitui o corpo e (mediante cerimônias mágicas de Hórus e do deus aliado Tot) faz com que Osíris reviva. Este, porém, se afasta dos homens e passa a morar entre os deuses. Esta lenda teria sido, no começo, um mito da natureza: a morte e ressurreição de Osíris simbolizariam a regressão das águas do Nilo (no outono) e a volta das inundações (primavera). Posteriormente, a lenda de Osíris adquiriu uma interpretação mais profunda: as vicissitudes divinas refletiam as lutas e agruras do homem comum; e a ressurreição de Osíris simbolizava a promessa duma nova vida no além. Como o deus, também o homem podia triunfar da morte e tornar-se imortal. Ademais, a vitória de Hórus sobre Set parecia anunciar a vitória final do Bem sobre o Mal.

O CULTO DOS MORTOS

Os egípcios distinguiam no homem três elementos: o corpo, o 'duplo' e a alma. Acreditavam que as almas compareciam perante Osíris, para julgamento. Havia recompensas e punições. O túmulo egípcio era "a casa do duplo". Lá colocavam tudo o que o duplo pudesse precisar: móveis, roupa, armas, livros, comida. E, sobretudo, o 'Livro dos Mortos', um rolo de papiro com a enumeração dos ensinamentos morais e dos ritos da religião. O destino do faraó era supremo e eterno. A morte não alterava a sua existência: neste mundo era um deus sobre a terra, no além-túmulo convertia-se num "akh", um "ente glorioso", e incorporava-se ao oráculo dos deuses.

Os nobres também se convertiam em "akhs", mas não se transformavam em deuses. Reis e nobres possuíam um "ká", uma força especial que os guiava e protegia, quer durante a vida como após a morte. Mas o "ká" dos aristocratas podia ser alheio a eles, isto é, não fazer parte da personalidade do nobre. Esse "ká" poderia ser um deus qualquer ou 'o próprio faraó, dos quais dependia, portanto, o destino do nobre. Os faraós que morriam adquiriam um "bá", que se costuma traduzir por "alma" (à falta de termo mais adequado), mas significava "a continuidade duma função após a morte, ou determinado aspecto do ser de um 'deus". O "bá" era de essência divina, só: poderia corresponder a um faraó. Os mortais comuns, mesmo os indivíduos da nobreza, não possuíam um "bá".

Pela sua crença na vida do além-túmulo (e o "duplo" imaterial continuaria vivo, enquanto o corpo não se decompusesse), os egípcios punham especial cuidado na conservação dos cadáveres. Embalsamavam-nos e convertiam-nos em múmias. Alcançaram tamanha perícia nessa arte que, ainda hoje (3 a 4 mil anos após terem sido enterradas), muitas múmias acham-se em perfeito estado. Há autores, porém, que negam a existência de tais conhecimentos especiais na arte de embalsamar. Os egípcios não teriam possuído nenhum segredo químico. As muitas substâncias usadas correspondiam, sobretudo, ao ritual religioso e às superstições místicas.

A conservação excepcional de certas múmias deve ser atribuída ao clima seco do Egito e à ausência de micróbios no ar e na areia. O 'Livro dos Mortos' revela um ideal elevado, cuja norma básica é o respeito à verdade e à justiça. "Não fiz mal - diz o trecho - não cometi violências, não roubei, não matei, não menti, não fiz ninguém chorar. Não sou caluniador. Sou puro, sou puro! "  Perante Osíris de nada valem as riquezas, nem a posição social do morto. Só valem seus atos.

Tumba de Tutancâmon
TÚMULOS REAIS

A arquitetura funerária foi uma das primeiras manifestações da arte egípcia. Ela se destaca especialmente nos túmulos reais que, em geral, são monumentais. Há três tipos: mastabas, pirâmides e hipogeus.

Mastabas.

A mastaba (túmulo de reis e de nobres) é uma câmara funerária, coberta por uma singela construção de tijolos, de base retangular, com paredes inclinadas. As mastabas foram aumentando de altura; acrescentaram-lhes vários andares, em degrau (pisos  escalonados); e, assim, evoluíram lentamente para a forma piramidal.

Pirâmides.

Foram erguidas mais de 70. A sua construção processou-se no período do Antigo Império. As pirâmides mais famosas - pelo seu gigantesco tamanho - são as de Gizé (perto de Mênfis), mandadas erguer pelos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos (IV dinastia). A maior das pirâmides, a de Quéops, tinha uns 147m de altura e uns 234m de lado (da base). Foi, durante longo tempo, o mais elevado monumento humano. Para a construção da pirâmide de Ouéops - dizem as crônicas - foram empregados 100.000 homens, durante 20 anos. Seus blocos de pedra (2.300.000, com um peso médio de 2.500kg por unidade) estão ajustados com extraordinária precisão. "Em alguns lugares, a largura das juntas não ultrapassa 25 micromilímetros." A pirâmide de Quéfren é apenas 3 metros mais baixa que a de Quéops. Está ligada por um longo corredor a um pequeno templo, a cuja direita se ergue a Esfinge, estátua monstruosa com o corpo de leão e cabeça humana. O hábito de construir pirâmides foi abolido com a VI dinastia (2423 a 2300 a.C.).

Hipogeus.

No período tebano, apareceu um novo tipo de túmulo real: o hipogeu, túmulo subterrâneo, cavado no flanco das montanhas, formado por uma série de câmaras onde se depositavam os esquifes.

Nefertite
Revolução religiosa de Amenófis IV: monoteísmo

Na época do Novo Império (após a longa luta para expulsão. dos hicsos) sobreveio à corrupção do clero. Os sacerdotes, ávidos de dinheiro, exploraram a superstição e o terror das massas, mercantilizaram e aviltaram a religião. O faraó Amenófis IV, que reinou de 1372 a 1354, efetuou uma extraordinária revolução religiosa: tentou destruir o politeísmo egípcio, substituindo-o pelo culto exclusivo de um novo deus, Aton, o deus-sol, deus único em todo o universo (monoteísmo). A mulher de Amenófis, Nefertite, desempenhou um papel importante nesta revolução.

Amenófis mudou seu nome para Ikenaton, que significa "serviçal para com Aton". Abandonou Tebas e fundou nova capital, Iketaton ("lugar da glória efetiva de Aton"), à margem direita do Nilo, no local modernamente chamado Tel-el-Amarna. É esta a primeira manifestação de monoteísmo que o mundo conhece. Amenófis IV tornou-se famoso na história egípcia, sob o nome de "rei herético". Mas esta notável revolução não teve êxito duradouro. Após a morte de Ikenaton, dois genros seus ocuparam o trono. O primeiro reinou poucos dias. O segundo, Tutancâmon (1354-1344), fez voltar a corte a Tebas. A rainha Nefertite ficou sozinha em Iketaton, onde permaneceu fiel ao culto atoniano. Em Tebas, o clero voltou ao culto de Amon e reconquistou o antigo prestígio.






Por Idel Becker no livro 'Pequena História da Civilização Ocidental', Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1971, p.33-37. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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