Há cerca de 11 mil anos, um evento revolucionou a história da civilização ocidental: na Europa, o homem moderno descobriu a agricultura e começou a se fixar no campo. Foi o início de um padrão social único, completamente diferente daquele vivenciado por caçadores-coletores, que se mudavam periodicamente, quando os recursos naturais ficavam escassos. Amplamente discutido e estudado, o fato ganha detalhes a partir da análise genética de quatro fósseis com cerca de 5 mil anos, pertencentes aos dois diferentes grupos, que, por milênios, dividiram o continente sem terem contato um com o outro.
O consenso entre arqueólogos e paleontólogos é de que a agricultura foi introduzida na Europa a partir da região Norte do continente para chegar ao Leste 3 mil anos depois, e que os europeus modernos herdaram o genoma dos primeiros grupos a se fixar na terra. Algumas dúvidas, contudo, persistem. Não se sabe, até agora, se os próprios fazendeiros migraram ou se apenas a tecnologia se espalhou, quais rotas eles teriam usado para alcançar o outro lado da Europa e se chegaram de uma só vez.
Pesquisadores suecos e dinamarqueses acreditam ter encontrado a resposta para essas questões, como mostram em um artigo publicado quinta-feira na revista Science. Adotando uma nova abordagem, que incluiu a análise de arqueólogos e geneticistas, eles estudaram fósseis escavados na Ilha de Gotland, a maior da Suécia, onde grupos de agricultores e de caçadores-coletores coexistiram, separados por apenas 400 quilômetros de distância. Para os cientistas, não restam dúvidas de que a tecnologia agrícola foi levada pessoalmente pelos povos que a adotaram, em uma única onda migratória, tendo o ensolarado mediterrâneo como rota.
Os esqueletos foram escavados em cemitérios pertencentes aos dois grupos. Os fósseis dos caçadores-coletores – uma criança de 7 anos, uma mulher de 45 e um homem de 25 – estavam enterrados com objetos típicos desses grupos. “O tipo de cerâmica e as ferramentas são completamente diferentes daqueles adotados por agricultores, por isso sabemos a qual grupo pertenciam”, explicou Mattias Jakobsson da Universidade de Uppsala, na Suécia, e um dos autores do estudo, em uma teleconferência de imprensa. O outro fóssil, de uma mulher de 20 anos, estava sob esculturas feitas com pedras, uma característica dos grupos agrícolas. Assim, a partir de evidências arqueológicas, foi possível saber em qual grupo estava inserido cada indivíduo encontrado nas escavações.
Genética
Depois da localização e análise inicial, foi a vez de a genética entrar em campo. Os cientistas retiraram amostras dos quatro fósseis e sequenciaram 249 milhões de pares de DNA, representando entre 2% e 5% do genoma total de cada pessoa. “O material genético dos três caçadores-coletores está mais próximo dos atuais habitantes do Leste europeu, enquanto a da agricultora é mais semelhante aos povos mediterrâneos de hoje”, contou Anders Götherström, biólogo e coautor do estudo. Isso indica, de acordo com os pesquisadores, que a origem da mulher enterrada sob estruturas monolíticas não era a Ilha de Gotland, onde foi enterrada, mas o Sul da Europa. “Ou seja, ela fez parte de um povo que migrou da Europa ocidental para o Leste, a partir do Mediterrâneo”, completou Jakobsson.
“Conseguimos mostrar que a variação genética dos europeus de hoje foi fortemente afetada pelos agricultores imigrantes da Idade da Pedra, apesar de um número genes dos caçadores-coletores terem permanecido, o que sugere que houve cruzamentos”, afirmou Götherström. “O que é interessante e surpreendente é que os agricultores e caçadores do mesmo tempo tinham origens genéticas completamente diferentes, viveram lado a lado por mais de mil anos, para, finalmente, cruzar.”
Pesquisador da Universidade de Estocolmo que também participou da pesquisa, Jan Sotra disse que os resultados são extremamente importantes para a arqueologia em geral, particularmente se cruzarem para pesquisas sobre a Idade da Pedra. “A arqueologia tem se tornado um campo interdisciplinar estimulante. Nós obtivemos novos e concretos dados biológicos sobre as pessoas da Idade da Pedra, o que fornece espaço para discussões sobre as origens, a mobilidade e as redes sociais relativas a um período que ultimamente tem sido o foco de intenso debate. Aliando estudos científicos à base da genética, ampliamos bastante o debate”, disse Stora.
Dúvidas
“Se você pensar que a introdução da agricultura foi a base da civilização moderna, estamos diante de um evento muito importante e que, por isso mesmo, levanta tanto debate”, disse Mattias Jakobsson. “É natural que outros pesquisadores desenvolvam teorias diferentes da nossa. O que posso sugerir é que se comece a utilizar a técnica que aplicamos, de arqueologia aliada ao genoma, em outros fósseis do Neolítico encontrados em diferentes pontos da Europa. Acho que isso fechará questão.”
Autoria de Paloma Oliveto, publicada no 'Correio Brasiliense' de Brasilia com o título de "Agricultura na Europa evolucionou história da humanidade" e no 'Estado de Minas' Belo Horizonte com o título de "Passos de uma Revolução", no dia 29 de abril de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.



No comments:
Post a Comment
Thanks for your comments...