O coalho dos nordestinos entra na culinária contemporânea com um sabor marcante e capaz de substituir o oriental tofu.O ingrediente também cai bem em sobremesas sofisticadas e nas releituras de comidas tradicionais.
De sotaque carregado e com trejeito sertanejo, o queijo coalho resolveu passear e respirar novos ares. Companhia fiel da carne-seca, o ingrediente comprova sua versatilidade e passa a estrelar pratos nada nordestinos. Da cozinha japonesa à argentina, a massa de queijo aliada a técnicas, temperos e molhos compõe receitas simples e sofisticadas. Basta ter criatividade e deixar que o saboroso produto faça as honras do prato.
Embora esse queijo seja comum na vida dos brasileiros, ainda existe muita dúvida sobre qual, entre tantos ingredientes semelhantes, é o queijo coalho. Comercializado em blocos, ele tem sabor levemente salgado e ácido e a massa é prensada e cozida. Aparentemente, lembra o queijo minas, mas, quando é levado à panela, as principais características mostram a diferença.
O coalho mantém a estrutura, não derrete. Enquanto o outro, quanto mais exposto ao calor, maior será a perda de umidade, até que se desmanche por completo. Típico do sertão nordestino, o queijo coalho teve origem nas longas viagens em que o leite era carregado na mochila dos viajantes. Essas bolsas, apelidadas de matulão, eram feitas com o estômago de animais.
Em contato com esse tipo de pele, o leite coagulava, dando vida a uma saborosa massa. Dessa forma, os produtores passaram a usar como coalho (responsável por coalhar e talhar o leite) as vísceras dos animais recém-abatidos, fazendo com que enzimas e microorganismos coalhassem as proteínas do leite. Atualmente, o coalho é um produto industrial.
Doce Argentino
Por suportar bem as altas temperaturas o queijo coalho foi o escolhido para protagonizar a sobremesa do El Negro. Alexsandro Panta, chef da casa, grelhou o ingrediente com açúcar e canela, depois cobriu com doce de leite argentino e escoltou a receita com uma bola de sorvete de creme. “Como servimos carnes preparadas na parrilla, precisava criar uma sobremesa que pudesse ser feita da mesma forma, e o queijo coalho suporta a grelha sem perder a forma”, explica.
Segundo o chef, como a gordura desse queijo não se desprende da massa facilmente, como a muçarela, é possível combiná-lo com ingredientes mais adocicados, sem que fique enjoativo, como o doce de leite. “A canela é o toque especial, usada no momento de grelhar. Como o queijo não perde o gosto no calor, a harmonização de sabores fica ainda melhor”, diz Panta.
Temperado no ponto certo – nem insosso, nem salgado –, o produto é uma ótima escolha para preparações condimentadas. Pode, porém ser também uma boa opção para receitas mais leves, como as saladas. É bom lembrar, contudo, que, embora o queijo coalho tenha coloração branca, ele não é nada light. Para se ter uma ideia, a cada 100g, é possível encontrar 26,37g de lipídeos; 82,53mg de colesterol; 16,03mg de gordura saturada; 6,93mg de gordura monoinsaturada e 0,22mg de poliinsaturada.
Com os Árabes
Justamente por toda essa gordura não se mostrar aparente que o queijo coalho compõe bem receitas mais condimentadas. No Beirute, por exemplo, a iguaria foi escolhida para cobrir o escondidinho. A carne é temperada com pimenta síria, aquela que mistura especiarias como cravo e canela. Com molho de coalhada seca (que lembra um sabor de queijo cremoso) e hortelã, o creme de batata é gratinado com queijo coalho ralado, finalizando com textura e sabor.
No Nippon, o tofu perdeu lugar para o nordestino coalho. De acordo com o chef Edinaldo Lopes, a preparação de soja tem sabor característico, mas menos versátil. “Ele tem uma textura que não fica bem com muitos molhos”, justifica. Por esse motivo, o queijo sertanejo foi para a chapa com azeite para dourar e ser servido com molho teriaki. “O adocicado do molho é absorvido pelo queijo dando uma sensação gostosa no paladar”, diz o especialista.
Patrimônio Brasileiro
Apesar de muitas famílias do Nordeste ainda fazerem o queijo calho de forma rudimentar, o produto industrializado requer uma lista de cuidados. Coagulação do leite, prensagem e tempero da massa estão entre os principais processos. Os produtores avaliam ainda a acidez do produto, a escolha das melhores vacas e a pasteurização. Muitos cuidam, inclusive, da pós-produção, envolvendo-se nos trâmites para a comercialização do queijo.
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco estão entre os maiores produtores do País. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e empresários pernambucanos lutam para que o produto seja reconhecido e tombado como patrimônio brasileiro. Existe uma projeto dos produtores de lacticínios do agreste pernambucano para a criação do Museu do Queijo de Coalho de Pernambuco, no Mosteiro do Bom Pastor, em Garanhuns. A escolha pelo município não foi à toa. É ele quem sustenta cerca de 70% da produção de leite pernambucana.
Texto de Rebeca Ramos publicado no "Jornal do Commercio", edição de final de semana 10, 11 e 12 de agosto de 2012, com o título de "Queijo do sertão em prato de japonês". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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