11.06.2012

A CULINÁRIA DE FERNANDO DE NORONHA


A culinária da ilha convive com a fartura da pesca artesanal e o uso otimizado dos produtos vindos do continente. O resultado são pratos que misturam simplicidade, frescor e, em muitos casos, requinte.


Os olhares curiosos estão focados na janela do avião. A água azul de uma infinidade de mar que não parece acabar é a única paisagem durante os 50 minutos de voo de Recife até Fernando de Noronha. Como em um passe de mágica, no meio do oceano, surge a tal ilha sonho. Pedras imensas, morros, água esverdeada e a certeza, antes mesmo de a aeronave pousar, de que ali é um pedaço do paraíso.

Além das mais belas paisagens naturais, o arquipélago abriga uma gastronomia fresca e saborosa. Mesmo com a dificuldade para se adquirir ingredientes, já que todos vêm do continente, chefs mostram habilidade em unir o frescor de peixes como atum e cavala — que podem ser pescados na ilha — com legumes e verduras orgânicos cultivados ali mesmo.

Para quem gosta dos produtos dos mares, Fernando de Noronha é o destino ideal. Pescados na ilha, os peixes são tão frescos que, nos passeios de barcos, são servidos crus, como sashimi. O ceviche, prato peruano, é presença garantida. O Bar do Cachorro, cenário do forró que anima a ilha às segundas, às quartas e às sextas, serve a iguaria com pouco tempero para que apenas o sabor do peixe prevaleça. Frutos do mar como lagosta, polvo, lula e camarões e também as frutas são trazidos do continente devido à falta de quantidade suficiente para abastecer os restaurantes. Já as ervas, verduras e folhas são todas cultivadas lá de forma artesanal, assim como a pesca, pois a modalidade de arrasto é proibida.

São 13 casas que oferecem serviço a la carte e três self-services. A oferta dos dias atuais contrasta com histórias de seis anos. Naquela época, para se comer bem em casas charmosas com gastronomia interessante, era necessário desembolsar grandes quantias de dinheiro e ainda disputar espaço com os hóspedes das pousadas mais caras.

“Costumamos dizer que a urgência em Noronha é de sete dias”, conta Alvaro II, chef da Pousada Maravilha. Segundo ele, para fazer uma cozinha de qualidade na ilha, é preciso ter jogo de cintura, uma vez que os insumos vêm do continente. O problema é que, se a ideia é ter frescor, estocar grandes quantidades joga por terra esse princípio, mas, sem guardar, as cozinhas correm o risco de ficarem sem alguns ingredientes. “Às vezes, o avião vem cheio e não dá para trazer ou até mesmo o fornecedor atrasa e não consegue enviar. Sem nos resguardar, ficamos sem. E não é uma falta que pode ser resolvida indo na esquina para comprar porque aqui não tem esse lugar”, descreve Alvaro.

Ainda assim, saem da cozinha de Alvaro II pratos requintados e saborosos, mas com uma simplicidade que só se vê igual conhecendo o modo de viver de Noronha. A partir da base franco-italiana, o chef utiliza ingredientes nacionais e frescos. O ceviche, preparado com a cavala, leva pimenta, gomos de laranja e é acompanhado de uma batata-doce com mel de engenho. “Os ingrediente equilibram o sabor entre si”, acredita.

O canelone de beringela tem a verdura (cultivada na ilha) empanada e grelhada no lugar da massa, é recheado com espinafre e ricota, finalizado com um saboroso e bem feito molho de tomate e enriquecido com o tapenade de azeitonas pretas. O especialista explica que sua proposta é fazer comida sem influência química ou artificial. Para tanto, ele busca trabalhar com a textura natural dos ingredientes.

É no museu do tubarão que os noronhenses mostram quão são criativos. Na falta de bacalhau, a carne do peixe homenageado resolve bem. Famoso pela casquinha crocante e pela textura interna, o bolinho frito, conhecido como tubalhau, agrada por ter menos sal e ser mais macio e úmido que o bacalhau. Há também a empadinha recheada com o peixe e a tubalhoada, indicada para aqueles com mais fome.

No quesito fartura, o festival gastronômico da Pousada Zé Maria vira outra opção. Às quartas e às sextas, o restaurante é invadido por mais de 50 pratos principais e mais de 30 sobremesas com receitas simples, como a moqueca de peixe, e sofisticadas, como o atum ao molho de frutas.

Coco e quiabo


No Varanda, casa do chef Auricélio Romão, o regional é princípio. Entre moqueca, abóbora recheada e bobó de camarão estão receitas elaboradas com ingredientes simples. O predileto do chef é também uma das estrelas da casa: camarão com quiabo e arroz de coco. Menos pretensioso, o Xica da Silva aposta na carne de sol, no baião de dois e na moqueca de peixe, escoltada por arroz branco e pirão enriquecido com castanhas.

No Du Mar, pertinho da sede do projeto Tamar, os ensopados são as estrelas. O peixe, que por si só já é um presente ao paladar, é temperado com sal e cozido com cenoura, brócolis, vagem e batata. Ainda leva leite de coco e azeite de dendê e, como brinde, um ovo cozido. Equilibradamente temperada, a opção, assim como quase todas as da ilha, é bem servida e alimenta até duas pessoas com fome.


Talvez a vista mais bonita do arquipélago, o Mergulhão, em funcionamento há pouco mais de dois anos, está localizado de frente para o porto. Dali, é possível ver o Morro Dois Irmãos (cartão-postal do lugar), “o mar de dentro” — virado para o continente brasileiro — e “o mar de fora” — virado para a África. O menu está entre os mais requintados de Noronha. Diante da costelinha de porco desconstruída, da massa com camarão e tomate fresco, e do frango caipira com quiabo frito e canjiquinha cremosa, o cliente fica extasiado com tanta beleza e sabor. O proprietário, Pedro Maia, conta que buscou criar um cardápio com influências brasileiras e uma pegada contemporânea. “Optamos por fazer releituras de pratos nacionais para dar destaque aos ingredientes”, diz. De uma forma interessante, Maia explica que se livra dos problemas das armadilhas de entrega de ingredientes garimpando opções em regiões diferentes. “A maioria vem de Recife, mas trago geleia de jabuticaba, cachaças especiais, cafés e cervejas artesanais de lugares como Minas Gerais e São Paulo”, afirma.

Texto de Rebeca Ramos publicado no "Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, edição de final de semana 5 a 7 de outubro de 2012, com o título de "As saborosas contradições de Noronha". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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