Poderia virar uma crítica tão ferina, que pelo menos dois cozinheiros criticados se enforcassem por ano.
Me mostra muito boazinha, comendo jabuticaba e dando milho para as galinhas, fico com uma vontade de fazer como o Pondé... Entrar numa polêmica das boas, só para implicar com todo mundo, santo Exu, e ver, deliciada, os leitores se arranhando e me espinafrando com pseudônimo de ursinhos polares. Mas não é meu jeito, o que eu deploro. Não consigo. Por exemplo,detesto todos os restaurantes de comida moderna que imitamos bons cozinheiros e cobram uma fortuna por um menu-degustação sem pé nem cabeça.Mas fico meses experimentando vários deles, quieta, e depois só falo daqueles de que gostei. Atitude que só tem me trazido dissabores vida afora.Não gosta, vá lá e fale e diga o porquê. E passe pra outra. E as discussões são sempre bem-vindas. É por causa da mania de viver botando panos quentes que a gente derrapa até na cozinha. O que pode haver demais escandaloso na cozinha? Aqui no bufê é tudo de uma santidade sem fim. A não ser...O cozinheiro que tinha três mulheres e se dava muito bem com todas e ainda namoriscava um pouco nas horas vagas. Passados muitos anos, as três deram o fora nele ao mesmo tempo.Acho que no século XXI foi a única pessoa que conheço que morreu de amor.
Traições, fingimentos, mentiras,fofocas, tudo isso rola em todos os patamares de uma cozinha, mas acho que é o máximo que acontece por essas bandas. Logo no começo do bufê, quando os cozinheiros ainda faziam parte de um submundo e nem eram celebridades de revistas, vimos que havia uma briga se desenvolvendo entre os nossos e pedimos que viessem conversar.Descobrimos que um deles tinha levado a foto do outro para o cemitério.Qual seria a implicação do gesto? O que acarreta levar a foto para o cemitério? Nunca soube, só suspeitei de chamamento dos mortos, talvez,para abocanhar o cozinheiro em 4x4.
Mas nada disso dá polêmica, ninguém quer nem saber dessas histórias. É preciso assunto mais gordo, como o do foie gras, que, se mencionado,traz e-mails de ódio candente. E falar em matar galinha também faz o mundo cair. Nem são vegetarianos. É porque falar em morte de galinha é proibido,bate na alma,galinha é um bicho muito íntimo. E que não se toque em caça. Não se come caça e ponto final. Seria bom se pudéssemos discutir esses assuntos sem ficarmos ofendidos até o âmago. Pelo jeito, na cozinha, somos mais de bebidas e alegrias e rodopios no salão. Com criatividade, poderíamos aludir à causa das baleias mandando um e-mail para todos os clientes.
“Podem me chamar de Ishmael.”Ou virar uma crítica de restaurantes tão ferina,que pelo menos dois cozinheiros criticados se enforcassem por ano.
O Anthony Bourdain foi às alturas por um sucesso de escândalo, quando contou como eramos bastidores dos restaurantes tim tim por tim tim.E o palmito assado Kaiowaá poderia ser um carro-chefe sem precedentes. Se ajudaria os índios, não sei. Mas acho que, nessa vida tão difícil,deveríamos ter o direito de ser burros pelo menos no Facebook, seio de mãe a transbordar carinhos.
Texto de Nina Horta publicado no caderno "Comida" da "Folha de S. Paulo" de 28 de novembro de 2012. Editado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
No comments:
Post a Comment
Thanks for your comments...