Jantar em casa? Só com reserva
Existem programas que confundem mais do que explicam. Como traduzi-los, em que escaninho guardá-los? O Chez Airys é um caso assim. É legal ou não é? É a perspectiva de uma noitada elegante ou a orientação estética é um tanto controvertida? E a comida? Arrisco ao menos duas certezas: o preço é salgado; e Airys Kury, o mentor do projeto, é bom anfitrião.
Executivo de formação, com passagens por lugares como o Gero, Kury recebe o público em sua própria casa. Só atende no jantar e com reservas, dentro de uma vila, em Pinheiros. Há um manobrista na calçada, que gentilmente indica o caminho. Quem atende a campainha é o proprietário, secundado pela brigada de sala, toda de black-tie. A visita começa com um tour pelos ambientes. Há poucas mesas e muitas peças de arte – destacando em especial a temática erótica. O que se traduz numa profusão de fotos, quadros e objetos que evocam o todo ou partes da anatomia humana.
A infraestrutura do Chez Airys passa longe do padrão “empreendimento doméstico”. As bem montadas cozinhas estão sob o comando de Ricardo Bonomi, também apresentador de TV. O cardápio é sucinto e tem inspiração mezzo italiana, demi francesa, com pratos de nome rebuscado e preços de Grupo Fasano. As execuções técnicas são justas, a matéria-prima, de qualidade. Mas vamos observar a refeição no detalhe.
Água nacional, não tem, é Panna ou San Pellegrino (R$ 18 cada uma). O couvert (R$ 26), traz grissini, focaccia, manteiga trufada e queijo de cabra. A carta de vinhos não é longa, mas contempla a diversidade. E, quando chegam as entradas, a sensação é de equilíbrio geral, em sugestões como o roast beef (R$ 38), rosbife com minifolhas; a horta (R$ 43), com cogumelos, ovo pochê e baby vegetais; e o ginger mussel (R$ 36), mexilhões ao molho de cerveja e gengibre.
Já nos principais, o mestre-cuca Bonomi demonstra ecletismo: vai de uma boa versão do boeuf bourguignon (chamado de carne de panela ao tartufo, R$ 76) a um bem apresentado robalo (procure por garden fish, R$ 79) com emulsão de limão-siciliano e purê de batata-doce roxa. Ele capricha também na cocção do carré de cordeiro (abbachio, pela carta; R$ 91) com risoto de vinho tinto. Mas serve um item que, particularmente, dá o que pensar: o nero al mare (R$ 86). Por baixo, fettuccine com tinta de lula; por cima, camarão, vieira, polvo e lula, em pontos adequados. Um conjunto que, no entanto, soa fragmentado, sem a harmonia de um prato. E aí, revisando os jantares, da entrada à sobremesa (a melhor foi o semifreddo de pistache), vejo que talvez falte ao Chez Airys aquele salto que é até difícil de expressar: o de superar a sensação de parecer mais uma cozinha de consultor do que de chef.
Ainda que a conta pese, a experiência é divertida e sai da rotina. E Kury exerce com empenho a função de restaurateur. É hospitaleiro, domina o menu, ajuda na escolha de pratos e vinhos, supervisiona os pedidos, zela pela visita, enfim. Quantos profissionais assim existem na cidade? Poucos. E a caminho da extinção.
Por que este restaurante?
Porque é uma novidade curiosa.
Vale?
Gasta-se mais de R$ 200/cabeça. Pela exclusividade, pode valer como passeio.
Texto de Luiz Américo Camargo publicado no caderno "Paladar" de "O Estado de São Paulo" de 13 de março de 2013 com o título de "Jantar em casa? Só com reserva". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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