3.10.2013

LIVRARIAS QUE FIZERAM HISTÓRIA NO RIO DE JANEIRO



A primeira livraria que conheci, e muito frequentei, foi a Quaresma, à rua São José, lado ímpar, cujo proprietário na época — década de 1920 — era o Matos, velho livreiro, conhecedor de livros e principalmente dos que existiam em sua loja, enorme loja com várias portas abertas para a rua, inúmeros balcões exibindo os livros.

O velho Matos era muito atencioso, especialmente com os estudantes que viviam fazendo perguntas e pedindo o célebre desconto. A Quaresma era a principal loja da cidade e muito freqüentada. Ali conheci Rui Barbosa, João Ribeiro e outras figuras ilustres, com as quais não tinha coragem de conversar por me considerar muito jovem. Nessa época eu estudava para os últimos “preparatórios” e o vestibular da Faculdade de Direito.

As aulas eram no centro da cidade e daí as minhas folgas para visitar o Matos, pois, já amando os livros, lá ia à procura de Machado, Alencar e outros, sempre encontrando algo no “sebo” da Quaresma. Nessa livraria conheci um caixeiro (como eram conhecidos os empregados do comércio), um jovem mais moço do que eu, que trabalhava como vendedor de livros e arrumador, pois o velho Matos exigia que um livro consultado por algum leitor, fosse logo colocado no seu devido lugar. Esse jovem caixeiro era o Carlos Ribeiro, que assim começava a sua vida de grande livreiro.

Além da Quaresma, há outras livrarias que fizeram história no Rio de Janeiro:

Livraria São José. Carlos Ribeiro, que depois se transformou no grande “mercador de livros”, como era chamado, começou a atividade de livreiro ao abrir uma portinha para vender os livros que comprava das amizades feitas na Quaresma. Como progredisse rapidamente, juntou-se a Válter Cunha, que seria, no futuro, outro grande livreiro, e alugou um prédio na mesma rua São José nº 38, onde fundou a Livraria São José. Com o jeitão especial de livreiro que o Carlos tinha, o comércio prosperou e os sócios compraram o nº 38, que seria ampliado com a compra dos prédios vizinhos, os de números 40 e 42. A livraria passou então a ocupar três prédios velhos, com sobrados, lotados de livros.

Lançou Carlos Ribeiro as chamadas tardes de autógrafos, em que se promoviam lançamento de discos de poesias produzidos pela empresa Festa Discos. Com o sucesso desses lançamentos — poesias de Drummond, Bandeira, Schmidt e outros —, as tardes de autógrafos, enriquecidas com uísque e salgadinhos, passaram a promover também lançamentos de livros. Como propaganda, Carlos Ribeiro criou três subtítulos para as suas lojas: o prédio de número 38 era o Paula Brito, o 40 era Pasárgada e o 42, Itabira, homenageando assim, com o primeiro, o amigo livreiro-editor de Machado e outros, Bandeira com o segundo e Drummond com o terceiro.

A essa época eu já era formado e, como advogado, atuei na compra desses dois últimos imóveis, e posteriormente na venda dos três, que seriam demolidos para dar lugar a outra construção. A livraria, então, passou a ocupar prédio nº 74 da mesma rua, conhecida como a rua das livrarias, pois havia várias. O novo imóvel, de dois pavimentos, acolheu todos os livros vindos dos antigos prédios. Ao fundo, em sua mesa da grande loja, pontificava Carlos Ribeiro, com a sua amizade, bom humor e simpatia.

Carlos Ribeiro era um livreiro atento ao gosto dos freqüentadores de sua livraria. Quando comprava uma biblioteca ou um lote de livros, separava os que podiam interessar a um determinado cliente, que muitas vezes já se tornara amigo. Continuava a contar com o trabalho do sócio, Válter Cunha, que, quando não era visto na loja, estava à procura de biblioteca ou exemplares avulsos à venda.

Passados vários anos a sociedade entre Carlos Ribeiro e Válter Cunha desfez-se. Coube a Carlos o estoque da loja, transferido para a rua do Carmo 61, onde passou a funcionar a nova livraria com o mesmo nome de Livraria São José. Válter ficou com o prédio da São José e os livros do depósito.

Anos depois, com a morte de Carlos Ribeiro, a livraria da rua do Carmo passou a três outros grandes livreiros: Adelbino, Germano e Vieira.

Livraria Antiquário. Depois de desfeita a sociedade com Carlos Ribeiro, Válter Cunha transferiu-se para a rua Sete de Setembro 207, grande prédio de três pavimentos, todos ocupados com os livros, muito bem organizados por assunto. Válter Cunha, mestre conhecedor de livros, conta com a valiosa colaboração de Isaltino, outro notável livreiro.

Livraria J. Leite. Na época da Quaresma, havia na mesma rua São José (lado par) uma livraria pequena de que era gerente ou administrador José Leite, irmão do escritor Solidônio Leite, muitas vezes visto da loja e tido como o seu verdadeiro dono.

Livraria José Olympio. Esta livraria foi inaugurada  no Rio de Janeiro em 1934, na rua do Ouvidor, quase em frente à Briguet-Garnier. Chamava-se Livraria José Olympio Editora. Durante muito tempo, havia à tarde uma reunião de escritores que se concentravam nos fundos, onde, num pequeno banco de madeira, se sentava habitualmente Graciliano Ramos, o que fez com que o lugar passasse a ser chamado de “banco do Graça”. Essa peça, doada por José Olímpio, encontra-se hoje no Arquivo-Museu da Fundação Casa de Rui Barbosa. Eram habitués dessas reuniões, além do Graciliano, José Lins  do Rego, Manuel Bandeira e alguns outros. Durante esse período, o escritório da livraria funcionava na travessa dos Barbeiros, passando depois para a Praça Quinze nº 20, que depois abrigaria a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Em 1958 ou 1959, a livraria da rua do Ouvidor foi fechada, por entendimento do Banco Nacional, então proprietário do imóvel. Passou a sua sede então para a avenida Nilo Peçanha e em seguida para a rua Marquês de Olinda no 12, em Botafogo. Nesse novo endereço havia, no hall de entrada, uma pequena livraria para venda exclusiva das edições da casa. Às quartas-feiras havia os célebres almoços, depois transferidos para as sextas-feiras, além das reuniões diárias com escritores, todas as tardes, na sala de José Olímpio. Como advogado da empresa, participei durante muito tempo tanto dos almoços quanto das reuniões.

Livraria Kosmos. Quando descobri a Kosmos, era dirigida por Erich Eichner e Walter Geyerhahn, na rua do Rosário 135. Com a morte dos donos, a livraria passou aos herdeiros, sob a direção de Margarete Cardoso, que trabalhara anos na empresa como secretária. Tornou-se, depois de longo tempo de atividade livresca, uma das maiores conhecedoras de livros do Brasil. No segundo andar da sede, ela dirige com sabedoria o poder da Kosmos, que tem filial em São Paulo.

Livraria Briguet-Garnier. Situada à rua do Ouvidor, quase esquina da avenida Rio Branco (lado ímpar), essa livraria tinha livros de valor muito elevado, impressos em Paris. Era proprietário o cidadão francês Baptiste-Louis Garnier, que se assinava B. L. Garnier, o que levou a ser conhecido como o “bom ladrão Garnier”. Essa grande livraria, que era freqüentada por Machado de Assis e seus contemporâneos, liquidou-se depois de se transferir para pequena loja, na travessa do Ouvidor.

Falando de Machado e Garnier, vale lembrar aqui o fato ocorrido com o grande escritor, quando em 1902  publicou o volume de suas poesias completas; é que no prefácio Machado escrevera a palavra “cegara” e o tipógrafo francês trocou o “e” por um “a”. No Arquivo-Museu da Fundação Casa de Rui Barbosa são encontrados os dois exemplares: o que contém o erro,  e o emendado, emenda que, conta a lenda, teria sido feita pelo próprio Machado.

Livraria Leite Ribeiro. Grande loja no largo da Carioca, quase esquina da rua Treze de Maio, onde no sobrado funcionou, por muitos anos, a redação de O Globo, antes de se transferir para a atual sede à rua Irineu Marinho. O dono dessa livraria era o coronel da Guarda Nacional Leite Ribeiro, avô da jornalista Lia Cavalcante. Essa livraria era muito freqüentada por escritores de destaque na década de 1920, entre os quais Teo Filho, Romeu de Avelar, Orestes Barbosa, Benjamim Costalat, Humberto de Campos e outros.

Livraria Imperial. Passou depois a se chamar Casa do Livro, de onde foi durante muito tempo empregado Osmar Müller, que sempre vivendo no ambiente livresco, acabou se tornando dono da livraria.

Livraria Brasileira. Fundada por Roberto Cunha, irmão de Válter Cunha, é situada no edifício Avenida Central. Passou a ser dirigida por Osmar, profundo conhecedor do assunto. Essa livraria mudou várias de endereço.

Livraria Santana. Foi instalada na rua do Carmo nº 3. Era uma pequena loja, mas muito movimentada, pela sua simpatia e pelo precioso material disponível, de que fez parte a biblioteca do acadêmico Múcio Leão. Nessa livraria comprei uma vez um pacote amarrado e fechado, em que se lia, pelo lado de fora, a seguinte anotação: “Originais de Joaquim Nabuco”. O Santana, dono da livraria, não abriu nem permitiu que eu abrisse o invólucro. O negócio foi feito, portanto, sem conhecimento do conteúdo. Verificamos, ao abri-lo, que se tratava dos originais de Canaã, de Graça Aranha, e de cartas e cartões do Nabuco a Graça. Os originais de Canaã encontram-se hoje na Fundação Casa de Rui Barbosa, e as cartas e cartões de Nabuco na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife.

Livraria Leonardo Da Vinci. Situada há longos anos em um subsolo de prédio na avenida Rio Branco, é de propriedade de dona Vana, senhora de origem italiana conhecedora perfeita da literatura universal, em especial da francesa, especialidade exclusiva do seu estabelecimento. É talvez a melhor livraria para se fazer encomenda de livros do exterior.

Livraria Camões. Rua Bittencourt da Silva nº 12 C, é a representante no Brasil da Imprensa Nacional — Casa da Moeda de Portugal. Só comercia livros de Portugal e seu administrador é José Manuel Estrela.

Livraria Padrão. Estabelecida à rua Miguel Couto nº 40, é de propriedade e dirigida pelos livreiros Carlos e Alberto, que têm como companheiro, dirigindo a parte de livros raros e o sebo da casa, o Vieira, velho português grande conhecedor do assunto.

Livraria Civilização Brasileira. Estabelecida à rua Sete de Setembro, foi sempre dirigida pelo Ênio da Silveira, até o seu falecimento. Era uma quase filial da Livraria Nacional, de São Paulo, fundada e dirigida enquanto existiu por Otalem Marcondes Ferreira.

Livraria Freitas Bastos. Rua Sete de Setembro. Especializada em livros de direito.

Livraria Brazielas. Instalada na rua Regente Feijó, de propriedade do velho livreiro Brazielas, muito conhecido pelos anúncios espalhafatosos no Jornal do Commercio, usando expressões como “volumaço”, livros com “picos” e outras; livreiro simpático, bom acolhedor dos fregueses e conhecedor do assunto.

Livraria Forense. Estabelecida à rua Erasmo Braga, como o nome diz, especialista em livros de direito. Grande editora, durante muitos anos manteve e mantém ainda uma publicação periódica: a Revista Forense, de valor inestimável e de uso diário pelos magistrados, advogados e estudiosos do direito. Foi dirigida muito tempo pelo ministro Bilac Pinto, estando hoje à sua frente a doutora Regina Bilac Pinto.

Livraria Francisco Alves. Fundada por Nicolau Alves, foi durante anos dirigida pelo livreiro Francisco Alves, que se dedicou nos primeiros tempos a editar livros escolares. Com a sua morte, seus bens foram doados por testamento à Academia Brasileira de Letras, mas o título se manteve e está hoje estabelecida à rua Farme de Amoedo, em Ipanema.

Texto de Plínio Doyle digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

2 comments:

  1. Belo texto. Congratulações por edita-lo!

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  2. Olá, de onde esse texto de Plinio Doyle foi retirado? Vc teria o nome da fonte? Muito obrigada!

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