2.03.2015

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO ENTRE 1808 E 1930


Tecendo algumas considerações sobre o desenvolvimento industrial brasileiro, afirmamos que no período 1808-1860, houve incentivos estatais à produção manufatureira, via subsídios e tarifas protecionistas.  No período 1860-1889, cessaria o apoio do Estado, com as fundições e estaleiros sofrendo, conseqüentemente, um processo de decadência, sobrevivendo apenas as manufaturas de bens de consumo não duráveis.  Vale ressaltar que na maior parte do período imperial, a política cambial e tarifária não colaborou para uma industrialização mais efetiva.  A existência do problema básico dessa economia, que era a manutenção de um sistema escravista de produção e também de um sistema financeiro montado totalmente para operações de curto prazo, tendo como exceção a casa bancária Mauá, Mac Gregor & Cia., que financiava o estabelecimento Ponta d’Areia, também não contribuíram para tal intento.

Contudo, no final do Império notou-se uma tendência protecionista, continuando no início da República, como em 1890, quando o governo, devido à desvalorização do mil réis, passou a cobrar parte dos direitos alfandegários pagos em ouro (quota-ouro) e como em 1893, quando o governo desvalorizou o mil réis de 24 dinheiros (d) para 12 d[1].

Também destaca-se o Encilhamento que, apesar do surgimento de vários empreendimentos fantasmas, contribuiu para o impulso da industrialização, principalmente no Rio de Janeiro, além da revogação da “lei dos entraves” em 1882 e da nova lei das sociedades anônimas em 1890, que facilitou, e muito, a constituição de novas empresas.

Em 1900 foi feita uma reforma tarifária, interrompendo-se o movimento pendular das tarifas, característico do século XIX.  Com isso, houve o incentivo para uma grande expansão da capacidade produtiva antes da I Guerra Mundial, contando com um câmbio estável e relativamente alto e uma barreira alfandegária de cunho fortemente protecionista.  Durante a guerra, houve um pequeno alento de exportações industriais, destacando-se os tecidos de algodão e a carne frigorificada (que se prolongaram até 1923).  Ver Tabela 1 e Tabela 2.

Quanto à carne frigorificada, é importante acrescentar que foi fabricada por frigoríficos estrangeiros que se instalam no Brasil (estados de São Paulo e Rio Grande do Sul), com a finalidade de exportar para dar suporte à guerra e não para abastecer o mercado nacional.


Tabela 1
Brasil – Exportações de Produtos Industriais

Anos
Quantidade
Valor (contos de réis)
Tecidos de Algodão (milhões de m)
Açúcar (1.000 t)
Carne Frigorificada (1.000 t)
Banha (1.000 t)
Tecidos de Algodão
Açúcar
Carne frigorificada
Banha
1912
0
4,8
-
-
0
839
-
0
1913
0
0,6
-
-
-
155
-
0
1914
0
11,3
0
-
-
2.127
0
0
1915
0
37,0
8,5
-
0
8.256
6.122
0
1916
0
40,9
33,7
-
0
20.851
28.193
0
1917
0,1
127,6
66,5
10,2
112
68.889
60.133
17.745
1918
0,7
106,6
60,5
13,3
1.116
94.565
60.755
26.161
1919
0,7
69,0
51,6
20,0
874
57.357
56.799
39.889
1920
0,8
80,3
60,9
11,2
1.649
83.764
53.614
22.459
Fonte:  Villela & Suzigan (1973: 149).
Obs.:  0:  cifra insignificante.


Tabela 2
Brasil – Consumo Aparente de Tecidos de Algodão – 1911-1930
(em milhões de metros)

Anos
A
B
C
D=A=B-C

Produção Nacional
Importações
Exportações
Consumo Aparente
1911
379
84,5
0
463,5
1912
400
69,6
0
469,6
1913
385
59,4
0
444,4
1914
314
22,4
0
336,4
1915
471
17,5
0
488,5
1916
474
30,0
0
504,0
1917
548
24,8
0,1
572,7
1918
494
28,4
0,7
521,7
1919
584
22,4
0,7
605,7
1920
587
29,4
0,8
615,6
1921
552
12,2
3,3
560,9
1922
627
19,0
4,7
641,3
1923
   940 (1)
23,7
4,8
958,9
1924
580
35,3
0,3
615,3
1925
536
44,3
0,1
580,2
1926
539
44,3
0,1
583,2
1927
594
43,8
0,1
637,7
1928
582
50,3
0,1
632,2
1929
478
29,9
0,1
507,8
1930
476
8,1
0
484,1
Fonte:  Villela & Suzigan (1973).
Nota: (1) Valor excepcional, aparentemente errado.
Obs.:  os dados do comércio exterior foram ajustados para as unidades de medida, 1 kg de tecido de algodão = 6,05 m, para se tornarem comparáveis aos da produção interna.

Segundo VILLELA & SUZIGAN, (1973: 150), “(...) as exportações de produtos industrializados ou semi-industrializados praticamente cessaram no pós-guerra, o que parece indicar que seus preços não eram competitivos.”

No tocante à década de 1920, percebemos que a indústria teve um comportamento ciclotímico.  No início da década (em 1920), ocorre expansão considerável da capacidade produtiva, devido à acumulação de reservas financeiras durante a guerra pelas empresas industriais e também por causa da eliminação dos entraves às importações, propiciando a expansão de bens de capital e de bens de consumo (que colaborou para que não houvesse correspondente expansão da demanda dos produtos industriais brasileiros).  Nos anos 1921-1923, a produção industrial cresce, aproveitando a capacidade produtiva expandida e o encarecimento dos produtos industriais estrangeiros (devido à desvalorização cambial, aumento nos meios de pagamento, grandes déficits orçamentários e alta de preços).  No período 1923-1926 ocorre o oposto:  a produção industrial cai e fica estagnada, enquanto as importações de bens de capital sobem até 1925, devido à valorização cambial e à política de contenção fiscal e monetária.  No triênio 1927-1929, temos o seguinte movimento:  em 1927-1928 há expansão novamente dos meios de pagamento e desvalorização cambial em 1927, com estabilização subseqüente (apesar da política de equilíbrio orçamentário ter obtido saldos positivos em 1928 e 1929), colaborando para a recuperação da produção industrial brasileira.

Em média, podemos afirmar que a taxa média de crescimento da indústria nacional no período 1920-1928 foi de 3,9%, inferior à registrada entre 1911 e 1919, que foi de 4,6%[2], cabendo destacar o desempenho do Estado de São Paulo, que teve um índice de crescimento industrial de 6,6%, se tomarmos 1920 como base (ou 5,7%, se o ano-base for 1919)[3], ou seja, superior à média brasileira.

É importante acrescentar que no fim da década de 1920, a proteção tarifária não era mais eficaz por causa da inflação e das oscilações cambiais.  Entretanto, na maior parte do período 1904-1930, foi amplamente suficiente para proteger a produção de tecidos grosseiros e para a indústria de uma maneira geral poder se expandir.

Texto de Wilson Vieira em artigo baseado no segundo capítulo da dissertação de mestrado em História Econômica no Instituto de Economia, defendida pelo autor em agosto de 2000 e cujo título é "Apogeu e Decadência da Cafeicultura Fluminense (1860-1930)".  Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.



[1]  Ou 24 pence por mil réis para 12 pence por mil réis.
[2]  Cf. VILLELA & SUZIGAN (1973: 172).
[3]  Cf. CANO (1998: 197).

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