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| Barretos na década de 1930 |
Os navios eram do Grupo, da Blue Star Line, geralmente mistos de carga e passageiros e levava entre dois e três meses de viagem, dependendo da rota da embarcação e a demora nos portos.
O casal chegou a Santos sabendo poucas palavras em português, sendo recepcionado pelo pessoal da Blue Star Line e encaminhado a São Paulo para ser entrevistadopor um diretor e receber algumas orientações. Acostumados em Londres assustaram com a cidade. No outro dia, tomaram o trem noturno da Paulista e chegaram a Barretos onde foram levados para ocupar a moradia a eles destinada. Casa ampla com três dormitórios, sala, copa, cozinha, despensa, banheiros e varanda. Muito mais confortável do que o flat que moravam num subúrbio de Londres. Ficaram alguns dias envolvidos na montagem da casa. Ingrid estava feliz por que John não estava bebendo, mas, já com muitas saudades da família.
Barretos era uma cidade pequena e provinciana. De modo geral toda a população vivia em torno da atividade do frigorifico e das lavouras de milho, algodão e arroz. Algumas lojas de tecidos e armarinhos, armazéns de cereais, uma escola pública e vários açougues. Repleto de peões que traziam gado para o frigorífico e gastava tudo o que tinham recebido no Bico do Pavão e com as polacas da zona de meretrício.
Na década de 1930 os principais jornais de Londres publicavam anúncios do Grupo Vestey que estaria contratando pessoas interessadas para vir trabalhar na Argentina, Uruguai e Brasil, oferecendo bom salário e muitas regalias. Entre os carregadores de carne do mercado de Smithfield os comentários eram constantes sobre a possibilidade de deixarem a Inglaterra para vir trabalhar na América do Sul. A crise econômica assolava a Europa, refletindo a situação financeira dos Estados Unidos, debilitado após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Os dirigentes do Grupo preferiam contratar jovens casais, mesmo sem nenhuma experiência administrativa e com algum conhecimento de carne. Muitos dos que prestavam serviços gerais em Smithfield e em outros mercados de carne se candidatavam. Contratavam também alguns solteiros.
O Grupo Vestey em 1930 tinha 30.000 empregados em todo o mundo e estava investindo pesado na América do Sul. Tudo foi iniciado em 1912, com a compra de diversas fazendas no Brasil, principalmente no estado de São Paulo, próximas aos ramais ferroviários. A crise no mercado cafeeiro deixava os preços bem atraentes. O primeiro frigorífico foi o de Mendes, no estado do Rio de Janeiro, pela aquisição em 1916 de uma fábrica desativada de cerveja que foi transformada em abatedouro-frigorífico.
Em 1920 houve a compra de uma fábrica de extrato de carne em Fray Bentos no Uruguai, que também foi adaptada para ser um abatedouro-frigorífico e fábrica de enlatados de carne. Em 1921 houve a aquisição do frigorifico de Pelotas, no Rio Grande do Sul e em 1923 do frigorifico de Barretos. Na Argentina o Grupo chegou em 1927 adquirindo o frigorífico de Doca Sud, em Buenos Aires, na época o maior frigorífico do mundo.
Para fazer funcionar todo este gigantesco conjunto de empreendimentos, necessitava de muita gente. Era costume de todas as empresas estrangeiras que investiam na América do Sul, contratar conterrâneos para os postos chaves de comando. Os Vesteys não eram diferentes, com poucas exceções, todos os encarregados de departamentos dos frigoríficos, contadores, gerentes de fazendas eram britânicos, ou filhos de britânicos. A seleção dos que se interessavam a deixar a Inglaterra e mudar para a América do Sul era pouco rigorosa: bastava conhecer alguma coisa sobre abate ou carne.
Casa montada, John foi para a fábrica ocupar o seu posto. Ele foi escolhido para substituir um encarregado que estava aposentando e retornaria a Inglaterra. Teria pouco mais de um mês para aprender a função. A maior dificuldade era a língua e com isso não conseguia comunicar com os subordinados. Os empregados não viam com bons olhos o novo inglesinho que aprenderia o serviço para ser chefe deles. Foi um período de dura aprendizagem, de alguma sabotagem dos empregados mais velhos e de necessidade da imposição de sua autoridade. Quando saiu o velho inglês teve que dar duro, já sabendo algumas palavras essenciais em português, passava o dia labutando com a turma no serviço pesado mesmo.
Ingrid teve a assistência de outra inglesa que já vivia há mais tempo no Brasil e foi tentar suprir a despensa. Grande parte dos artigos que consumia na Inglaterra não estava disponível por aqui e foi alertada pela conterrânea que tinha que adaptar-se. Ficava a maior parte do dia sozinha em casa, chorando de saudades do pai, da mãe, dos irmãos, das amigas e até das colegas da padaria. Tinha uma moça brasileira que era sua empregada e procurava ajudá-la. Com ela aprendeu até algumas palavras em português. Como é costume britânico, as famílias só se encontravam no clube, ninguém frequentava a casa do outro. Ingrid em algumas tardes ia ao clube tomar a chá da cinco onde conversava formalmente com as outras mulheres. As comunicações com os familiares eram por carta. Recebia com atraso revistas da Inglaterra e de vez em quando discos e livros. Escutavam a rádio BBC em ondas curtas à noite, em uma transmissão cheia de interferências, através de uma antena colocada no telhado da casa.
John saía da fábrica todo o dia após as 18 horas e ia para casa fazer companhia para a esposa e cansado tomava seu banho jantava e ia dormir. Convencido pelos outros colegas ingleses começou a passar no clube onde tomava seu gim com tônica ou uma cerveja e ia embora. Com o passar do tempo teve um recaída no vício que tinha abandonado desde que saiu de Londres. Acostumou toda tarde a passar antes no bar do Clube e cada dia bebia mais. Os colegas iam embora e ele ficava bebendo e somente ia para casa embriagado. Em casa não tinha paciência para ficar ouvindo as lamúrias da esposa e ocorria desentendimentos entre eles. Algumas vezes nem tomava banho e ia direto para a cama. Esta rotina era diária. Nos domingos ia jogar críquete e começava a beber mais cedo. O casamento já estava acabando.
Passaram-se o período de três anos e foram de férias para Londres. Terminado as férias Ingrid não quis mais voltar o Brasil. John para cumprir o contrato voltou sozinho. A situação piorou. Bebia compulsivamente e chegava a ir para a fábrica bêbado. Perdeu a autoridade com os subordinados, passou a frequentar o Bico do Pavão e conviver com os peões e as prostitutas, provocar escândalo na comunidade e por esta razão foi advertido pela diretoria. Foi por fim demitido e obrigado a retornar para a Inglaterra.
Histórias como a de John ocorreram na vida real. A maioria dos ingleses que vieram para o Brasil eram pessoas normais, porém, veio também funcionários problemáticos. Os ingleses contratados para trabalhar nas fazendas tinham pior situação. Na fábrica existiam as moradias da colônia onde várias dezenas de famílias estavam próximas, existia o Clube, as atividades sociais e esportivas. Nas fazendas muitas vezes era apenas uma família, morando distante da cidade, convivendo com gente de pouca ou nenhuma cultura, hábitos diferentes, sem rodovias e sem transporte para chegar até lá. Só o cavalo e a charrete.
Estes ingleses, embora imigrantes como tantos outros: italianos, eslavos, árabes, espanhóis e japoneses, eram diferenciados. Os outros imigrantes principalmente os latinos vinham em famílias inteiras, havendo estreita convivência entre elas. Transferiam, grosso modo, a terra deles para o Brasil, mantendo as tradições e tinham o interesse de permanecer aqui e criar raízes. Os ingleses encontravam-se esporadicamente em reuniões sociais e esportivas, mantendo porem o distanciamento entre eles. O propósito era cumprir o contrato e voltar para a Inglaterra com algum dinheiro. Pouco se interessavam em ser inseridos na sociedade local.

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