4.27.2015

NEURÔNIOS REGULADORES DA VONTADE DE COMER


Pesquisadores conseguem transformar células da pele em neurônios reguladores da vontade de comer. Estruturas criadas em laboratório ajudarão nos estudos sobre a obesidade.

Vontade de comer não é fome. É apetite, uma sensação particular que depende de uma série de fatores - culturais, sociais e biológicos. Mas, mesmo que não implique em uma necessidade urgente do organismo, esse desejo cumpre uma importante função: assegurar a ingestão'adequada da energia para manter o metabolismo. Para funcionar, essa "balança” conta com o trabalho do aparelho digestivo, do tecido adiposo e, principalmente, do cérebro. Quando algo vai errado nesse sistema, o resultado pode ser a ingestão exagerada de alimentos, o que pode causar obesidade.

Estudo publicado no Journal of Clinical Investigation abre caminho para que esse mecanismo seja melhor compreendido, o que propiciaria novas pesquisas para o desenvolvimento de tratamentos contra o excesso de peso. Isso porque cientistas conseguiram, pela primeira vez, converter células da pele de pessoas adultas em neurônios reguladores do apetite, o que permitirá a análise detalhada dessas estruturas de forma inédita.

A região cerebral mais relacionada com a vontade de comer é o hipotálamo. Ali, neurônios serotoninérgicos agem para despertar na pessoa aquela vontade de comer algo específico. A resposta do hipotálamo varia de acordo com estímulos externos, principalmente por meio de hormônios, como a grelina e a leptina, produzidas pelo aparelho digestivo e pelo tecido adiposo, respectivamente. O relógio biológico, também regulado pelo hipotálamo, interfere na fome. E processos em outras regiões cerebrais, como o sistema límbico, são projetados nele e modificam o apetite. Esses fatores explicam por que, em quadros de depressão clínica e estresse, o consumo de energia pode mudar drasticamente.

A partir desse amplo conjunto de informações, pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Columbia e da Fundação de Células-Tronco de Nova York, ambos nos Estados Unidos, criaram neurônios do hipotálamo (ligado ainda a outras funções comportamentais e fisiológicas, como pressão sanguínea, sono e humor). As células sintéticas foram produzidas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS).

As pluripotentes têm capacidade de gerar células dos três folhetos embrionários, tecidos primordiais do desenvolvimento humano capazes de se transformar em todas as partes do organismo. Dizer que elas são induzidas significa que surgiram a partir de uma técnica capaz de reprogramar geneticamente células adultas (diferenciadas) para um estado pluripotente, ou seja, com características muito parecidas às das células-tronco extraídas de embriões.

MODELO 

Os pesquisadores acreditam que os neurônios produzidos em laboratório sejam um bom modelo para estudar a neurofisiologia do controle de peso, além de uma forma de testar novos tratamentos para a obesidade. Para chegar a esse resultado, a equipe de Rudolph Leibel passou por uma série de dificuldades. "As células que regulam o apetite estão localizadas em uma parte inacessível do cérebro. Então, até agora, nós tivemos de nos contentar com um modelo de camundongo ou com as células humanas colhidas na autópsia. Isso limitou muito nossa capacidade de estudar os aspectos fundamentais da obesidade humana", diz o cientista.

A tecnologia de células iPS foi utilizada para criar uma variedade de tipos de células humanas adultas, incluindo produtoras de insulina e neurônios motores. O processo de transformação regulado por Leibel levou cerca de 30 dias. "Os neurônios (criados) não são idênticos aos naturais do hipotálamo, mas eles estão perto e ainda serão úteis para estudar anormalidades moleculares que levam à obesidade”, garante Leibel. "Além disso, permitirão avaliar potenciais medicamentos contra o exesso de peso de uma forma nunca antes possível.”

O professor Kevin Eggan, da Universidade de Harvard, investiga o mesmo tipo de processo publicado por Leibel. Segundo ele, os resultados alcançados pela equipe mostram como uma melhor compreensão da biologia das células estaminais está criando um impacto sobre a capacidade humana de estudar, compreender e, eventualmente, tratar os distúrbios do sistema nervoso. "Uma vez que há tão poucos neurônios do hipotálamo de um determinado tipo, eles têm sido notoriamente difíceis de estudar. O trabalho bem-sucedido por ambos os grupos mostra que esse problema foi rachado”, afirma Eggan, destacando a importância de unir esforços.

Esses neurônios são sensíveis à se serotonina, neurotransmissor que atua no cérebro regulando humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade a dor, movimentos e funções intelectuais. Quando ela se encontra numa baixa concentração, pode levar ao mau humor, dificuldade para dormir e vontade de comer o tempo todo, por exemplo. Uma das formas de aumentar a concentração de serotonina na corrente sanguínea é consumir alimentos ricos no aminoácido triptofano (queijos, ovos e castanhas, por exemplo) e praticar exercícios físicos com regularidade.

GENES ADICIONADOS

Em 2006, um pesquisador japonês chamado Shinya Yamanaka desenvolveu uma técnica revolucionária, na qual produziu células-tronco pluripotentes por meio da reprogramação genética de células adultas de camundongos. No ano seguinte, ele conseguiu um resultado semelhante com estruturas humanas. A estratégia é uma reprogramação celular pela adição de quatro genes chamados oct-4, sox-2, Klf-4 e c-Myc, com o uso de vetores virais (vírus modificados que transportam os fatores para dentro da célula a ser reprogramada).

A reprogramação pode ser feita com diferentes tipos celulares. mas, em geral, são usadas células da pele. As estruturas resultantes desse método são chamadas células-tronco de pluripotência induzida (iPS), muito similares ás células-tronco embrionárias, apresentando as mesmas características de autorrenovação e potencial de diferenciação.

Texto sem identificação de autoria publicado na seção "Ciência & Tecnologia" do jornal "Estado de Minas" de 26 de abril de 2015, com o título de "Apetite Artificial". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.


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