Quando a primeira leva de imigrantes japoneses desembarcou no Brasil, em 1908, trouxe um punhado de hábitos esquisitos. Imagine a cara dos caboclos paulistas diante da cena de pessoas comendo com o-hashi (aquelas duas varetas usadas para levar o alimento à boca). Um século depois, algumas das tais esquisitices orientais acabariam integradas ao dia-a--dia dos brasileiros. Comer com pauzinhos virou moda até em lanchonetes e palavras como sushi e sashimi já fazem parte do vocabulário por aqui.
O que pouca gente sabe é que a comida japonesa que conhecemos é bastante moderna em relação à história milenar do Japão. Até o século 10, praticamente tudo o que se comia no país, como o arroz e o macarrão, era preparado de acordo com os costumes dos vizinhos, principalmente chineses – a grande potência da época - e coreanos. Foi nos séculos seguintes que as influências estrangeiras passaram a ser transformadas e adaptadas às condições e preferências locais. Nascia finalmente, a autêntica gastronomia japonesa.
Embora o peixe cru seja apontado com freqüência como a mais perfeita tradução da culinária japonesa, ele demorou bastante a ganhar espaço no prato. A base de tudo foi o arroz. Desde o século 3 a.C., o Japão cultiva regularmente esse grão em campos alagados. Foi em função dele que a sociedade rural japonesa se formou e que a economia do país se estruturou - no fim do século 19, os impostos nipônicos ainda eram pagos em arroz. Até hoje esse alimento, que deu origem a tantos rituais e cerimônias, si mboliza a bonança e a fartura. “A refeição tem duas categorias de comida, o arroz e os outros pratos. Naturalmente, é melhor que ambos sejam deliciosos, mas se for preciso decidir qual terá prioridade, a tradição manda que seja o arroz”, diz o antropólogo japonês Naomici Ishige no livro The History and Culture of Japanese Food (“A história e a cultura da comida japonesa”, inédito no Brasil). Até hoje esse alimento, que deu origem a tantos rituais e cerimônias, si mboliza a bonança e a fartura.
Praticamente tudo o que se comia no país, como o arroz e o macarrão,era preparado de acordo com os costumes dos vizinhos, principalmente chineses.
O macarrão conquistou o Japão a partir do século 7. Era feito e cortado em tiras por hábeis fazendeiros. No século 16, o udon, longo e oco, tornou-se bastante popular. Quase toda casa tinha uma mesa de pedra para seu preparo.
Não é de estranhar que a existência ou não de arroz por perto tenha pautado também a emigração. Os japoneses que deixaram o país no século 20 em busca de melhores condições de vida podiam até abrir mão da convivência com a família. Mas viver sem arroz era pedir demais " As colônias japonesas que inicialmente se fixaram no norte da Bahia e em Pernambuco, onde não havia a tradição de plantar arroz, acabaram de mudando para São Paulo" afirma Koichi Mori, professor do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo e autor de uma pesquisa sobre a culinária dos imigrantes japoneses.
Na gastronomia japonesa, o século 16 também foi marcado por outro divisor de águas, a criação da cerimônia do chá. Inventado pelo monge zen Sen no Rikyû (1522-1591), o ritual mudaria para sempre os hábitos do japonês à mesa. No início, as reuniões para o chá eram cheias de ostentação.
A partir do século 15, quando o comércio com outros países cresceu, uma enxurrada de novos sabores vindos do Ocidente (entre eles a abóbora e a pimenta) tomou conta do Japão. O açúcar, que antes era importado da China como medicamento, passou a ser comprado em grandes quantidades e, finalmente produzido internamente. Em pouco tempo, receitas de bolos e doces desenvolvidas na Europa começaram a circular nas cozinhas japonesas, com uma ou outra modificação local.
No século 16, os navegantes portugueses e espanhóis trouxeram ainda mais novidades em seus navios. E acabaram por deixar marcas definitivas, principalmente nos textos dos menus. A palavra “tempura”, que dá nome a uma receita com alimentos empanados, por exemplo, muito provavelmente vem do português. “Há várias teorias da etimologia portuguesa. Uma aponta para a palavra tempero”, diz Ishige. E tem mais. O hikado, prato feito de atum em cubos, rabanete, cenoura e batata-doce cozidos com molho shoyu, vem do português “picado”. E algumas das guloseimas mais conhecidas do japonês também têm nomes portugueses, como konpeitô (confeito) e
karumera (caramelo).
Texto publicado na revista "Alta Gastronomia", ano 11, edição 92, junho de 2010, Editora AW, São Paulo. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

No comments:
Post a Comment
Thanks for your comments...