3.09.2016

ESTRADAS REAIS DO BRASIL COLONIAL


Texto de Leopoldo Costa

Na colonização e exploração do território brasileiro, a Coroa Portuguesa autorizava a abertura de "Estradas Reais". Eram caminhos oficiais  controlados pela Coroa, mediante a exploração direta ou indireta, pela concessão a particulares para estabelecer no seu percurso os postos de inspeção e arrecadação chamados "registros".

Nenhum outro caminho era oficialmente permitido. Seu uso, chamado "descaminho" era considerado crime de lesa-majestade, com severas  punições. Os itens transportados pagavam uma taxa em cada "registro". Metais e pedras preciosas, gado bovino, equinos e muares, escravos, toucinho, grãos, couros e peles eram os produtos mais visados nas inspeções.

Os dois caminhos mais importantes, pois, ligavam a zona de mineração das Minas Gerais com os portos, foram o Caminho Velho e o Caminho Novo. Estes caminhos para facilitar a sua abertura, usavam na maioria das vezes, o traçado das primitivas trilhas indígenas. Tinham algumas bifurcações.

O CAMINHO VELHO

O Caminho Velho foi aberto em 1660, por ordem do governador geral Salvador Corrêa de Sá e Benavides (1602-1688), e partia de Parati. Na maior parte tinha a largura de 8 palmos, para permitir a passagem de um carro de boi.

Via de regra um carro de boi  na época, tinha a largura de 6 palmos, mesa de 15 palmos e cabeçalho de 20 palmos.

Antes porém em 1597, Martim Correa de Sá (1575-1631) usou este caminho (ainda uma trilha dos índios Guaianases) para alcançar e aprisionar escravos no  reduto dos Tamoios em Minas Gerais, com uma expedição com 700 portugueses e 2.000 índios escravizados.

Com a abertura deste Caminho, o porto da vila de Parati (embora só pudesse receber embarcações menores) passou a ser o principal porto de exportação de ouro para a Coroa e de recebimento de produtos portugueses (sal, azeite, bacalhau, itens de uso domésticos, vinhos etc). Chegou a ser o segundo porto da Colônia em volume movimentado, só superado pelo porto do Rio de Janeiro, que podia receber embarcações maiores.

O caminho foi importante no escoamento do ouro das minas, transportado por via marítima depois de Parati para Sepetiba, e daí, por via terrestre novamente, pelas terras da fazenda Santa Cruz, até ao Rio de Janeiro, de onde seguia para Portugal. Devido aos vários ataques de piratas e a ocorrência de naufrágios, o rei João V (1689-1750) recomendou, em 1728, a substituição do trecho marítimo, entre Sepetiba e Parati.

Então, em meados do século XVIII já existia uma variante, o Caminho Novo da Piedade, que partindo do Rio de Janeiro, pela estrada da fazenda Santa Cruz, alcançava o vale do rio Paraíba do Sul, onde entroncava-se com o Caminho Velho na altura da hoje cidade de Lorena (porto de Guaypacaré).

PERCURSO DO CAMINHO VELHO

O Caminho Velho partia de Parati, e superando a serra da Bocaina atingia a freguesia do Falcão (hoje Cunha), chegando ao vale do rio Paraiba (Guaratinguetá), nome dado pelos índios devido ao grande número de garças brancas que existiam na região.

De Guaratinguetá alcançava a vila de Guaypacaré (hoje Lorena), atravessando o rio Paraiba. Depois a estrada passava pelo Arraial do Porto de Caxoeira (hoje Cachoeira Paulista). Seguia até onde hoje se localiza a cidade de Cruzeiro.

Atravessando a Serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú passava para Minas Gerais e seguia até Passa Trinta (hoje Passa Quatro), depois para Pouso Alto, continuando onde hoje se localiza a cidade de São Lourenço, passava depois por onde é hoje Soledade de Minas até alcançar Campina do Rio Verde (hoje Conceição do Rio Verde).

Depois a estrada passava por onde é hoje São Tomé das Letras, passava por Nossa Senhora da Conceição do Rio Grande (hoje Carrancas), por Ponte Nova (Itutinga) até alcançar São João del Rei.

Seguia passando então por Santo Antonio da Lagoa Dourada (hoje apenas Lagoa Dourada, por Bromado (hoje Entre Rios de Minas), São Brás do Suaçuí, Santo Antonio do Ouro Branco (hoje apenas Ouro Branco) e finalizava em Vila Rica (hoje Ouro Preto), o centro da região mineradora.

Esta via estendia-se por mais de 1.200 quilômetros, e gastava-se cerca de 100 dias para percorrê-la. No período chuvoso o percurso era bastante mais demorado.

O Caminho Novo entroncava-se com o Caminho Velho, um pouco depois de passar por Queluz (hoje Conselheiro Lafaiete)

O CAMINHO NOVO

A abertura do Caminho Novo foi contratada em 1698 e sua construção ficou a cargo do bandeirante Garcia Rodrigues Paes (1660-1738), filho de Fernão Dias Paes (1608-1681).

O contrato garantiu-lhe quatro sesmarias na zona da Mata mineira onde plantou roças e criou gado: uma das sesmarias ficava as margens do rio Paraibuna e outra em Borda do Campo (hoje município de Antonio Carlos MG).

Em 1700, depois, de muitas dificuldades, Garcia Rodrigues Paes conseguiu concluir uma trilha estreita, e depois, veio a aprimorá-la alargando-a para a passagem de animais de carga e carros de boi.

Este Caminho Novo podia ser percorrido em um mês, um terço do que gastava pelo Caminho Velho. A via foi concluída em 1707.

PERCURSO DO CAMINHO NOVO

A viagem pelo Caminho Novo começava em embarcações à vela, no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro (antigo Cais dos Mineiros, a atual Praça XV de Novembro), com parada na ilha do Governador.

Seguia então pelo rio Iguaçu por doze quilômetros e depois, pelo rio Pilar até ao porto de mesmo nome (hoje Duque de Caxias).

A subida da serra após o porto do Pilar era de difícil acesso, fazendo com que muitas cargas fossem perdidas, mulas caíssem em despenhadeiros e homens se ferissem. Havia também frequentes emboscadas de indígenas e de bandidos.

A estrada que subia a serra seguia pela vila de Xerém, onde hoje é Miguel Pereira e Paty do Alferes em direção ao rio Paraíba do Sul, atravessava o rio e alcançava o caminho para Juiz de Fora.

De Juiz de Fora passava por onde mais tarde surgiu a cidade de Ewbank da Câmara, por João Gomes (hoje Santos Dumont), por Santana da Ressaca (hoje Carandaí), por onde é hoje Cristiano Otoni até chegar a Queluz (hoje Conselheiro Lafaiete). Um pouco a frente entroncava-se com o Caminho Velho e seguia até Vila Rica (Ouro Preto).

Entre 1722 e 1725 foi aberta uma variante que subia a serra da Estrela, pelo Córrego Seco ou Itamarati (em Petrópolis) indo encontrar o caminho original onde hoje é a cidade de Paraíba do Sul.

Em 1781, o governador da capitania de São Paulo Martim Lopes Lobo de Saldanha determinou a proibição da passagem de bovinos que destinavam ao Rio de Janeiro pelo Caminho Novo:

‘(...) as manadas só poderiam ser conduzidas para o litoral pelo ‘Caminho do Gado’ que ficava ao Sul do Caminho Novo. Enquanto a trilha dos bovinos  seguia, após transpor o rio do Braço, para Angra dos Reis, a estrada da Piedade dirigia-se para Nordeste até a parte meridional do morro da Fortaleza, onde tomava direção Sudeste até atingir o morro do Frade, continuando com destino a Santa Cruz, via São João Marcos.

Em 1794, o péssimo estado da estrada, fez com que o governador Bernardo José Maria de Lorena e Silveira, conde de Sarzedas (1756-1818), reeditasse o decreto de proibição do trânsito de boiadas.

De Vila Rica (Ouro Preto) partia-se uma ramificação que ia até o arraial do Tejuco (Diamantina).

PERCURSO DO RAMAL PARA ARRAIAL DO TEJUCO (DIAMANTINA)

O Caminho dos Diamantes, como ficou conhecido, foi estabelecido em 1729, após a descoberta das pedras preciosas na região do Serro Frio/arraial do Tejuco em Minas Gerais.

Saindo de Vila Rica (Ouro Preto) alcançava a vila do Ribeirão do Carmo (Mariana), depois a estrada passava por Inficionado (hoje Santa Rita Durão), Caraça, Catas Altas do Mato Dentro (hoje Catas Altas), Santa Bárbara, São Gonçalo do Rio Abaixo, Bom Jesus do Amparo, Aliança (hoje Ipoema), Itambé do Mato Dentro, Nossa Senhora do Pilar (hoje Morro do Pilar), Conceição do Mato Dentro, Santo Antonio do Rio do Peixe (hoje Alvorada de Minas), Serro Frio ou Vila do Príncipe (hoje Serro), São José do Milho Verde (hoje Milho Verde) atingindo então o arraial do Tejuco (Diamantina).

Até 1740 a extração de diamantes não era fiscalizada pelos portugueses, simplesmente porque os mineradores não noticiaram a existência desta pedra preciosa.

Uma variante deste trecho, entre Santa Bárbara e Cocais, conduzia a Sabará, passando por Vila Nova da Rainha (Caeté). Outra variante alcançava Pitangui.

CAMINHO DE GOIÁS OU CAMINHO PARA O SERTÃO DO MATO GROSSO

Este caminho iniciava-se em Pitangui, em Minas Gerais, onde havia entroncamento com o Caminho Novo, rumo a Meia Ponte (Pirenópolis). Prolongava-se daí em diante, alcançando Vila Bela da Santíssima Trindade no sertão do Mato Grosso.

CAMINHO DE SÃO PAULO

O Caminho Geral do Sertão, Caminho dos Paulistas ou Caminho de São Paulo era a mais antiga via de acesso ao sertão das Minas Gerais usado pelos bandeirantes. Originou-se numa antiga trilha indígena, percorrida pelos índios Guaianases, era primitivamente conhecida como Caminho ou Trilha dos Guaianases.

O trajeto iniciava-se na altura de Jundiaí, passava por São Paulo de Piratininga e alcançava as margens do rio Paraíba do Sul. Neste local, o caminho se bifurcava para o norte, pela serra da Mantiqueira, atravessando-a pela garganta do Embaú, prosseguindo até atingir a região do rio das Velhas. Outro ramal ia pela serra do Mar, alcançando Parati, de onde tinha-se que embarcar, via marítima, para Sepetiba, e daí, por terra, para o Rio de Janeiro.

O rio Paraíba do Sul era navegável de Jacareí a Cachoeira Paulista, o que facilitava a movimentação das mercadorias. As mercadorias eram transportadas por tropas de mulas e comboios de escravos.

Das vilas paulistas era remetido para a corte, gado bovino, toucinho, açúcar, milho, trigo, marmelada, frutas, panos, calçados, drogas e remédios e algodão. Da corte elas recebiam sal, ferramentas, armas, azeite, vinagre e vinho.

A cidade de Lorena, por exemplo, nasceu em função da travessia do rio, pelo porto fluvial de Guaypacaré.

Escreveu Antonil sobre este caminho:

 ‘Roteiro do caminho da vila de São Paulo para as Minas Gerais e para o Rio das Velhas. Gastam comumente os paulistas, desde a vila de São Paulo até as minas gerais dos Cataguás, pelo menos dous meses, porque não marcham de sol a sol, mas até o meio-dia, e quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se arrancharem, como para terem tempo de descansar e de buscar alguma caça ou peixe, aonde o há, mel de pau e outro qualquer mantimento. E, desta sorte, aturam com tão grande trabalho. O roteiro do seu caminho, desde a vila de São Paulo até a serra de Itatiaia, aonde se divide em dous, um para as minas do Caeté ou ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do Ouro Preto e outro para as minas do rio das Velhas, é o seguinte, em que se apontam os pousos e paragens do dito caminho, com as distâncias que tem e os dias que pouco mais ou menos se gastam de uma estalagem para outra, em que os mineiros pousam e, se é necessário, descanso e se refazem do que hão mister e hoje se acha em tais paragens. No primeiro dia, saindo da vila de São Paulo, vão ordinariamente a pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser (como eles dizem) o primeiro arranco de casa, e não são mais que duas léguas. Daí, vão à aldeia de Itaquequecetuba, caminho de um dia. Gastam, da dita aldeia, até a vila de Moji, dous dias. De Moji vão às Laranjeiras, caminhando quatro ou cinco dias até o jantar. Das Laranjeiras até a vila de Jacareí, um dia, até as três horas. De Jacareí até a vila de Taubaté, dous dias até o jantar. De Taubaté a Pindamonhagaba, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, dia e meio. De Pindamonhagaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou seis dias até o jantar. De Guaratinguetá até o porto de Guaypacaré, aonde ficam as roças de Bento Rodrigues, dous dias até o jantar. Destas roças até o pé da serra afamada de Amantiqueira, pelas cinco serras muito altas, que parecem os primeiros muros que o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros, gastam-se três dias até o jantar. Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passavinte, porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas, para passar as quais se descarregam as cavalgaduras, pelos grandes riscos dos despenhadeiros que se encontram, e assim gastam dous dias em passar com grande dificuldade estas serras, e daí se descobrem muitas e aprazíveis árvores de pinhões, que a seu tempo dão abundância deles para o sustento dos mineiros, como também porcos monteses, araras e papagaios’.

Em meados do século XVIII, com a abertura de caminhos terrestres diretamente para o Rio de Janeiro, o Caminho de São Paulo passou a ter variantes: uma trilha que seguia por Cachoeira Paulista, Silveiras, São José do Barreiro e Bananal, até a Guarda do Coutinho (Pouso Seco), no limite entre as capitanias, próximo a Rio Claro na capitania do Rio de Janeiro e a rota que seguia por Resende, Quatis e Piraí até Campo Alegre, e daí por diversos caminhos até a corte.

Uma dessas variantes, o Caminho da Calçada, aberta em 1724, ficou conhecido também como Caminho da Independência, por ter sido utilizado por Pedro I (1798-1834) quando de seu retorno de Santos ao Rio de Janeiro, depois, da Proclamação da Independência. Esta variante ligava o Rio de Janeiro a Guaratinguetá, onde entroncava-se com outros caminhos que seguiam rumo a São Paulo ou a Vila Rica.

Durante o Primeiro Reinado (1822 a 1831), o percurso iniciava-se em São Paulo, prosseguindo por Santa Ana (bairro de Santana), Conceição (Guarulhos), Escada (Guararema), Jacareí, São José (São José dos Campos), Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena e finalizava-se em Guarda do Coutinho (Porto Seco).

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