5.29.2016

SÃO PAULO, A ESQUECIDA VILA DA LÍNGUA TUPI


Nas ruas da pequena vila de São Paulo. desde a fundação até o século XVIII. a maioria das pessoas falava a llngua geral Tupi. Num tempo em que o comportamento português, nas palavras do pnmeiro historiador da terra brasilica,Frei Vicente de Salvador, era arranhar o litoral feito caranguejos, esses habitantes andavam na direção contrária: em 1700 a área da vila vinha a ser um sertão que ia do Rio Grande do Sul a Minas Gerais, no sentido norte-sul, e da serra do Espinhaço ao Mato Grosso, no leste-oeste.

Numa colônia de prosápia lusitana e litorânea, São Paulo era contraste:- muitas vezes assustador. A relação com os índios, se conferia sentido à existência da pequena vila e de seu imenso sertão, incomodava muito, até mesmo portugueses como Jorge Macedo. Depois de uma estada em São Paulo em 1679, escreveu ao rei:

" São gente inútil para o serviço de Sua Alteza e mui danosa por inquietadores e pertubadora de toda disciplina"

Esta fama de pouco obedientes já ultrapassa fronteiras havia muito tempo. Em 1639, o rei Filipe IV da Espanha lançou uma cédula condenando bandeirantes passados e futuros à pena da perd dos bens e da vida, devendo se enquadrados em tribunal de Inquisição.

A carga moral negativa de indisciplina, selvageria e heresia marcou o adjetivo 'paulista' desde seu surgimento, no início do século XVII. Nesse momento, é bom lembrar, havia a capitania de São Vicente, e o adjetivo aplicava apenas aos moradores da vila planaltina.

Obviamente os paulistas não se viam nem como selvagens, nem muito menos como herejes. Pelo contrário, tinha, orgulho de sua liberdade e corrida sertão adentro. Mas eram quase todos analfabetos, de modo que suas opiniões a respeito de si mesmos, nas raras ocasiões que chegaram a ser escritas, contaram muito menos que aquelas que seus detratores para formar uma imagem histórica.

Só no século XX, quando a cidade enriqueceu, surgiu a versão que concentrava bons valores morais nos antepassados bandeirantes, transformados em heróis fundadores do Brasil. Mas a onda durou pouco: já nos anos 30 os paulistas começaram a ser enquadrados como invasores brancos e escravizadores de índios. A diferença entre a versão coeva negativa e esta até hoje considerada politicamente correta, é que os tais 'invasores' são pensados como europeus, enquanto no século XVII eram condenados por serem mestiços, mamelucos. Antes eram selavagens por serem meio indios, agora são colonos brancos selvagens. Houve um inegável embranquecimento dos bandeirantes.

Este fator de correção política do passado é complementado por outro, de origen antropológica. Enquanto o movimento negro contabiliza descendentes mestiços como pertencentes ao grupo, os descendentes mistos de indígenas são vistos por historiadores e antropólogos como pertencentes a outras etnias.

Disto tudo resulta que o século e meio em que São Paulo foi uma vila de língua Tupi esteja praticamente apagado da memória de seus habitantes no momento em que a cidade completa seus 450 anos. Anula-se, outra vez, o teor indígena,

Texto de Jorge Caldeira em "História Viva", ano I, n. 3, janeiro de 2004, p. 98; Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa



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