7.26.2016

O FUTURO DOS ALIMENTOS

Impressora 3D imprimindo uma piza

Em 2050, um jantar no seu restaurante favorito deverá ser uma experiência bem diferente. Após ser saudado por um empregado robô e conduzido à sua mesa numa hoverboard, poderá ler atentamente o menu holográfico à sua vontade. À medida que percorre as opções, notará que todos os pratos habituais continuam a existir, mas com algumas nuances invulgares.

Para entrada, atacará uma salada César com bichos-da-farinha ricos em proteínas em vez de frango, salpicada com croûtons crocantes à base de farinha de grilo. A seguir, o empregado androide 2.0 trará o apetitoso prato principal; um hambúrguer suculento cultivado numa placa de Petri, guarnecido com alface estaladiça acabada de colher numa quinta subterrânea e tomate sumarento geneticamente modificado para conter vitaminas extra. Por fim, se ainda tiver espaço para a sobremesa, poderá escolher de entre uma vasta gama de guloseimas projetadas em computador e impressas diretamente para o seu prato.

Estes pratos pouco convencionais podem parecer bizarros hoje e talvez até revirar um pouco o estômago mas, no futuro, poderão ajudar a resolver uma crise alimentar global. Prevê-se que a população mundial exceda 9.000 milhões de pessoas nos próximos 35 anos, o que são mais 2.000 milhões de bocas esfomeadas para alimentar. Para fazer face a esta procura, a quantidade de alimentos que cultivamos terá de aumentar 70 por cento; porém, com a maioria da terra cultivável do planeta já ocupada, e milhares de milhões de habitantes já subnutridos, esse será um enorme desafio.

A indústria alimentar global de hoje já é insustentável, com a agricultura responsável por quase um terço de todas as emissões de gases com efeitos de estufa de origem humana. Do óxido nitroso emitido pelos fertilizantes agrícolas ao dióxido de carbono gerado no transporte dos produtos por todo o mundo, estes gases estão a reter calor na atmosfera e a aquecer gradualmente a superfície. Por sua vez, o clima em mudança dificulta o cultivo de mais culturas, pelo que os cientistas serão cada vez mais chamados a intervir. É expectável que a modificação genética de plantas seja cada vez mais utilizada, numa tentativa de conseguir que as espécies mais vulneráveis suportem ambientes mais duros e inóspitos, e que as sobreviventes mais resistentes sejam mais nutritivas, para garantir que obtemos as vitaminas e minerais de que precisamos.

Embora o cultivo de fruta e legumes gere bastantes gases de estufa, é a criação intensiva de gado que mais contribui para as emissões globais. Estima-se que produzir um hambúrguer de 230 gramas gere a mesma quantidade de gases com efeito de estufa do que conduzir um automóvel de passageiros típico durante 16 km. Entre estes gases encontra-se o metano, cerca de 25 vezes mais eficaz a aquecer o planeta do que o CO². À medida que a procura de carne aumenta, também a lista de consequências negativas para o planeta cresce.

É claro que uma solução simples seria comer menos carne mas, para uma população global maioritariamente carnívora que consome cerca de 285 milhões de toneladas de carne por ano, esta opção pode ser pouco popular. Alternativas saborosas terão de ser encontradas – e a nossa ideia do que consideramos carne também pode ter de mudar; a vaca e o frango nos nossos hambúrgueres e nuggets poderão em breve ser substituídos por grilos e gafanhotos, ou talvez criados num laboratório, em vez de numa quinta.

Na verdade, até a tradicional quinta tal como a conhecemos deverá ter um aspeto completamente diferente em apenas algumas décadas. Longe estarão os dias em que os agricultores conduziam tratores e ordenhavam as vacas manualmente – a maquinaria autónoma já está a começar a assumir o controlo e a tornar a indústria mais eficiente.

Após a colheita dos novos alimentos mais ecológicos e sustentáveis, podemos não reconhecer os produtos que chegam às prateleiras. Em vez de embalagens e latas, os supermercados locais poderão vender ingredientes em cartuchos para a sua impressora 3D doméstica. Depois, bastará pressionar um botão e recostar-se, enquanto o aparelho produz um prato delicioso, camada a camada, que certamente impressionará os seus convidados para o jantar.

Refeições Impressas

A impressão 3D já é utilizada para criar peças de automóveis e aviões, roupa e até próteses, mas o que se segue na agenda é o seu jantar. Em breve, será capaz de criar uma refeição completa de raiz simplesmente escolhendo uma receita e pressionando “Imprimir”. Já existem impressoras 3D de comida que conseguem produzir designs comestíveis intricados a partir de açúcar e chocolate, mas a Foodini, uma impressora 3D capaz de criar uma vasta gama de pratos tanto doces como salgados, deverá ser colocada à venda ainda em 2016. Uma vez selecionada a receita desejada, a Foodini dir-lhe-á quais os ingredientes que deve colocar nas cápsulas – e começará a imprimir a refeição em camadas, até que esteja pronta a cozinhar no forno ou fogão. Permite criar bolachas, pizas, hambúrgueres vegetarianos e até raviolis, permitindo-lhe controlar com exatidão os conteúdos da sua comida. Além dos benefícios no lar, a comida impressa em 3D pode também ajudar a melhorar a qualidade e variedade das refeições disponíveis para os astronautas em missões espaciais de longa duração. Um projeto financiado pela NASA desenvolveu uma máquina capaz de imprimir uma piza a partir de ingredientes secos com uma validade de 30 anos – o que significa que poderá, um dia, integrar um menu em Marte.

Como Imprimir Uma Piza

Como uma impressora 3D pode produzir uma margarita com um toque num botão...

1. Misturar os ingredientes

O preparado de massa em pó, o tomate e o preparado proteico são combinados com óleo e água para criar os ingredientes básicos.

2. Imprimir a base

A massa é impressa primeiro, com o preparado húmido a ser diretamente depositado numa chapa quente e cozinhado.

3. Adicionar o molho

O molho de tomate é a camada seguinte a ser adicionada através do sistema de extrusão.

4. Juntar o queijo

Um preparado proteico semelhante a queijo é então disposto por cima para finalizar a piza.

Carne de laboratório
CARNE DE LABORATÓRIO

Descubra como a ciência pode criar hambúrgueres sem abater vacas.

Prevê-se que a procura global de carne cresça mais do que dois terços nos próximos 40 anos – e já estamos a debater-nos para lhe fazer face. Os métodos atuais de produção não são muito sustentáveis, já que vastas quantidades de terra e outros recursos são necessários para criar gado. À medida que estes meios escasseiam, o preço da carne continuará a aumentar, podendo tornar-se rapidamente um luxo inacessível – onde ainda não o é. A indústria da carne tem também um impacte ambiental negativo, com os animais a libertarem enormes quantidades de metano, um gás com efeito de estufa que contribui para o aquecimento global. Muitos cientistas creem que a solução para este problema iminente é a carne cultivada em laboratório, e uma equipa da Universidade de Maastricht, na Holanda, já aperfeiçoou a técnica. Ao extraírem células estaminais de uma vaca viva, conseguiram criar tecido muscular e transformá-lo num hambúrguer de sabor muito similar ao habitual. As células recolhidas de uma só vaca poderiam produzir 175 milhões de hambúrgueres, que exigiriam por norma carne de 440 mil vacas; melhor ainda: o animal não é prejudicado. E não é só a carne de vaca que pode ser cultivada desta forma, já que o método pode ser facilmente replicado para produzir frango, porco e outras carnes.

Mas não planeie já o seu churrasco de carnes cultivadas em laboratório, já que os cientistas creem que poderão passar dez a vinte anos até que estejam comercialmente disponíveis. Produzir um único hambúrguer custa hoje cerca de € 250.000 mas, com o aperfeiçoamento do método, a “carne de cultivo” pode tornar-se mais barata do que convencional, até 2035.

Procedimentos para a Produção da Carne de Laboratório.

1. Colheita de tecido

Uma amostra de tecido muscular é recolhida da vaca através de um procedimento inofensivo e dividida em pequenos segmentos, para que as fibras musculares e células possam ser isoladas.

2. Nutrir as células

As células musculares individuais são removidas e alimentadas em laboratório. Cada uma divide-se várias vezes, produzindo muitas mais células.

3. Formar fibras musculares

As células fundem-se naturalmente, formando miotubos – fibras musculares em desenvolvimento com menos de 0,3 mm de comprimento.

4. Ganhar volume

Os miotubos são colocados num anel e começam a ganhar volume, gerando um pequeno feixe de tecido muscular.

5. Em camadas

São precisos aproximadamente 20 mil destes feixes dispostos em camadas para formar um hambúrguer de tamanho “normal”.

CARNE À BASE DE PLANTAS

Se um hambúrguer cultivado em laboratório não faz crescer água na sua boca, talvez um inteiramente vegetal faça. A Impossible Foods encontrou um meio de produzir carne e queijo sem animais, ainda assim prometendo que “deliciarão e nutrirão o amante de carne mais exigente”.

De plantas como vegetais de folha verde, cereais e leguminosas, extraem proteínas com uma textura, sabor ou aroma similares a carne. As proteínas são depois misturadas com aminoácidos, vitaminas e gorduras – também vegetais – para criar os três componentes principais da carne: músculo, tecido conjuntivo e gordura. Quando combinados nas proporções certas, formam um hambúrguer que parece, sabe e cheira a carne picada animal. O Impossible Burger deverá ser colocado à venda ainda em 2016 e será seguido por uma gama de outras carnes e laticínios, todos totalmente vegetais.

Ordenha automática

QUINTAS DE AMANHÃ

Como a tecnologia ajudará os agricultores a fazerem face à crescente procura.

Com cada vez mais bocas para alimentar, as explorações agropecuárias têm de ser geridas tão eficientemente quanto possível, de modo a fazer face à procura. Como resultado, muitos agricultores estão a virar-se para as novas tecnologias, utilizando sistemas de precisão para facilitar muitas tarefas quotidianas.

O GPS já é amplamente usado para garantir que os tratores são conduzidos em linhas retas através dos campos, evitando a sobreposição de trajetos – ajuda a poupar combustível, fertilizante e sementes, que seriam de outra forma desperdiçados, à medida que o agricultor cobrisse repetidamente o mesmo segmento de terreno. Porém, num futuro não tão distante assim, os agricultores podem não ter sequer de conduzir os seus tratores, já que vários modelos autónomos estão a ser desenvolvidos. Outra maquinaria está também a tornar-se cada vez mais high-tech, como os robôs usados para ordenhar e alimentar o gado mais eficazmente.

Embora muita desta tecnologia de topo seja hoje inacessível para vários agricultores, no futuro, deverão existir cada vez mais explorações de grande escala, que terão de ser muito automatizadas para serem rentáveis. Em vez de limparem pocilgas e pastarem vacas, os agricultores do futuro poderão “recostar-se” e deixar que as máquinas façam o trabalho mais duro, enquanto controlam toda a operação a partir de um smartphone ou tablet.

1. Tratores autónomos

Embora ainda não estejam comercialmente disponíveis, vários modelos de tratores autónomos estão a ser desenvolvidos. O Spirit, da Autonomous Tractor Company, será capaz de orientar-se através da deteção de sinais de uma série de transmissores-recetores dispostos ao longo do campo, e utilizará um radar para encontrar obstáculos.

2. Smartphones e tablets

Já existe toda uma panóplia de apps capazes de ajudar um agricultor a gerir a sua exploração de modo mais eficaz. Desde consultar o boletim meteorológico ao registo do gado, muitas tarefas podem ser facilitadas graças ao uso de dispositivos digitais como smartphones e tablets.

3. Etiquetas eletrónicas

Colocar etiquetas eletrónicas no gado pode ajudar a monitorizar a saúde e os hábitos dos animais, já que enviam e recebem sinais, alertando o criador caso algum animal não esteja a ser suficientemente alimentado ou ordenhado.

4. Máquinas de ordenha automática

As máquinas de ordenha robotizadas permitem que as vacas sejam mungidas quando lhes apraz, o que significa que o criador não tem de levantar-se às 5h e reunir a manada. A máquina “conhece” cada vaca e liga automaticamente o equipamento de sucção aos úberes quando o animal entra no posto de ordenha.

5. Alimentadores de gado robóticos

Sistemas de alimentação automatizados distribuem a ração quando os animais se alinham frente às manjedouras, garantindo‑lhes um abastecimento alimentar constante e dispensando o criador de mais uma tarefa árdua.

6. Drones aéreos

Podem ser utilizados drones para gerar mapas precisos da terra cultivável, de modo a calcular as necessidades de fertilizante, dar ao agricultor uma vista aérea da terra para ajudá-lo a monitorizar as culturas, e até afugentar pragas antes que danifiquem a colheita.

7. Software de gestão agropecuária

Os mais proficientes em tecnologia podem gerir muitos aspetos da exploração a partir de um computador, com software para mapear o terreno, calcular os recursos necessários e monitorizar o gado – diminuindo o desperdício e aumentando a produtividade, para tornar o negócio mais rentável.


Debaixo do Solo

Um abrigo antiaéreo da II Guerra Mundial abandonado pode parecer um local invulgar para cultivar legumes e ervas aromáticas, mas as explorações subterrâneas poderão ser o futuro da agricultura.

Com a terra cultivável tradicional a escassear cada vez mais, e as culturas sob a ameaça da meteorologia em constante mutação, as alternativas interiores poderão ser usadas para fazer face à procura e fornecer um ambiente de cultivo mais controlável. Para cultivar vegetais no interior pode ser usada a hidroponia, por exemplo. Em vez de terra, as plantas repousam em tabuleiros de água enriquecida com nutrientes, iluminadas por fileiras de LED acima. A exploração da Growing Underground, 30 metros abaixo das ruas londrinas, utiliza um sistema hidropónico controlado para cultivar durante todo o ano e entrega os seus produtos nos restaurantes e grossistas da cidade quatro horas após a colheita. Como é usada somente energia “verde” como fonte de luz, a quinta é também “neutra em carbono”.

Milho transgênico

CULTURAS DE OGM

Sem a engenharia genética, é difícil cultivar alimento suficiente para a população em crescimento de um planeta com um clima em mudança. Ao manipular os genes das plantas, podem ser criadas novas culturas, mais resistentes tanto aos herbicidas como às pragas, ou capazes de crescer em ambientes hostis. Os organismos geneticamente modificados (OGM) também podem ser criados para produzir frutos e legumes que permanecem maduros por mais tempo sem se deteriorarem, reduzindo o desperdício, ou até que contêm mais vitaminas, de que precisamos para nos mantermos saudáveis. A utilização de OGM permanece, contudo, muito controversa, dadas as alterações em cadeia que podemos estar a gerar sem sabermos. A União Europeia tem normas e procedimentos de autorização estritos para o seu cultivo e, embora os países possam permitir ou não o cultivo de OGM em território nacional desde abril de 2015, o Parlamento Europeu votou contra a sua comercialização.

Como se Manipula uma Planta

Os passos da criação de uma cultura de OGM.

1. Extrair o ADN

O ADN com o “traço” desejado, como a resistência a herbicidas, é extraído do organismo hospedeiro, como uma espécie bacteriana.

2. Isolar o gene

O gene específico é então isolado e pode ser clonado, para criar cópias adicionais e modificar mais células vegetais.

3. Transferir o gene

O gene é depois introduzido na célula vegetal, através de um de dois métodos: agrobactérias ou “arma genética”.

4. Método um

As “armas genéticas” utilizam um gás a alta pressão para disparar partículas metálicas revestidas com o gene para o interior da célula vegetal.

5. Método dois

O gene é introduzido numa bactéria chamada agrobactéria, que a transfere para a célula vegetal.

6. Criar plântulas

As células modificadas são cultivadas em laboratório para que se dividam e regenerem sob a forma de plântulas.

7. Cultivo 

A nova planta geneticamente modificada pode ser criada para gerar uma nova cultura, que passa o gene às gerações seguintes.

Artigo publicado na revista "Quero Saber" edição 70, julho de 2016, Lisboa, Portugal, excertos pp.16-21. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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