O ATUAL PADRÃO DE CONSUMO É INSUSTENTÁVEL E COLOCA O FUTURO DA HUMANIDADE EM RISCO. AFINAL, O MUNDO É AQUILO QUE VOCÊ COME.
Um conto natalino
Não é história do Papai Noel: o que os pratos da ceia têm a dizer sobre o nosso planeta.
Uma boa ceia de Natal como diz a tradição, é o momento de reunir a família e os amigos para preparar pratos deliciosos, beber sem preocupação com o dia seguinte e conversar sobre o ano que passou, com histórias engraçadas, conquistas profissionais e eventuais fofocas cotidianas. A abundância de comida sobre a mesa da sala, no entanto, também conta com uma narrativa que diz muito sobre nosso atual modelo de desenvolvimento. Nesse caso, infelizmente, a história não nos leva a um final feliz.
“O que posso fazer para transformar o mundo em um lugar melhor?” As primeiras cenas de Cowspiracy, documentário lançado em 2014 e que recebeu atenção mundial após o Netflix disponibilizar a produção no serviço de streaming em setembro deste ano, levantam uma questão que volta e meia faz barulho em muita consciência. Kip Andersen, diretor do filme, fez esse mesmo questionamento após assistir ao documentário Uma Verdade Inconveniente, produção assinada por Al Gore, vice-presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2001. Os dados apresentados sobre a influência humana no aumento de gases de efeito estufa na atmosfera, que fez subir a temperatura terrestre em 0,85°C nas últimas décadas, motivou Andersen a assumir uma série de compromissos pessoais, como diminuir o tempo dos banhos, trocar o carro pela bicicleta no deslocamento urbano e reciclar aquilo que consumia. A certeza de realizar uma grande contribuição para o futuro da humanidade caiu por terra após um amigo compartilhar no Facebook a notícia de um relatório divulgado em 2006 pelas Nações Unidas, afirmando que a pecuária gerava 18% da quantidade de gases de efeito estufa, superior em cinco pontos percentuais às emissões de gás carbônico de todo o setor de transporte do mundo. Diante dessa informação, Andersen procurou instituições governamentais, ONGs, empresas e pesquisadores para chegar à conclusão de que o modelo de consumo da humanidade – e, sobretudo, nossos hábitos alimentares – são insustentáveis e esgotarão os recursos da Terra caso mudanças definitivas não ocorram em um curto horizonte de tempo. Mas para entender a gravidade desse desequilíbrio, é necessário compreender como alcançamos o atual sistema de produção de comida.
Convenhamos que acordar segunda-feira de manhã não está entre os momentos mais agradáveis da semana, mas imagine ter de sair de casa todos os dias para buscar o próprio alimento – e isso não significa caminhar até a padaria para comprar pãezinhos quentes. Os primeiros Homo sapiens a ocuparem o planeta dedicavam-se à busca de vegetais comestíveis ou animais para caça e, quando eventualmente topavam com um bicho feroz, as chances do caçador se tornar a presa da vez aumentavam consideravelmente. Tudo mudou graças à construção do arado, ferramenta criada há mais de sete mil anos para descompactar a terra e torná-la propícia ao cultivo de plantas em maior escala. O feito tecnológico levou à geração de excedentes alimentícios, que possibilitou a divisão do trabalho em diferentes atividades e deu o pontapé para um novo tipo de sociedade, cada vez mais especializada.
A comida, responsável por suprir as necessidades biológicas do ser humano, tornou-se uma mercadoria valiosa – de acordo com as últimas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o brasileiro gasta em média 16% de sua renda mensal em alimentação. Com fatias cada vez maiores de lucro, a humanidade dominou a natureza para fabricar mais recursos nutricionais: há 10 mil anos, 99% da quantidade de biomassa animal correspondia a bichos selvagens; hoje, animais criados para a alimentação humana e nós, Homo sapiens, fazemos parte de 98% da matéria viva do planeta. Nas últimas décadas, a produtividade por hectare – unidade de medida para superfícies agrárias que corresponde a uma área semelhante a um campo de futebol – aumentou no Brasil, com seis vezes mais grãos colhidos na mesma área e dez vezes mais carne obtida por hectare. “No país, houve um salto tecnológico para o desenvolvimento de uma agricultura tropical, que aumentou a produtividade e diminuiu os preços”, afirma Rodrigo de Brito, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária, a CNA.
Acontece que essa lógica de produção e criação animal trouxe consequências ambientais mais graves do que o próprio processo de industrialização, com um impacto sem precedentes na emissão de gases de efeito estufa, no consumo crescente de água potável e na exaustão das terras cultiváveis. Tudo isso para garantir aquela picanha do churrasco de domingo ou o rosbife assado do cardápio da ceia natalina. “O consumo de carne aumenta o impacto ambiental, com o desmatamento nas áreas de florestas, emissões de gases poluentes e mudanças nas incidências de chuvas”, afirma Paulo Barreto, mestre em Ciências Florestais pela Universidade Yale e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em estudo apresentado neste ano, Barreto reuniu dados sobre o impacto ambiental da atividade agropecuária, responsável por 62% do total de emissões brasileiras de gases poluentes em 2013. Desse índice, a criação de gado ocupa posição privilegiada: a fermentação no intestino dos animais foi responsável por 76% das emissões de gases poluentes do setor agrícola brasileiro em 2013, com a liberação do gás metano, que tem potencial poluente 25 vezes superior ao gás carbônico, e do óxido nitroso, liberado no esterco do animal, 296 vezes mais danoso que o CO². Em média, cada boi ou vaca produz de 250 a 500 litros de metano por dia – só no Brasil, o rebanho está estimado em 212 milhões de cabeças de gado, de acordo com números do IBGE. O bilionário volume tóxico é somado à derrubada de vegetação nativa para a abertura de pastos, que diminuem o número de árvores responsáveis por sequestrar o gás carbônico durante o processo da fotossíntese e consequentemente aumentar a quantidade de poluentes na atmosfera. De 2000 a 2013, o rebanho bovino aumentou em 70% na região amazônica, passando de 47 milhões de cabeças de gado para 80 milhões – não por acaso, 65% das áreas desmatadas da região deram lugar a pastos.
A expansão territorial para as atividades da pecuária, aliás, não se restringem à destinação de espaços para os animais viverem: relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU) indica que metade dos grãos produzidos no planeta é utilizada para os 70 bilhões de animais criados para a alimentação humana. “Um quilo de carne de frango custa dois quilos de ração e os porcos se alimentam com o dobro dessa quantidade”, diz o professor Carlos Armênio Khatounian, do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP). “O resultado disso é uma produção cada vez maior de cereais e o uso de terra para fornecer ração animal.” Além da expansão de monoculturas de grãos, como soja e milho, a criação de animais também contribui indiretamente para o consumo de cada vez mais água doce – 70% do consumo desse recurso vêm da agricultura, de acordo com relatório do programa climático das Nações Unidas de 2011. Segundo informações coletadas pela organização Water Footprint Network, a média de água utilizada na produção de um quilo de corte bovino sem osso corresponde a assustadores 19,4 mil litros de água, o equivalente a 143 banhos de 15 minutos de duração ou 431 duchas de cinco minutos.
A substituição do consumo dessas carnes por uma alimentação de peixes e frutos do mar seria a solução, portanto? Não exatamente. “A pesca é, de longe, o principal impacto à saúde dos oceanos”, diz Monica Peres, diretora geral da Oceana Brasil, que trabalha com a conservação da biodiversidade dos oceanos. “Nas áreas costeiras, a poluição e a destruição de habitat são mais perceptíveis, mas na medida em que vamos em direção ao oceano, a pesca se torna o impacto mais importante.” Em 2014, a produção total da piscicultura brasileira foi de 474,33 mil toneladas, de acordo com dados do IBGE. O problema é que a lista oficial do Ministério do Meio Ambiente já considera 475 espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçadas de extinção, por conta de alterações no habitat e a captura insustentável. Além dos números oficiais, a FAO indica que de 11 a 26 milhões de toneladas de peixes por ano são capturados de maneira ilegal no mundo, que geram um valor aproximado de US$ 10 bilhões a US$ 23 bilhões. Se nem o bacalhauzinho da ceia está garantido, o que resta de esperança para a humanidade?
Em Cowspiracy, Kip Andersen levanta a bandeira de que é possível tornar o mundo mais sustentável a partir da suspensão do consumo de carne e outros produtos derivados dos animais, como leite, ovos e margarina – grupo de alimentos ricos em proteínas, os macronutrientes que participam de processos celulares fundamentais para o funcionamento de nosso organismo. Nutricionistas e médicos concordam que uma dieta exclusivamente vegetariana é possível de ser adotada por adultos, que consumiriam a proteína vegetal de produtos como feijão, lentilha, grão de bico, soja e ervilha. Nesse caso, a única deficiência seria a da vitamina B12, presente em maior quantidade nos produtos de origem animal e importante para a constituição do sangue – nesse caso, a vitamina seria consumida pelos vegetarianos estritos em forma de suplemento nutricional sintético. “Gerações de famílias vegetarianas não são anêmicas, mas têm uma estrutura e peso menor que os humanos onívoros em longo prazo”, afirma o médico Roberto Navarro, especialista em nutrologia. “Além do aumento dos índices de colesterol, o excesso de proteína afeta o funcionamento dos rins e pode prejudicar a composição de cálcio dos ossos.” A recomendação para o consumo diário de proteínas é de 0,8 a 1,2 gramas por quilo ou 300 gramas de carne por semana.
Se não há maiores justificativas nutricionais para o consumo excessivo de carne, por que fazemos questão de rechear o nosso prato com um belo pedaço de bife a cada refeição? “Passamos por estágios de fome na história e o consumo de carne era uma marca de distinção social”, diz a nutricionista Julicristie Oliveira, professora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de Campinas (Unicamp). “Quando era presidente, Lula dizia que o brasileiro já podia comer carne, em um exemplo da melhora do poder de compra.” De fato, entre 2002 e 2014, a população subalimentada no Brasil caiu 82,1%, por um esforço de políticas públicas associado ao crescimento econômico da exportação de produtos da agropecuária: a soja é o principal produto da balança comercial brasileira, o país é líder na produção de frango e tem a meta de suprir 44,5% do mercado mundial de carne bovina até 2020. “Há 40 anos, o consumo anual de produtos de origem animal na China era de quatro quilos por habitante, e isso incluía leite, ovos e peixe”, diz o professor Carlos Armênio Khatounian. “Hoje, esse índice é de 80 quilos anuais e o que possibilitou isso foi a expansão da soja no Brasil para a produção de ração.” Mesmo com a instabilidade econômica, a expectativa do setor agropecuário é ser responsável por R$ 1,2 trilhão do Produto Interno Brasileiro (PIB) deste ano, praticamente um terço do total das riquezas nacionais, com participação de R$ 816,1 bilhões da agricultura e R$ 391,6 bilhões da pecuária, consideradas as diferentes etapas de produção.
A contradição presente em nosso atual modelo de desenvolvimento, que contrapõe a economia nacional com a sustentabilidade ambiental, não se restringe às grandes propriedades monocultoras e à criação de animais. Assim como a carne, o hábito de comer certos vegetais sem levar em conta suas características geográficas e sazonais também produz desequilíbrios pelo uso excessivo de agrotóxicos ou fertilizantes artificiais que esgotam os recursos naturais da terra e poluem o lençol freático – dados da FAO afirmam que o mau uso de fertilizantes aumentou o teor de fósforo nos sistemas de água doce em 75%, proliferando algas que afetam o equilíbrio da biodiversidade. “Sabe por que o tomate, a batata e o morango utilizam tanto veneno? Porque eles são plantas de adaptação forçada em nosso ambiente”, afirma o professor Khatounian, da ESALQ. “As populações humanas adaptaram sua dieta e padrão de sabor naquilo mais abundante em cada quadrante do planeta, o gosto é uma criação sociocultural.” Em artigo sobre a história da alimentação, o pesquisador afirma que esses vegetais desembarcaram em território brasileiro por conta da imigração, utilizando doses de agrotóxicos para controlar as pragas locais – de acordo com a FAO, a agricultura causa mais de 40 mil mortes por envenenamento por pesticidas a cada ano no mundo. Mas como se não bastasse ainda há as toneladas de comida que diariamente têm o lixo como destino.
DESTINO DA GULA
Chega a ser inacreditável o fato de que, em dezembro de 2015, ainda existam mais de 800 milhões de pessoas em condições de pobreza extrema e fome, segundo os últimos dados da ONU. Enquanto isso, o desperdício global de comida é estimado em 1,3 bilhão de toneladas, o equivalente a um terço da produção total mundial, a um custo perdido de US$ 750 bilhões de dólares e uma área de 1,4 bilhão de hectares, equivalente a 28% da área total ocupada pela agricultura no mundo. Cerca de 45% de todas as frutas e legumes, 35% dos peixes e frutos do mar e 20% da carne vão para o lixo e são responsáveis pela emissão de 3,3 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta. “O transporte é, possivelmente, a principal causa dos danos mecânicos, cuja intensidade varia com a distância a ser percorrida e o tipo de produto transportado”, diz Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa. “Em um país com dimensões continentais como o Brasil, transportar frutas e hortaliças, que são altamente perecíveis, em estradas ruins e caminhões sem refrigeração, permite o aumento substancial das perdas.” De acordo com a instituição, metade das 26,3 milhões de toneladas anuais perdidas no Brasil ocorre durante o manuseio e transporte dos alimentos, enquanto 30% do desperdício acontece nas centrais de abastecimento e comercialização.
Para ajudar a solucionar esse problema, a carioca Luciana Quintão fundou em 1998 a ONG Banco de Alimentos, que entra em contato com distribuidores e supermercados para recolher alimentos que seriam desperdiçados e os distribui para instituições que atendem atualmente a quase 22 mil pessoas. “No lixo da cidade, mais da metade do material orgânico é resto de alimento”, diz Luciana. “Há um grave problema que é cultural: grande parte da população joga fora talos e sementes, enquanto poderia aproveitá-los na hora de preparar o alimento.”
A FAO afirma que, em 2013, 500 mil toneladas de alimentos foram poupadas do desperdício por meio dos bancos de alimentos: só na América Latina, 190 mil toneladas foram distribuídas a 12,7 mil organizações de 15 países. Desenvolvido em parceria com 50 restaurantes do Rio Grande do Sul e de São Paulo, o projeto Satisfeito foi idealizado em 2012 por conta de um desconforto comum na hora em que o prato pedido chega à mesa. “A gente se dá conta que a refeição é maior do que a nossa fome”, diz Luiza Esteves, coordenadora da iniciativa realizada pelo Instituto Alana, organização que realiza trabalhos na área de sustentabilidade. Ao participar do Satisfeito, o restaurante pode indicar ao cliente uma troca: há a possibilidade de pedir um prato com a porção menor de comida pelo mesmo preço da quantidade original. O valor economizado pela empresa é doado ao projeto, que já disponibilizou cerca de 130 mil refeições repassadas a organizações. “Essa é uma mudança de cultura, porque vemos aquela ideia do prato bem servido, mas as pessoas estão cada vez mais conscientes em relação à sustentabilidade”, afirma Luiza. Em São Paulo, um restaurante de porte médio desperdiça quase 10% do produto total em serviços de bufê; já o modelo à la carte pode registrar 40% de perdas.
QUE FAZER?
Caso tenha chegado até o final desta reportagem, por favor, não desista da sua ceia natalina após encontrar essa aparente espiral de caos que fundamenta o atual modelo de desenvolvimento alimentar, abastecimento e consumo. As mudanças de nossos hábitos alimentares serão irreversíveis nos próximos anos, mais provavelmente por mudanças decorrentes de movimentos econômicos do que por catástrofes naturais. “A indústria de tabaco alegava que a propaganda contra o cigarro desempregaria muita gente, mas esse argumento ignora a flexibilidade da economia e a criação de novas oportunidades”, diz Carlos Armênio Khatounian. “Uma dieta com menos carne poderia gerar novos postos de trabalho na área de produção agrícola e nutricional, além de uma nova diversidade de produtos, mas o fato é que isso não acontecerá de uma hora para a outra.” Nunca subestimem a capacidade de transformação do capitalismo, afinal.
Quem compartilha uma opinião semelhante ao do professor da ESALQ é o norte-americano Dan Barber, chef do restaurante nova-iorquino Blue Hill e autor do livro O Terceiro Prato (editora Casa Amarela, 480 páginas), lançado em outubro deste ano. Na obra, Barber propõe soluções para superar o atual sistema alimentar a partir de uma gastronomia que respeite as particularidades culturais e os ciclos biológicos de cada território, além de aproximar o pequeno agricultor do consumidor, a partir da valorização da produção familiar e orgânica. “Com o fim do modelo de agricultura ‘industrial’, teremos de mudar as estruturas de como consumimos a comida”, diz o chef em entrevista à GALILEU. “Isso significa mais diversidade e menos componentes químicos nas fazendas, com dietas mais ligadas à realidade ecológica”. O “terceiro prato” proposto por Barber para o futuro é composto de grãos, legumes e vegetais, sendo que a carne será utilizada como um condimento. E o mais importante de tudo, sem perder o sabor e o prazer de se alimentar bem. “A comida cultivada do jeito correto e com o tipo adequado de ecologia é invariavelmente mais gostosa.”
Mas se o futuro não é tão ruim assim, o que é possível fazer agora para mudar a nossa relação com a comida? A consciência de consumo é um primeiro passo importante para tornar os hábitos mais sustentáveis, como verificar a procedência das mercadorias compradas nos mercados – cerca de 60% da carne consumida no Brasil provém dos três maiores frigoríficos que publicam relatórios socioambientais sobre a compra de carne de origem lícita. O problema é que 40% da carne vendida ainda vêm de origem incerta e duvidosa. Mas como colocar pressão para que os supermercados parem de comprar carne de fazendas que desmatam a floresta? Para tentar responder a essa pergunta, o Greenpeace publicou o estudo Carne ao molho madeira - vamos colocar a floresta na frente dos bois, que realizou um questionário com os principais supermercados do país para entender a política de aquisição de carne. O resultado foi decepcionante: entre as grandes empresas, nenhuma se saiu bem. “Hoje pode se dizer que, de forma geral, a carne vendida nos supermercados brasileiros é de origem duvidosa”, afirma Adriana Charoux, coordenadora da campanha de pecuária da ONG. “Não quer dizer que toda a carne seja suja, só não dá para garantir que a carne está livre de desmatamento.”
Apesar de sofrer pressões do agronegócio e com o desafio de produzir alimentos para cada vez mais pessoas, os produtores familiares que não utilizam agrotóxicos no cultivo de vegetais também ganham destaque como alternativa sustentável para o futuro. “Experiências agroecológicas mais avançadas mostram que é possível produzir mais e respeitar a biodiversidade, acumulando água para recuperar o solo”, afirma Denis Monteiro, da Secretaria da Articulação Nacional de Agroecologia. “Uma das propostas do movimento agroecológico é promover os mercados locais: ao invés de levar um produto transportado em uma distância de mil quilômetros você estimula aquilo que é produzido localmente.” Apesar de não eliminar completamente a necessidade de trazer alimentos de outros lugares, quanto menor o espaço de deslocamento, mais fresco chegará o produto, poupando o meio ambiente da emissão de poluentes dos caminhões de transporte.
O brasileiro consome, em média, 40 quilos de carne vermelha por ano: em uma conta feita com o Greenpeace, se 10% da população tirasse a carne do cardápio em um dia do mês, o impacto ambiental seria melhor do que se 1% dos habitantes do país parasse de comer carne da noite para o dia. De qualquer maneira, antes de iniciar a sua ceia natalina, lembre-se que o peru desossado e sem penas era um ser vivo – e, apesar de ser a primeira vez que a ética e o cuidado com os animais é citada nesta reportagem, essa é uma questão essencial para uma mudança definitiva em relação à maneira como nos relacionamos com nossa comida.
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Desproporcional
A Agência Internacional de Energia estima que, até 2040, as emissões de gás carbônico para o setor aumentarão em 20%. Enquanto isso, um estudo do periódico científico Nature indica que as emissões relacionadas à pecuária aumentarão em 80% até 2050.
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Bancada do boi
Durante as primeiras décadas do século XX, a política brasileira sustentou-se na articulação de grandes produtores rurais de São Paulo e Minas Gerais para perpetuarem-se no poder. Hoje, apesar de 84% da população do país viver nas cidades, políticos ligados ao agronegócio formam um dos mais poderosos grupos de influência no Congresso Nacional. Dos 513 deputados federais eleitos em 2014, 171 mantêm relação estreita com os interesses ruralistas, que procuram flexibilizar as leis contra o desmatamento e demarcação de terras. Kátia Abreu, nome de maior referência entre os pecuaristas, foi nomeada para liderar o Ministério da Agricultura em 2015.
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Desperdício na lei
Um projeto aprovado neste ano na França proibiu os supermercados de jogar fora os alimentos que não foram vendidos. Amedida obriga as empresas a realizar acordos com organizações para doação – os alimentos devem estar dentro do prazo de validade e em condições de consumo – ou então distribuí-los para a fabricação de adubo. Os mercados que descumprirem a decisão pagarão multa de até 75 mil euros. Também há uma proposta para que alimentos fora dos padrões de beleza e qualidade sejam vendidos a um preço mais baixo.
Texto de Thiago Tanji publicado na revista "Galileu",São Paulo, edição 293, dezembro de 2015, excertos pp. 40-51.Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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