11.05.2016

A FORÇA DO VERMELHO

Kelly LeBrock numa cena do filme "Woman in Red" de 1984

Os atletas de esportes de combate que lutam de vermelho vencem 60% das vezes, segundo estudo de uma equipe da universidade de Durham.

Novos estudos revelam que a cor incentiva a concentração, inspira o medo no adversário e deixa as mulheres mais sensuais e desejáveis; o azul, por sua vez, estimula o processo de criação.

Quando dispensa o pretinho básico e se arruma para sair nas noites de sexta-feira, a estudante paulistana Maria Fernanda, de 19 anos, sempre dá preferência ao vermelho e suas variações. Na cabeça dela, a estratégia faz todo sentido. Afinal, vermelho é a cor que as pessoas geralmente associam à sedução, ao desejo. E a experiência da moça comprova que a isca é eficaz para atrair o sexo oposto. Tudo perfeito, não fosse o fato de a estudante ter pouquíssima paciência com as cantadas sem inspiração que anda recebendo madrugada adentro. Talvez a culpa não seja dos rapazes, mas sim da cor das roupas que Maria Fernanda tem usado nas baladas.

Um estudo da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, comparou a influência do vermelho e do azul no comportamento humano e constatou: o primeiro estimula a concentração e a atençâo aos detalhes, o segundo libera a imaginação e a criatividade. Assim, se quiser melhorar o que entra em seus ouvidos, a estudante deve considerar o aumento da oferta de azul no guarda-roupa. Isso, claro, se o único esporte em que ela estiver interessada for a disputa pela atenção masculina qualificada.

Para chegar a essas conclusões publicadas em fevereiro na revista americana Science —, os pesquisadores da universidade canadense levaram 600 voluntários ao laboratório. O objetivo era determinar se o desempenho cognitivo seria alterado de acordo com a cor. Os participantes responderam testes elaborados com palavras, objetos ou imagens, que eram dispostos na tela de um computador ou sobre uma mesa, ora com fundo vermelho, ora com azul. Quando a primeira cor predominou, os voluntários foram bem nos testes de memorização e que exigiam atenção a detalhes. Lembraram com mais facilidade palavras vistas no computador e deixaram passar menos erros de ortografia e pontuação. Mas, quando a prova exigiu criatividade e imaginação. foi a vez de o azul brilhar. Os voluntários criaram brinquedos a partir de formas geométricas e imaginaram utilizações inventivas para objetos como um tijolo.

Líder do estudo, a professora de marketing Juliet Zhu diz que sua pesquisa diagnostica essas peculiaridades. mas levanta mais perguntas que respostas na hora de determinar por que a gente é assim em relação às cores. “Talvez exista algum papel desempenhado pela evolução e pela genética, mas isso não ficou evidenciado. O que nosso levantamento indica ê que somos guiados por uma associação cultural adquirida", diz ela. E é essa herança que liga o vermelho a sinais de perigo — a placa “pare”, a ambulância e o carro de bombeiro, por exemplo —, o que estimula as pessoas a ficarem mais vigilantes e cuidadosas. Em decorrência, elas se mostram mais competentes na execução de tarefas que exigem concentração. O azul, por sua vez, é normalmente associado à liberdade, aos espaços abertos e à segurança. Ele encoraja o lado explorador das pessoas e potencializa a criatividade. Essa conclusão empolga a pesquisadora: "Acredito tanto nisso que. quando me vejo obrigada a ter ideias criativas e originais para as minhas pesquisas, mudo o fundo de tela dó meu computador para azul".

Como, segundo Julie, medidas singelas como essa dão ótimos resultados, ela recomenda que as empresas tenham salas separadas em que numa predomine o vermelho, e em outra, o azul. A primeira seria um templo da concentração, que reuniria os profissionais que precisam executar tarefas extremamente precisas mas que nâo exigem criação. “Uma sala assim seria ideal para o trabalho dos revisores que vocês tem ai na revista. Por outro lado, na hora de definir a pauta, um ambiente azul seria mais produtivo", diz Juliet.

Coisa de macho

Embora as pesquisas sobre a influência das cores em nosso comportamento ainda estejam num estágio inicial e não permitam conclusões inquestionáveis, já há cientistas que, diferentemente de Juliet, procuram respostas além das associações culturais.

O chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de Durham. na Inglaterra, Robert Barton, e seu colega Russell Hill se debruçaram sobre quatro esportes de combate durante a Olimpíada de Atenas em 2004: boxe, tae kwon do, luta greco-romana e luta livre. Selecionaram combates em que um dos lutadores estava de vermelho, e o outro, de azul. Em 60% delas, os de vermelho saíram vitoriosos.

Na avaliação dos cientistas, parte dessa supremacia pode ter a ver com o nosso - e de quase todos os primatas — passado evolucionário. No mundo animal, o vermelho ê relacionado com boa forma, agressão e altos níveis de testosterona. Os macacos mandris, por exemplo, têm a cor vermelha nas faces, ancas e genitália. E esse conjunto serve para mostrar a outros machos que é melhor pensar duas vezes antes de partir para a ignorância.

Embora estudiosos como o biologista John Lazarus, da Universidade de Newcastle, lembre que os macacos-verdes do oeste da África têm o saco escrotal azul — e quanto mais azul, mais dominante o macho —, os números mostram que estar envolto por um manto vermelho aumenta nossas chances de chegar ã vitória numa situação de combate mano a mano. E essa disputa nem precisa ser física. “Estudos posteriores ao nosso mostraram que o vermelho ajuda até enxadristas, pois estimula o comportamento esquivo e diminui a performance cognitiva do adversário”, diz Barton.

Depois das conclusões sobre esportes individuais, os pesquisadores de Durham se perguntaram: mas e nos coletivos? Foram a campo, literalmente, e analisaram os resultados da Euro-04 — torneio de futebol entre seleções nacionais. Seis equipes alternaram uniformes de outra cor com os vermelhos (Inglaterra. Dinamarca, Rússia, Letônia, Suíça e República Tcheca). Ganharam mais quando optaram pela camisa rubra. O caso mais sintomático foi o da Rússia, que disputou três partidas. De branco e azul, perdeu para Espanha e Portugal. Com uniforme vermelho, derrotou a Grécia, seleção campeã daquela edição do torneio.

Na hora de tentar decifrar a influência da cor nos esportes coletivos, os estudiosos põem de lado a explicação que envolve o nosso passado evolucionário e voltam para a tese da associação cultural da cor vermelha com dominação e agressão. Barton e Hill continuam atualizando seus estudos, e os números corroboram a tese que todo mundo que acompanha o Grenal (clássico do futebol gaúcho entre Grêmio e Internacional) sabe: “Nós constatamos que uniformes vermelhos aumentam a chance de sucesso de longo prazo na Liga Inglesa de futebol, por exemplo”.

Desconfiados de que pudesse haver algum motivo bem menos nobre por trás dessa supremacia, em agosto passado Norbert Hagemann e sua equipe de pesquisadores da Universidade de Münster, na Alemanha, publicaram um estudo com uma conclusão preocupante: a cor utilizada por um competidor afeta as decisões tomadas pelos árbitros. Para comprovar a teoria, levaram 42 profissionais do apito para uma sala, onde eram exibidos vídeos de lutas de tae kwon do. Em todos eles, um dos atletas usava vermelho, e o outro, azul. Cada juiz assistia separadamente aos vídeos e dava pontos para os lutadores. Depois, os combates foram reexibidos, só que em ordem diferente e com a cor dos uniformes digitalmente trocada, de forma que quem estava de azul passou a lutar com o aparato de proteção vermelho. Placar final: os juízes deram 13% mais pontos para os atletas que estavam utilizando esta última cor.

“Nosso experimento não foi suficiente para decifrar todos os mecanismos das decisões dos juízes, mas deu algumas dicas. Basicamente, nós argumentamos que os árbitros são os principais responsáveis pela supremacia dos atletas de vermelho, mas acreditamos que esse efeito se deve à associação, evolutiva ou cultural, da cor vermelha com perigo, dominação ou agressão”, afirma Hagemann, que se diz aliviado por seu time. o Hamburgo, jogar de calções vermelhos e estar entre os primeiros colocados da Bundesliga, o campeonato nacional alemão.

Sedução

A relação entre dominação e cor, que Hagemann constatou por meio do esporte, permeia pelo menos outro aspecto da vida, segundo estudo feito no ano passado, na Universidade de Rochester, nos EUA, Liderada pelo psicólogo Andrew Elliott, a pesquisa confirmou o que muita gente já pensava: aos olhos dos homens, o vermelho deixa as mulheres mais desejáveis.

Para dar estofo a essa conclusão, o psicólogo exibiu fotografias de moças em que o fundo ou as roupas foram digitalmente colorizados em várias tonalidades diferentes. Enquanto mostrava a imagem, o pesquisador e sua equipe perguntavam coisas como “Quão bonita você acha essa pessoa?", “Você a convidaria para sair?” ou "Quanto você gastaria numa noite com ela?". Resultado: em comparação com as damas de preto, azul, verde, amarelo ou cinza, as moças de vermelho — ou espalhadas sobre um fundo avermelhado — ficam mais atraentes, sexualmente desejáveis e dignas de um desembolso generoso num encontro romântico.

Elliott é outro que questiona o papel da herança cultural na relação que temos com as cores. "Acredito que a reação instintiva dos primatas revela a raiz do efeito do vermelho em humanos. Quanto as atitudes culturalmente adquiridas, não creio que elas entrem na receita quando o assunto é o efeito das cores no nosso comportamento. Isso porque, nessas situações, nós agimos sem estar conscientes das forças e processos que nos movem". diz o pesquisador.

Tirado a partir dos estudos de Elliott, esse tipo de conclusão reforça uma suspeita que vem se enraizando na cabeça das mulheres desde o tempo em que as clavas eram o principal instrumento de sedução masculino: quando o sexo entra em cena, os machos humanos se comportam como animais. Segundo o pesquisador, “muitas vezes nós, homens, podemos achar que estamos abordando as mulheres de uma maneira polida e elegante, mas, no fundo, nossas predileções e preferências são, em uma palavra, primitivas”.

E as constatações levantadas no laboratório acabaram alterando as coisas na casa do pesquisador: “Não, não mudei o jeito com que abordo as mulheres nem a cor dos aventais. Apenas bani o vermelho do guarda-roupa da minha filha de 16 anos”. Com isso. talvez Elliott esteja tirando as cantadas sem inspiração da vida da moça.

Texto de Edson Franco publicado na revista "Galileu", Brasil, n.213, abril 2009, excertos pp. 56-62. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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