"Os Trinta Valérios (1901) by Valério Vieira |
“De fato, todos os que amam o belo e o compreendem; todos os que sentem a necessidade de fixar as formas plásticas de sua fantasia (...) todos os que querem conservar visíveis até mesmo as suas saudades encontrarão na fotografia o verdadeiro auxiliar que necessitam"
(Revista Kósmos. 1904)
No ano de 1839, em Paris, um sonhador chamado Daguerre conseguiu realizar sua mais notável façanha: fez apareça sobre uma lâmina de metal incríveis miniaturas da: vida real, após uma rápida exposiçao à luz e alguns minutos de recolhimento numa câmara escura. Para a época era um verdadeiro milagre.
O daguerreótipo, como ficou conhecido o invento de Daguerre, popularizou-se pelo mundo. Um ano depois, em 1840, um francês introduziria essa maravilha no Brasil: foi o abade Compte, que fez várias, demonstrações no Hotel Pharoux, no Rio. O 'Jornal do Commercio' comentou as primeiras fotografias: “He preciso ter visto a cousa com os seus próprios olhos (...). Em menos de nove minutos, o chafariz do largo do Paço, a praça do Peixe, o mosteiro de São Bento e todos os outros objectos circumdantes se achárão reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade,que bem se via que a cousa tinha sido feita pela própria mão da natureza, e quasi sem a intervenção do artista”
Logo surgiram ateliês de fotógrafos nas grandes capitais, registrando para a posteridade um momento fugaz da vida de uma pessoal, de uma família. Nasciam os álbuns, relíquias domésticas onde o passado se cristaliza. Os jornais e revistas começam a registrar e divulgar imagens de homens, coisas, lugares e fatos. A história ganha uma testemunha ocular. E o jornalismo passa a ter importante complemento: o trabalho do fotógrafo.
A fotografia ainda estava longe de ter um tratamento industrializado. Era uma arte trabalhosa, dificílima, requerendo acima de tudo paciência e habilidade. Tal era o caso de Marc Ferrez, que, apaixonado pela fotodocumentação, fotografou as principais cidades brasileiras, construções, ferrovias, fazendas, interiores palacianos, igrejas,florestas, índios, navios, praias etc. As dificuldades desse tipo de trabalho eram enormes, pois os negativos eram feitos de vidro, umedecído com uma solução de clara de ovo e nitrato de prata, e deveriam ser submetidos à revelação logo depois de batida a fotografia.
O artista era obrigado a carregar tendas para improvisar a câmara escura, vários frascos com produtos químicos, caixas de chapas de vidro e, naturalmente, a imensa máquina fotográfica. No final do século XIX, Ferrez desenhou e mandou fabricar numa oficina de Paris uma máquina fotográfica de mais de 2 metros e 110 quilos, que comportava negativos de vidro com mais de 1 metro de largura e 8 quilos de peso. Com toda essa aparelhagem, Ferrez escalou montanhas como o Pão de Açúcar, para obter gigantescos painéis do Rio de Janeiro, que. premiados em exposições internacionais, tomaram a paisagem carioca famosa no mundo todo.
Na virada do século, a arte da fotografia experimentou um desenvolvimento notável no Brasil. Multiplicaram-se os ateliês fotográficos nas grandes cidades. Não havia gente que não se fizesse retratar por um fotógrafo, em sua cidade e nas viagens. Criou-se o hábito também da constante troca de fotografias entre noivos, parentes e amigos. As pessoas apareciam em poses muito rígidas, pois eram precisos uns tantos minutos de exposição para impressionar os negativos, e qualquer movimento dos retratados estragava a foto.
Com o aprimoramento das técnicas de impressão, os jornais e revistas — que antes não passavam de blocos de texto compacto, arejados por algumas gravuras — passaram a mostrar imagens. E, em 1900, surgiu a 'Revista da Semana', no Rio, como encarte ilustrado do 'Jornal do Brasil'. Outras revistas a seguiriam.
A fotografia apaixonava muitos criadores, que foram ampliando suas possibilidades técnicas e artísticas. Em 1890, o mestre Valério Vieira, que também se dedicava à pintura, realizou o primeiro trabalho de fotomontagem no Brasil: Os 30 Valérios, onde ele próprio se coloca em poses diferentes numa mesma foto representando nove músicos diante de vinte espectadores e alguns figurantes.
Exímios artesãos de uma técnica ainda rudimentar, alguns fotógrafos se destacaram pela grandeza de seus trabalhos. E provaram que pela fotografia, como por meio da pintura, o homem pode captar preciosas imagens do mundo e de si mesmo.
Um dos primeiros fotógrafos estabelecidos na São Paulo do século XIX foi Militão Augusto de Azevedo, que montou um estúdio de retratos (a 'Photographia Americana') em sua própria residência, à rua da Imperatriz, n. 58. Apaixonado pela fotografia, dedicou-se, nas horas vagas, a registrar, num álbum comparativo, a cidade que despertava de seu longo sono provinciano em direção a seu destino de Metrópole do Café. As mesmas ruas e casas foram fotografadas com um intervalo de 25 anos. Os jornais aplaudiram: “E o progresso de São Paulo fotografado”. ('A Província de São Paulo', 11/8/1887.)
Pela primeira vez, chamava-se a atenção para o significado político e social da fotografia documento. Referindo-se a seu trabalho numa carta, disse Militão: "Como Verdi despedindo-se da Música escreveu seu Otello, eu quis despedir-me da fotografia fazendo o meu. É um álbum comparativo de São Paulo de 1862 a 1887. Parece-me um trabalho útil, e talvez o único que se tenha feito em fotografia. Porque ninguém terá tido a pachorra de guardar clichês de 25 anos. Tenho trabalhado muito e creio que nada farei; conheces meu gênio: não sirvo para pedir. Neste trabalho andam um bocadinho de amor-próprio de artista e gratidão ao lugar em que estou há 25 anos”.
Na Rio de Janeiro do início do século, salienta-se a figura do pioneiro Augusto César Malta Campos. Alagoano da cidade de Paulo Afonso, ele é tido como o primeiro fotógrafo a ter uma visão jornalística dos acontecimentos. Curiosamente, Malta tornou-se fotógrafo por acaso: trocou â bicicleta que usava em sua profissão de vendedor ambulante por uma máquina fotográfica. E fez dela um passatempo para seus domingos, tirando fotos da cidade, dos amigos etc. Certa vez, um fornecedor da prefeitura levou-o a fotografar as obras revolucionárias que o prefeito Pereira Passos realizava no Rio de Janeiro em 1903. O prefeito ficou bastante entusiasmado com seu trabalho e em julho de 1903 contratou-o como fotógrafo municipal. ‘‘Daí por diante, transformei-me em fotógrafo oficial (...). Passos foi um grande animador da minha arte, dava-me conselhos e protegia-me. (...) Cedo compreendi o valor desse trabalho para a história do Rio”, afirma Malta.
A fotografia foi inventada no Brasil
Em 1833, seis anos antes da descoberta de Daguerre,um mígrante françês morador da Vila de São Carlos (Campinas);‘no interior de São Paulo,conseguia “capturar" imagens, com o auxílio de uma câmara escura de fabricação caseira, Era Hércules Florence, um criador que desenvolveu pesquisas com substâncias fotossensíveis como nitrato de prata e cloreto de ouro, fixando imagens em papel com o auxílio de urina e amoníaco cáustico. Em janeiro de 1834, Florence batizou sua descoberta como "photographie" num diário escrito em francês.
Em 1840, quando teve notícia do daguerreótipo. publicou um comunicado a respeito;' “Não disputarei descobertas a ninguém, porque uma mesma ideia pode vir a duas pessoas“.
Publicado em "Nosso Século" vol.1, 1900/1910, editor Victor Civita, Abril Cultural,São Paulo, 1980, excertos pp.56-60. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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