5.28.2017

NINON DE LENCLOS, A PROFESSORA DE AMOR


Anne de Lenclos (1616-1705), uma atraente cortesã francesa, foi uma pioneira do movimento de libertação da mulher. Ela foi criada por um pai amoroso, que era um músico esforçado e um proxeneta ocasional. Ele ensinou a filha a tocar o cravo, a dançar graciosamente com a idade de 12 anos, a pensar por si mesma e a fazer citações dos ensaios de Montaigne. Acima de tudo, ele ensinou a compreender os instintos hedonísticos dos homens. . . e das mulheres.

Ninon, como se tomou conhecida, desenvolveu um espírito mordaz e um astuto senso comercial. Quando os pais morreram, antes de ela completar 20 anos, Ninon investiu a pequena herança com sensatez suficiente para proporcionar-lhe um rendimento pelo resto da vida. Não demorou muito para que fosse assediada por uma clientela rica, frequentemente de aristocratas, disposta a pagar muito bem por seus favores sexuais. Mas Ninon não era prostituta, selecionando seus amantes pela capacidade de retribuir- lhe o ardor em espécie.

- É preciso cem vezes mais 'esprit' a fim de fazer amor adequadamente do que para comandar exércitos - dizia ela, acrescentando muitas vezes: - O amor sem espírito é como o anzol sem isca.

Ela não tinha a menor relutância em impor suas opiniões sobre o amor. Quando o Conde de Choiseul mostrou-se por demais apático na cama, Ninon tratou imediatamente de descartá-lo, citando Corneille:
- Oh, céus, quantas virtudes você me faz odiar!

Um abade e um marechal ficaram tão apaixonados por Ninon que ambos reivindicaram a honra de tê-la engravidado. Decidiram a questão nos dados. 0 marechal ganhou e orgulhosamente criou o menino. Até mesmo o Cardeal Richelieu desejava o corpo de Ninon, embora lhe preferisse a mente. Ninon sobrepujou sua amiga e rival, Marion Delorme, na missão de satisfazer o cardeal famoso, mas não antes que ele concordasse em pagar-lhe 50 mil coroas por seus favores.

O “negócio” de Ninon prosperava. Ela dividia seus amantes em três categorias: “Os pagadores, os mártires e os favoritos”. O filósofo Saint-Évremond foi um favorito, assim como o Marquês de Sévigné, que inspirou a seguinte rapsódia de amor de Ninon:

“Amor! Sinto a tua divina fúria! Meus transtornos, meus transportes, tudo anuncia a tua presença. Hoje, um novo sol se ergue para mim; tudo vive, tudo possui uma grande animação, tudo parece falar- me de minha paixão, tudo me convida a uma carícia. ... Desde que comecei a te amar, meus amigos se tomaram mais queridos ainda; amo mais a mim mesma; os sons do meu alaúde parecem-me mais comoventes, minha voz mais harmoniosa. Se quero apresentar uma peça, a paixão e o entusiasmo me dominam; o distúrbio que causam interrompem-me a cada minuto. E depois dos meus transportes vem um devaneio profundo, repleto de delicia. Estás presente diante dos meus olhos; eu te vejo, te falo, digo-te que te amo. ... Congratulo-me comigo mesma e me arrependo; desejo a ti e de ti quero fugir; eu te escrevo e rasgo as minhas cartas. Releio as tuas; parecem-me ora galantes, ora temas, raramente apaixonadas, sempre sucintas demais. Consulto meus espelhos, interrogo as outras mulheres sobre os ‘meus encantos’. Em suma, eu te amo; estou desvairada; e não sei o que me poderá acontecer, se por acaso não cumprires tua palavra e deixares de aparecer esta noite."

Já o caso de Ninon com o filho do Marquês pareceu ter o efeito oposto; em comparação com o pai, o desempenho na cama do jovem fidalgo era bastante deficiente. Ele tinha “a alma de bife cozido”, segundo Ninon, “um corpo de papel úmido, com um coração que mais parecia uma abóbora cozinhada na neve”.

À altura dos 40 anos, Ninon de Lenclos tinha a reputação de ser a mais destacada dama do amor da França. “Uma verdadeira Notre Dame des Amours”, diria Horace Walpole, anos mais tarde. A inteligência de Ninon havia percebido que “a virtude das mulheres é a maior das invenções dos homens”. Ela disse muitas vezes que a moralidade dos homens e das mulheres era idêntica; que reduzir uma 'mulher ao papel de objeto sexual, exclusivamente para o prazer dos homens, era excluí- la inteiramente da prática da integridade, da qual ela é perfeitamente capaz. Ninon tratava seus clientes como iguais e esperava deles a mesma consideração.

Possuía também os instintos de professora, abrindo uma Escola de Galanteria. Seus discípulos eram jovens aristocratas, cujas mães desejavam vê-los iniciados nas artes mais sutis do amor. Como principal professora, Ninon ensinava diversas matérias: a psicologia das mulheres, os cuidados particulares com uma amante ou esposa, as técnicas de cortejar e seduzir e os métodos de encerrar-se uma ligação. Havia, inclusive, um curso avançado sobre fisiologia do sexo. A escola logo tornou- se a grande coqueluche de Paris. Mas havia ocasiões em que as aulas teóricas não eram suficientes. Quando isso acontecia, Ninon oferecia ao aluno um programa prático de estudos independentes. Levava-o para a cama, a fim de treiná-lo nas artes das preliminares e da relação sexual propriamente dita. Como Sócrates, ela era uma mestre incomparável.

As mulheres também passaram a solicitar os conselhos dela, de especialista nas artes do amor. Ao invés de recebê-las na mesma base que os discípulos do sexo masculino, Ninon aconselhava-as em particular. O conceito da co-educação sexual parecia estar além dela. Uma mulher, por exemplo, perguntou-lhe certa ocasião:

— De que tamanho devem ser os seios de uma mulher para atrair um amante?

Ao que Ninon respondeu:

— Grandes o suficiente para caberem na mão de um homem honesto.

Apesar de tudo, as preleções de Ninon sobre o que poderia ser chamado de “O Tratamento de Uma Mulher”, pareciam indicar que ela acreditava na emancipação apenas em casos como o seu próprio.

— Não faz mal nenhum guardar a comida para o outro dia, mas o prazer deve ser desfrutado no momento mesmo em que surge a oportunidade - dizia ela. - Converse sempre com a sua mulher a respeito dela própria e raramente sobre si mesmo. Pode estar certo de que ela está muito mais interessada em seus próprios encantos do que em toda a sua gama de emoções. ... Não se esqueça de que há momentos em que as mulheres devem ser tratadas com mais rudeza do que consideração. Os homens são muitas vezes derrotados por sua própria falta de jeito, mais do que pela virtude das mulheres. ... Se o homem é o primeiro a deixar de sentir amor, deve permitir que a mulher tenha a vantagem de provocar o rompimento e assim parecer mais cruel. ... Uma mulher que não quer mais saber de um homem é capaz de deixá-lo por qualquer coisa, menos por outra mulher.

Houve uma tragédia na vida de Ninon. Aos 65 anos, ela viu-se assediada por seu filho natural, o Chevalier de Villiers. Concordou em recebê-lo, mas somente se o pai mantivesse em segredo a relação entre os dois. O rapaz apaixonou-se profundamente pela mãe, que decidiu então contar-lhe a verdade, abraçando-o maternalmente. Cambaleando até o jardim, o rapaz gritou: “Mamãe!” e depois matou-se, com a própria espada.

Ninon viveu até quase 90 anos. O exigente epicurista La Fare escreveu o que poderia muito bem ter sido o epitáfio dela: “Não conheci Ninon no auge de sua beleza; mas com a idade de 50 anos e mesmo depois dos 60 anos. ela tinha amantes que a adoravam e os mais ilustres homens da França como amigos. Até os 90 anos, continuava a ser procurada pela melhor sociedade de seu tempo. Morreu com todos os seus sentidos e com os encantos de sua mente intactos. E era a melhor e a mais adorável mente que já conheci numa mulher.”

Texto de Burr Jerger, traduzido por Alfredo B. Pinheiro de Lemos, publicado em "Almanaque Para Todos" de Irving Wallace e David Wallechinsky, Editora Record, Rio de Janeiro,1975, excertos pp.102-104, vol.II. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.  

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