5.27.2017

O COTIDIANO NA VILA DE SÃO PAULO NOS SÉCULOS XVII E XVIII

Vila de São Paulo do Piratininga, pintura de Debret,
Por volta de 1623, quando intensificou-se o bandeirismo de apresamento, São Paulo de Pirati- ninga era uma povoação acanhada com umas cem casas de taipa, em cujas ruas os animais pastavam livremente. Os paulistas viviam então em suas fazendas e roças, reunindo-se no povoado apenas por ocasião das festas, sobretudo as de caráter religioso. Nesse quadro, cabia às mulheres zelar pela vida cotidiana, enquanto os homens faziam a guerra aos índios ou cuidavam de seus negócios.

Essa vila feminina possuía apenas, no século XVII, uns duzentos moradores de “cabedal”, capazes de colocar-se à frente das bandeiras. No entanto, a grande maioria era uma multidão de descendentes mestiços, nascidos de numerosas concubinas indígenas. Foi essa ligação com o nativo, iniciada por João Ramalho, que permitiu aos paulistas desvendar os caminhos da selva.

Mamelucos de vida rude

O estreito contato com o silvícola refletiu-se também na cultura material. As casas, dotadas de pouca mobília, aliavam elementos europeus e indígenas: móveis de madeira, catres, mesas, arcas para guardar o vestuário reduzido — tão escasso que passava de pai para filho, constando de inventários —, peles de animais espalhadas pelo chão e redes indígenas, onde dormiam os descobridores das minas e dos diamantes. Potes de barro, gamelas e utensílios toscos equipavam as cozinhas, e a alimentação consistia em feijão, carne de animais caçados, ou peixes, e também frutas. Entre os cereais destacava-se o milho, que cedo suplantou a mandioca. Além desses produtos de origem nativa, o mel era outro legado indígena, fonte de energia largamente utilizada nas incursões pelo sertão.

O preço da prosperidade

No século XVIII, enriquecida pela descoberta de ouro, São Paulo ganhou sobrados cobertos de telhas. O número de casas chegou então a quatrocentos; surgiram os primeiros escravos africanos e a louça mais fina, vinda do Reino ou das índias. O preço desse enriquecimento, entretanto, foi o fim do paternalismo tolerante com que a Coroa tratava os paulistas, súditos fiéis, mas, por vezes, um tanto rebeldes. A escravização dos índios era formalmente proibida, mas a Metrópole fazia vista grossa e até perdoava certos deslizes, chegando mesmo a conceder honrarias à gente pobre que ia “buscar a sua vida, o seu modo de lucrar”, em meio aos perigos do sertão.

Com a descoberta do ouro, porém, as coisas mudaram. A partir de então, a Coroa passou a exercer uma severa vigilância sobre a capitania. Pois, para pagar seus compromissos com a Inglaterra, Portugal precisava de toda pepita amarela que faiscasse nas terras de São Paulo e Minas do Ouro.

Publicado em "Saga: Grande História do Brasil" vol.2, Colonia 1640/1808, editor Victor Civita, Abril Cultural,São Paulo, 1981, excertos pp.60-61. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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