8.01.2017

LAVOURA E CRIAÇÃO DE BARRETOS (1900)


Ao terminar o ligeiro estudo que fizemos sobre as Tradições de Barretos, prometemos algumas notas sobre a sua lavoura atual e o seu futuro. Vimos cumprir a promessa feita, antecipando desde já as nossas escusas se por amor da verdade melindrarmos o amor próprio da nobre classe agrícola desta terra.

Pondo acima de todas as considerações a da utilidade, não é nosso propósito lisonjear, mas tão somente emitir o nosso juízo individual sobre o que tem sido a lavoura de Barretos o qual o seu futuro, se os proprietário de seu vastíssimo território aproveitarem devidamente os elementos de que dispomos.

Conforme o dissemos, a comarca de Barretos compõe-se de uma vasta zona de terras lavradias apropriadas para toda a sorte de culturas usuais nesta região e de uma porção muito maior de campos, cerrados e varjões, que espontaneamente e pela ação lenta das queimadas vão se transformando em extensas pastagens de catingueiro, de jaraguá e de sapé.

São principalmente estas três gramíneas que constituem boje a base da riqueza de Barretos.

Praza a Deus que este presente do acaso se conserve por muitos anos! Do acaso, o afirmamos, pois outra coisa não foi o efeito dos primeiros fogos que penetraram os cerradões primitivos, devassando o solo em que mediaram as sementes do catingueiro, aderentes ao pelo do boi que as semeou para regalo dos atuais invernistas. Estes, duplamente afortunados, alcançaram a invenção do arame farpado, que não obstante a sua caresa, agravada pelos direitos de importação e pelas tarifas impossíveis de nossas vias férreas, é preferível ao valo para vedar o gado. Mas, este farto provimento de forragem tão facilmente adaptado à engorda do gado bovino, será permanente?

Não se cultiva o fumo senão em pequeníssima escala.

Nem o fumo em rolo, cuja preparação é tão conhecida dos emigrados do sul de Minas, que para aqui vieram, se fabrica suficientemente para o consumo dos fumantes nacionais que, com raras excepções, usam o 'Goyano', o 'Veado' e até o 'Bird's-eye'!

Usam-no impunemente, impatrioticamente, e até por faceirice!

O algodão, tão magistralmente trabalhado pelas matronas oriundas de Minas, de que antigamente se tecia toda a roupa branca dos sertanejos, é hoje quase desconhecido nestas paragens.

A lã que outrora se empregava no fabrico dos cobertores e dos jaquetões do fazendeiro, conserva-se pendente na pele dos lanígeros, que raramente se encontram nos currais de um ou outro camponês ainda não esquecido dos costumes tradicionais de seus antepassados;

Em conclusão: a geração atual desaprendeu os hábitos de economia de seus avós e não se habilitou para as exigências da atualidade.

No grande concurso da atividade humana, cujas ondas se propagam até às paragens mais longínquas, estes herdeiros dos enérgicos exploradores do sertão, ficaram marcando passo na doce tranquilidade de seus vastos domínios. Não empobreceram, porque o tempo e o natural crescimento da população vieram valorizar as heranças em cuja posse ainda se conservam.

Mas quanto deixaram de ganhar pela incúria, pela indolência em que se deixaram ficar adstritos á velha rotina honesta porém tarda, de produzir pouco e gastar menos!

Felizmente, essa boa gente ainda desperta a tempo de poder recuperar para seus filhos o muito que perderam nos últimos trinta anos de apatia, era que, por assim dizer, dormitaram sobre o ganhado.

Evidentemente, uma nova fase vai-se acentuando. A teimosia de alguns retardatários que não queriam ouvir cantar o galo do vizinho, sucede uma disposição favorável para com os vindouros.

A propriedade territorial, subdividida, passa a novos donos, que, no intuito de assegurarem a renda de seus capitais, vão introduzindo ideias novas, fomentadoras da agricultura e da riqueza.

Fala-se, por exemplo, no estabelecimento de um prédio rústico modelo, destinado ao aperfeiçoamento das raças bovina o cavalar, tendo por fim fornecer aos criadores touros e garanhões da melhor espécie adaptável aos nossos climas. Isto não é simplesmente uma ideia. É uma inspiração! O autor deste projeto sabe o nome aos bois e dispõe de meios para realizá-lo nas melhores condições. O município se pudesse, deveria instituir desde já uma verba orçamentária, acumulável anualmente é destinada a premiar os primeiros exemplares que se expuseram á venda.

— É aforismo geralmente admitido entre criadores de animais que, quando o homem pretende obter o desenvolvimento o a especialização de certos instintos ou de certas qualidades, recorre á seleção sistemática, escolhendo convenientemente os cruzamentos. É também certo que a domesticidade trás sempre consigo grandes modificações nos instintos e conseguintemente no organismo.

O concurso destas duas circunstâncias, encaminhadas pela intervenção do criador experto, no ato de aclimar e de adaptar os indivíduos a novas condições fisiológicas, intervenção que em muitos casos tem sido coroada do melhor êxito, constitui uma verdadeira arte, a cujos resultados se concedem prêmios pecuniários o medalhas honorificas.

Dão-se anualmente, na Europa, inúmeros concursos agrícolas, em que as sociedades, os comícios de lavradores, os municípios, e os estados, representados pelo Ministro da Agricultura, premiam ao melhor cavalo ao melhor boi. ao melhor porco e até á melhor cebola. É assim que se procede nos países que se alinham na primeira fileira da civilização.

Todos os anos o governo não só esquece de publicar resoluções especiais, lembrando aos criadores as disposições dos concursos de animais de corte e de animais reprodutores.

Por ocasião dessas assembleias, a que o poder publico presta todas as deferências, convidam-se especialistas, que conferenciam sobre assuntos de utilidade prática; procedem-se a analises dos produtos do solo; medem-se, pesam-se até se retratam os animais da melhor espécie. E depois, são as revistas e os jornais que se encarregam do resto.

As medalhas de ouro, de prata e de bronze, que acompanham os prêmios são conferidas ao laureado, em sessão pública, no ato da proclamação solene das recompensas. O pagamento dos prêmios vai-se fazer ao domicilio dos que os obtiveram, e depois da justificação das condições impostas pelo juri.

Que beleza, e que ventura, se nas colunas do nosso « O SERTANEJO » pudéssemos ainda um dia inscrever: «Ao nosso simpático amigo coronel Ignácio Armindo, que foi conferida a medalha de honra, pelos produtos de sua coudelaria, exposto no concurso agrícola do ano corrente.» Entretanto, isto não é um sonho, é uma hipótese perfeitamente realizável, mediante a boa vontade de qualquer dos nossos criadores.

Texto de Jesuíno de Melo publicado no semanário "O Sertanejo", Barretos SP, edições de 2 de junho, 16 de junho e 16 de julho de 1900. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...