2.02.2018

OS ESCÂNDALOS DE CARLOTA JOAQUINA - O BRILHANTE COR DE ROSA



A princesa Carlota Joaquina regressava do seu banho de mar na praia de Botafogo, quando foi avisada de que o “Chalaça”, a quem dedicava um ódio mortal, por ter sido um dos espiões que corvejavam em torno de sua vida aventurosa, queria falar-lhe com urgência.

- Não quero ver esse canalha, disse a princesa à dama de serviço da sua casa. Quando ele era serviçal do Paço, pertencia ao grupinho de esbirros do príncipe meu marido. Agora que de lá foi expulso por imoralidade, vem aqui, feito cachorrinho sem dono, procurar-me como patroa...

- Alteza, retorquiu a dama de serviço, esse indivíduo parece que terá revelações interessantes a fazer-lhe.

- E por que?

- Disse-me que vinha abrir os olhos de Vossa Alteza sobre o caso das jóias.

- Ah! Ele lhe disse isso?

- Sim, Alteza, e afirmou mais ainda que desejava vingar-se do Príncipe Regente por tê-lo expulsado do Paço, onde era moço do reposteiro.

- Bem, bem. Talvez me convenha fazer as pazes com esse canalha. Mande-o entrar na minha sala de leitura.

Francisco Gomes da Silva, o famigerado “Chalaça”, já se impacientava de tanto esperar, pois fazia uma hora que ali estava, quando a princesa abriu a porta da sala de leitura e foi ao seu encontro.

- Oh! Alteza, permita que o mais vil dos homens, vil por ter sido seu desafeiçoado lhe peça perdão, mil perdões, por ter servido o esposo de tão excelsa princesa...

- E por ter servido o meu esposo foi meu inimigo?

- sim, confesso que fui o chefe dos homens que espionavam os passos de Vossa Alteza, por ordem de seu esposo...

- E agora que o meu marido o colocou na rua feito cachorro sem dono, vem você pedir a minha proteção?

- Alteza, seria eu muito imbecil se viesse aqui nas condições de cachorro sem dono.

- E então o que veio fazer?

- Prestar um grande serviço a Vossa Alteza.

- Sabe alguma coisa sobre o caso das minhas jóias?

- Sei. Minha excelsa Senhora. Sei tudo.

- E o que sabe?

- Senhora, como não vim como cachorro sem dono, na expressão de Vossa Alteza, vim, contudo, trazido por dois sentimentos nobres: o ódio e o amor. Ódio do esposo de Vossa Alteza, que é seu inimigo, e que me expulsou do Paço como um sandeiro, e amor à senhora açafata Eugênia, do serviço da princesa Maria Thereza, filha de Vossa Alteza.

- E o que pretende de mim em troca de suas revelações?

- Quanto ao meu ódio, Vossa Alteza ao ter conhecimento das minhas revelações será o executor dele.

- E pensa então que para satisfazê-lo iria brigar mais uma vez com o meu marido?

- Brigar somente, Alteza? Seria pouco para o que o Príncipe Regente lhe fez. Iria odiá-lo mais ainda do que eu o odeio.

- Muito bem, desembuche agora o seu segredo.

- Não ainda, Alteza. Há o outro lado: o do amor.

- E o que tenho eu com isso?

- Tem muito. Foi Vossa Alteza que indicou ao Príncipe Regente o dia, o lugar e a hora do meu encontro amoroso com Eugênia Costa, na saleta de costura da infanta Maria Thereza.

- Dei-lhe até a subida honra de ser eu própria a guia do meu marido no flagrante...

- Isso mesmo, Alteza. Agora, desejo e peço-lhe que seja o anjo benfeitor de minha adorada Eugênia, levando-a para a companhia do seu marido que é fornecedor comercial de Vossa Alteza e que a receberá com alegria, desde que seja a esposa do seu soberano quem a leve para o regaço do lar...

- Se o seu segredo valer tanto...

- Vale mais, Alteza, vale muito mais. Por ele Vossa alteza odiará de morte o seu esposo; e por ele Vossa Alteza irá restituir Eugênia a seu marido e ao serviço da Princesa Maria Thereza.

- Ah! Então os seus desejos crescem, sobem, à medida que vai falando?

- Sim, Alteza, ouro vale o que ouro é. E o meu segredo é ouro para Vossa Alteza.

- E exige por ele que eu devolva Eugênia aos braços de Antonio Costa, fornecedor de meu palácio?

- E depois novamente ao serviço da Princesa Maria Thereza, da qual foi expulsa por causa...

- Por minha causa, não é isso?

- É isso mesmo, Alteza.

- Sua amante foi expulsa do Paço, como você, egrégio malandro, por imoralidades...

- Oh! Alteza, não seja tão severa assim. Foi um caso de amor. E Vossa Alteza bem sabe que o amor chega a cegar até os príncipes e reis.

- Vamos, vamos, disse Carlota Joaquina, mordendo os lábios e percebendo a indireta. O que você quer, Chalaça, é que eu restitua ao serviço de minha filha e aos braços do esposo traído a gorducha Eugênia, a sua Dulcinéa, que está atrapalhando agora a sua vida. Pois bem, ne-gócio é negócio, e se você tem, como diz, um grande segredo a revelar-me sobre o caso das minhas jóias, eu me comprometo a reconduzir Eugênia à primitiva situação de querida esposa do meu fornecedor, e respeitável dama de honra do serviço da infanta Maria Thereza. E agora desembuche o seu segredo.

- Alteza, sei que desconfia do seu agente nas províncias do Prata. Julga que foi ele quem ficou com os seus diamantes e depois, para não fazer a revolução prometida, mandou dizer-lhe que os mesmos eram falsos.

- E como sabe dessa particularidade?

- Ora, o esposo de Vossa Alteza é muito astucioso e sagaz e para desmoralizar Vossa Alteza e o caudilho Salazar, mandou o favorito Lobato espalhar pela cidade que a Princesa Carlota Joaquina enviara as suas jóias ao caudilho Salazar, e que Salazar jurava que recebeu apenas uns vagabundos pingos d’água...

- E isso corre pela cidade?

- Ainda ontem era assunto até das negras carregadoras de água da Bica do carioca e das ciganas do largo do Rocio.

- Essa sua revelação não vale um ovo choco, seu Chalaça.

- É o intróito do meu segredo. Eu sei quem fez a substituição de suas jóias e como foi feita aqui no Rio.

Carlota Joaquina pulou da cadeira onde se achava e, frente a frente com o Chalaça, com as veias saltadas, narinas dilatadas, olhos faiscantes, segurou-o com frenesi pelos braços, sacudiu-o nervosamente, uivando de ódio.

- Pois se me disser o nome do ladrão dos meus brilhantes, eu juro por Cristo Crucificado que farei o que você pedir e esquecerei o ódio que até agora lhe tive. Quem é o ladrão dos meus brilhantes? Quem é o ladrão?

- O ladrão é o Príncipe Regente, esposo de Vossa Alteza.

- Ele? O meu marido? Mas como poderia ter feito isso, e por que me roubou os brilhantes, se é dono da mais bela coleção de pedras preciosas que há no mundo?

- Alteza, o Príncipe Regente não queria que o caudilho Salazar fizesse a revolução no Prata. As jóias de Vossa Alteza dariam um mi-lhão de cruzados, e com esse milhão o sr. Salazar faria o levante de tropas. O Príncipe Regente sabe de tudo, e, o intendente de polícia tem os mais espertos agentes secretos vigiando os passos de Vossa Alteza.

Apreendendo o cofre de jóias e a carta de Vossa Alteza, mandou chamar meu pai, ourives da casa real, e exigiu-lhe que em dois dias fizesse a substituição dos brilhantes verdadeiros por pingos d’água. Meu pai, achando pouco o tempo, mandou chamar-me e secretamente sem que o Príncipe Regente o soubesse, porque estou exilado em Itaboraí, ajudei o meu velho no serviço e fiquei a par do embuste praticado contra Vossa Alteza e contra o sr. Salazar.

- E os brilhantes desmontados?

- os brilhantes desmontados foram entregues por meu pai ao sr.Príncipe Regente, com exceção de um, que furtei, e foi de menos para as mãos do Regente. É aquele brilhante rosado que estava na face esquerda do diadema. O Príncipe, na sua confiança cega no seu ourives, não verificou os diamantes e eu, no lugar do belo brilhante cor de rosa, coloquei um vistoso berilo róseo, que é o que está no cofre do Regente.

- E esse brilhante?

- Aqui está, Alteza.

Carlota Joaquina reconheceu o belo brilhante cor de rosa do seu diadema e examinando-o, suspirou, dolorosamente ferida pela revelação.

- alteza, disse o Chalaça, meu pai cumpriu as ordens do seu soberano. Não é criminoso por isso. A alma negra de D. João é o favorito Lobato. Ele talvez fosse o conspirador desse caso revoltante de embuste e dolo.

Depois de pensar um instante, Carlota Joaquina virou-se para o Chalaça e disse:

- Chalaça, o seu segredo vale mais do que você me pediu. Não sou usurária como meu marido. Costumo pagar bem aos que me ser-vem bem. E o serviço que acaba de me prestar vale um régio presente.

Esse brilhante que você roubou do diadema, substituindo-o por um berilo, é meu. Eu dele me apodero agora para dele me desfazer. Dou-lhe de presente essa pedra preciosa, agora é sua. Pode usá-la como lembrança de sua futura rainha.

- Alteza, quanto me lastimo de não ter estado ao seu serviço antes deste acontecimento...

- Pois ficará de ora em diante ao meu serviço. Meu marido o expulsou do Paço como um cão lazarento. Mandou publicar na “Gazeta” o ato oficial de sua expulsão, para que se tornasse público e notório o seu vilipêndio. Fez mais ainda: expulsou também a dama Eugênia, motivo dos seus amores. Pois bem, por tudo isso, você deve odiá-lo. Eu o odeio, e esse ódio nos guiará futuramente. De aliado de meu marido você passará a ser meu amigo devotado, não é isso?

- Alteza, serei o seu cão de fila...

- meu cão de fila para estraçalhar, com o seu faro de mestre, as intrigas do Regente.

- Majestade, para isso e para tudo o mais que for preciso.

- Quem sabe o que faremos ainda? Só Deus sabe aonde me levará a minha vingança. Vá, Chalaça, vá embora, e leve esse brilhante cor de rosa como presente meu, como alvíssaras do seu segredo, do seu grande segredo que abriu os meus olhos para enxergar as vilanias do meu marido, o futuro rei de Portugal e Brasil.

Texto de Assis Cintra (compilação: Edilberto Pereira Leite) em "Os Escândalos de Carlota Joaquina" capitulo 13. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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