Mercado Municipal de São Paulo |
Ingredientes e Produtos
Inúmeras questões foram abordadas pelos profissionais entrevistados no que diz respeito a ingredientes e produtos. Em linhas gerais, foi destacado um aumento na quantidade de produtos disponíveis e uma melhoria na qualidade destes, tendo sido mencionados, com base nessa temática, diversos aspectos não só atribuídos à adoção de produtos importados, mas também sobre os reflexos na produção nacional.
Entre eles pode-se citar a abertura do mercado na década de 1990, o incentivo dado pelos estrangeiros para que outros itens passassem a ser produzidos no Brasil e a introdução de novos produtos, por intermédio deles, muitos dos quais passaram a ser largamente utilizados na gastronomia paulistana. É possível entrever, ainda, a existência de diferentes realidades de compra vivenciadas pelos entrevistados, em virtude das especificidades do seu negócio e das suas convicções pessoais.
Nesse sentido, Henry (La Casserole) pontua, entre outras informações, que na década de 1950 não havia na cidade cordeiros para corte, somente para extração de lã, tendo sido seu pai um dos precursores da introdução dessa carne nos cardápios paulistanos: “aos poucos, meu pai conseguiu dar um salto de qualidade para produzir um bom cordeiro de corte, truta, queijos que, aos poucos, se pareciam mais com os franceses, ervas e outras coisas”. Complementando a questão, ela destaca a importância de uma outra geração de franceses, vindos ao Brasil algumas décadas depois, entre os quais estão Laurent Saudeut e Emanuel Bassoleil, que entre outras contribuições, incentivaram o cultivo de ervas frescas para suprir o mercado paulistano.
Enquanto Henry (La Casserole) enaltece as contribuições francesas, Mellão Jr. (I Vitelloni) realça o trabalho de italianos como Massimo Ferrari, que apresentou aos paulistanos, dentre outras iguarias, o tomate seco, produto que o próprio Mellão Jr. usou em uma das suas mais célebres preparações, a pizza de rúcula com tomate seco e que se tornou uma constante nos cardápios paulistanos nos anos seguintes, fato também pontuado por Atala (D.O.M. e Dalva e Dito).
A maioria dos entrevistados, contudo, sublinha como principal fator de transformação a abertura das importações ocorrida no Governo Collor.
Segundo Bettencourt (A Bela Sintra), o Brasil antes e depois da abertura de importações “são dois mundos completamente distintos”. Kuczynski (Arábia) posiciona-se de maneira semelhante, afirmando que essa abertura correspondeu a uma ampliação das possibilidades no cardápio: “hoje eu tenho uma meia dúzia de importadores que trazem produtos do Oriente Médio. (...) No começo, a gente não encontrava muitos ingredientes, e por não encontrar, não tínhamos os pratos que temos hoje. Vários pratos foram introduzidos a partir do momento em que se teve acesso a esses ingredientes”.
Paralelamente à facilidade de entrada de produtos importados no país, desencadeada na década de 1990, Sakamoto (Jun Sakamoto) evidencia o trabalho de parceria realizado entre os restaurantes e as importadoras no sentido de ampliar a qualidade e diversidade encontradas em São Paulo: “eu cheguei nas importadoras e falei: eu preciso disso daqui, dá um jeito de trazer pra mim. Eles traziam uma amostra, e eu os convencia que valia a pena”.
Assim, os entrevistados relataram que atualmente são encontrados em São Paulo produtos advindos de praticamente todo o mundo. E em adição a isso, muitos deles explicitaram ainda a ampliação da oferta e a melhoria da qualidade da matéria prima produzida no Brasil, inclusive de itens originários de outros países.
Nesse sentido, Jacquin (La Brasserie Erick Jacquin) afirma que a qualidade dos produtos nacionais melhorou e que está mais fácil encontrar aquilo que se deseja: “hoje, é possível fazer uma comida 100% francesa utilizando, em parte, produtos brasileiros de qualidade, como o foie gras produzido aqui”.
De maneira similar, Murakami (Kinoshita) destaca a introdução de gêneros japoneses nos últimos anos: “hoje já tem Wagyu, que é a raça japonesa do boi, 100% produzido aqui, você já tem o porquinho preto, que é famoso da região sul do Japão, da região de Kagoshima”.
Iglesias Filho (Grupo Rubaiyat) reforça o que foi dito e chama atenção para a melhora na qualidade da carne produzida no Brasil: “hoje está se produzindo beef no Brasil; em termos de carne é uma das melhores carnes do mundo. Já se tem isso. O grande salto veio nesses últimos 20 anos”. Ainda focalizando a melhoria da qualidade dos ingredientes no Brasil, Atala (D.O.M. e Dalva e Dito) declara: “hoje eu vejo essa melhoria nos ingredientes, o que nos permite fazer pratos muito simples”.
Trajano (Brasil a Gosto) aponta maior interesse por produtos brasileiros e salienta o fato de que o aumento do consumo de gêneros regionais brasileiros por parte dos restaurantes paulistanos amplia o acesso a eles. Neste sentido, Carossela (Arturito) pondera: “desde que cheguei [ao Brasil] vi surgir alguma coisa. Cresceu um olhar muito interessante para o produto brasileiro”.
Apesar das melhorias percebidas, alguns chefs e proprietários de restaurantes ainda se queixam da dificuldade de encontrar produtos frescos diariamente e de comprar de pequenos produtores: “para a oferta gastronômica de São Paulo, que é gigantesca, a oferta de produtos é triste pra mim. (...) Uma coisa que eu acho muito ruim é que os produtores de ingredientes interessantes (...) não chegam até mim”, lamenta Carossela (Arturito).
Rizzo (Maní) é mais uma que se manifesta nesse sentido, ponderando que, embora as facilidades de comunicação tenham trazido grandes benefícios, ainda existe muito a avançar, em especial no que concerne à compra de produtos regionais e de ingredientes que venham direto dos produtores. De Barros (Due Cuochi Cucina) adiciona: “acho que falta um pouco dessa ligação com o produtor. (...) A pessoa que faz a farinha, a pessoa que planta, que colhe, e que “te” vende. Eu acho que é importante esse relacionamento”.
Foram citadas ainda questões associadas às mudanças no fornecimento e na logística dos produtos. Embora alguns entrevistados não percebam modificações expressivas nesses aspectos, parte deles exprime considerações a respeito. Como aspectos positivos foram mencionados uma melhora na logística interna e no aumento dos fornecedores especializados, bem como as parcerias com fornecedores e as compras via telefone, com a afirmação de que as distâncias foram minimizadas com os recursos de comunicação e transporte. Como aspectos negativos apareceram a estagnação do CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e a morosidade das importações.
Jacquin (La Brasserie Erick Jacquin), ao mesmo tempo em que realça o aumento dos fornecedores especializados, lamenta a estagnação do CEAGESP. Iglesias Filho (Grupo Rubaiyat) distingue a melhoria na indústria de food service e afirma que trocou as idas ao CEAGESP por empresas especializadas que entregam os produtos diariamente no restaurante. Mas critica, em contrapartida, a morosidade do processo de importação no país: “a importação está pior. Eu importo desde 1986. (...) Hoje está mais difícil liberar. Demora mais. Você falar de perecíveis é um caos. (...) Mas no que é produto interno, a logística interna está muito melhor. A indústria está muito melhor. O processamento está muito melhor”.
Para Atala (D.O.M. e Dalva e Dito), um chef de cozinha não tem mais condições de ir pessoalmente fazer as compras em uma cidade como São Paulo, sendo preciso usufruir das facilidades da metrópole. Nesse contexto, ele manifesta-se em favor das parcerias com fornecedores e das compras por telefone, valorizando o estabelecimento de relações de confiança e apontando para a importância de ter um bom controle de recebimento no restaurante. Embora se queixe dos altos custos de transporte, ele afirma que “tanto faz se você pede na Cantareira, no CEAGESP ou no Amapá. Essa distância foi rompida pelo telefone e pelo transporte aéreo. Então, o que eu posso falar hoje é que o telefone e o controle de recebimento constituem a grande chave das compras”.
Sakamoto (Jun Sakamoto) também se diz adepto das compras feitas por telefone, mas aponta uma outra mudança ocorrida dentro da sua estrutura: o fracionamento das compras e a utilização de cadeias varejistas em substituição de alguns fornecedores atacadistas. “Antes comprava alguns produtos em maior quantidade e com menor frequência, hoje faço justamente o contrário”. A mudança é resultado de uma busca por preços mais baixos, que podem ser conseguidos em promoções realizadas pelos supermercados.
Texto de Isabella Raduan Masano, dissertação de mestrado na Área de Concentração: Planejamento Urbano e Regional –Universidade de São Paulo- FAUUSP, São Paulo, 2011, excertos pp.174-177. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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