Auguste de Saint-Hilaire |
No dia seguinte ao da minha chegada ao Rancho do Rio das Mortes Pequeno fiz um passeio a S. João, distante dali uma légua e meia. Na margem direita do caminho vêem-se campos que nada diferem dos que eu tinha percorrido nos dias anteriores. Mais distante do rancho, porém, a visão é limitada à esquerda pela Serra de S. João, eivada de rochas nuas e acinzentadas. Acompanhando o vale limitado por essas montanhas cheguei à cidade de S. João del Rei, da qual já fiz em outra parte uma descrição pormenorizada.1
Eu precisava apresentar as cartas de recomendação que trazia comigo, e comecei pelo pároco, que era um grande conversador e me pareceu conhecer bem o Brasil. Tinha sido capelão numa aldeia de índios, e o que me disse veio provar que essa raça é inteiramente estranha à idéia de uma vida futura, o que, aliás, eu próprio já tinha observado. O pároco conhecia Goiás, e fez tudo o que estava ao seu alcance para me fazer desistir da viagem a essa província. Segundo ele, eu não encontraria lá senão imensos descampados de uma monotonia terrível, nos quais o viajante é duramente castigado pelo sol escaldante e corre o risco de adoecer gravemente, além de ter de enfrentar constantemente a escassez de provisões. Suas palavras me deixaram abalado. Parecia-me impossível que Prégent agüentasse as fadigas de uma tal viagem, e tomei a resolução de não ir até Vila Boa, se de fato a coleta de plantas fosse tão parca quanto afirmava o pároco.
Esse sacerdote me garantiu que a Aristolóquia denominada Jarinha (Aristolochia macroura, Gomes ex Mart.) era um poderoso específico contra a hidropisia. Declarou-me também, como o haviam feito outras pessoas, que essa doença é uma das mais comuns no interior do Brasil. Na sua opinião, porém, nem sempre se podia atribuí-la ao abuso da cachaça, pois conhecera muitas pessoas sóbrias que tinham morrido dessa doença. Provavelmente essas pessoas foram vítimas da moléstia devido a um enfraquecimento geral provocado pelo calor dos trópicos e a má alimentação.
De volta ao rancho, fui no dia seguinte recolher plantas nas margens do Rio das Mortes Pequeno. Em consequência, porém, da escassez de chuvas nessa temporada, as margens do rio estavam quase tão secas quanto os campos. Encontrei aí, entretanto, uma planta muito interessante para a Geografia Botânica: um salgueiro de grande altura, que as pessoas do lugar me disseram ser indígena e que, efetivamente, nascera num local onde não havia o menor indício de cultura. Essa espécie é, provavelmente, a Salix humbodtiana.
São dois os rios que têm o triste nome de Rio das Mortes. Um deles, que faz a ligação com o Rancho, foi distinguido com o epíteto de Pequeno por ser bem menor do que o outro. Deságua no Rio das Mortes Grande, nas proximidades da Fazenda da Barra, distante quatro léguas do Rancho e meia légua do povoado de Conceição. Quanto ao Rio das Mortes Grande, ele vai encontrar-se com o Rio Grande perto de Ibituruna. Devo esclarecer que, ao se referirem aos dois rios, os habitantes da região gcralmente suprimem os epítetos que os distinguem.
Firmiano me acompanhou no passeio que fiz às margens do Rio das Mortes Pequeno. De repente vejo-o, de longe, recuar apavorado, enquanto gritava para mim: — Olha aí uma cobra muito perigosa! — Aproximei-me e ouvi, no meio das folhas secas, um ruído semelhante ao que faz a cascavel quando sacode a cauda. Não tardou que eu visse surgir acima do capim a cabeça do réptil. Cortamos uma vara grossa, mas só conseguimos matar a cobra depois de lhe dar sucessivos golpes. Levei-a para casa, e embora estivesse morta fazia recuar de horror todas as pessoas que a viam. Pertencia à espécie que no país e conhecida pelo nome de urutu, sendo considerada extremamente venenosa2
Fui informado de que havia nas Províncias de Minas e de S. Paulo pessoas que se diziam possuidoras de um segredo para curar mordeduras de cobras venenosas. São os curandeiros. O pároco de S. João me disse que um dos escravos de seu pai pegava impunemente com a mão qualquer cobra venenosa. Um dia ele prendeu o homem no garrote para forçá-lo a revelar o seu segredo. O escravo mostrou-lhe, então, uma planta, a que ele dava o nome de erva-de-urubu. Depois de esfregar a erva no corpo, agarrou uma cobra com a mão, não lhe advindo disso nenhum mal. Quando isso aconteceu o padre era ainda muito moço c morava na Província de S. Paulo. Viajara muito, posteriormente, e quando o conheci já não se lembrava mais que tipo de planta era a tal erva-de-urubu.
A princípio tinha sido minha intenção instalar-me em S. João na casa do padre. Mais tarde, porém, mudei de idéia, porque não havia pastagens ao redor da cidade e eu teria que me separar de meus acompanhantes e de minha bagagem, o que seria muito incômodo para mim. Permaneci, pois, no Rio das Mortes Pequeno, de onde podia facilmente fazer rápidas excursões à cidade.
Fiquei curioso para ver a procissão que a Confraria de S. Francisco faz, de tempos em tempos, na quarta-feira de Cinzas (Procissão das Cinzas), não só em S. João como em outras cidades da comarca. Anunciara-se que ela seria realizada nesse ano, e desde a véspera da cerimônia começou a passar pelo rancho onde me achava um grande número de homens e mulheres a cavalo, que iam a S. João assistir à festa. Na própria quarta-feira encontrei ainda uma multidão de gente a caminho da cidade. Apesar do calor extremo, quase todos estavam envoltos em amplas capas de gola larga, semelhantes às que se usam na França à época do Natal. Esse costume, originário de Portugal, era generalizado e vinha sendo adotado há muito tempo na Província de Minas e talvez em muitas outras partes do Brasil. A época de minha viagem, os mineiros de certa posição só usavam a capa quando estavam em casa, para cobrir as roupas caseiras, mas não havia um único trabalhador que saísse sem ela, e a posse dessa peça do vestuário era cobiçada por todos os mulatos livres.
Ao chegar a S. João encontrei as ruas apinhadas de gente. Foi celebrada uma missa cantada, e já era uma hora quando o padre deixou a igreja. Disse-me que não iria tomar parte na procissão porque ali, como em todas as paróquias da província, a Confraria de S. Francisco procurava subtrair-se à autoridade pastoral.3 Acrescentou que estava em guerra com a Confraria havia dez anos e que tinha feito reclamações junto às autoridades do Rio de Janeiro, mas que seus adversários contavam com poderosos protetores, não sc dignando as autoridades nem mesmo a lhe dar resposta. Explicou-me ainda que a procissão passaria às quatro horas diante de sua casa e que poderiamos vê-la da sacada, mas ao mesmo tempo me preveniu de que eu seria testemunha de coisas altamente ridículas, contra as quais ele fora o primeiro a protestar, em pura perda, porém.
Por volta das cinco horas a procissão entrou na rua onde morava o pároco. À frente vinham três mulatos trajando túnicas cinzentas, semelhantes aos trajes com que se apresentam, em nossas óperas, os gênios do Mal. Um deles levava uma grande cruz de madeira e os outros dois seguravam, cada um, um longo bastão com uma lanterna na ponta. Imediatamente atrás deles vinha um outro personagem, vestido com um traje muito justo, de tecido amarelado, no qual haviam sido desenhados com tinta negra os ossos que compõem o esqueleto. Esse personagem representava a Morte, e em meio a grandes palhaçadas fingia golpear os passantes com uma foice de papelão. A uma regular distância do primeiro grupo vinha outro, precedido de um homem trajando um manto cinzento e trazendo um punhado de cinzas sobre uma bandeja. Ia de um lado a outro da rua como que tentando marcar com elas a testa dos espectadores. Os personagens que o seguiam eram uma mulher branca e cheia de atavios e um outro homem de manto cinza levando na mão um ramo de árvore carregado de maçãs, no qual tinha sido enrolada unia figura representando uma serpente. O homem representava Adão e a mulher, que fazia o papel de Eva, fingia colher de vez em quando uma maçã. Atrás deles vinham dois meninos. Um, representando Abel, fiava um pedaço de pano de algodão e o outro dava golpes no chão com uma enxada, como se cavasse a terra. Esses dois grupos foram seguidos por treze andores carregados pelos irmãos da Confraria de S. Francisco. Debaixo dos andores viam-se imagens de madeira em tamanho natural, pintadas e vestidas com roupas de verdade. Os treze andores seguiam em fila e a uma distância considerável uns dos outros. Num deles vinha Jesus orando no Jardim das Oliveiras, em outro Santa Madalena e a bem-aventurada Margarida de Cortone, ambas de cabelos soltos e trajando mantos de um tecido cinzento. No terceiro estava S. Luís, Rei da França e no quarto o bem-aventurado Yves, Bispo de Chartres. A Virgem, em toda a sua glória, cercada de nuvens e querubins, também estava presente em um dos andores. Outra imagem representava S. Francisco recebendo do Papa a aprovação dos estatutos de sua ordem, e em outro grupo encenava-se o milagre dos estigmas. Finalmente, via-se S. Francisco sendo beijado por Jesus Cristo. Essa série de imagens era, sem dúvida, extremamente bizarra. Não obstante, o mau gosto ressaltava mais no conjunto do que nos detalhes. As roupagens condiziam bem com os personagens que as vestiam, as cores eram vivas, e não se podia deixar de reconhecer que as figuras eram esculpidas com bastante arte, levando-se em conta que tinham sido feitas por pessoas do próprio lugar, que não dispunham de modelos adequados. O que havia talvez de mais ridículo na procissão eram os meninos de raça branca, vestidos de anjo, que acompanhavam cada andor. As sedas, os bordados, as gazes e as fitas eram usados com tal profusão em seus trajes que eles mal podiam caminhar, embaraçados por tantos arrebiques. Uma espécie de tiara, composta de gaze e fitas, encobria quase que inteiramente suas cabeças. Vestiam saias-balão bem armadas, de mais de um metro de diâmetro, e em seus corpetes de gaze plissada estavam presas, além de uma profusão de fitas, pelo menos uma meia dúzia de enormes asas recobertas de gaze. Após a passagem dos andores surgiu um grupo de músicos, os quais cantaram um motete à porta da casa do vigário. Em seguida veio o padre com o Santo Sacramento, e finalmente o povo fechando a marcha. À passagem de cada andor todos os assistentes faziam uma genuflexão, mas logo em seguida punham-se a conversar despreocupadamente com os vizinhos. Havia anos que não se realizava a Procissão das Cinzas, e não se podia deixar de achar um certo encanto nessa cerimônia irreverente, em que ridículas palhaçadas se misturavam com o que a religião católica tem de mais respeitável.
O vigário de S. João conhecia bem os abusos de que era vítima a igreja brasileira e parecia sofrer com isso, desaprovando o desvirtuamento das festas religiosas que ocorriam na região. Dizia com razão que os brasileiros são religiosos por natureza mas achava que sua religiosidade é muito superficial e que os padrevS pareciam considerar como um jogo a ofensa e o perdão.
Eu teria preferido que fosse o Brasil o assunto das conversas que tive com o vigário e um jovem padre que morava com ele. Mas os dois sempre insistiam em falar sobre a nossa revolução, de cujos fatos principais eles tinham um bom conhecimento. Gostavam de falar também sobre Napoleão, sobre seus generais, enfim, sobre tudo o que havia ocorrido na França nos anos passados. Nossa história contemporânea é tão extraordinária e está de tal forma ligada aos destinos do mundo inteiro que, mesmo nos pontos mais longínquos da Província de Minas, encontrei pessoas que a tinham estudado e se mostravam curiosas em conhecer novos pormenores sobre ela.
No dia 26 de fevereiro, no momento em que me preparava para deixar S. João e voltar ao Rancho do Rio das Mortes Pequeno, armou-se um temporal e a chuva desabou em seguida. Esse momento era esperado com ansiedade pelos agricultores, pois a seca vinha-se prolongando na região desde o Dia de Reis, e tão forte era ela que a maioria das flores, queimadas pelo sol mal desabrochavam, não tinham produzido sementes. Calculava-se que a colheita do milho iria render apenas a décima parte do que comumente costumava render. Em resultado, o preço do milho tinha subido astronomicamente.
Durante minhas idas e vindas entre o rancho e S. João, onde eu ia fazer compras e contratar alguns serviços, a saúde de Prégent foi-se alterando gradativamente. Decidi fazê-lo tomar um vomitório, que lhe trouxe um alívio momentâneo. Em breve, porém, seu estado começou a causar-me graves preocupações. Naquela região, como em toda parte, aliás, a gente do povo mostra no trato com os doentes uma solicitude bem intencionada mas intolerável. Duas mulatas, que o meu velho hospedeiro tinha em sua casa, e que me pareciam mulheres de bom coração, estavam sempre tentando convencer Prégent a comer alguma coisa ou tomar um pouco de caldo, aumentando os sofrimentos do infeliz com as suas importunações.
Ao chegar um dia de S. João vi que seu estado piorara. Notando a minha ansiedade, o meu hospedeiro saiu em busca de um fazendeiro das redondezas, que se dizia entendido em doenças e no qual todo o povo do lugar depositava grande confiança. A necessidade leva muitos mineiros que dispõem de uma certa inteligência e gostam de ajudar os outros a fazerem quase o papel de médicos. Eles observam e examinam os doentes, às vezes com bastante perícia, e consultam livros de Medicina, que leem e releem incansavelmente, esforçando-se por aplicar sensatamente os conhecimentos neles adquiridos. Conforme me disse José Teixeira,4 o digno Ouvidor de Sabará, se para se formarem bons médicos são necessários vários cursos, não existe um único fazendeiro de Minas que não tenha pelo menos o correspondente a uns dois ou três. Dá-se o nome de curiosos a todos os que dessa forma exercem a Medicina sem terem feito cursos regulares, e de um modo geral esse termo é usado para designar todas as pessoas que se dedicam, por gosto, a um ofício ou arte qualquer sem fazer disso sua profissão.5 Pude verificar que o curioso que o meu hospedeiro mc trouxe, o Alferes José Pereira da Silva, era um homem bondoso e honesto, embora um tanto atabalhoado de maneiras. Ele me falou com bastante sensatez sobre a doença de Prégent, que na sua opinião era causada por uma febre maligna, e mc aconselhou que continuasse a dar-lhe bebidas refrescantes e lhe administrasse outro vomitório.
Prégent passou a noite mal, e eu também não tive descanso, pois me levantava a todo momento para lhe dar de beber. Além do mais atormentava-me a idéia de perdê-lo e eu era assaltado pelos mais tristes pensamentos. Parecia-me que a minha viagem não tinha sido abençoada pela Providência. Quantos obstáculos encontrara antes de emprecndê-la e como se tornava difícil conseguir as menores coisas! Quão desagradável tinha sido o incidente em Porto da Estrela e quantos problemas me criara o tropeiro que me tinha abandonado em Ubá! Quanta diplomacia, quanto cuidado me custara manter a paz com Prégent, e agora o infeliz se achava gravemente enfermo! Não me é possível exprimir tudo o que ele mc fez sofrer depois que sua saúde ficou abalada. Não é menos verdade, porém, que ele me prestou serviços inestimáveis c que possuía grandes qualidades. . . Ao amanhecer levantei-me cheio de desânimo e dominado por profunda tristeza.
Dirigi-me a S. João e lá indaguei qual era o cirurgião mais competente que havia na cidade. Indicaram-me o Capitão Antônio Felisberto, que eu já tivera ocasião de conhecer no ano anterior, tendo recebido dele nessa época úteis ensinamentos. Depois de ouvir o meu relato, o capitão também achou, como o curioso do Rio das Mortes Pequeno, que Prégent estava atacado de uma febre maligna. Na sua opinião, a doença dele tinha-se instalado antes mesmo de termos deixado as matas virgens. Como o infeliz devia ter sofrido no se ver exposto ao sol ardente dos descampados, já que se obstinara em não se proteger com um guarda-sol!
Dois ou três dias mais tarde (2 de março), providenciei a mudança de Prégent para um albergue de S. João, a fim de que ficasse mais próximo do cirurgião, e me mudei também para a cidade. Levei comigo o índio Firmiano, deixando Laruotte e José Mariano no Rancho para cuidarem dos animais. O índio me era de pouca utilidade, devido à sua inexperiência, e cumpria a mim, noite e dia, prodigalizar todos os cuidados ao meu pobre enfermo. É impossível ser mais mal servido do que eu era no albergue em que me encontrava. Levava horas para conseguir obter até mesmo um simples copo de água. Haviam-me alojado no rés-do-chão, num quartinho que recebia pouca luz. E eu passava aí os dias cheio de tédio, tristeza e inquietação, e à noite era devorado por miríades de mosquitos.
No dia seguinte ao da minha chegada, por volta das nove horas da noite, quando me achava estendido no meu miserável catre, irrompeu apavorado no meu quarto um modesto comerciante italiano, que se encontrava também hospedado no albergue. Aos gritos, ele me disse que acabavam de roubar sua mala e seu dinheiro. Aconselhei-o a ir queixar-se imediatamente ao Ouvidor, e foi o que fez. Ele havia saído às seis horas, depois de fechar a porta e as janelas do seu quarto, que ficava no prinleiro andar. Ao voltar tinha encontrado a porta ainda fechada mas a janela aberta, e sua mala havia desaparecido. O dono do albergue e os outros viajantes chegaram à conclusão de que a mala tinha sido descida pela janela, e que um assovio que haviam escutado era um sinal combinado entre os ladrões. Todos os viajantes se reuniram diante da porta do italiano, e ali faziam as mais desencontradas conjecturas, quando resolvi por fim sugerir ao grupo que fizessem uma revista no albergue. Descemos até o pátio, e mal havíamos dado alguns passos ouvimos um grande barulho vindo da direção do quarto do pobre negociante. Ficou confirmada a idéia de que o roubo tinha sido feito pela janela, concluindo todos que o ladrão ficara escondido no quarto e agora acabava de fugir, precipitando-se para a rua. Nesse meio tempo chegou o Ouvidor. Mandou acender todos os lampiões, colocou guardas em todas as saídas e começou a revista. Não encontrou nada no térreo. Subiu ao primeiro andar e percorreu vários quartos, chegando afinal a um cômodo que estava desocupado. Pediu a chave do quarto, que estava nas mãos do escriturário do albergue. Aberta a porta, encontrou-se a mala sobre uma mesa, sem que lhe faltasse nada. Não obstante, o ouvidor continuou sua busca, mas não encontrou ninguém. Experimentou todas as chaves da casa na porta onde fora encontrada a mala, mas nenhuma serviu. Mandou então prender o escriturário, que não perdia oportunidade de nos lograr e que era, eviden- temente, o ladrão. Eu soube mais tarde que esse homem havia sido absolvido sem maiores complicações, bem como o dono do albergue, considerado como seu cúmplice.
Fui à cidade no dia seguinte ao do roubo, e as conversas giravam, naturalmente, cm tomo desse pequeno incidente. O dono da casa ine falou bastante mal dos mineiros, os quais, na sua opinião, não mostravam nem gentileza nem boa-fé. Disse-me mais que os ferreiros costumavam fabricar chaves falsas para os negros, a fim de que roubassem seus senhores, e que ele próprio tivera disso uma triste prova, já que lhe haviam roubado em várias ocasiões mais de sessenta talheres de prata. Segundo ele, quase todos os negociantes de S. João compravam dos escravos objetos roubados. Quem mc falava assim era um paulista, e é sabido que os habitantes de S. Paulo não gostam dos mineiros.0 Não é, pois, de admirar que ele exagerasse os defeitos destes últimos. Um mineiro que possuía um rancho na Província de S. Paulo, e com o qual mais tarde tive ocasião de conversar, falou-me dos paulistas em termos semelhantes. De qualquer maneira, no decurso da minha primeira viagem eu já tinha percebido que a cortesia em excesso não fazia parte das principais virtudes dos habitantes de Minas. Não deve, pois, causar surpresa o fato de que em S. João dei Rei, cidade bem próxima do Rio de Janeiro — porto de mar c capital do País — a cortesia ainda seja mais rara do que em outras partes da província,6 7 onde aliás a educação é geralmente muito mais apurada. Sabemos quais foram os primeiros habitantes da Província de Minas, e que um bando de aventureiros se abateu sobre a província tão logo foi descoberta pelos paulistas.8 Seria difícil que as gerações seguintes não conservassem nada do caráter e das maneiras de seus ancestrais. O cuidado que tiveram os mineiros ricos de mandar seus filhos à Europa e o estabelecimento do Seminário de Mariana, onde os jovens recebiam boa educação, há de ter, sem dúvida, contra-balançado consideravelmente as influencias de uma origem desastrosa. Há, porem, uma outra influência, que age constantcmcnte sobre os brasileiros de uma maneira bastante perniciosa — a da escravatura. O excessivo grau de inferioridade do escravo leva-o, naturalmente, aos mais torpes vícios. Disse-me um vigário da Bahia — que em outros tempos havia sido cativo dos africanos — que não costumava punir seus escravos quando mentiam ou roubavam por que ele próprio tinha cometido as mesmas faltas quando era escravo. Para fugir ao castigo o escravo habitua-se a mentir, e rouba porque nada possui, embora se veja sempre cercado de objetos tentadores e suas mínimas necessidades quase nunca sejam atendidas. Pode ser também que considere o roubo como uma forma de vingança. E que motivos impediríam o escravo de ceder às suas más inclinações? Sentimentos religiosos? Poucas noções tem ele do que seja isso. O receio de manchar sua reputação? O escravo não tem mais reputação do que um boi ou um cavalo e, como eles, está à margem da sociedade humana. Resta, pois, o temor ao castigo. Mas se é punido às vezes pelas faltas mais insignificantes, por que não arriscar-se ao castigo para satisfazer seus gostos e suas inclinações? O senhor de escravos vê-se, assim, cercado de seres necessariamente abjetos e corruptos. É no meio deles que seus filhos são criados, e os primeiros exemplos que as crianças vêem são os de roubo e dissimulação. Como não iriam eles familiarizar-se com esses vícios e tantos outros mais, que a escravidão arrasta consigo?" Culpemos o escravo, sem dúvida, mas não deixemos de culpar também o seu senhor.10
Como bem observou Ferdinand Denis,11 o regime a que são submetidos os negros difere bastante nas várias regiões do Brasil. Apresso-me a esclarecer que na Província de Minas eles me pareceram tratados com bastante doçura, e é certo que mesmo no Rio de Janeiro o tratamento que recebem é bem melhor do que nos estados do Sul da Confederação Americana. O consciencioso escritor que acabei de citar, bem como Spix e Martius, Gardner e mesmo o Conde de Suzannet, que mostrou tão pouca benevolência para com os brasileiros, são acordes em reconhecer que estes são geralmente muito indulgentes em seu trato com os escravos. Aqui está como se exprime, em particular, um desses exploradores, que segundo creio viajou mais tempo pela América portuguesa e pôde conhecer mais a fundo os seus habitantes: “Antes de minha chegada ao Brasil eu havia sido informado de que a condição dos escravos nesse país era a mais desgraçada que se podia imaginar. Mas poucos anos de permanência ali me foram suficientes para corrigir essa idéia errônea .... A escravidão jamais encontrará em mim um seu defensor, mas por outro lado não posso deixar que permaneça a crença de que os brasileiros proprietários de escravos sejam monstros bárbaros. Durante minha longa permanência no país foram poucos os atos de pura e simples crueldade que testemunhei .... Os homens da terra, por natureza inclinados à pachorra e à indolência, dão pouca atenção a faltas que entre povos mais ativos e de temperamento mais ardente seriam punidas com severidade; .... contentam-se em punir com algumas chibatadas certos crimes que na Inglaterra acarretariam a deportação ou mesmo a pena de morte.
Na maioria das fazendas os escravos são bem tratados e parecem bastante felizes... Eu jamais teria acreditado que os negros em algumas das propriedades mais ricas fossem escravos se não tivesse sido informado disso previamente. Tive oportunidade de ver grupos de trabalhadores deixarem alegremente suas choupanas pela manhã, as quais são geralmente rodeadas por um pequeno quintal, para se dedicarem às suas ocupações diárias, e retornarem à tarde sem a menor mostra de cansaço ou abatimento... As senhoras brasileiras me pareceram quase todas muito bondosas para com os seus escravos, e muitas vezes elas próprias cuidam dos que estão doentes.” (Gardner, Travels, etc., 17-19.) O mesmo autor confirma o que já disse há mais tempo (Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro, etc.) a respeito da pouca tristeza que os africanos levados para a América têm de haver deixado a pátria “Em todas as partes do Brasil que percorrí”, acrescenta ele, “conversei com os escravos, tendo encontrado muito poucos que lamentassem ter sido tirados de sua terra ou que quisessem retornar a ela.”
Volto agora ao melancólico albergue de S. João del Rei e ao infortunado enfermo entregue aos meus cuidados. Presa de uma dolorosa agitação, ele se voltou para a religião em busca da calma e do consolo de que necessitava. Paciente e resignado a partir de então, seus olhos não se afastavam de mim um único instante. Mas a expressão suplicante do seu olhar me dilacerava o coração. Desanimado e vencido pelo cansaço, mandei de volta ao Rio das Mortes o índio Firmiano, que parecia aborrecer-se por ter de participar dos constantes cuidados com o doente, e mantive comigo José Mariano, que tinha capacidade para me ajudar. Tinham-me dado esperanças, que no entanto não se concretizaram. A 7 de março Yves Prégent morreu e foi enterrado, com apropriado decoro, na igreja paroquial de S. João del Rei.
Muitos problemas me criou esse rapaz desde que sua saúde e seu temperamento se alteraram, mas era decente e honrado e me foi de extrema utilidade. Nenhum francês havia antes penetrado nessa província, havia-me dito ele quando entramos cm Minas, acrescentando que nada faria que pudesse envergonhar o nosso país. E mantivera a palavra. Sua perda foi dolorosa para mim. Sentia-me isolado naquela imensa região e me parecia que uma distância infinita me separava então da França.
Eu desejava ardentemente poder completar a coleção zoológica que Prégent tinha começado com tanto zelo e habilidade. Dois rapazes se apresentaram sucessivamente para substituí-lo, mas as informações que recebi a seu respeito não me permitiram contratá-los. José Mariano me garantiu que, tendo tido oportunidade várias vezes de ver Prégent preparar os pássaros, ele se achava capaz de fazer o mesmo trabalho, e que se eu lhe arranjasse um tocador12 poderia olhar pelos animais e continuar a minha coleção. Aceitei, finalmente, o seu oferecimento, mas era preciso arranjar um tocador.
Nesse meio tempo eu tinha deixado S. João e voltado para o Rancho do Rio das Mortes Pequeno. Vi-me forçado a rever o quarto onde o pobre Prégent tinha caído de cama, e o momento ainda foi muito doloroso para mim.
Havia algum tempo José Mariano vinha-se queixando de fortes dores de cabeça e quase não comia. No mesmo dia em que deixei S. João ele chegou ao rancho com febre. O Alferes José Pereira da Silva, o curioso sobre quem já falei, achou aconselhável dar-lhe um purgativo, e foi o que eu fiz. Sentia-me desesperado, na verdade, por me ver mais uma vez no papel de enfermeiro. Em breve José Mariano se achou em condições de experimentar suas habilidades como taxidermista. Todavia, não tardei a ter outro doente. Firmiano tinha-me acompanhado numa das excursões que eu era obrigado a fazer constantemente a S. João. Molhara-se no caminho, e apesar de minhas recomendações não trocou de roupa ao chegar ao Rancho. Resfriou-se, e a febre apareceu. Fiquei realmente desesperado e tive de recorrer mais uma vez ao amável Alferes, que lhe ministrou um medicamento. Ao fim de poucos dias o caboclo melhorou.
Enquanto ele ainda estava doente fui colher plantas nas pedregosas montanhas situadas à esquerda de quem vai do Rancho para S. João dei Rei (Serra de São João). Encontrei poucas plantas cm floração, provavelmente devido à seca que havia durado tanto tempo. O alto da serra é constituído por um amontoado de rochas onde cresce apenas uma espécie vegetal, a canela-de-cma (Vetlozia). As hastes dessa planta, que têm um aspecto singular como todas do seu gênero, atingem a altura de quatro a cinco pés. São retorcidas e raquíticas, e divididas em galhos de igual grossura em todo o seu comprimento. A não ser no seu topo, onde se vê um tufo de folhas rijas, lineares, pontiagudas e viscosas, elas são inteiramente nuas.
De volta do meu passeio encontrei Firmiano muito melhor, mas tristonho. Disse-me ele que não conseguia sentir alegria depois de termos perdido o nosso companheiro de viagem. A perda fora de fato muito grande para o pobre índio. Prégent divertia-o, além de só lhe dar bons exemplos c lições aproveitáveis. Já com os brasileiros que fui forçado a tomar a meu serviço ele nada tinha a ganhar, chegando mesmo a perder até os seus selvagens encantos.
No dia seguinte Firmiano estava quase restabelecido. Mas tudo indicava que não me seria dado gozar um único dia de tranqüilidade. José Mariano tinha-se iniciado com sucesso na sua nova profissão de empalhador. Contudo, nesse dia deixou passar duas refeições sem tocar nos alimentos. Foi-se tomando tristonho, e me disse que tinha de ir à sua casa buscar suas coisas. Esse problema trouxe-me novas preocupações, pois Firmiano não se achava completamente restabelecido e eu ainda não tinha arranjado um tocador.
O amável alferes tentou inutilmente conseguir-me um homem, mas acabou reconhecendo que era inútil procurá-lo nas redondezas do Rio das Mortes. Apesar disso dirigi-me a S. João, e na tentativa de conseguir de qualquer maneira a pessoa que me conviesse, pedi ao ouvidor que me desse uma carta de recomendação para ser apresentada às autoridades nas povoações por onde eu iria passar quando deixasse o Rancho. O magistrado recebeu-me gentilmente e me entregou uma carta para o Capitão-Mor de Tamanduá.
Eu me sentia mais cansado do que se pode imaginar, tendo em vista os obstáculos que vinha encontrando. Mal conseguia manter-me de pé. Emagrecera muito e receava adoecer por minha vez se permanecesse por mais tempo numa região por onde passara por tanto desgostos e atribulações, e pela qual eu sentia cada vez maior aversão.
Finalmente, a 18 de março tomei a decisão de partir no dia seguinte, não importando o que acontecesse. A noite acertei as contas com os meus hospedeiros do Rio das Mortes Pequeno, mas afora as despesas com algumas provisões que eu mandara comprar, eles não quiseram aceitar nenhum pagamento. E no entanto tratava-se de gente pobre. Tinham-se desdobrado em cuidados com os meus doentes e comigo próprio, haviam lavado a minha roupa branca, sempre me davam presentes, e durante um mês ficaram privados por nossa causa de uma parte de sua casa. Se por um lado não tenho com que louvar os habitantes de S. João del Rei,13 por outro encontrei, pelo menos entre essa boa gente, a generosa hospitalidade que me fez votar aos mineiros eterna gratidão.
NOTAS
1 Ver meu segundo relato. Viagem ao Distrito dos Diamantes, etc.
2 Essa cobra fazia parte da imensa coleção que, a minha chegada à França, entreguei ao Museu do Paris.
3 Foi a existência dessa Confraria e da de Nossa Senhora do Carmo (Ordem Terceira de N. Sra do Carmo. Ordem Terceira de S. Francisco) que levou Walsh (Notices, 11. 134) a dizer que havia dois conventos em S. João del Rei. É sabido que não era permitido às ordens religiosas estabelecerem-se na Província do Mlnas Gerais.
4 Já dei a conhecer em meu segundo relato o caráter íntegro de José Teixeira, que mais tarde recebeu do Imperador D. Pedro I o titulo de Barão de Caeté.
5 O termo curioso corresponde em nossa língua ao de amador, mais tem um sentido mais amplo.
6 Os paulistas foram outrora vencidos e escorraçados pelos forasteiros que chegaram depois deles à Provincia de Minas e cujos descendentes formam a maioria da sua população atual. Data dessa época o desentendimento que existiu durante multo tempo, e talvez ainda exista, entre mineiros e paulistas.
7 Ver o que escreví sobre a Comarca do Rio das Mortes e sua capital em meu livro Viagem ao Distrito dos Diamantes, etc.
8 "Vinda de vários províncias — diz um autor brasileiro — espalhou-se pelas matas de Minas uma população numerosa, que não conhecia outra lei senão a da força, que se entregava a uma licenciosidade sem limites, à qual nada importava a não ser o ouro e cujo caráter era uma mistura de orgulho, ambição e audácia levados no ultimo grau" (Pizarro, Mem. Hist-, vol. VIII. 2ª parte. 9).
9 Um jovem brasileiro de boa familia contou-me que, quando era criança, seu pai lhe proibia terminantemente brincar com os filhos dos escravos, mas ele desobedecia essa ordem sempre que tinha oportunidade. Presumo que a maioria dos pais de família fazem essa proibição e são igualmente desobedecidos.
10 A escravidão, como se vê, acarreta numerosos males, mas é bem possível que esses males fossem ainda maiores se os escravos recebessem repentinamente a emancipação, como exigem em altos brados os filantropos, sem dúvida animados das melhores intenções mas inteiramente ignorantes do que sejam os negros e a América. Os laços que prendem os escravos devem ser afrouxados gradativamente, do contrário os riscos serão muito grandes. O que se passou no Brasil, com referência ao tráfico de escravos, tende a continuar o que digo aqui. No reinado de D. João VI haviam sido fixados rígidos limites para esse tráfico e as taxas cobradas a quem importava escravos eram muito altas. Não existia, pois, o contrabando, parque os lucros que isso podería trazer não contrabalançavam os riscos. Os escravos eram caros, e as pessoas de poucos recursos só podiam comprá-los a crédito, pagando juros onerosos. O homem livre acabava por se resignar pouco a pouco a trabalhar, e à medida que se habituava a isso as tarifas podiam ser gradativamente aumentadas, prejudicando assim o tráfico na mesma proporção. Este foi inteiramente suprimido num momento em que os brasileiros ainda o consideravam indispensável. Em toda parte onde o contrabando oferece bons lucros sempre surgem contrabandistas audaciosos que enfrentam todos os riscos. Foi o que aconteceu no Brasil. Enquanto os veleiros dos Reinos Unidos cruzam os mares entre a Africa e a América para impedir o tráfico, e chegam mesmo a fazer multas presas, o dinheiro dos capitalistas ingleses continua a sustentá-lo (ver Kidder, Sketches, II. 390), e eu fugiría à verdade se dissesse que nenhum francês jamais tomou parte nisso. Os lucros são de tal ordem, diz Gardner. que uma única leva de negros que consegue romper o cerco paga os prejuízos de três que foram apresados e ainda deixa margem para lucro. "Tenho boas razões para acreditar", acrescenta o mesmo autor, "que durante os cinco anos que passei no Brasil as importações sempre corresponderam à procura. Todo mundo sabe no Rio do Janeiro que os carregamentos de escravos são desembarcados regularmente a pouca distância da cidade (...) e em várias viagens que fiz pelo litoral vi frequentemente serem desembarcados levas de até 300 negros. Muitas vezes também encontrei, no interior, bandos de até 100 africanos, que iam ser postos à venda. (...). Os próprios magistrados compravam escravos regularmente, e ninguém ignora que os homens colocados à testa dos distritos onde sâo desembarcados os negros são subornados para se manterem calados" (Travels, 10). Vejamos, pois, qual foi para o Brasil o resultado da brusca supressão do trafico. Não parece que as importações tenham diminuído, pois elas correspondem à procura (ver, além de Gardner. H. Say. Hist. Rel. 249). Os negros não são provavelmente tratados de maneira melhor ou pior do que anteriormente, e os filhos dos homenn livres continuam a ser criados no meio dos escravos; mas ocorreram algumas mudanças. As leis e os tratados proclamados perante o Universo são violados por todo mundo — europeus e americanos — e os que deveríam zelar pelo seu cumprimento recebem dinheiro para calar a boca: o espirito dos antigos flibusteiros renasceu em homens que se colocam como eles, a margem da sociedade cristã; as torturas que os negros sempre sofreram durante as travessias marítimas (Martius, Reise, II, 605) tornaram-se mais terríveis devido aos meios empregados pura subtrai-los, à perseguição dos cruzadores (Walsh. Not., II. 490), e duplicam quando os navios negreiros são aprisionados (ver Minerva Brasiliense, III, 34); o dinheiro que se pagava ao fisco pelas importações legais enriquece agora os capitalistas ingleses o os aventureiros sem fé o sem lei.
11 Brésil, 142.
12 O tocador, como já disse em outra parte, é encarregado de conduzir a tropa sob a supervisão de um arrieiro; é ele que a dirige durante a marcha. Um viajante, ao falar dos preparativos que fez para atravessar a Província de Mina», disse que é preciso ter muito cuidado com a escolha dos guias: "Não basta que eles conheçam os caminhos; cabe-lhes ainda cuidar dos animais e velar por eles durante a noite, para que não se afastem muito do acampamento. Um bom guia deve saber ferrar, sangrar os animais e consertar as selas" (Suz.. Souv.. 258). É evidente que se trata aí de arrieiros, pois são eles que ferram os animais, etc Mas esses homens não são guias, apenas conduzem as pessoas aonde elas querem ir, e quando não sabem o caminho pedem informações. A náo ser quando se pretende escalar um morro elevado, eles são tão desnecessários na Província de Minas quanto na Europa, e talvez os riscos de uma pessoa se perder sejam menores na primeira, porque as estradas são pouco numerosas. É possível que algum arrieiro, para ao valorizar aos olhos do patrão, lhe tenha prometido zelar pelos animais durante a noite: mas quando não há pasto fechado os burros são simplesmente soltos no capinzal, sempre que possível encostados a uma colina. As vendas, os ranchos — abrigos abertos a todos os viajantes — as fazendas e os sitios, onde o forasteiro encontra hospedagem, são provavelmente o que o autor acima citado chama de acampamento, já que. mesmo nas regiões mais desertas (sertão) da Província de Minas, é raro que o viajante se veja forçado a dormir ao relento, o que atesto por experiência própria depois de viajar durante dois anos por essa província. Pode-se consultar sobre esses pontos os autores mais dignos do crédito: Eschwege, Pohl, Spix e Martius.
13 Ver meu segundo relato, Viagem pelo Distrito dos Diamantes, etc.
Texto de Auguste de Saint-Hilaire em "Viagem às Nascentes do Rio São Francisco" Livraria Itatiaia, (Belo Horizonte) e Editora da Universidade de São Paulo (São Paulo), 1975, tradução de Regina Regis Junqueira, excertos pp.63-72. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
(“Voyage aux Sources du Rio de S. Francisco” ARTHUR BERTRAND, LIBRARIE — ÉDITEUR Rue Hautefeuille, 28 Paris, 1847)
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