11.01.2018

CHOCOLATE - A BEBIDA SAGRADA DE MAIAS E ASTECAS



Do xocolatl dos astecas às chocolatiers da Bélgica: a saga, a ciência e os segredos do alimento dos deuses.

1. ALIMENTO DOS DEUSES

O processamento da semente do cacau começou entre os grandes povos pré-colombianos, cuja elite bebia um chocolate primitivo, misturado com água, pimenta vermelha, milho e mel, em celebrações da vida e da morte. Entre aquelas civilizações, em que se confundiam selvageria e sofisticação, o cacau foi alimento, objeto de devoção e

símbolo de poder. Isso até que, no século XVI, um conquistador espanhol, Hernán Cortés, acabasse com a festa mesoamericana: aniquilando o império de Montezuma, o maior soberano asteca, e levando o cacau para a Europa. Era o fim da pré-história do chocolate. E o começo de um novo romance entre a humanidade e o doce que conquistaria os paladares de nobres e plebeus,em todas as partes do mundo.

Prisioneiros de guerra e jovens virgens não faziam planos de longo prazo no Império Asteca. Todos os anos, milhares deles eram sacrificados em rituais sádicos, em que os corações das vítimas eram arrancados com facas para aplacar a ira dos deuses - o que, na prática, era um pedido por mais chuva. Nem as crianças escapavam: quanto mais chorassem antes do golpe final, melhor. Sinal de que a estação seca não seria tão seca assim.

Por mais destrutivos que fossem seus rituais, os astecas dominaram a região central do México entre 1325 e 1521 e tiveram importância fundamental na história da alimentação. Foram eles que primeiro impressionaram um europeu, o conquistador espanhol Hernán Cortés (curiosamente o próprio algoz dos astecas), com a bebida

preferida da elite daqueles índios: o chocolate. Mas, antes de migrar do Novo para o Velho Mundo, o cacau - matéria-prima do chocolate - teve trajetória ilustre entre povos ainda mais antigos, acompanhando banquetes, rituais e até os túmulos da nobreza maia, e antes dela dos olmecas, e antes deles de uma comunidade misteriosa da América Central: a primeira a ter a ideia de transformar o fruto do cacaueiro em bebida. Mas que ainda não era chocolate.

No princípio, era a birita. O primeiro fruto do cacau bebido  nas Américas foi uma intrigante versão de cerveja artesanal (5% de álcool) produzida pela fermentação de sua polpa doce. É exatamente o que sugere um estudo da Universidade da Pensilvânia, com vasilhas de cerâmica datadas entre 1400 a.C. e 1100 a.C, de um sítio arqueológico de Honduras. “Os resultados foram espantosos”, afirmou Patrick McGovern, um dos autores. "Todas as vasilhas deram resultado positivo para teobromina.”

Esse alcaloide, primo da cafeína, é a impressão digital do cacau. E o formato das vasilhas, semelhante ao de recipientes de bebida de outros povos, apontava para a natureza alcoólica de seu conteúdo.

Embora a identidade do povo que se embriagava ali seja um mistério, a revelação do que eles bebiam é importante. Explica qual deve ter sido a inspiração para que os olmecas, cerca de 500 anos depois, procurassem outras formas de fazer bebida com o cacau e experimentassem fermentar não a polpa, mas as sementes.

Esses índios criaram a primeira grande civilização da América Central, no sul do México. Deixaram impressionantes cabeças humanas de 10 toneladas, inventaram um jogo tataravô do futebol e tinham uma atividade agrícola impressionante. No comércio, os olmecas usavam pó de cacau como moeda, e a mesma teobromina foi descoberta em recipientes desse povo; dessa vez, com formatos não associados à bebida alcoólica. Era o primeiro chocolate.

A influência dos olmecas foi tão grande entre os povos vizinhos que levou o hábito de beber chocolate para uma civilização mais bem documentada e com maior repercussão na história da humanidade: os maias. Como você vai ver a seguir.

CHOCOLATE COM PIMENTA

O mundo não acabou em 2012 como eles supostamente previam. Mas isso não quer dizer que faltasse sabedoria a esses pré-colombianos, chamados pelos historiadores de “os gregos do Novo Mundo”. Os maias (que tiveram seu período clássico entre os anos 200 e 900) eram bons de arquitetura, matemática foram pioneiros da criação do zero, representado como um cesto vazio - e deixaram uma literatura rica, escrita em ranhuras feitas em papel de casca de figueiras. Em uma dessas obras, o Códice de Madrid, um painel exibe deuses furando as orelhas com lâminas, e o sangue respingando sobre um cacau.

O chocolate que esse povo bebia ainda era distante daquele que você pede na padaria para acompanhar o pão na chapa. Mas já havia ali todo um sistema de processamento da semente do cacau que, sim, deixou herança para a manufatura dos dias de hoje. Depois que a amêndoa (como também é chamada essa semente) era fermentada, seca, tostada e moída - até aqui, os mesmos passos do processo atual -, a pasta resultante era misturada com água, pimenta, mel e farinha de milho.

Mais uma vez, o chocolate ali era uma bebida de elite, que acompanhava a nobreza até nos túmulos. E sua semente era presença obrigatória em momentos mais felizes também: nas cerimônias de casamento, os noivos trocavam cinco sementes de cacau como hoje trocam alianças. Um sinal mútuo de aceitação. E de valorização do produto. “Reis maias vitoriosos exigiam pesados tributos em cacau das tribos conquistadas, que colhiam os frutos", explica o americano Mort Rosenblum, autor de 'Chocolate - Uma saga agridoce preta e branca'. Falando sobre as terras ricas em produção entre o México e a Guatemala, o escritor afirma: “Em essência, esses cinturões de cacau equivaliam à Casa da Moeda maia, onde o dinheiro dava em árvores.”

O DEUS DO CHOCOLATE

Se para os maias o cacau servia como artigo valioso para transações comerciais, para os astecas era mais que isso: era a moeda oficial do reino. A maior parcela das sementes constituía um tesouro nacional e pagava inclusive o salário dos militares. Comprava-se um escravo com 100 sementes; um programa com uma prostituta custava até 10. A parte que não virava grana era moída e transformada em chocolate, mais acessível à alta sociedade - que, embora gostasse de sacrifícios humanos, tinha seu lado festeiro. Como conta o antropólogo francês Jacques Soustelle, autor de 'Daily Life of the Aztecs' (A vida cotidiana dos astecas): “Os banquetes prosseguiam até de madrugada, com danças e canções, e a festa só terminava de manhã, depois da última taça do perfumado chocolate, cheirando a mel e baunilha".

Os astecas chamavam sua bebida de “xocolatl”, junção das palavras “xococ”(amargo) e "atl”(bebida). Ou seja, o nome da coisa é um fóssil linguístico — uma palavra asteca, que acabou ressuscitada em praticamente todos os idiomas do planeta. Eles também eram religiosos: tinham crenças complexas em diversos deuses, que representavam as forças da natureza. Inclusive adoravam um deus do chocolate. Era Quetzalcoatl, que, segundo acreditavam, trouxe o cacau direto do jardim do Paraíso. Os súditos de Montezuma, o grande rei asteca, ainda não sabiam, mas a adoração a esse deus teria influência direta no genocídio que varreria o império do mapa. Conforme a mitologia, Quetzalcoatl teria entrado em atrito com outro deus e fugido numa jangada entrelaçada de serpentes. Mas com a promessa de que voltaria, no ano de 1519.

E eis que justamente nesse ano surge um ser extraordinário, vindo do mar, como previam os ancestrais - sobre uma “casa flutuante" e cavalgando animais que os astecas nunca tinham visto: não havia cavalos ainda nessa parte do mundo. Os astecas celebraram a volta triunfal de seu deus do chocolate e o receberam com submissão e presentes. Hernán Cortés não podia esperar melhor recepção. E reagiu seguindo o instinto do conquistador que era: em apenas dois anos, saqueou, matou e dizimou um império de dois séculos.

A EUROPA CONQUISTADA

A caminho de casa, após sua quarta incursão pela América, Cristóvão Colombo passava pelo litoral de Honduras, ainda na esperança de encontrar alguma riqueza exótica. Corria o ano de 1502. Ancorado próximo a uma ilha, abordou canoas de índios que traziam panos e utensílios de cobre, entre outras bugigangas. Mas o que os selvagens pareciam achar de mais precioso entre suas ofertas era um punhado de amêndoas. O descobridor não entendeu quando algumas delas caíram no fundo da canoa, e os aborígenes “se engalfinharam para catá-las, como se fossem olhos que tivessem caído de suas cabeças” - segundo relataria mais tarde o filho do genovês. Como Colombo e os índios não falavam a mesma língua, ele ficou sem entender o valor daquelas sementes. Deixou-as para trás, e assim perdeu a chance de ser o homem que introduziria o chocolate no continente europeu.

Quem o fez foi o espanhol Hernán Cortés, que, enquanto acabava com a raça dos astecas, teve chance de testemunhar como aquelas amêndoas enrugadas se transformavam em bebida na mão dos nativos. E chegou até a anotar uma receita para o preparo do líquido: 700 gramas de cacau, 750 de açúcar, 60 de canela, 15 de pimenta, 14 de cravo, 3 favas de baunilha, um punhado de anis, algumas avelãs, almíscar e flor de laranjeira. Quando escreveu ao rei da Espanha, Carlos I, encheu sua descoberta de elogios: “Com uma xícara dessa bebida preciosa, um homem é capaz de caminhar um dia inteiro sem comer”.

Não há registro de que o monarca europeu tenha se entusiasmado tanto quanto seu súdito. E o cacau permaneceu raro na Espanha durante quase 60 anos. Foi só em 1585 que uma frota partiu do território do antigo Império Asteca em direção a Sevilha, carregada com cacau. Começava ali o tráfego marítimo que estabeleceria de vez o chocolate no centro do Velho Mundo. Mas, durante algum tempo, ele ficaria restrito à Espanha, como um delicioso segredo.

Conforme conta Mort Rosenblum em seu 'Chocolate - Uma saga agridoce preta e branca', o cacau era processado em mosteiros e conventos espanhóis. E o fato de o chocolate ser tão irresistível gerou polêmica entre os católicos, ciosos das tentações terrenas. Um bispo da época ficou furioso porque as senhoras sorvendo chocolate nos últimos bancos da igreja perturbavam a missa. “As mulheres se recusaram a ceder e mudaram de igreja. E o bispo, inexplicavelmente, morreu envenenado.”

O cacau permaneceu um segredo espanhol até o começo do século XVII. Foi quando um mercador florentino, Francesco Antonio Carletti, conseguiu levá-lo para a Itália, acabando com o monopólio ibérico. O que foi ótimo. Os cozinheiros italianos logo estavam imaginando novas formas de preparar o cacau líquido, e a bebida ficou muito mais interessante. Eles desenharam porcelanas exclusivas para servi-la, e salões de chocolate abriram em Veneza e Florença. Mas a consolidação do sucesso no continente europeu viría mesmo a partir de 1615. Foi quando uma princesa espanhola de 14 anos, Ana de Áustria, teve de se mudar para a França, para casar. Seu futuro marido era nada menos que o rei Luís XIII. Mas Ana só concordou em partir quando lhe deixaram levar para Paris seu verdadeiro amor: o chocolate.

RAINHAS CHOCÓLATRAS

Na França, o cacau foi incorporado à riqueza da cultura gastronômica. Foi lá que surgiu o primeiro chocolatier do mundo: David Chaillou, intitulado chocolateiro oficial. Ganhou até patente real, em 1670, concedendo-lhe “o privilégio exclusivo de fazer, vender e administrar certa composição chamada chocolate”. Chaillou levou a preparação da bebida a outro patamar, conquistando de vez o paladar da aristocracia francesa. Tanto que receber convidados para tomar chocolate quente no desjejum, em canecas de prata, virou moda entre os ricos da época. Era a droga preferida dos bem-nascidos, visto como estimulante do bom humor e incentivador da libido. O cardeal Richelieu admitiu vício pela coisa. E, curiosamente, até a Revolução Francesa, todos os reis Luíses se envolveríam com mulheres chocólatras. Maria Teresa, que se casou com Luís XIV, era obcecada por chocolate. Uma fofoca dizia que a rainha havia tido uma filha negra, que escondeu do mundo - e isso teria sido consequência do tanto de chocolate que ela ingeria. Já a amante de Luís XV, a Marquesa de Pompadour, obrigava o rei a tomar chocolate para funcionar na cama - ela dizia que, sem a bebida, Luís parecia “morto como um pato frio”. Maria Antonieta também desembarcou em Paris com chocolate na bagagem. E trouxe seu próprio chocolatier vienense, que lhe preparava uma infusão que combinava pó de orquídeas, flor de laranjeira e leite de amêndoas.

Como aconteceu em diversas épocas da gastronomia, o entusiasmo dos franceses contaminou o resto da Europa - o que, naquela época, significava o resto do mundo. E a exportação dessa devoção, especialmente para a Inglaterra, revolucionou o consumo, mudando para sempre o rumo da história do chocolate.

NA BOCA DO POVO

Ainda na segunda metade do século XVII, um francês abriu em Londres a primeira loja de chocolate inglesa. Com uma diferença fundamental: sua clientela era de pessoas comuns. A bebida deixava de ser uma exclusividade da aristocracia e caía no gosto popular. Tanto que as casas de chocolate londrinas logo estavam rivalizando com as cafeterias. E foi em 1674 que o Caffee Mill e 0 Tobacco Roll surgiram com uma novidade que teria consequências na forma como eu e você degustamos nossos chocolates: eles passaram a servir o doce sólido. Pela primeira vez na história, havia à disposição chocolate para comer.

Pena que o que serviam era um doce grosseiro e, segundo relatos, não muito gostoso. Mas abriu a possibilidade de se ter chocolate em outras formas. Ainda assim, a primeira grande inovação nesse sentido demoraria a acontecer - mais de 150 anos. Foi em 1828 que o holandês Conrad van Houten descobriu um jeito de extrair, com uma prensa hidráulica, a manteiga de cacau e depois fazer um pó com o restante da massa. Combinando parte da manteiga de cacau separada com açúcar e  adicionando o pó, ele conseguiu um feito inédito: moldar o chocolate. Duas décadas depois, o inglês Joseph Fry aprimorava a técnica para produzir o primeiro chocolate em barra do planeta.

Mais 20 anos se passaram, e um chocolateiro suíço, Daniel Peter, usou leite condensado, inventado por um amigo alemão, para criar o chocolate ao leite - até hoje, o mais popular dos produtos à base de cacau. O tal amigo era um farmacêutico que, em 1886, ainda inventaria outro best-seller da alimentação: a farinha láctea. Seu nome? Heirich Nestlé.

O CHOCOLATE ANTES DE SER CHOCOLATE

A gente concorda: alimento dos deuses. Esse é o significado do primeiro termo do nome científico do cacau: Theobroma. A matéria-prima do chocolate brota numa planta que só começou a ser cultivada no norte da América do Sul entre 10 e 15 mil anos atrás: o cacaueiro. A planta se sente em casa em florestas equatoriais, próximas à linha imaginária que divide os Hemisférios Sul e Norte. Tem plantações de cacau na África Ocidental - onde estão os países que mais fornecem sementes para o mundo: Costa do Marfim e Gana - na Indonésia, no Equador, na Colômbia e também aqui no Brasil, onde se concentram no sul da Bahia. Se você leu 'Gabriela', de Jorge Amado, sabe que o romance tem como pano de fundo a justamente economia que gira em torno da produção de cacau em Ilhéus.

Tão conhecido dos ilheenses, o cacaueiro é um vegetal cheio de frescura. Embora atinja até 8 metros de altura, prefere quando jovem se proteger à sombra de árvores mais altas, evitando o sol escaldante nessas regiões e a força do vento. Gosta de longas estações chuvosas e temperaturas altas. Aí, quando completa 5 anos, já está forte o suficiente para produzir cacau. É quando entram em ação suas flores, que podem ser polinizadas por insetos o ano todo. Entre essa polinização e o amadurecimento do fruto, decorrem cerca de seis meses. E dá para notar: de esverdeado, o cacau maduro se torna amarelado, e chega a pesar, em média, 500 gramas. É chegada a hora da colheita. No interior de cada cacau maduro encontram-se de 20 a 50 sementes, revestidas por uma polpa esbranquiçada e doce, levemente ácida - que não tem absolutamente nada a ver com o gosto do chocolate. Especialistas associam o sabor ao da lichia. Tente experimentar. Para que esse conjunto de sementes - que os fabricantes também chamam de amêndoas - comece a pensar em ser chocolate um dia, deve passar por um processo que começa na fermentação, quando a polpa é eliminada, e as sementes, antes cinza, ganham a cor marrom que vai perdurar até o produto final. Bastam sete dias secando para que estejam aptas a ser ensacadas viajar para as fábricas, onde acontecerá o processamento do cacau e da massa de chocolate.

Mas a utilidade do cacau não para por aí. Embora o chocolate seja seu filho mais famoso, o fruto tem outras metamorfoses interessantes, que vão de alimentos a produtos farmacêuticos. Sua polpa multiuso pode virar sucos, licores, sorvetes e geleias, enquanto a manteiga extraída da prensagem da semente vira batom hidratante para os lábios (quem nunca teve de usar?), cosméticos, sabão e até componente de supositórios.

Para ser chocolate no duro, o doce precisa ter, no mínimo, 25% de sólidos de cacau em sua composição. É o que diz a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).  Se tiver menos que essa porcentagem, pode ser considerado “doce com sabor de chocolate”. E isso faz uma diferença enorme. Por exemplo, você já leu por aí sobre os benefícios do chocolate para a saúde. Esse bônus vem por causa do cacau. É ele que tem teobromina e flavonoides que protagonizam manchetes sobre como você pode comer chocolate sem culpa. Quanto mais cacau, mais saúde. E, para os apreciadores exigentes, mais qualidade também. Um chocolate amargo “puro” é feito somente da combinação  de liquor de cacau (que não é a bebida licor, mas uma mistura do cacau em pó com manteiga de cacau), mais açúcar e outro tanto só de manteiga de cacau. Costuma entrar um pouco de lecitina de soja (emulsificante) também, mesmo nos puros.

No chocolate ao leite, essa mistura recebe a adição de... leite. E é por isso que o produto é mais claro. E mais doce também. O amargo do cacau vai se perdendo - assim como a vida saudável prometida pelos defensores do chocolate. Numa barra de Nestlé Classic ao Leite, por exemplo, o liquor de cacau é só o quarto ingrediente mais presente. O predominante? Açúcar.

Já o chocolate branco tem um problema sério de identidade. Porque leva 0% de cacau sólido. É puramente açúcar, leite e manteiga de cacau - a gordura da semente, não a parte saudável. E você viu: se não tem cacau sólido, não pode ser chamado de chocolate.

Na sua essência, chocolate não tem glúten - que está no trigo, na cevada, no centeio... nada que seja componente de chocolate. Só que, ao passar por recipientes ou equipamentos em que alimentos com glúten também são processados, o chocolate fica contaminado. A indicação de que o produto é “glúten free” sugere, então, que houve maior cuidado nesse processo. E que os alérgicos ao vilão da vez podem comer sossegados.

2. O (PRIMEIRO) MUNDO DO CHOCOLATE.

UM GIRO DELICIOSO PELOS PAÍSES QUE FAZEM OS MELHORES CHOCOLATES DO PLANETA

Quem experimenta uma cerveja artesanal de qualidade superior se arrisca a parecer arrogante depois, quando os amigos insistem com as aguadas opções do boteco. Então prepare-se para virar "o chato do chocolate”. Após conhecer os pralinés belgas, a modernidade dos catalães, o chocolate de autor da França, você achará que esses doces e as barras ao leite mais populares do supermercado nem deveriam ter o mesmo nome. Talvez não devessem mesmo.

BÉLGICA

O chocolate belga é como a capital do país: honra suas tradições, mas tem o melhor da modernidade.

A gigantesca praça central de Bruxelas é também um dos pontos turísticos mais lindos do mundo. Principalmente se você tiver a sorte de estar lá durante as ocasiões (a cada dois anos) em que a Grand Place - a praça central que já foi residência de artistas como Vitor Hugo e é Patrimônio Mundial da Humanidade - tem seu chão totalmente recoberto com 750 mil flores, formando imagens de temas variados. Fica parecendo um tapete mágico. Mas a capital da Bélgica tem outras atrações  imperdíveis, principalmente para turistas em busca de alta gastronomia. É justamente nessa cidade que ficam os melhores chocolates do mundo. Para se ter uma ideia da dedicação desse país ao chocolate, Bruxelas tem hoje um milhão de habitantes e algo em torno de 500 chocolatiers. Uma média impressionante. De tanta quantidade, a tendência é que viesse muita qualidade. E veio.

Desde que Jean Neuhaus inventou o praliné, há coisa de um século, o resto do mundo sabe que, em matéria de criação de chocolates, os belgas são, quase sempre, medalhas de ouro - embora haja, claro, outros países europeus com uma produção igualmente impressionante e criativa, como a França. Mas sua história sempre foi de uma inventividade que transformou para sempre a noção de chocolates finos no mundo.

A INVENÇÃO DO PRALINÉ

No século XVII, já havia nobres e artistas degustando a bebida asteca à base de cacau em Bruxelas. Mas foi apenas na segunda metade do século XIX que o chocolate se tornou uma verdadeira paixão na Bélgica. No reinado de Leopoldo II, o país colonizou o Congo e estabeleceu uma produção exclusiva e permanente de cacau. Logo, o chocolate se tornou um grande negócio entre os belgas. Mas a evolução mesmo aconteceu quando, em 1857, Jean Neuhaus abriu uma loja de doces na capital - era a primeira especializada em doces da cidade. A população vinha curiosa por suas barras de chocolate amargo. E 60 anos depois, já no século XX, o neto de Neuhaus lançou uma das grandes criações do chocolate de todos os tempos: o praliné. O mundo nunca tinha visto conchas de chocolate preenchidas com um recheio suave e aveludado. Foi um caso de amor instantâneo.

Mas, antes de retornarmos ao mundo contemporâneo, uma explicação: praliné, em alguns países, é outro tipo de doce, um caramelo com amêndoas.

CHOCOLATE COMO DEVE SER

O segredo da qualidade do chocolate belga é que: não há segredo. Eles fazem o que todo mundo deveria fazer. Tem um cuidado e uma proximidade exemplar com seus fornecedores, acompanham o processo de torra e, muito importante, consideram vergonha adicionar gorduras vegetais às receitas tradicionais de seus chocolates. Quando você come um chocolate amargo belga, sabe que a maior parte da composição é de puro cacau... e a mão do artista.

Em Bruxelas, os viajantes menos interessados na gastronomia ficam com as lojas da Grand Place mesmo - onde, aliás, já tem muita coisa boa. Mas os conhecedores, compradores sérios, hoje vão para a Place du Grand Sablon - outro lugar que valería a visita mesmo que não houvesse nenhum chocolate por lá. O quarteirão tem casas dos séculos XVI e XIX, e, dentro delas, uma variedade de produtores, onde a tradição está sempre em harmonia com a vanguarda.

Não dá para se falar em chocolate belga sem citar três grandes marcas tradicionais: Leonidas, Godiva e Neuhaus. Elas são as que mais atraem turistas, não sem motivo. Mesmo para o consumidor mais curioso, que tem algum conhecimento de chocolate, continuam sendo uma referência de alto padrão. Mas são empresas que fazem produção em massa. Quem mora em Bruxelas já vai atrás de produtores mais ousados - e gosta de dizer que há chocolates para turistas e chocolates para os locais. Dois dos maiores exemplos dessa vanguarda, curiosamente, se tornaram rivais.

MARCOLINI X WITTAMER

Provavelmente não há outro espaço no mundo em que, numa distância de poucos metros, estejam dois chocolatiers considerados entre os melhores do planeta. Eles são Paul Wittamer e Pierre Marcolini. Ambos instalados na Place du Grand Sablon. Apesar de mais antiga, foi nos anos 1980 que La Maison Wittamer assimilou as técnicas da Nouvelle Cuisine para lançar chocolates inovadores e abrir caminho para uma nova geração de chocolateiros. A casa foi, por exemplo, a primeira a usar chocolates com o uso de cores - principalmente um rosa brilhante, que se tomaria símbolo da marca.

Já Marcolini é, talvez, o Messi da chocolataria mundial. Desde que ganhou o Campeonato Mundial de Doces, em 1995, no mesmo ano em que abriu sua primeira loja em Bruxelas, o chocolatier decolou para o mundo e, em apenas uma década, já tinha estabelecimentos em Paris, Londres, Nova York e até no Japão. Assim como acontece na produção de vinho, Marcolini tem barras Grand Cru, um aval de que se trata de chocolate superior. Ele ainda faz questão de avisar que esses chocolates são produzidos em um mesmo local. E que vai pessoalmente conferir o trabalho dos agricultores.

Foi o pioneiro, em Bruxelas, a trabalhar em contato direto com plantações em países como Venezuela e Madagascar. Também já se gabou de ser o primeiro a trabalhar com o  produto de cacaueiros cubanos. Para ele, a origem, e a proximidade do chocolatier com as plantações, importa muito. É esse cuidado que, no fim, diferencia o chocolate superior. Mas Wittamer desdenha de certos exageros. Já declarou que é completamente desnecessário produzir a própria semente, já que há excelente matéria-prima à disposição no mercado. Os chocolates de Marcolini vêm em finas caixas de marrom escuro e fazem belos presentes luxuosos. Alguns conhecedores o apontam como o grande artista do chocolate da cidade hoje, por conta de seus sabores e aromas mais sutis - que talvez não agradassem a muita gente sem o mesmo apuro no paladar. Os mais tradicionais, entretanto, ainda preferem Wittamer - que, curiosamente, tem um esquema mais artesanal que o do rival.

La Maison Wittamer produz cerca de 50 toneladas de chocolate por ano, em um pequeno espaço atrás da loja. Mais exclusivo, impossível. Marcolini produz 300 toneladas no mesmo período. E, para se ter uma comparação entre quem são os pequenos charmosos e quem é gigante na cidade do melhor chocolate do mundo, fique com os números da Godiva: 3 mil toneladas anuais.Daí o consumidor comum ir direto às três grandes, enquanto os devotos do chocolate de autor preferem flanar pelas casinhas charmosas da Place du Grand Sablon.

SUIÇA

CONHEÇA A HISTÓRIA - E O SUCESSO -DO PAÍS QUE MODERNIZOU COMO NUNCA A PRODUÇÃO DO CHOCOLATE.

Não deve ser por causa dos canivetes ou relógios. Talvez dos queijos furadinhos. Mas, na terceira edição do Relatório Mundial da Felicidade, que saiu em 2015, a Suíça despontou como o país mais feliz do mundo - seguido por Islândia, Dinamarca, Noruega e Canadá (o Brasil está em 16º). De onde vem tamanha alegria?

Nosso palpite: do chocolate (além do ótimo índice de Desenvolvimento, claro). O produto é tão patrimônio do país quanto o brigadeiro é para nós. Com a diferença que brigadeiro, em 90% dos casos, é produzido com chocolate inferior. E os chocolates deles estão na outra ponta dessa história.
O país começou sua relação com o chocolate razoavelmente tarde - só na segunda década do século XIX, enquanto outros países europeus estavam se deliciando com bebidas à base de cacau dois séculos e meio antes. Mas, quando começou, foi para se especializar na coisa.

A marca mais antiga de chocolate do país foi estabelecida em 1819, a Cailler, com uma das primeiras fábricas de chocolate mecanizadas. E uma série de suíços se dedicou a revolucionar a produção do doce. Como você viu em nosso capítulo sobre a chegada do chocolate à Europa, após fundar sua própria fábrica em 1867, o suíço Daniel Peter realizou a proeza que muitos consideravam impossível. Ou nem imaginavam. Fez chocolate ao leite, usando o leite condensado inventado pelo amigo Heinrich Nestlé.

Outra inovação ligada a uma marca que existe até hoje foi a invenção da conchagem por Rodolphe Lindt. O processo foi determinante para que os chocolates modernos sejam como de fato os conhecemos. Num recipiente grande feito em formato de concha, cilindros prosseguem a moagem do chocolate até que este fique com uma textura macia e aveludada. É também nessa etapa que ocorre a incorporação da manteiga de cacau à massa de cacau, até que tudo se transforme em um líquido espesso e cremoso.

ENTRE AS MAIORES DO MUNDO

Com tantas inovações assim, é natural que, até hoje, algumas das principais marcas mundiais de fabricação de chocolate venham desse país. A Nestlé é uma multinacional bilionária que, no Brasil, mantém primeiro lugar nos rankings de diversos produtos que fabrica. Inclusive no setor de chocolates, com as marcas Nestlé e Garoto. Já a Lindt, um empreendimento que começou em meados do século XIX com apenas dez empregados, hoje está nos supermercados do mundo inteiro.

Lógico, não são marcas reconhecidas pela sofisticação de belgas e franceses. Mas, em termos de invenção científica e empreendedorismo, estão entre as mais bem-sucedidas de todos os tempos. A Lindt é inclusive uma campeã de presença em free shops. Provavelmente, muitas crianças só vieram a conhecer o sabor do chocolate suíço por causa delas - em meio à pressa de seus pais nos aeroportos. O que não é pouco.

Mas, claro, em se tratando de um país tão identificado com o chocolate, não seria apenas de produção industrial que os suíços iriam se esbaldar. Se você pretende passar um friozinho na Suíça em algum futuro próximo, aqui vão algumas dicas de como experimentar chocolates de alto padrão, mas sem preços estratosféricos - muitos estão à venda inclusive em supermercados.

A Lãderach vende seus chocolates por peso. Você escolhe a barra, pede uma quantidade e é só pagar. Mas, atenção, não é um restaurante por quilo. Os preços lá são suíços.

A Lindt tem uma versão artesanal, a Sprüngli - assim como as grandes cervejarias no Brasil estão querendo parecer modeminhas, vendendo cerveja “caseira". Mas os turistas aprovam, e fica aquele gostinho de uma descoberta que é só deles.

A Cailler, de 1819, hoje é a marca de luxo da Nestlé. Apesar de existir sob as asas da gigante, é uma opção à altura do que as melhores chocolaterias artesanais produzem.

O FIM DO SUÍÇO?

Mas aproveite enquanto pode chamar seus presentes de "chocolate suíço". Está sendo definida uma regulamentação para uma lei que entrará em vigor no país em 2017. Ela estabelecerá o seguinte: chocolates produzidos na Suíça que tiverem avelãs turcas já não poderão ser embalados com o termo "suíço". Para isso, deverão ter 80% de material exclusivamente helvético. É o inverso da globalização atingindo o coração do chocolate, Apesar de não ter sido a pioneira na Europa no consumo de  bebidas à base de cacau, nem considerada a número 1 dos chocolates finos hoje, a França está quase lá. Desde Ana de Áustria, a rainha chocólatra, os franceses se enamoraram pelo chocolate tanto quanto pela baguete e queijos de aromas fortes. Por isso se especializaram em duas frentes aparentemente opostas, mas que têm similaridades indiscutíveis: as grandes casas, voltadas para o fornecimento para outros fabricantes ou para um público vasto, e o chamado “chocolate de autor”, em que os produtos são obras assinadas e tão exclusivas quanto uma pintura de Monet.

Falando sobre uma dessas grandes casas, a Valrhona, Mort Rosenblum, autor de 'Chocolate - Uma saga agrídoce preta e branca', afirma: “Para o chocolate industrial, companhias gigantes simplesmente jogam as sementes na ponta de uma fábrica e carregam caminhões de barras de chocolate na outra. Mas a maioria dos que trabalham com chocolate precisa de um fornecedor atacadista confiável para sua matéria bruta. É aí que a Valrhona entra.”

Rosenblum está se referindo a um dos orgulhos do chocolate francês. A Valrhona especializou-se na produção de chocolate em escala comercial, fornecendo matéria-prima de incrível qualidade para todo tipo de fabricante. Embora produza cerca de 7 mil toneladas de chocolate por ano, mais que o dobro da belga Godiva, só confecciona produtos finos. E, desde os anos 1990, está disponível para aficionados por um produto de sofisticação - e preço - superior. Não que a marca goste muito de companhia. Segundo o escritor, conseguir visitar a fábrica é uma missão tão impossível quanto obter um visto para a Coréia do Norte.

Outra grande referência francesa é La Maison du Chocolat - um exemplo de que ser grande não precisa ser desvantagem para a produção de chocolate fino artesanal. Aberta em 1977, a empresa ficou conhecida especialmente pela sua ganache - o chocolate misturado com creme de leite ou manteiga para ganhar uma consistência macia. A fama veio também da invenção da bomba de chocolate, que os franceses - e alguns brasileiros estilosos - chamam de éclair. As receitas que fizeram seu sucesso incluem trufas diversas, mas também ousadias que só uma marca francesa poderia conceber, como uma ganache preta e vermelha flutuando em champanhe, foie gras mergulhado em fondue de chocolate, além de macarrão de... chocolate.

Mas a França é hoje, por excelência, o país do chocolate assinado. Com pequenos fabricantes que se confundem com artistas plásticos, e levam sua relação com o chocolate para além da pura qualidade de seus produtos - excepcionais, apesar da diversificação das atividades.

Um deles é Michel Chaudun, cujos bombons são “tão delicados que parecem capazes de derreter sob um olhar intenso”. Ele compra chocolates da Valrhona e acrescenta o seu próprio toque às composições. É um artesão trabalhando com a melhor matéria-prima do mercado - o que não pode dar errado.

Outro lugar onírico é a Debauve & Gallais, que produz chocolates finos desde 1800. Por isso, já teve entre sua clientela a fina nata da literatura francesa: Balzac, Proust... E permanece lá até hoje, esperando por nós, ilustres mortais.

Mas, entre tantas opções que não parecem deste mundo, vale pensar no chocolate como o vinho francês. Você não precisa se colocar de um lado só - Borgonha ou Bordeaux.  Se não errar muito feio, você tem uma chance oceânica de voltar da França encarando o doce.

ESTADOS UNIDOS

Nos Estados Unidos, tudo é grande. E não é diferente no universo do chocolate. Por isso o país se firmou como o maior mercado mundial desse produto, o que mais consome barras e outros formatos em termos absolutos. Sua Mars, produtora dos confeitos coloridos M&M’s é a marca líder mundial em faturamento com chocolate. Com vendas líquidas na casa dos US $18 bilhões. Assim como a segunda colocada também é americana: a Mondelez International (dona da Lacta), com 16,6 bi.

Mas esses números astronômicos estão também cercados de outras histórias, bem mais interessantes, que de alguma forma refletem o american way of life - e a capacidade do homem americano de empreender.

É o caso do fundador da Hershey, Milton, nascido em 1857 numa fazenda da Pensilvânia. Quando jovem, abriu uma loja de doces e depois uma fábrica de caramelos. Desde essa época, já demonstrava preocupação com a qualidade de seus produtos, acrescentando aos caramelos leite, em vez da cera e do sebo usados pela concorrência. Assim foi subindo na vida até que, em 1893, numa feira, sentiu pela primeira vez o cheiro de sementes do cacau torrando. Foi quando provou a sua primeira barra de chocolate.

Logo declararia: “Os caramelos são moda; chocolates são eternos". Nascia ali a barra de chocolate favorita de Don Draper, o publicitário do seriado Mad Man: aquela que ainda leva o sobrenome de Milton Hershey. A empresa foi tão bem que o empresário acabou vendendo-a por US$ 1 milhão. Isso em 1900. Valor este que representa um poder econômico equivalente a US$ 1 bilhão de hoje. Foi como se Milton Hershey tivesse vendido uma start up bem-sucedida. Um Instagram do chocolate.

O homem ficou tão rico que decidiu levar adiante um sonho industrial utópico: uma cidade do chocolate. “Onde quem quisesse teria emprego, as crianças cresceríam respirando ar fresco e as hipotecas minguariam em perpétua prosperidade", apontaria o escritor Mort Rosenblum. E ele realmente construiu uma cidade do zero - que existe até hoje, como um dos municípios do Estado da Pensilvânia, no Nordeste americano. A pérola da cidade era o Hotel Hershey, que teve um spa oferecendo banhos de chocolate ao leite. Alguém se candidata?

A cidade em si era um tanto brega, mas todo mundo que foi morar lá se mostrou satisfeito com a generosidade do empresário. Ele garantia cuidados médicos gratuitos, subsidiava a parte de eletricidade, água, ônibus, teatro, um salão de danças - e até uma universidade para os primeiros anos do curso superior. E não podia faltar, é claro, uma fábrica de chocolate.

Quando sua esposa faleceu, entretanto, Milton caiu em tal depressão que não quis mais saber de nada. Transferiu toda a sua fortuna para o Hershey Trust, para pelo menos manter a escola funcionando.

Hoje, a principal atração turística da cidade é o Hershey Park, uma versão moderna dos jardins em que o velho fabricante de chocolate tinha mandado instalar uma montanha-russa de madeira e organizado passeios de barco. Agora é uma empresa de entretenimento que administra a imagem simpática de Hershey para 2 milhões de visitantes por ano. Tem mais de 60 atrações ali, com direito a zoológico e parque aquático. Também há por lá o Hershey's Chocolate World, um simulacro de fábrica e loja com montanhas de chocolate grátis. A associação com a Disneyworld é inevitável.

Se pouco tem da utopia de Hershey, o local ainda passa uma impressão de limpeza e segurança. Um pouco do que restou dos sonhos desse Willy Wonka de carne e osso.

O OLHO DA CARA

Mas, para quem imagina que a relação dos Estados Unidos com chocolate é só de grana e histórias que parecem filmes de Hollywood, vale avisar: os americanos têm alguns dos melhores chocolates do mundo. Um exemplo é La Madeline au Truffe, da marca Chocopologie. Está sentado? Cada bombom sai por algumas centenas de dólares. No interior do chocolate há um rara trufa francesa (trufa mesmo: o fungo) revestida por um chocolate 70% cacau da francesa Valrhona. Isso misturado a um ganache com óleo de trufa, baunilha e açúcar. Só dá para comprar sob encomenda. Outra preciosidade é o Noka: chocolates finos pretos originários de plantações da Venezuela, Trinidad e Tobago e Equador, confeccionados sem nenhum emulsificante. Todos chocolates americanos, mas com um quê de produto europeu - e preço idem.

ESPANHA

VIAGEM NO TEMPO: O MESMO PAÍS QUE LEVOU O CACAU A EUROPA VEM RESSURGINDO COM VERSÕES ARTESANAIS.

Falar de chocolate na Espanha dá uma sensação curiosa: é como se voltássemos ao principio da história do chocolate moderno. Foi em território espanhol que a bebida doce surgiu pela primeira vez na Europa - e onde permaneceu isolado por cem anos, já que os espanhóis praticamente esconderam o líquido do resto do continente (lembre-se: ainda não havia chocolate sólido).

Quando a iguaria migrou para a Itália e, em seguida, para a França, a forma como esses países relacionavam a gastronomia com a arte fez com que, durante muito tempo, os espanhóis perdessem o protagonismo na trajetória do cacau. Como no resto da Europa, claro, o chocolate se tomou parte dos rituais palacianos - sempre uma bebida para nobres. Curiosamente, o fim do monopólio da Espanha no primitivo comércio de cacau nas colônias das Américas teve o Brasil envolvido. Nossos colonizadores portugueses passaram a cultivar o fruto por aqui, e até os holandeses meteram a mão - levaram cacaueiros para a Ásia, o que explica termos hoje a Indonésia, antiga colônia dos Países Baixos, como um dos principais produtores. As plantas que chegaram à África - que se tomaria a maior potência produtora de cacau - saíram daqui também, veja só, na década de 1820. Nessa movimentação toda, a Espanha foi perdendo o domínio do comércio. E ficou para trás no mundo do chocolate. Mas o país está dando a volta por cima. Hoje, Barcelona é um dos centros mais interessantes para quem se interessa por chocolates finos. O turista gastronômico, antes de partir para as muitas degustações, pode começar com um pouco de história, visitando o Museu de La Xocolata. O local permite fazer harmonizações de chocolate com vinho - uma onda que já chegou ao Brasil - e ensina a produzir diversas variedades. Para experimentar chocolates sofisticados, uma das melhores opções em Barcelona é a Oriol Balaguer, marca vencedora de diversos prêmios internacionais e cujos produtos são montados como verdadeiras obras de arte.

Mas, assim como acontece no futebol, Madrid também tenta não ficar atrás de Barcelona quando se trata de chocolate. As chocolaterias da capital espanhola são evidências claras de que a cidade dorme tarde. Alguns desses estabelecimentos ficam abertos a noite toda, atendendo os jovens que saem das baladas, e o costume ali é comer churros mergulhados em chocolate quente amargo. Aproveite. A insônia em Madrid é doce.

BRASIL

Já fomos os soberanos do cacau. Mas aí veio a praga. Sim, o Brasil já foi protagonista do comércio mundial de cacau. Nas primeiras décadas do século XX, o fruto do cacaueiro era o mais importante produto de exportação da Bahia, e vários fazendeiros, antes pobres, viraram magnatas, com vastas plantações de cacau. Eram os novos-ricos da sociedade baiana. Uma realidade da época muito bem
retratada em diversos livros de jorge Amado. Ilhéus, no sul do Estado, sempre foi o centro dessa produção. O cultivo lá começou cedo, em 1820, por obra de investidores suíços e alemães. No início
do século XX, foram introduzidas mudas do tipo 'forastero', uma variedade mais fácil de lidar. Isso deu grande impulso à atividade do cacau por aqui. Tivemos quase um século de grandes produções até que, em 1990, o sul da Bahia sofreu um golpe duríssimo. Foi a ação da “vassoura de bruxa”. Embora essa praga atinja diversos tipos de plantas, sua ação mais letal é no cacaueiro. Resultado: ela devastou boa parte da produção nacional, quase que marcando 0 fim de uma economia inteira.

A praga gerou uma forte crise no setor - algo do qual o Brasil só vem se recuperando nos últimos tempos. Para melhorar (só que não), o consumo também caiu recentemente: 4% de 2014 para 2015, o que a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) associa à crise econômica.

Mas quanto o brasileiro come de chocolate? A entidade afirma que o consumo per capita aqui é de 2,5 kg. Desse total, 8%, veja só, é de chocolates premium. O que pode nos dar a esperança de que, um dia, possamos ter algo de melhor qualidade que os chocolates básicos ao leite.

3. CHOCOLATE AMARGO

CRIANÇAS TRABALHAM EM CONDIÇÕES DE ESCRAVIDÃO NO COMEÇO DA CADEIA PRODUTIVA DO CACAU.

Diz a Organização Internacional do Trabalho: as “piores formas de trabalho infantil” são as que podem prejudicar a saúde e a segurança dos menores de 18 anos, as que envolvem trabalho escravo, ou as que são consequência do tráfico humano. A colheita do cacau na Costa do Marfim e em Gana, os maiores produtores mundiais da matéria- prima do chocolate, tem disso tudo. Crianças escravas, enganadas por traficantes de pessoas, ou adolescentes que abandonaram a escola para ajudar a família na lavoura pesada, em contato intenso com agrotóxicos. Os fabricantes de chocolate têm sido cobrados por políticos e consumidores. E ganharam um prazo para diminuir o trabalho infantil lá no começo da feitura de seus doces. Mas a questão é mais complexa que apelar às boas intenções das multinacionais - porque envolve um ciclo de miséria enraizado profundamente no solo africano.

ESCRAVOS DO CHOCOLATE

O sentimento de culpa ao devorar uma caixa de chocolates ganhou uma nova e estarrecedora dimensão.O que acontece na África fica na África. Geralmente é assim. A mídia internacional não dedica às tragédias no continente negro - guerras civis, genocídios, aids a rodo, extremos impensáveis de miséria - o mesmo destaque dos dramas do resto do mundo. É como se africanos fossem habitantes da face escondida da Lua - um abismo de trevas, selvagem e irrecuperável.

Mas essa falta de empatia com a África sofreu um duro golpe nos primeiros anos do século XXI. Foi quando uma série de reportagens investigativas denunciou trabalho escravo de crianças e adolescentes em plantações de Gana e, principalmente, da Costa do Marfim. E o que a gente tem a ver com isso? No mínimo, algum sentimento de culpa. Porque esse abuso infantil tem servido para abastecer os grandes fabricantes de chocolate com a matéria- -prima das barras, bombons e ovos de Páscoa: o cacau.

Sim, é do chocolate das principais marcas mundiais que estamos falando: Nestlé, Ferrero, Hershey, Mars... Todas enchendo as lojas do planeta com delícias que têm, lá no fornecedor do fornecedor, trabalho infantil - o que, na mais suave das hipóteses, rouba o tempo que esses meninos deveríam passar na escola. A "descoberta” já está fazendo 15 anos, e muita coisa mudou de lá para cá - graças à mobilização de entidades de combate ao tráfico infantil e iniciativas das próprias companhias de chocolate. Mas um estudo divulgado ano passado pela Tulane University, de Nova Orleans, mostrou que 0 cenário ainda é tétrico, mesmo para os padrões da África. Segundo o levantamento, 2,2 milhões de crianças estavam trabalhando em 2014 nas plantações de cacau da Costa do Marfim e de Gana - os dois maiores produtores do mundo - e piorou nos últimos cinco anos: 440 mil a mais que na última edição da pesquisa, em 2009. Desse total, 90% estão envolvidas em atividades perigosas: manipulam facões para abrir os frutos (37% das crianças têm ferimentos provocados pelo facão): carregam nos ombros ou sobre a cabeça sacos de mais de 10 kg cheios de sementes de cacau, caminhando através do solo irregular das plantações; têm contato direto e intenso com pesticidas. Isso tudo sob um sol africano.

Parte desses menores chega às fazendas numa operação de tráfico de seres humanos. Geralmente vêm de aldeias paupérrimas em Mali ou Burkina Faso, países vizinhos, onde são aliciados com promessas de emprego. São então levados de ônibus até a fronteira com a Costa do Marfim, de onde os traficantes seguem com os meninos na garupa de motocicletas para diferentes plantações - rodando por estradas de terra alternativas, para evitar a polícia. Quando, enfim, as crianças chegam ao “emprego”, descobrem que lá não há salário, que seus superiores nem falam sua língua e que, para “pedir demissão”, só fugindo - e pelo meio do mato.

O POÇO SEM FUNDO DA MISÉRIA

Embora o tráfico humano renda manchetes mais chocantes, a maior parte das crianças em plantações de cacau não é vítima de malfeitores. Estão lá, e não na escola, para ajudar a família. E é aí que a questão fica mais complicada. Para acabar com o trabalho infantil, é necessário também reduzir a pobreza - no continente mais miserável do planeta. Em vez de grandes latifundiários, o que se vê nesses países é 1,4 milhão de pequenos empreendimentos familiares, lutando para que a venda da semente do cacau lhes valha a subsistência. Enquanto muitos marfinenses buscam melhores oportunidades na maior cidade do país, Abidjan, os plantadores que ficam no campo têm de colocar a prole toda no batente - o que acaba envenenando o próprio negócio. O cacau é um fruto melindroso, que exige cuidado especializado, não de crianças. Uma semente que sofra um corte acidental na abertura do cacau terá uma fermentação acelerada e contaminará as outras - como acontece com maçãs podres. Ou seja: as perdas nessa agricultura familiar fazem parte do dia a dia.

A RESPOSTA DAS GIGANTES

As cenas de trabalho infantil, às vezes escravo, na ponta mais fraca da cadeia de produção, não pegaram bem para a imagem dos fabricantes de chocolate. ONGs fizeram  manifestos pelo consumo consciente e gritos de “boicote” foram ouvidos. Tanto que os protestos atraíram a atenção de políticos dos Estados Unidos, que passaram a pressionar a indústria para que assumisse sua parcela de responsabilidade. Ainda em 2001, surgiu o Protocolo Harkin-Engel (juntando os nomes dos dois senadores que aprovaram a medida), cujo objetivo é obrigar os fabricantes a tomar atitudes para eliminar essa exploração de crianças. Em sua primeira versão, o protocolo dava 2005 como prazo para a erradicação. Logo, a meta foi empurrada para 2008... depois 2010... E agora está assim: os fabricantes devem reduzir em 70% 0 trabalho infantil nas plantações da Costa do Marfim e em Gana. Isso até 2020.

Mas essa protelação não quer dizer que as companhias estejam de braços cruzados. Os fabricantes sabem que, para se livrar da incômoda associação de seus produtos ao trabalho infantil, a prioridade é colocar dinheiro no bolso do agricultor. A Nestlé tem seu próprio programa: o Cocoa Plan (plano cacau), que teve investimento de US$ 100 milhões da companhia. Envolve a capacitação dos agricultores africanos, para aumentar a sua produtividade e lucro, a construção de escolas e a certificação do cacau colhido sem mão de obra infantil. Além disso, a área de pesquisa e desenvolvimento da empresa criou supermudas, capazes de gerar três vezes mais cacau - e
distribuiu, desde 2009, 5,2 milhões dessas plantas entre os agricultores. Não que a empresa espere soluções imediatas. Do cacau comprado pela companhia em 2015, apenas 30% atendia às diretrizes do Cocoa Plan. José Lopez, então vice-presidente mundial de operações da Nestlé durante a implantação do programa, declarou: "Precisamos capacitar esses fazendeiros, proteger suas safras de doenças, ver prosperidade em suas vidas. Mas isso leva tempo, e nós temos a paciência para esperar. O problema, de qualquer forma, é extremamente complexo”.

De acordo com a última edição do Cocoa Barometer, um relatório sobre tudo que envolve a economia ligada a essa produção, 0 agricultor da Costa do Marfim recebeu, em média, USS 0,50 por dia de trabalho durante a safra 2013-2014. Um valor bem abaixo do USS 1,90 diário, que é o estabelecido pelo Banco Mundial como padrão de "extrema pobreza”. Enquanto o plantador de cacau estiver sem perspectiva de um mínimo aceitável de bem-estar, não haverá outra salda: apesar dos protestos de ONGs e de consumidores bem-intencionados, vai ter criança se matando de trabalhar pelo nosso chocolate.

4. AMOR EM TABLETES

NA SAÚDE E NA DOENÇA. E NA CAMA TAMBÉM.

Assim como o ovo e o café, o chocolate já teve seu retrato falado e sua estátua de herói dos alimentos. Hoje, o que mais se aproxima de um consenso é isto: o produto de menor qualidade - com menos cacau, mais açúcar e gordura - é um mau hábito. Já o chocolate escuro não tem esse problema: vem conquistando a mente dos cientistas e o coração dos admiradores porque é, sim, um alimento saudável. O amargo é o novo doce. Mas, entre mitos e fatos comprovados, entre o proibido e o liberado, o que mais importa para muita gente é: o chocolate desperta ou não desperta a libido? É o que vamos ver neste capítulo.

POR QUE SOMOS CHOCÓLATRAS?

Os nutrientes do cacau estimulam a produção de endorfina e serolonina, hormônios do prazer.

Copa do Mundo dos Estados Unidos, 1994. Era a primeira vez que Fátima Bernardes acompanhava uma Seleção Brasileira na disputa mais importante do futebol, como enviada  especial da Rede Globo. Obrigado a ficar no Brasil, no comando do Jornal Nacional, o maridão William Bonner devorou 15 caixas de bombons ao longo dos 43 dias em que os dois estiveram separados. Era ansiedade, saudade, tudo isso, claro. Mas teve algo mais. “Notei, há muito tempo, que a unidade [de chocolate] para mim é a caixa. O pacote todo."

Quem sofre do mesmo “mal" é a cantora Claudia Leitte. Por conta do calor que faz na Bahia, a artista resolveu comprar uma geladeira só para seus estoques de chocolate - para que não derretam. "Uma vez, comprei dez caixas de Kit-Kat, com 50 barras em cada caixa. Minha intenção era dar de presente para as pessoas. Mas não consegui. Comi tudo sozinha.”

Os depoimentos dos dois famosos estão no livro 'Chocolate - Por que gostamos tanto?', dos jornalistas cariocas Ana Paula Brasil e André Modenesi, que compila confissões de celebridades chocólatras. São relatos que talvez suavizem a culpa de anônimos que não conseguem passar um dia sem comer chocolate. Afinal, tanto Bonner quanto a cantora são bem-sucedidos e magros - Claudia já esteve mais de uma vez na capa da revista 'Boa Forma' -, o que de certa forma desmente a imagem preconceituosa do gordinho melancólico se enchendo de chocolate enquanto assiste um filme triste na TV. Mas a ciência pode ter outro ponto de vista a respeito.

Um estudo de 2010 da Universidade da Califórnia apontou que as pessoas tendem a comer mais chocolate quando seus sintomas de depressão aumentam. Mil indivíduos saudáveis, que não tomavam nenhuma medicação antidepressiva nem sofriam de doenças cardiovasculares ou diabetes, foram questionados sobre quanto chocolate comiam em uma semana. E então tiveram seu humor medido. O resultado não deixa muita dúvida: aqueles diagnosticados sem depressão nenhuma comiam, em média, cinco porções de chocolate. Os que tinham depressão moderada, oito porções. Já os deprimidos de verdade limpavam 0 armário de doces: devoravam nada menos que 12 porções em uma semana.

“Nosso estudo confirma uma suspeita de longa data: a de que comer chocolate é uma coisa que as pessoas costumam fazer quando estão para baixo”, concluiu Beatrice Colomb, uma das autoras da pesquisa.

MAS VICIA?

O fato de deprimidos se atirarem mais em trufas e brigadeiros faz sentido se analisarmos como o chocolate interage com o nosso cérebro. O magnésio e o triptofano, nutrientes presentes no cacau, estimulam o organismo a produzir endorfina e serotonina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar. Você talvez conheça alguém que diz que só melhora de humor quando come seu chocolate de todo dia.  Mas será que isso é saudável? Pessoas que só se sentem bem durante 0 consumo de determinado produto também são identificadas por aí como alcoólatras ou viciadas em
crack. Então quer dizer que chocolate vicia, é isso? Depende do chocolate.

Um estudo de 2015 da Universidade de Michigan veio a confirmar uma impressão já compartilhada por grande parte dos especialistas: alimentos industrializados, altamente processados, e por isso mesmo ricos em gordura e açúcares, são capazes de dominar nossas vontades - tanto quanto o álcool e a nicotina. “Identificamos em indivíduos com sintomas de vício em comida, ou com índices maiores de massa corporal, um problema maior de lidar com alimentos muito processados”, afirmou Erica Schulte, principal autora do estudo. “Isso sugere que as pessoas podem ser especialmente sensíveis às propriedades recompensadoras desses alimentos.”

Ela está falando de batata frita, pizza congelada, junk food em geral. Mas também do que a maioria das pessoas entende por chocolate: aquele do tipo “ao leite”, mais popular e acessível, de preferência com o maior nível possível de açúcar. Quiçá recheado. E açúcar, sim, vicia. Os receptores do pó branco na língua têm relação com a produção de endocanabinoides - a mesma substância encontrada na maconha e que nosso corpo produz para disparar a fome. Hoje, 67% dos brasileiros entre 19 e 59 anos ultrapassam a quantidade ideal de açúcar na dieta. Conforme explica Mareia Kedouk no livro 'Prato Sujo - Como a indústria manipula os alimentos para viciar você', em 1930 cada brasileiro consumia uma média de 15 quilos de açúcar por ano. Hoje, são 55 quilos anuais - sendo que a média mundial é de 21. Os chineses só comem 7 quilos.

"Boa parte dessa situação alarmante tem a ver com o fato de que comemos várias doses de açúcar sem perceber", explica a autora.

VIGILANTES DO CACAU

A boa notícia é que nem todo chocolate é um buraco sem fundo no seu dente de tanto açúcar. Na dúvida, sempre confira a ordem dos ingredientes na embalagem: quem aparece primeiro está em maior quantidade na receita. E chocolate de qualidade superior, muitas vezes, começa mesmo é com a massa de cacau - mais uma vez, estamos falando aqui de chocolate amargo. Quanto maior a quantidade do fruto do cacaueiro no produto, menor é o espaço para o açúcar na composição. E mais saudável é o tira-gosto.

Comer chocolate todo santo dia pode ser coisa de chocólatra, mas, se a quantidade diária for moderada, estamos falando mais de um hábito positivo do que de um comportamento ligado às profundezas do vício - já que chocolate bom, em pequenas proporções, faz bem para a saúde. Já dizia o escritor alemão Johann Goethe: “Quem bebe uma xícara de chocolate resiste a um dia de viagem”.

Ainda assim, tem gente que, independentemente do tipo de chocolate, de estar deprimido ou satisfeito com a vida, de ser gordo ou magro, consome chocolate em quantidades absurdas. Como provam nossos personagens desta matéria: o âncora do Jornal Nacional e a cantora de “Amor de Chocolate”. Nesses casos, o diagnóstico pode ser outro, como explica a nutricionista Vanderli Marchiori, presidente da Associação Paulista de Fitoterapia e especialista em chocolate. "Tive uma paciente que comia todos os dias 500 gramas de chocolate. Cinco barras. Alguém assim não deve ser tratado como viciado em doce, e sim procurar um psiquiatra para saber lidar com um comportamento compulsivo. Esse distúrbio vai aparecer em diversas outras atitudes do cotidiano da pessoa, com trabalho, nos relacionamentos, não só no seu exagero com o chocolate.”

Segundo Marchiori, dificilmente vai haver um grupo de apoio a pessoas viciadas em chocolate, um “chocólatras anônimos". Justamente porque, diferente das drogas  pesadas, o chocolate não faz com que 0 "dependente” sofra física e psicologicamente com a privação, ou que tenha o comportamento alterado, e até agressivo, por falta de sua dose diária de bombons. “Se a pessoa não deixar de se alimentar com verduras, frutas e legumes, para viver só de chocolate o dia inteiro, deixe ela ser feliz.”

CHOCOLATE E SAÚDE - BOAS E MÁS NOTÍCIAS

SÉRIO QUE EMAGRECE?

É chocolate, mas pode chamar de perfeição. Um estudo de 2012 da Universidade da Califórnia, em San Diego, apontou que os voluntários que comeram pequenas porções de chocolate, duas vezes por semana, apresentaram índice de Massa Corporal (IMC) menor que os demais pesquisados. Estavam mais magros que os que exageravam na dose - claro -, mas também em relação aos que não costumavam provar o doce. A média de IMC dos participantes em geral era de 28, considerada sobrepeso. Já a dos que comiam moderadamente o chocolate era de 21. O estudo analisou os hábitos alimentares de 972 homens e mulheres, com idades entre 20 e 85 anos. Difícil é ficar nos limites
recomendáveis. Segundo a nutricionista Vanderli Marchiori, para emagrecer e ter um consumo saudável, o certo é ingerir 30 gramas por dia. E do chocolate certo: com, pelo menos, 60% de cacau. Lembre-se disso quando estiver diante de uma barra de chocolate de 170 gramas - que pode ser uma bomba de açúcar e gordura.

DA ESPINHA?

Espinhas têm a ver com alterações hormonais. Isso pode ser agravado em períodos de stress e ansiedade, situações em que as glândulas sebáceas produzem mais óleo. Ou seja: o stress dá vontade de chocolate, mas o que dá espinha não é comer o chocolate. É o próprio stress. O doce acaba levando a culpa por associação.

ALÍVIO NA TPM

Mulheres que sofrem demais no período de Tensão Pré-Menstrual podem, sim, se beneficiar do chocolate. É que, durante essa fase do mês, há uma redução de algumas vitaminas e minerais no corpo da mulher- o que explica o fato de elas buscarem alimentos que supram essas carências. Cerca de 45% das mulheres apresentam maior compulsão por doces nesse momento. Como o chocolate. Ele compensa a redução dos níveis de magnésio. E, de quebra, ainda mexe com a serotonina e a endorfina, promovendo uma sensação de bem-estar.

TE SALVA DÁ LESEIRA PÓS-ALMOÇO

Exames de encefalograma da Northern Arizona University com 122 voluntários exibiram imagens do cérebro desses indivíduos, e elas não deixaram dúvida: os que consumiram chocolate com alta porcentagem de cacau estavam mais alertas. “Muitos de nós ficam um pouco sonolentos à tarde e não conseguem prestar atenção, particularmente estudantes, então a dica é comer um chocolate amargo", afirmou Larry Stevens, professor de psicologia da universidade.

FUTURAS MAMÃES TAMBÉM PODEM

Se a grávida não tiver diabete gestacional, pode comer chocolate, sim. "Consumindo eventualmente, pode até comer chocolate ao leite, embora a preferência seja pelo mais saudável, que éo amargo, com 60% de cacau”, explica a nutricionista Vanderli Marchiori.“Mas essa recomendação serve para todo mundo. A grávida, pela fase de transformações no corpo, só deve ficar ainda mais atenta à própria alimentação, que tem consequências diretas na saúde do bebê.”

O DlET NÃO DIMINUI A CINTURA

O termo diet é uma ilusão da indústria. Quem consome frequentemente de refrigerante desse tipo engorda. Com o chocolate, a questão é ainda mais evidente. O diet é produzido especialmente para diabéticos, por isso não contém açúcar na composição. Só que os fabricantes compensam na gordura, o que pode deixar um chocolate diet mais calórico que um convencional. Então, se a sua ideia é emagrecer comendo o doce, siga a primeira dica nesta matéria, na página à esquerda: vá com chocolate de qualidade, e coma como um passarinho.

POSSO DAR CHOCOLATE PARA CRIANÇA PEQUENA?

Calma nessa hora. Vale a pena resistir à ideia de satisfazer o pequerrucho durante algum tempo, pelo menos. Oferecido precocemente, o chocolate pode favorecer o surgimento de manifestações alérgicas- como secreção nas vias aéreas e até manchas na pele. E tem um problema bomba-relógio aí. Na primeira infância, o consumo de doces acostuma o paladar dos pequenos, que passam a rejeitar alimentos menos estimulantes - como frutas, verduras e legumes. Você estará criando uma bomba. Espere até depois dos 2 anos que já é razoável.

CHOCOLATE APÓS TATUAGEM - MELHOR EVITAR

Quem já fez sabe: há toda uma série de cuidados que devem ser tomados nos primeiros dias de tatuagem no corpo. Mas pouca gente se preocupa com a alimentação nessa fase. E quitutes gordurosos como o chocolate devem ser evitados. A gordura presente ali dá uma canseira no fígado e prejudica a cicatrização, deixando seu corpo suscetível a infecções por mais tempo.

QUEM NÃO DEVERIA COMER

É chato, mas tem gente que, para o bem da própria saúde, deveria evitar chocolate. É o caso de pessoas com problemas graves no fígado, como a cirrose. Quando o órgão está muito gorduroso, sentimos um mal-estar geral, inchaço na barriga, dor no lado direito do abdômen, além de vômitos. Durante o tratamento, é recomendável evitar qualquer alimento gorduroso. Mesmo que o alimento em questão seja um famoso pelas gorduras saudáveis, como o azeite de oliva extra virgem. Para o órgão doente, gordura é gordura, e ponto. Chocolate, mesmo os melhores, tem manteiga de cacau, que é a gordura extraída da prensagem da semente do cacau. Então...

CORAÇÃO BLINDADO

Embora pesquisas anteriores já viessem dando indicações nesse sentido, um estudo da Universidade de Cambridge foi mais conclusivo na afirmação de que, sim, o chocolate faz bem ao coração. E não só porque nos deixa mais felizes. Foram analisados sete estudos anteriores, envolvendo mais de mil participantes. E os resultados foram animadores - pelo menos para os chocólatras: o consumo de chocolate está associado à redução de 37% dos riscos de doenças cardíacas, além de contribuir para a queda de 29% das chances de acidente vascular cerebral (AVC). Repetindo: desde que consumido com parcimônia.

CONTRA O ALZHEIMER

Tomar duas xícaras de chocolate quente por dia melhora o fluxo sanguíneo no cérebro de pessoas idosas, o que pode dar o empurrão que faltava para o velhinho aperfeiçoara memória - e finalmente achar aqueles óculos que andavam sumidos. A conclusão é da Academia Americana de Neurologia.
"Essa relação pode cumprir um importante papel na prevenção de doenças como o Alzheimer", diz Farnazeh A. Sorond, autora responsável pelo estudo.

É AFRODISÍACO?

O CHOCOLATE JÁ FOI O VIAGRA DOS ASTECAS MAS A CIÊNCIA QUER BROXAR ESSA RELAÇÃO ENTRE O DOCE E A LIBIDO.

Voltando aos últimos dias do Império Asteca, no século XVI, vemos que a associação do chocolate com o desejo sexual começou bem antes que o primeiro motel fosse erguido. Principal cronista do período, o espanhol Bernal Diaz del Castillo afirma, em sua 'História Verdadeira da Conquista da Nova Espanha': “o que vi hoje e com o que estive lutando, como boa testemunha ocular o descreverei, com a ajuda de Deus, muito sinceramente, sem torcer nem para uma parte nem outra..." Era como se dissesse: podem confiar em mim, que não conto lorota. Mas um de seus relatos mexería com a fantasia dos espanhóis. Segundo Castillo, o imperador Montezuma, antes de encarar seu
harém de 200 esposas, bebia 50 cálices seguidos do intrigante líquido de cacau com especiarias - o chocolate teria sido um tipo de viagra asteca. Oviedo y Valdés, outro historiador daquela época, confirma a associação entre o fruto do cacaueiro e o sexo para o povo pré-colombiano. “É hábito entre os indígenas da América Central esfregarem-se uns aos outros com polpa de cacau e depois se mordiscarem."

Começava ali, nos relatos daquela civilização fascinante, a associação do chocolate ao sexo, que passou pela nobreza francesa da época dos reis Luíses e perdura até hoje, como provam calcinhas e pênis comestíveis dos sex shops e as altas de faturamento nas lojas de chocolate perto do Dia dos Namorados. Mas qual é a resposta da ciência para esse suposto efeito afrodisíaco? O chocolate dá mesmo no couro?

A QUÍMICA DO DESEJO

A sensação de estar apaixonado - quando perdemos o apetite, o sono e não conseguimos nos concentrar em mais nada - tem a ver com um conjunto de compostos químicos que afetam o nosso cérebro: a norepinefrina, que nos excita (e dá aquela acelerada nos batimentos cardíacos), a serotonina e a dopamina (que entram com a sensação de bem-estar, aquela felicidade diante da alma gêmea). E a ação desses neurotransmissores é controlada por um outro: a feniletilamina. Ela tem um efeito tão poderoso sobre o cérebro que algumas pessoas se tornam dependentes, e tendem a saltar de romance em romance, sem muito critério, abandonando os parceiros assim que murcha o coquetel da paixão. E adivinha qual é outro gatilho para esse dos neurotransmissores? O simples ato de comer chocolate.

Parece que tudo se encaixa, então. E que Montezuma estava certo ao investir no cacau para manter a empolgação ao longo de 200 bimbadas. Mas aí vem outra explicação estraga-prazer. “A feniletilamina é rapidamente degradada no sangue, de modo que, pela ingestão do chocolate, não haveria possibilidade de atingir uma concentração elevada no cérebro", explica Ribeiro.

A nutricionista Vanderli Marchiori vai na mesma opinião. "O chocolate tem zinco, um mineral que atua nos hormônios sexuais, mas não é numa quantidade representativa.  Se você estiver num jantar romântico, com chocolate, morango e champanhe, à luz de velas, a coisa muda de figura. Então o contexto é que aumenta o desejo. A reação é mais cultural que científica.”

Tá certo, mas sejamos menos racionais nessa hora: quando se trata de paixão e desejo, tanta ciência pode arruinar o clima. Chocolates finos no Dia dos Namorados - ou, melhor, numa data sem qualquer motivo aparente, de surpresa mesmo - continuam revirando olhinhos mundo afora. O velho clichê continua ativo.

5. BOMBONS SORTIDOS

15 curiosidades do chocolate para abrir - ou estragar - o seu apetite.

Tão antigo e tão parte da nossa existência, o chocolate aparece em fatos surpreendentes da ciência, da história, da arte e, principalmente, do nosso cotidiano. Mais de sete décadas atrás, era ingrediente principal num plano para matar Churchill, e mudar os rumos da 2ª Guerra. Hoje é tema de música, de escultura, de museus inteiros; está no cabelo, no biodiesel e nos preservativos. E também numa pílula feita para adoçar odores flatulentos. Conheça essas e outras curiosidades incríveis sobre o doce
preferido do planeta - porque o passado e o presente do chocolate são como a analogia de Forrest Gump entre a nossa vida e uma caixa de bombons: “você nunca sabe o que vai encontrar”.


I. NAPOLEÃO E A NUTELLA

A escassez de chocolate em períodos de guerra teve influência na história de uma guloseimas mais amadas do planeta. Em 1806, com o bloqueio continental, Napoleão tentou impedir que navios ingleses chegassem aos portos do Mediterrâneo. Com isso faltou chocolate na Itália - e o pouco que tinha ficou com preços estratosféricos, Para fazer o produto render mais, um chocolateiro de Turim, Michele Prochet, teve a ideia de incluir avelãs picadas ao chocolate, inventando a gianduia - cuja
combinação oficial é de 70% chocolate para eo% de avelãs. Prochet ainda não sabia, mas tinha criado a base do viria a ser Nutella - que foi adaptada pela familia Ferrero, também italiana, durante outro período de falta de chocolate, a 2ª Guerra Mundial, e lançada com o nome definitivo em 1964, virando sucesso instantâneo.

II. CHOCOLATE COM GOSTO DE BATATA

“Ração tipo D”. Parece comida de cachorro, mas, na 2ª Guerra, era uma alimentação de emergência, para ser usada na falta de outras comidas, fornecendo energia suficiente para o soldado não morrer de fome tão cedo. E que alimento mais energético do que chocolate? Sim, a “ração” era uma barra de chocolate altamente calórica, composta de seis tabletes e capaz de suportar altas temperaturas (diferente do bom chocolate, que deve derreter fácil). A “barra de sobrevivência" foi inventada pelo coronel americano Paul Logan, em 1937. Mas como resistira um chocolate na mochila em meio à vida espartana do militar em combate? Para evitar a tentação antes de uma necessidade extrema, o oficial criou uma receita para o chocolate ter um gosto propositalmente insosso: “apenas um pouco melhor que uma batata cozida”, explicou.

III. DIAMANTE NEGRO

Em 1938, a Lacta criou um de seus produtos mais bem-sucedidos ao usar o apelido de um jogador de futebol para batizar um chocolate com cristais de castanha de caju. O craque Leônidas da Silva, reverenciado como um Pelé em sua época, foi artilheiro da Copa do Mundo na França naquele ano, e ficou famoso por aperfeiçoar os gols de bicicleta - que eram bem menos acrobáticos antes dele.

IV. BOMBA DE CHOCOLATE QUASE MUDOU A 2ª GUERRA

Parece ideia maquiavélica de vilão de filmes do 007. Mas aconteceu de verdade. Durante a 2ª Guerra Mundial, os nazistas planejaram assassinar o primeiro-ministro britânico Winston Churchill com uma bomba de chocolate. Mas não dessas que você compra na padaria. Eles disfarçaram barras de explosivos com uma fina camada de  chocolate e colocaram a arma numa embalagem sofisticada.

Tudo para fazer com que chegasse ao refeitório dos ministros ingleses. Na estrutura da bomba, havia ferro e lona sob o chocolate. Assim que um tablete fosse mordido ou quebrado, a lona seria puxada, acionando 0 mecanismo do explosivo - que em 7 segundos mandaria as autoridades britânicas, e quem mais estivesse por perto, pelos ares.

Não deu certo, claro. Na primavera de 1943, Victor Rothschild, um agente do MI5,0 serviço britânico de contraespionagem, descobriu 0 complô e, de dentro de um bunker secreto sob as ruas de Londres, escreveu para Lawrence Fish, ilustrador ligado ao MI5, pedindo que fizesse um desenho de como poderia ser o doce mortífero - um verdadeiro “retrato falado" de uma barra de chocolate, para divulgar entre os responsáveis pela segurança do primeiro-ministro. O plano nazista só veio a público já no século XXI, com a morte do desenhista, em 2009. Mexendo nas coisas do marido para a administração de um espólio, a jornalista Jean Bray descobriu a carta confidencial do agente do MI5. E 0 mundo ficou sabendo de como 0 gosto de Churchill por doce poderia ter mudado os rumos da guerra.

V. COR DA CANECA INFLUENCIA NO GOSTO

Quer impressionar alguém com seu chocolate quente? Sirva numa caneca cor de laranja. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Politécnica de Valência, na Espanha, e de Oxford, na Inglaterra, provou que a cor do recipiente pode melhorar a nossa percepção de sabor e aroma de determinados alimentos. Os pesquisadores colocaram 57 voluntários para beber chocolate quente servido em copos de cores diferentes. A bebida servida no copo laranja - era a mesma em todos os copos - foi percebida como a mais gostosa. A do copo creme foi eleita como a mais doce. O estudo - muito útil para donos de restaurante ou empresas de alimentos - ainda compila pesquisas anteriores sobre o assunto: pratos brancos deixam mousse de morango mais doce, e embalagem marrom transmite a ideia de um café mais encorpado - se for vermelha, o consumidor vai achar que o café ali tem aromas mais complexos.

VI. QUAL É A MÚSICA

CHOCOLATE”
(Tim Maia)

“Não quero chá, não quero café
Não quero Coca-Cola, me liguei no chocolate.
Só quero chocolate...
Não adianta vir com guaraná pra mim É chocolate que eu quero beber.”

Originalmente, a canção do síndico foi composta para ser um jingle da Associação Brasileira dos Produtores de Cacau.

“É DE CHOCOLATE”
(Trem da Alegria)

“Vou te mostrar que é de chocolate De chocolate o amor é feito De chocolate Choco, choco, chocolate
Bate o meu coração
Choco, choco, choco, choco, choco, choco, chocolate...”

Apesar de conhecida como hit do Trem da Alegria, “É de Chocolate” é anterior ao grupo. Foi gravada no disco Clube da Criança pela dupla Patrícia (Marx) e Luciano - só depois do sucesso do álbum é que Juninho Bill entraria para que o trio famoso ficasse completo. As músicas do disco faziam parte do programa homônimo apresentado por Xuxa na TV Manchete. Além dos cantores mirins e da própria Xuxa, os intérpretes do álbum incluíam Sérgio Mallandro e Pelé.

VII. A INCRÍVEL PÍLULA DO PUM

Christian Poincheval parece uma versão hippie do Papai Noel. Mas é o inventor de um suplemento alimentar capaz de acabar com o constrangimento em elevadores: uma pílula que faz seu pum ter cheiro de chocolate. Basta ingerir, com as refeições, de duas a seis cápsulas - dependendo da gravidade da sua condição. A caixa com 60 pílulas sai por 18,86 euros.

Foi depois de um jantar especialmente flatulento com amigos que o francês filosofou: “Seria mais apropriado peidar sem incomodar nossos vizinhos de mesa”. Então, desde 2007,o bom velhinho tem pesquisado combinações de ingredientes e testado os resultados olfativos até chegar a uma série de pílulas para melhorar os vapores da nossa combustão: além de chocolate, tem pílula com cheiro de rosas, de gengibre e até uma para deixar o pum do seu cachorro com aroma de violetas. “Se você está cansado de ter de abrir as janelas do carro durante longas viagens com seu cão, esta pílula é para você”, anuncia Poincheval em seu site de produtos fitoterápicos.

VIII. PAÍSES CHOCÓLATRAS TÊM MAIS PRÊMIOS NOBEL

Incluir bombons na sua dieta pode transformá-lo num expoente internacional da inteligência. Pelo menos é o que indica um estudo da Universidade de Columbia. Os pesquisadores calcularam o número de prêmios Nobel para cada 10 milhões de pessoas em 23 países, e a conclusão foi: quanto mais chocolate uma população consome, mais chances de ter vencedores do prêmio. Um exemplo: a Suíça, campeã de consumo de chocolate per capita (8,9 kg ao ano), é também o país com mais Nobel. Segundo Franz Messerli, autor do estudo, todos os cidadãos deveríam comer pelo menos 400 gramas para o país ter mais premiados.

IX. 3 USOS PARA O CHOCOLATE (FORA COMER)

1. Fazer sexo seguro. Em qualquer bom sex-shop, você encontra marcas de camisinha com lubrificante de aroma e sabor chocolate.
2. Diminuir o volume dos cabelos. É para isso que salões de beleza brasileiros oferecem a “escova de chocolate”, que leva extratos do cacau na fórmula.
3. Reduzir o consumo de combustível. Pelo menos é a proposta dos pesquisadores que estudam 0 uso do chocolate em fórmulas de biodiesel.

X. UM CLÁSSICO DO POLITICAMENTE INCORRETO

O produto nasceu em 1952, mas foi sete anos depois que a Pan  colocou seus cigarrinhos de chocolate numa embalagem que hoje chocaria a sociedade: de cada lado da caixinha, uma criança segurando tubinhos finos de doce como se imitasse adultos fumando. Em 1996, a Pan se viu obrigada a mudar a embalagem e o nome do produto, que passou a ser “rolinhos de chocolate”, com crianças fazendo sinal de positivo na caixa em vez da propaganda tabagista. Posteriormente, os rolinhos virariam “chocolápis” - com uma associação didática bem mais digerível.

XI. OOMPA LOOMPA, DO-BA-DEE-DOO

O maior clássico do cinema que remete a chocolate é 'A Fantástica Fábrica de Chocolate', filme de 1971 baseado num livro do galês Roald Dahl -e que teve um remake em 2005. É a história de um menino pobre que tem seu caráter posto à prova numa visita a uma fábrica surrealista.

1. O nome do livro de Roald Dah é 'Charlie and the Chocolate Factory' (Charlie e a Fábrica de Chocolate). Mas o título do filme em inglês ficou 'Willy Wonka & the Chocolate Factory'. Por um motivo comercial: a Quaker Oats Company, que financiou a produção, queria lançar uma barra de chocolate aproveitando a repercussão do filme - com a marca Wonka.

A mudança pode até ter ajudado o longa-metragem, mas não deu certo para a empresa de alimentos: um erro na fórmula fez com que as barras de chocolate derretessem ainda nas prateleiras dos supermercados, e o produto logo saiu de circulação.

2. O cenário da fábrica de Willy Wonka conta com um rio de chocolate. Hoje, talvez fosse feito à base de computação gráfica. Mas em 1971 a produção usou 150 mil galões de uma mistura de chocolate de verdade, água e creme de leite. o creme fez com que o rio começasse a apodrecer aos poucos, e no final das filmagens o cheiro podia ser comparado ao do Tietê.

3. As cenas dos créditos iniciais mostram uma fábrica de chocolate de verdade: a Tobler, na Suíça, fabricante do Toblerone.

4. Embora fosse uma produção americana, as filmagens aconteceram na Alemanha, em Munique - o que provocou um problema de elenco. Os produtores tiveram dificuldade de encontrar anões locais para interpretar os Oompa Loompas - os pequeninos empregados da fábrica. Os portadores de nanismo andavam em falta entre os alemães desde a política de eugenia dos nazistas. Assim como ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais - já que boa parte deles acabou esterilizada ou assassinada ao longo dos 12 anos do regime (1933—1945).

XII. A ESCOLHA DE RUTH

Embora essas pequenas porções de massa, crocantes por fora e macias por dentro, já existissem antes, foi a americana Ruth Wakefield quem inventou o cookie com gotas de chocolate, em 1938. Ela teve a ideia enquanto mexia nas receitas de doces para servir em sua pousada. Quando a Nestlé quis comprar a receita, a cozinheira fez uma exigência surpreendente: um dólar apenas, mais um fornecimento vitalício de chocolate.

XIII. MUSEUS DO DOCE

1. CHOCO STORY (Bélgica)
Fica em Bruges, uma cidade de conto de fadas, e está instalado numa antiga taverna de vinho. Salas temáticas contam a história do chocolate.

2. IMHOFF SCHOKOLADEN MUSEUM (Alemanha)
Em Colônia, este museu tem forma de um barco gigante de vidro e explica todo o processo de produção do chocolate.

3. PLANÈTE MUSEÉ DU CHOCOLAT (França)
Fica no balneário de Biarritz e, além de aulas com um mestre-chocolateiro, oferece uma galeria de obras de arte dedicadas ao chocolate.

4. SCHOCOLAND ALPROSE (Suíça)
Mais uma viagem incrível: ao sul dos Alpes suíços. Tem um acervo de objetos e fotos, além de rios e fontes de chocolate, que impressionam seus 300 mil visitantes anuais.

B MUSEU DE LA XOCOLATA (Espanha)
Para se esbaldar em doce: este museu, localizado em Barcelona, é também uma escola catalã de confeitaria.

XIV. CRISTO DE CHOCOLATE?

Você acha no YouTube ou no Spotify. Em 1994,o cantor Tom Waits gravou a engraçada “Chocolate Jesus”, no álbum Mule Variations. Distorcendo a própria voz, já naturalmente rascante, com um megafone, Waits canta sobre um garoto que não quer saber de ir à igreja aos domingos, mas que se sente cristão comprando seu doce preferido: um Jesus feito de chocolate, que ele encontra numa confeitaria.
“Well, it's got to be a chocolate Jesus/ make me feel good inside/Cot to be a chocolate Jesus/ keep me satisfied."

(Tem de ser um Jesus de chocolate, faz sentir-me bem por dentro, tem de ser um Jesus de chocolate, me deixa satisfeito.)

A mesma inspiração teve o escultor ítalo-canadense Cosimo Cavallaro. Em 2007, ele expôs em Nova York um Jesus de 1,80 m e 90 kg esculpido em chocolate ao leite. E com a genitália à mostra. O nome da obra: My Sweet Lord (meu doce Deus). A Liga Católica não gostou da ideia e organizou um boicote ao hotel que abriga a galeria. E a exposição foi cancelada. “Esse pessoal [o artista e os expositores] tem sorte de que cristãos zangados não reagem como extremistas muçulmanos quando se sentem ofendidos”, declarou na época Bill Donahue, presidente da Liga.

XV. RUIM PRA CACHORRO

Como explica Luiza Sahd, autora de 'A Mente do seu Cachorro' (livro publicado pela SUPER), chocolate é um veneno para qualquer cão. “Dependendo do tipo e da quantidade ingerida, o animal pode ter vômitos, desconforto abdominal, tremores musculares, ritmo cardíaco irregular, temperatura corporal elevada e convulsões, o que coloca sua vida em risco.


Publicado no "Dossiê Superinteressante", Editora Abril, São Paulo, edição 361-A, maio de 2016, editor Alexandre Carvalho. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.




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