11.07.2018

PRODUTOS CÁRNEOS EMULSIONADOS - MORTADELA



A mistura de dois líquidos imiscíveis com a adequada estabilidade cinética produz uma emulsão, definida como um sistema heterogêneo formado por um líquido completamente disperso, na forma de gotículas, em outro de polaridade oposta (McCLEMENTS, 1999; ARAÚJO, 2011). Os líquidos que compõem as emulsões não são mutuamente solúveis, razão pela qual formam uma micro fase dispersa e uma fase contínua (McCLEMENTS, 2005; COSTA, 2012). As emulsões são usualmente classificadas em “óleo em água’’ ou “água em óleo’’, segundo a natureza da fase continua (ARAÚJO, 2011).

Nas emulsões cárneas (óleo em água), as gotículas de óleo são estabilizadas na fase aquosa por um agente emulsionante (proteína), que reduz a tensão interfacial entre as duas fases. A fase contínua é constituída pela água da carne, e adicionada no processo, e pelas fibras e proteínas musculares; assim, forma-se uma rede proteica que evita a movimentação dos glóbulos de gordura emulsionados e não emulsionados, evitando a coalescência e a consequente quebra da emulsão (separação macroscópica das fases). Dentre as proteínas cárneas, as miofibrilares, em especial a miosina, são as proteínas mais importantes para emulsificação da gordura, capacidade de retenção de água do produto e formação da matriz gélica tridimensional (WESTPHALEN, BRIGGS; LONERGAN, 2005).

A estabilidade das emulsões cárneas é atribuída às proteínas musculares em virtude da natureza anfotérica. Algumas proteínas são capazes de se orientarem de acordo com a interface polar – apolar, sendo consideradas ótimas emulsificantes (ARAÚJO, 2011). Algumas destas proteínas possuem capacidade de formar géis viscoelásticos que liga à água e formam redes coesas que impedem a coalescência das gotículas de gordura.

A principal diferença entre as emulsões clássicas óleo em água e as emulsões cárneas, é que nas emulsões cárneas os glóbulos de gordura são de 1 a 50 μm de diâmetro, estando revestidos por proteínas miofibrilares e estabilizadas na matriz proteica, que conforma a estrutura tridimensional do gel que é formada quando acontece o cozimento. As características físico-químicas das emulsões cárneas são afetadas por fatores, como variação do processamento (temperatura e tempo de cocção), qualidade da carne (DFD, PSE ou normal), pH, concentração de NaCl e de fosfato, e adição ou não de proteínas não cárneas, como a proteína texturizada de soja (PTS) (CHEN, 2007). Em especifico, a estabilidade da emulsão dependerá principalmente do tipo de gordura utilizado e da disponibilidade de proteínas miofibrilares (YOUSSEF: BARBUT, 2010).

Assim, quanto maior o teor de proteína, maior será a estabilidade, devido à presença de proteínas em quantidade suficiente para encapsular os glóbulos de gordura. Também a temperatura de cuterização afeta a estabilidade, devido à desnaturação proteica e consequentemente perda da funcionalidade. Portanto, a velocidade de adição da gordura deve ser rápida para favorecer a migração das proteínas miofibrilares para a interfase óleo – água antes que se coagulem devido ao aumento na temperatura. Os produtos cárneos emulsionados são, em geral, embutidos ricos em lipídeos (no máximo 30%, pela legislação brasileira) (BRASIL, 2000) e que não possuem fibra alimentar. Exemplos são: mortadelas, salsichas e patês (MADRUGA et al., 2007). Destes, a mortadela é o produto de maior demanda no mercado brasileiro (FERRAZ, 2010).

O alto conteúdo em gordura deve-se ao fato da gordura influenciar positivamente as características de rendimento (reduz custos de formulação e evita perda de água na cocção), cor, sabor, maciez, suculência, aceitabilidade e textura (JIMÉNEZ-COLMENERO et al., 1995; DESMOND; TROY: BUCKLEY, 1998; HUGHES, MULLEN; TROY, 1998; COFRADES et al., 2000; JIMÉNEZCOLMENERO, 2000; FREITAS et al., 2004; CENGIZ; GOKOGLU, 2007; VENTANAS, PUOLANNE; TUORILA, 2010).

Com respeito à textura, o aumento no teor de gordura promove uma maior cremosidade e suavidade do produto, reduzindo a coesão estrutural, facilitando a mastigação e a deglutição do alimento (DEGOUY, 1993). O efeito da gordura sobre o sabor se deve ao fato de que a gordura age como carreador e reservatório de compostos aromáticos; também contribui para uma maior e mais prolongada suculência dos embutidos (FERRAZ, 2010; VENTANAS, PUOLANNE; TUORILA, 2010).

Devido a estes efeitos a remoção de gordura pode trazer modificações indesejáveis nas características sensoriais em produtos cárneos emulsionados. Além disto, um efeito indireto da redução pura e simples de gordura é o aumento no teor de proteínas da massa da emulsão, fato que afeta o perfil de textura dos produtos emulsionados por promover uma maior geleificação da massa devido ao aumento nas interações proteicas durante o processo de cozimento. Isto gera emulsões mais firmes e homogêneas, com maiores valores de dureza, gomosidade, coesividade e mastigabilidade, o que faz com que os produtos sejam percebidos como mais ou menos “borrachentos” e elásticos (KEETON, 1994; JIMÉNEZ-COLMENERO et al., 1995; HUFFMAN; HUFFMAN, 1997; BREWER et al., 2005; DÁVILA et al., 2007; KARWOWSKA; DOLATOWSKI, 2008; YOUSSEF; BARBUT, 2009; SUN; HOLLEY, 2011).

Ferraz (2010) apresentou indicações de que as alterações nos teores de proteína são as principais razões para a alteração de textura em produtos cárneos formulados com redução no teor de gordura; entretanto, segundo o autor, é possível formular produtos com pouca alteração na textura aumentando-se a quantidade de água adicionada (em substituição à gordura) à formulação, que, neste caso, continuará com o mesmo teor de proteína, tornando a textura dos produtos cárneos mais próxima daquela de produtos com teores normais de gordura.

Porém, a substituição de toucinho por água levará à alteração na relação umidade/proteína (U/P) dos embutidos fazendo com que não atendam à legislação, que exige no mínimo 12% de proteína, e no máximo 65% de umidade (BRASIL, 2000).

Em produtos cárneos, a gordura poderá ser substituída por ingredientes não cárneos, como proteínas, fibras, gomas, etc. dependendo de características como capacidade de retenção de água (CRA), capacidade de geleificação, solubilidade e dos limites estabelecidos pela legislação (JIMÉNEZ-COLMENERO, 1996; FERRAZ, 2010). Assim, a manutenção de textura similar a produtos tradicionais (25% a 30% de lipídeos) poderá ser compensada pela substituição da gordura por fibras, sem alterar a relação U/P, com nenhuma ou pouca alteração na textura e melhora dos resultados quanto à suculência e perdas durante a cocção; gerando produtos cárneos funcionais (SEABRA; ZAPATA, 2002; SILVA, 2010; BISWAS et al., 2011).

Vários trabalhos têm avaliado a substituição de gordura por outros ingredientes, especialmente as fibras de diversas fontes (CLAUS et al., 1989, 1990; CLAUS; HUNT, 1991; KHALIL,1997; THEBAUDIN et al., 1997; MANSOUR; ANDERSON; BERRY, 2000; STEENBLOCK et al., 2001; GARCÍA et al., 2002; FERNÁNDEZ-GUINÉS et al., 2003; FERRAZ, 2010; BISWAS et al., 2011). Fibras alimentares têm sido estudadas isoladamente ou combinadas com outros ingredientes para melhorar a textura de diferentes produtos à base de carne.

Segundo Jimenéz-Colmenero et al. (2010), a microscopia eletrônica de varredura mostrou que a substituição de gordura por fibra hidratada de konjac e de algas resultou em estruturas de emulsões mais heterogêneas; eles sugerem que algas marinhas em presença de gel de konjac formam géis mais rígidos; explicam este comportamento à hipótese de géis de konjac limitar o efeito das algas marinhas sobre a matriz proteica.

Segundo Claus e Hunt (1991), a adição de água permite a recuperação da maioria dos parâmetros de textura em bolognas (produto similar à mortadela) formuladas com baixo teor de gordura (10%) e elevada adição de água (30%), tornando-as mais similares a uma bologna tradicional (10% de água e 30% de gordura).

Texto de Astrid Selene Sepúlveda Betancourt em "Características Físicas e Reológicas de Mortadelas Formuladas Pela Substituição Parcial de Gordura por Carne ou Por Misturas de Fibras Solúveis e Insolúveis", Vicosa MG 2014, Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, para obtenção do título de 'Magister Scientiae', excertos pp.4-7. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.








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