1.06.2019

MAPEAMOS O DNA DO BACON



Você não precisa se tornar membro do 'Clube do Bacon Artesanal', usar camiseta estampada com a frase 'I Love Bacon' e nem sair por aí provando sorvete de bacon, chocolate com bacon, refrigerante de bacon ou bacon colorido. Isso é coisa de americano. Mas, depois de curar a primeira barriga de porco em casa, há boas chances de você se tornar um baconista – e isso significa que nunca mais vai querer saber do produto industrializado.

Para começar,seu bacon poderá ter o sabor que você quiser. Alho? Páprica? Pimenta? E a proporção de gordura que preferir. Entremeada, bem separada?

E será feito com a carne que escolher – barriga de porco é o corte original usado para prepará-lo,mas conforme Alan Davidson mostra em "The Oxford Companion to Food", tecnicamente qualquer peça de carne de porco curada em sal é bacon.Pelo mundo todo (ou quase) se usam diferentes cortes, mais ou menos nobres, na cura seca.

Antes de decidir se vai querer cortar em fatias finas, grossas, pedaços ou cubinhos,melhor resolver se vai usá-lo fresco, assado ou defumado – experimente o perfume de diferentes madeiras, chás, ervas aromáticas...

Você talvez queira fazer bacon por causa do gosto, por ser um dos alimentos que têm a maior concentração de umami – o sabor que conforta e que os japoneses descrevem como aquilo que faz as coisas ficarem gostosas.

Ou talvez embarque na vontade de ir contra a corrente, como se num ato de resistência,de contracultura, uma reação à cozinha molecular, à cozinha politicamente correta, à cozinha sustentável, à cozinha com causa (e se ao contrário, fizer questão de uma causa, use porco orgânico).

O fato é que sua resistência será mais saborosa se for a base de bacon feito em casa. O produto artesanal ganha riqueza de textura e sabor.

Nos últimos tempos, o bacon tem sido cultuado, virou pop e está sendo usado como ingrediente de incontáveis receitas, da entrada à sobremesa.Esse culto tem precedentes históricos: já no século XIII,os franceses promoviam o repas baconique, grandes festas com menu inteiro à base de bacon.

Faltou dizer ainda que fazer bacon em casa é muito fácil –como você poderá conferir.Comece com uma passada no açougue. Quem sabe, ao final do processo, você pode descobrir um talento extraordinário para a coisa, semelhante ao do americano Allan Benton, do Tennessee, cuja história você vai conhecer.

TUDO COMEÇOU COM UM PEQUENO DEFUMADOR - E UMA OBSESSÃO.

Fazer bacon artesanal é um simples, primeiro é só a execução de uma técnica e quando você se dá conta, virou mania.

Fazer bacon em casa tem sido minha obsessão desde que morei uns meses nos Estados Unidos, onde ele é mania. Minha primeira experiência, independente e aleatória, foi com um pequeno defumador de comidas caseiro. Usei-o para preparar uma barriga de porco comprada fresca, que ficou saborosa e muito cheirosa. Só que aí descobri que aquilo não podia ser considerado bacon: mais que a defumação, é a cura da carne com sais que a transforma em bacon.

Curar é secar. Significa preservar a carne com sal, de forma a deixá-la mais resistente a bactérias e fungos. O que começou como técnica de conservação acabou transformando o sabor, a cor e a textura da carne de porco.

O processo é simples. Você compra a barriga de porco fresca, envolve-a em uma quantidade generosa de sal de cura – uma mistura de sais, açúcar e temperos –, deixa a carne coberta pelo sal por uma semana,na geladeira e depois é só lavar e secar a carne. Se quiser usar assim, já é possível. É bacon fresco, que pode ser frito, assado, cozido. Mas o ideal é completar o processo, assando ou defumando a carne.

O bacon artesanal é mais fresco, tem aroma mais intenso e textura mais fibrosa que o industrializado, além de ser mais barato. E, por ser preparado em grandes peças,se presta a uma infinidade de cortes – em cubos, fatias finas, fatias grossas, peça inteira. Cada uma vai bem num tipo de receita.O fascinante é ir aperfeiçoando a técnica e dando toques pessoais.Dá para variar o tempero, usar por exemplo um pouco de páprica e pimenta, ou mel e canela na mistura da cura. Alho, cebola, ervas aromáticas, louro, cominho, coentro e até curry.

Os norte-americanos gostam de bacon “adocicado”. Além do açúcar que já vai na receita básica, adicionam mel, xarope de mapple ou melaço de cana. Outro jeito bom de dar um toque agridoce é adicionar açúcar mascavo e canela em pó.

Na indústria e em cozinhas profissionais, o passo seguinte ao da cura é o da defumação. Ela dá ao bacon sabor especial e bem característico, mas pode ser considerada apenas um tempero adicional.

Depois de muito experimentar, cheguei a minha fórmula preferida: simplesmente assar o bacon fresco. O forno dá à carne um tom mais colorido, e com o calor a gordura se dissolve e se mistura à carne,intensificando seu sabor. A peça pode ser levada ao fogo baixo numa assadeira por 1h30 a 2h, dependendo do tamanho.

Esse bacon pode ser conservado na geladeira por até duas semanas, já que a peça foi curada e fica mais protegida contra bactérias. Se preferir,congele-o em pedaços ou já fatiado.

CINCO PASSOS 

1. A Carne

Para a receita básica, use uma peça de barriga de porco entre 1 quilo e 2,25 quilos. Com a gordura entremeada, esse corte, que fica para fora da costela, é o ideal para fazer bacon. Decida se prefere um pedaço com mais ou menos gordura, regular ou irregular, mas compre a peça toda.

2. O Sal

Misture bem 2 xícaras de sal, 1 xícara de açúcar e 2 colheres de sopa rasas de sal de cura. É preciso usar sais especiais que favorecem a cura. O mais comum é o que contém nitrito e nitrato de sódio, para conservar a carne e evitar o ranço e o aparecimento de bactérias que causam botulismo. São encontrados em açougues especializados, lojas de gastronomia e no Mercadão (custam de R$ 3 a R$ 5 nos boxes de temperos).

3. Preparo

Lave e enxugue a barriga de porco. Misture o sal de cura aos temperos que preferir e cubra a peça toda. Ponha a carne num saco plástico, acrescente mais uma colherada da cura e de temperos e feche de forma hermética. Mexa para distribuir o sal e deixe na geladeira por uma semana.

Enquanto está sendo curada, a carne solta bastante líquido, o que também ajuda no processo de cura. É preciso virar a peça a cada dia ou dois para garantir que toda ela fique em contato com o líquido.

Após uma semana, verifique o ponto: se a peça for grande demais e afundar ao toque do dedo, ainda não está pronta, mantenha na geladeira e vá testando o ponto, até que esteja bem firme.

Quando estiver curada, tire do saco, descarte o líquido, lave a carne em bastante água corrente e seque-a com papel-toalha. O bacon fresco está pronto e já pode ser usado.

4. Finalização

Ponha o bacon fresco e curado numa assadeira e asse em forno baixo por 1h30 e 2h, até que esteja dourado e com uma gordura transparente (se tiver termômetro, asse até que a temperatura interna da peça seja de 65˚C).

Se preferir defume-o usando um defumador caseiro, ou mesmo a churrasqueira. Teste diferentes madeiras para variar o aroma. Ou adicione ervas aromáticas e até chá.

5. Como Usar

Depois de pronto, você pode cortar o bacon em cubos grandes ou pequenos, a depender do uso que vai dar para a peça. Se preferir, faça fatias: as inconfundíveis tirinhas. Mas nem perca tempo tentando fazer fatias finas, pois quando preparado artesanalmente ele fica melhor cortado em fatias grossas. Para conservar bem, basta colocar a peça no freezer até a hora de usar.





SEU SABONETE É DE BACON? VOCÊ NÃO VIU MEU BIQUÍNI...

Uma passada de olhos pela internet é suficiente para comprovar o culto que cerca a gordurosa lasca de carne. Sites e mais sites dedicam-lhe devoção sob a forma de clubes de degustação e produtos dos mais diversos.

A lista é vasta. Entre a gama de artefatos comestíveis que têm o bacon como matéria-prima, eis modesta mostra:cervejas, refrigerante, pipoca, café, cupcakes, cookies, algodão doce, sorvetes, pirulitos e até mesmo granola (nem ela se salvou...)

A oferta de sites é bem farta: Bacon Freak, Royal Bacon Society, Bacon Nation, Bacon Today, Republic of Bacon são alguns deles. Repúblicas, sociedades e nações formam-se em homenagem ao produto. Nessas comunidades é possível encontrar o mercado paralelo dos objetos de ou para o bacon. Além de receitas, claro.

Para os que veem no bacon mais do que comida,mas um estilo de vida, é possível comprar camisetas, aventais, bonés, bandaids, pendrives,capinhas para celular, ou biquínis (feitos com carne mesmo), por que não? E o baconmaníaco não satisfeito pode incluir a tirinha na higiene pessoal: tem sabonete,pasta de dente e fio dental de bacon à venda.

Na Califórnia, a baconmania virou nome de um foodtruck – trailer adaptado para vender pratos feitos com... bacon. Saladas,sanduíches, sopas, brownies.

Outra profícua moda nos Estados Unidos são os clubes mensais do bacon: todo mês o assinante recebe um pacote com uma variedade. Do Arkansas, de Kentucky, defumado em madeira de nogueiras, defumado com madeira de macieiras. A remessa chega à porta de casa. Uma assinatura do clube do bacon artesanal em Michigan, por exemplo, pode custar 99 dólares por três meses. Nesse mesmo Estado americano, o encontro do bacon vai para sua terceira edição.

Mas o auge da mania está por vir:deve estrear em breve um reality show contando a rotina de dois “bacon-empresários” de Seattle tentando vender seus esdrúxulos produtos.

E não é só nos Estados Unidos que o bacon coopta fiéis. Há por aqui o BH Bacon Club. No Facebook, define-se como instituição religiosa. Amém

SÓ TEMPO E PACIÊNCIA

(José Orenstein)

Quando alguém pergunta sobre os ingredientes que fazem o bacon preferido de chefs da moda nos Estados Unidos como David Chang,do Momofuku,Allan Benton responde com duas palavras:tempo e paciência.

São os ingredientes que jamais faltam ao produtor que vive na pequena Madisonville, cidade de apenas 5 mil habitantes encravada no Tennessee, e que dedica os dias à produção do bacon artesanal. A fama de fazer o melhor bacon dos Estados Unidos, as fotos e citações em jornais e revistas não mudaram seu estilo devida.E nem de trabalho.

“Tentamos desesperadamente fazer o melhor bacon dos Estados Unidos. Não sei se conseguimos, mas tentamos”, diz Allan com aquele fortíssimo sotaque caipira americano dos filmes. Em entrevista por telefone, contou que faz bacons e presuntos curados desde 1973,quando assumiu a Benton’s Smoky Mountain Country Hams, empresa fundada em 1947. Com a ajuda de apenas 11 funcionários, ele produz no máximo 40 mil peças de bacon por ano – “Essa é a quantidade que uma indústria embala por dia”, diz. Com simpatia, diz não querer vender seu bacon nas grandes redes de supermercado do país. Tempo e paciência: ele precisa de cinco semanas para fazer cada peça.

São dez dias em que a barriga do porco fica salgando, mais dez curando na geladeira e outros dez secando a temperatura ambiente. Vêm então mais três dias de defumação. “No fim, temos um sabor muito intenso e uma nota bem pronunciada de fumaça”, diz o produtor de 65 anos. Apesar de estar há tanto tempo no mercado, Allan conta que foi apenas nos últimos de zanos que seu produto começou a ser reconhecido pelos círculos da alta gastronomia.

“Sou um cara muito simples. Comecei fazendo bacon para ser comido todo dia, para ser vendido com preço acessível a pessoas pobres”, diz. “Foi muita sorte que os chefs começaram a usá-lo nas receitas mais doidas”, diz com modéstia. Ao longo da conversa, repete algumas vezes que teve sorte. Mas reconhece que foi a obsessão pela qualidade que o fez prosperar.

O produtor conta que sua receita vem dos avós, de poucos recursos,que tinham de aproveitar o porco todo, por um bom tempo– por isso salgavam, curavam e defumavam a carne. Mas o que era necessidade de preservação evoluiu para uma busca pelo sabor ao longo das gerações (assim como aconteceu com os embutidos todos na Europa). Com a fama que seu bacon alcançou, surgiram propostas para expandir o negócio, grandes empresas quiseram comprá-lo.“Mas resistimos. Queremos fazer um bacon exclusivo. E de qualidade. Não posso abrir mão da qualidade”, diz.

Para Allan,a recente baconmania se deve ao fato de que as pessoas se deram conta de que é melhor comer um pouco de porco com gordura de verdade do que coisas processadas. “Por muito tempo nos Estados Unidos as pessoas foram educadas a não comer bacon e comidas gordurosas. Mas quando elas deram uma escapada à regra, não queriam o bacon insosso do supermercado. A procura pela qualidade é que fez negócios locais como o meu darem certo.”

Allan diz que come bacon pelo menos duas vezes por semana, seja ele puro ou como ingrediente em alguma receita. Tem como prato memorável um hot-dog com bacon que comeu em Nova York. Lá, ele foi ao PDT (Please Don’t Tell),bar da moda,mas secreto, inspirado nos anos de lei seca americana, ao qual se chega só após ligar de uma cabine telefônica no fundo de um restaurante. Foi provar um drinque que ficou famoso por misturar vodca com bacon e que leva seu nome: benton’s old-fashioned. Allan foi incógnito e além do drinque queria provar o famoso hot-dog do lugar. Perguntou por que o sanduíche dali era especial ao barman e a resposta foi: é que ele é feito com o melhor bacon da América, vindo do Tennessee. Benton’s bacon.

Se você não pode ir ao Tennessee ou não está nos Estados Unidos para encomendar um pacote com quase dois quilos de bacon a US$ 24, Allan dá as dicas: “Fazer em casa é fácil. Pegue a barriga do porco fresca,esfregue bem toda a peça no sal e deixe por dez dias na geladeira. Lave, deixe mais dez dias e seque por outros dez. Está pronto para defumar”. Certa vez, Allan ouviu de um chef: se é tão simples, por que todo mundo nãofaz? Reposta fácil: tempo e paciência.Nem todo mundo tem.

À MODA ITALIANA, ELE VIRA PANCETTA E GUANCIALE

O próprio bacon pode variar de tempero ou sabores, mas existem variedades da barriga curada tradicional que também podem ser preparadas em casa com excelente resultado.

A primeira delas é a pancetta, o bacon italiano que pode ser comprado pronto em casas especializadas e que se diferencia desde a aparência, por ter um formato “roliço” que pode até lembrar uma linguiça.

A pancetta passa por um processo parecido com o do bacon, mas mais longo. A barriga de porco é curada por uma semana com temperos (especialmente pimenta-do-reino, alho, louro, noz-moscada e tomilho), e então enrolada, amarrada em uma atadura e seca por mais duas semanas. Ao final, a peça fica fixada no formato enrolado, dando um aspecto bem interessante às camadas intercaladas de gordura e carne em círculos. A pancetta não deve ser assada, pois é apenas curada. Ela não deve ser comida crua e precisa ser cozida ou refogada antes de ir para a mesa. Uma variedade menos comum da pancetta é o guanciale, que não é preparado com a barriga, mas sim com as bochechas e papadas do porco e tem sabor mais “amanteigado”. O guanciale é o ingrediente tradicional dos molhos amatriciana e carbonara. O problema é que é mais difícil conseguir os cortes de bochecha no Brasil, mas alguns açougues aceitam encomendas. O guanciale tem menor tempo de cura, porque as peças são normalmente menores do que a barriga, mas o procedimento é semelhante ao de preparar pancetta.

Texto de David Silveira e colaboradores publicado no caderno "Paladar" de "O Estado de S. Paulo" de 13 a 19 de setembro de 2012.Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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