9.30.2021

O QUE ERA SOCIALMENTE ACEITÁVEL NOS TEMPOS MEDIEVAIS


Sendo que também na idade média nem todos eram iguais, havia muitos costumes e culturas diferentes, mas tudo que tinha a haver com higiene e com a privacidade das pessoas, seria provavelmente inadmissível hoje em dia.

Apesar de muitas pessoas pensarem que na idade média as pessoas praticamente não se lavavam, não é verdade que na idade média não se tomava banho. Na verdade, na idade média havia o hábito de se lavar (apesar de não diariamente) e acima de tudo banhos públicos (homens e mulheres nus, juntos!), apesar de nunca ter atingido a sofisticação dos banhos e termas durante a era do império romano, os banhos públicos eram extremamente populares e até apoiados pela igreja.

Os banhos públicos eram, aliás, eventos populares e cada vez mais usados para a socialização, não só para falar, mas, entre os nobres, também para jantar e negociações, mas o contacto entre homens e mulheres, não só para tomar banho, não era raro, razão pela qual o "barbeiro" (que geria a casa de banho pública, recebia, aquecia a água, etc.) tinha uma má reputação na idade média.

Isso fez com que a igreja começasse a ver os banhos públicos com maus olhos, sendo introduzida primeiro uma separação por sexos e mais tarde, no fim do século quatorze os banhos públicos caíram em desuso. No entanto não foi só por razões de fervor religioso, foram também as grandes epidemias do século 14/15 que acabaram com os banhos públicos, sendo que a água morna onde as pessoas passavam por vezes horas era uma excelente fonte para a transmissão de doenças. O hábito de banho perdeu-se um pouco por toda a Europa na renascença e não na idade média.

No entanto é para nós muito fácil de julgar a cultura medieval e considerar as pessoas que viviam naquela altura como porcas ou mesmo inconscientes da necessidade da higiene pessoal. Tem que se ter a consciência da vida e das limitações que as pessoas tinham no que toca o acesso a água, particularmente água quente. No entanto, isso não quer dizer que não haviam pessoas que não gostavam de se lavar ou eram mesmo desmazeladas, mesmo entre o nobres.

Porém, na idade média o acesso à higiene também dependia das posses das pessoas, sendo que nobres e pessoas com posses tinham acesso facilitado a fontes de água e, acima de tudo, podiam aquecer a água. Num país como a Alemanha, não é fácil de tomar banho em água fria no inverno e quem conhece como os camponeses conseguiam a madeira necessária para cozinhar e aquecer no inverno, sabe que o aquecer de água para mais de 90% da população era um luxo, que podia significar a diferença entre a vida e a morte.

Também dependia do local onde se vivia, sendo que na cidade a higiene era mais difícil, já que não havia acesso tão fácil a fontes de água.

Não obstante, a higiene era já naquela altura uma preocupação, tanto que até era tratada em livros, incluindo religiosos, havendo até dicas para a higiene pessoal em conformidade com o nível social (para os nobres).

Uma grande preocupação era também a limpeza dos dentes, havendo imensas receitas para a "pasta" de lavar os dentes. Também a higiene feminina durante o período era fonte duma grande preocupação e dependia muito das posses da mulher, pois só as mulheres ricas é que tinham o dinheiro para os chamados "panos menstruais" de linho, as outras, a maior parte, não tinha dinheiro para panos (também não usavam roupa interior, ou seja cuecas) e tinha que deixar correr o sangue menstrual pelas pernas abaixo, o que levou à introdução de muitas regras quanto à higiene feminina (sim, tinham que se lavar), uma delas a proibição de pisar a uvas no lagar…

Já agora, Portugal e Espanha, influenciadas pela cultura árabe na península, tinham uma cultura de banho bastante mais desenvolvida do que o resto da Europa.

Outra questão socialmente aceitável nos tempos medievais, mas inadmissível hoje, era tudo o que tinha a ver com "privacidade". O nosso conceito de privacidade é uma ideia ocidental e é relativamente recente, tendo começado a desenvolver na primeira metade do século 19. Na idade média, privacidade, como nós a conhecemos hoje, era pura e simplesmente desconhecida e até seria um conceito estranho.

Andar nu e ver e ser visto nu/nua por outros era normal, não se via nada de imoral nisso. Afinal de contas as pessoas vivam juntas e dormiam todas juntas nuas, principalmente no verão, e em muitos casos, particularmente no inverno, com o gado, aproveitando o calor gerado pelo seu gado. Claro está, nos banhos públicos, as pessoas estavam igualmente nuas.

Na noite de núpcias o casal era muitas vezes observado, para que testemunhas pudessem assegurar que o casamento foi consumado. Isso era particularmente importante quando se tratava de casamentos entre nobres ou casais reais.

Também o urinar e defecar era feito em público, ninguém se apoquentava com isso. O tabu em relação às nossas necessidades veio com a introdução das casas de banho com fossa sanitária que requeria a separação devido à fossa. Aliás nobres e reis tinham criados para os lavar, naturalmente nus e em muitos casos para lhe limpar o rabo depois de defecarem.

Voltando mais uma vez à higiene pessoal, naquele tempo era esperado que uma noiva tivesse os pés, mãos e cara limpas, mas também que o sexo estive limpo, sendo que era normal alguém verificar se era o caso, normalmente a futura sogra uma vizinha que dava então "luz verde". Toda esta falta de privacidade, não era só implícita, era explícita, falando e escrevendo as pessoas com grande naturalidade sobre isso, apesar de se usar na literatura da época uma linguagem um pouco, digamos, floreada, ao contrário da linguagem usada nos contos populares. Assim escreveu Guilherme de Lorris no seu "Romance da Rosa", em 1230:

"E como boa moça, ela que mantenha a câmara de Vénus limpa; se ela for bem educada e asseada, não deixara por ali quaisquer teias de aranha, que ela não queime ou corte, arranque ou varra, de forma que não se colha ali qualquer musgo." (em Guillaume de Lorris, Jean de Meun, 2º. Vol., pág. 731).

Sexualidade, aliás, não estava submetida aos mesmos tabus de hoje, falava-se abertamente dela em termos bem fortes (o "Simplicissimus" do Christoffel von Grimmelshausen é um exemplo da linguagem popular , apesar de não ser da idade média, mas sim da guerra dos trinta anos), mas também a violência no casamento ou mesmo violações da própria esposa, eram algo socialmente aceites, sendo que as mulheres não tinham quaisquer possibilidades de recorrer à justiça. Violações eram também raramente punidas quando perpetrados por nobres e as mulheres eram camponesas.

A idade média e os seus costumes são um tema fascinante, mas duvido que nós gostaríamos de ter vivido naquela época.

Texto de Carlos Saraiva publicado em https://pt.quora.com/. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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