Dizem que a marca de qualquer civilização avançada é a qualidade de seus encanamentos e sistemas sanitários. Banheiros e latrinas são conveniências importantes. Encanamentos e sistemas sanitários são fruto da ciência da irrigação, algo desenvolvido há 25 mil anos, pelo menos.
Há mais de 3 mil anos, os nabateus, um povo árabe, mantinha seis cidades florescentes na desolada região de Negev, em Israel, incluindo a famosa Petra. Utilizando um engenhoso sistema de terraços e muros, esses engenheirosagricultores conseguiam cultivar o solo com média pluviométrica anual de 100 milímetros. “Quanto mais examinamos os complexos sistemas dos nabateus, mais devemos nos impressionar com a precisão e o escopo de seu trabalho. Eles previam e resolviam cada problema de modo que pouco poderia ser aprimorado hoje”. (Scientific American, abril de 1956).
Há cerca de 3 mil anos, os antigos persas descobriram um método para escavar aquedutos subterrâneos que levavam água da base das montanhas para suas planícies áridas. Ainda existentes e funcionais, os sistemas de irrigação proporcionam 75% da água usada hoje no Irã. (Scientific American, abril de 1968).
Durante séculos, as condições sanitárias da Europa foram deploráveis. O tratamento descuidado dos dejetos humanos sustentou as horríveis pestes que quase dizimaram o continente em diversas ocasiões. No entanto, há mais de 5 mil anos, no Vale do rio Tigre, perto de Bagdá, a cidade de Tel Asmar tinha casas e templos com sofisticados dispositivos sanitários. Um dos templos encontrados em escavações tinha seis latrinas e cinco banheiros, com a maior parte da canalização “ligada a drenos que descarregavam em um esgoto central, com um metro de altura e 50 de comprimento [...] Ao identificarem o dreno, os pesquisadores encontraram uma linha de canos de cerâmica. Uma das extremidades de cada seção tinha cerca de 20 centímetros de diâmetro, enquanto a outra se estreitava para 18, para que os canos pudessem se encaixar, como se faz com canos de drenagem no século XX” {Scientific American, julho de 1935). O homem antigo fazia túneis através de montanhas para fins de irrigação, e às vezes construía represas gigantescas ou realizava outros grandes feitos de engenharia hidráulica. A grande represa construída pela rainha de Sabá em Marib, no Iêmen, é um bom exemplo. Imensas obras hidráulicas do homem antigo, até então desconhecidas, estão vindo à tona. A. D. Fernanado, arqueólogo do Sri Lanka, relata em um artigo no Journal of the Sri Lanka Branch of the Royal Asiatic Society (1982) as incríveis descobertas feitas quando engenheiros do Sri Lanka propuseram-se a construir uma represa em Maduru Oya, alagando um grande vale. Quando os tratores começaram a trabalhar, encontraram tijolos que já estavam no solo. Para espanto de todos, os engenheiros pré-históricos tinham feito os mesmos cálculos e construíram uma represa no mesmo lugar! Arqueólogos noruegueses que visitaram o local afirmaram que a grandiosidade dessas obras megalíticas pré-históricas teria impressionado um faraó. Thor Heyerdahl diz que boa parte do sistema hidráulico foi construída com blocos de pedra de 15 toneladas e 10 metros de altura, dispostos na forma de túneis e muros quadrados. As represas tinham canais de drenagem com mais de 10 quilômetros de comprimento para controlar o fluxo de água até um conjunto de lagos artificiais. Milhões de toneladas de água foram canalizadas por meio dessa imensa e sofisticada represa.
Há cem anos, os historiadores supunham que, como as tribos nômades não tinham banheiros ou sistemas de esgotos formais, todos os outros povos deviam viver da mesma maneira. As tribos nômades costumavam desmontar as tendas e se mudar para outro local quando o lixo e o esgoto ficavam insuportáveis. No entanto, é muito mais difícil fazer isso com uma cidade. Os primeiros arqueólogos ingleses imaginavam que o homem antigo não dispunha de sofisticados sistemas de esgoto e águas, e que apenas deixavam a água das chuvas levar o esgoto para algum rio ou córrego das imediações.
Entretanto, muitos dos banheiros do mundo antigo eram bastante sofisticados, com belos vasos sanitários e banheiras, tal como hoje. Reginald Reynolds, em seu espirituoso livro sobre sistemas sanitários antigos, Cleanliness and godliness, alega que os antigos sabiam que era necessário dispor dos dejetos, mas tinham dois sistemas nitidamente separados:
O senhor Ernest Mackay, eminente arqueólogo, é de opinião que esses drenos não eram usados para a eliminação do esgoto, e como prova disso ele menciona o Charaka-Samhita, obra presumidamente datada do segundo século da Era Cristã, na qual se diz que as latrinas se destinavam apenas aos doentes e enfermos; para os demais, era preciso se afastar de casa a uma distância de uma flechada para fazer suas necessidades [...] Às vezes as águas escorriam pelas paredes das casas, fato que seria nocivo caso contivessem dejetos. Mas ele esquece que a proposição contrária teria sido, em uma cidade, ainda mais nociva do que uma fossa aberta; e como havia tanto descargas como drenos fechados nessas casas, seria mais razoável supor que esses dois sistemas tinham propósitos distintos, sendo um para levar a água das chuvas e dos banhos, e o outro para eliminar dejetos. Isso, pelo menos, não é questionado com relação aos moradores da Montanha dos Mortos [Mohenjo-Daro, no Paquistão], que dispunham de banheiros bem equipados, conjugados ao sistema de drenagem que mencionei [...] como parte da Vanguarda Sanitária da Humanidade.
Sir G. Maspero, que foi diretor-geral do Departamento de Antigüidades do Egito, falava muito bem dos excelentes dispositivos higiênicos e sanitários conhecidos no antigo Egito, especialmente do complexo banheiro descoberto na casa de um funcionário de alto escalão da 18ª dinastia. E comenta também que, no meio das ruas pavimentadas, eles faziam um canal de pedra para coleta de águas. E nesse mesmo banheiro de Tel el-Amarna foi descoberto um vaso sanitário muito bem preservado e ocultado por um biombo, um vaso dotado de tampa de calcário de formas elegantes.
Heródoto considerava os egípcios o povo mais saudável de todos, distinguindo-os dos demais pela singularidade de suas instituições e de seus modos. Reynolds nos diz que “os egípcios - como os pitagóricos, que os imitavam - também evitavam comer feijão, produto que consideravam impuro, por motivos que não sei explicar muito bem; embora alguns digam que, nesse aspecto, Pitágoras foi mal compreendido por Aristóteles”. As pessoas já evitavam feijão há cinco mil anos. Quanto aos vasos sanitários, Reynolds diz que os egípcios preferiam os “granulados”:
[Eles] geralmente usavam terra no lugar de água, mas ainda não sei se somos mais espertos do que os faraós; pois a higiene sanitária não deve ser confundida com qualquer conceito popular ou sistema corrente, mas deve ser analisada com relação à melhor e mais eficiente forma de eliminação dos dejetos, à redução das doenças e causas de infecção, à fertilidade do solo e muitas outras questões, como o clima e os meios à disposição do homem. Mas sabemos, graças a essas observações gerais, que os sacerdotes-médicos que orientavam a saúde pública do Egito consideravam a limpeza algo próximo da divindade, e preocupavam-se em manter saudáveis pelo menos os bairros de classe alta de suas cidades. Os egípcios conheciam inclusive a arte de confeccionar drenos em cobre martelado, e um desses foi encontrado, com 411 metros de comprimento, no Templo de Sahara, embora servisse apenas para a coleta de água pluvial. E sabemos que o fornecimento de água era considerado um problema relevante, chamando a atenção de um funcionário graduado do Estado, conforme se lê em inscrição que trata dos deveres do vizir da 18ª dinastia. Nessa inscrição, diz-se do vizir: “Será ele quem despachará a equipe oficial para cuidar do fornecimento de água para toda a Terra”; e “Será ele quem inspecionará o fornecimento de água no primeiro dia de cada período de dez dias”.
Em seu boletim Science Frontiers (no 123, maio-junho de 1999), William Corliss conta que os antigos egípcios não apenas dispunham de avançados toaletes e banheiros, como também usavam cosméticos em abundância. As mulheres das classes altas, bem como muitos homens, preferiam maquiagem verde, branca e preta. Esses pós-cosméticos, datados de 2.000 a.C., foram excepcionalmente bem preservados em seus frascos originais de alabastro, de madeira ou de cerâmica. Uma equipe de químicos franceses liderada por P. Walter não se surpreendeu quando a análise desses pós detectou galena e cerussita moídas (dois minérios de chumbo). Contudo, eles quase derrubaram seus tubos de ensaio quando encontraram compostos químicos extremamente raros na natureza, especialmente laurionita (PbOHCI) e fosgenita (Pb2CI2CO3). Na verdade, esses compostos são tão raros na natureza que os pós egípcios devem ser artificiais. P. Walter et. al. escreveram: “Juntos, esses resultados indicam que a laurionita e a fosgenita devem ter sido sintetizadas no antigo Egito por meio de química úmida. Os egípcios fabricavam compostos artificiais à base de chumbo, adicionando-os a produtos cosméticos. As reações químicas envolvidas são simples, mas o processo como um todo, incluindo diversas operações repetitivas, deve ter sido bastante complicado de se executar”.
Admitiu-se anteriormente que, 500 anos antes, em 2.500 a.C., os químicos egípcios usavam tecnologia à base de fogo para fabricar pigmento azul. A química úmida representou outro passo tecnológico para a frente (Nature, no 397,1999).
Corliss comenta que “sem se deixarem intimidar pelos sucessos dos antigos químicos egípcios, os químicos da Nissan sintetizaram excrementos artificiais de ave para uso em testes de pintura automotiva. Como se sabe, o produto natural apresenta inconsistências de lote para lote”.
Banheiros de qualidade precisam de bons sabonetes, e a própria palavra sabonete - soap, em inglês - vem da antiga palavra egípcia swab. Em 1931, o doutor Rendei Harris, egiptólogo inglês, afirmou que as palavras swab e swabber - “grumete”, “pessoa que usa esfregão” - derivam da língua egípcia e são muito antigas. Diz ele que wdb, para os antigos egípcios, significava “puro”, e dessa palavra deriva o nome dos wahabis que são os atuais puritanos do Islã. Além disso, ele afirma que a letra S expressa causa, de modo que ankh, palavra que significa “vida”, transforma-se, com a adição de S, em S-ankh, “dar a vida”. A partir daí ele conclui que, se wdb é puro, S-wdb seria “tornar puro”, ou seja, limpar ou esfregar (swab). E como o doutor Harris acreditava que os egípcios eram um povo de bons navegadores, ele afirmava que a palavra swab chegou à língua inglesa graças às viagens dos marinheiros, cuja gíria pode ser, em parte, mais antiga do que as línguas hoje faladas na Europa. Para comprovar o uso náutico da palavra, ele invoca Shakespeare, que escreveu:
The master, the swabber, the boatswain and I...{1}
A habilidade náutica dos egípcios era considerável, e não se discute que eles tinham grandes frotas de navios. Aparentemente, esfregar (swabhing) o convés vem do egípcio antigo, e a palavra inglesa soap deriva de swab - “aquilo que torna limpo”.
Higiene adequada, água limpa, sabonetes e sistemas de esgotos são necessários para o progresso de qualquer civilização tecnológica. Quando se trata da tecnologia dos deuses, a limpeza se aproxima da divindade.
Texto de David Hatcher Childress (tradução de Marcello Borges) em "A Incrivel Tecnologia dos Antigos", Editora Aleph, 2005. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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