Lupa Capitolina |
A lenda garante que o fundador de Roma descendia do deus Marte, embora seja possível que pertencesse a um dos clãs etruscos ou latinos que no século VIII a.C. habitavam nas margens do Tibre.
Rómulo e o irmão gémeo Remo terão sido os filhos de Reia Sílvia, filha de Numitor, rei de Alba Longa, uma antiga povoação dos montes Albanos, situada na região italiana do Lácio. A fundação da cidade, no final do século XII a.C., é atribuída a Ascânio, filho do herói troiano Eneias, e a tradição afirma que, cerca de quatrocentos anos depois, era governada pelo avô dos gémeos, o rei Procas, descendente daquele. A partir desse momento, praticamente tudo o que chegou até aos nossos dias sobre a vida de Rómulo e Remo faz parte de uma lenda construída com base em duas tradições, a grega e a latina. Uma lenda que começa com o seu nascimento aproximadamente no ano 771 a.C.
Plutarco conta que sucedeu a Procas o rei Numitor, que foi destituído pelo seu irmão Amúlio. Este, para garantir o poder, acabou com todos os filhos varões do seu irmão, embora tenha respeitado a vida da sua única filha, Reia Sílvia, ainda virgem. Diz a lenda que a rapariga fora consagrada como sacerdotisa à deusa do lar, Vesta, e que o pai de Rómulo e Remo teria sido o deus Marte, a versão latina de Ares, o deus grego da guerra, que a violou. Outras fontes sugerem, no entanto, que poderia tratar-se do próprio Amúlio.
A origem da lenda
Depois do nascimento das duas crianças, Amúlio quis que ambos morressem e ordenou que fossem afogados nas águas do rio Tibre; mas quem tinha sido encarregue de os matar, em vez de os fazer desaparecer, abandonou-os à sorte numa cesta, que colocou nas águas do rio. A corrente transportou-os até um lugar onde crescia uma árvore sagrada, o Ficus ruminalis, uma figueira silvestre consagrada a uma divindade indígena, Rumina, protectora dos lactentes. Do nome desta deusa, que deriva da palavra latina ruma – que significa úbere e também colina –, poderiam derivar também os nomes de Rómulo e Remo, os quais, segundo a lenda, foram amamentados por uma loba. Pouco tempo depois, Rómulo e Remo foram encontrados por um pastor, Fáustulo, que os levou à sua esposa, Aca Larência, para que os criasse. Os jovens cresceram, fortes e robustos, entre uma comunidade de pastores, comerciantes e agricultores, e, Plutarco conta que, conhecendo Numitor, este ajudaria discretamente os pais adoptivos. Quando os gémeos se tornaram homens, Fáustulo revelou-lhes as circunstâncias em que foram encontrados e quem era o seu avô. Os jovens, que já tinham assumido a liderança de um pequeno grupo de seguidores, foram em busca de Amúlio, matando-o e devolvendo a Numitor o trono de Alba Longa.
“Colocando a sua mãe na honra que lhe era devida – conta Plutarco – decidiram viver sobre ela, fundando uma cidade naquele território do qual, de início, receberam o seu primeiro sustento”.
Assim o fizeram. Rómulo e Remo tinham 18 anos quando, chegados ao local onde a loba os amamentara, subiram, o primeiro ao monte Palatino, e o segundo ao Aventino. A cada um deles pareceu que o lugar que tinham escolhido era o ideal para erguer a futura cidade, e teimaram entre eles, defendendo as suas respectivas posições, até que finalmente decidiram invocar os deuses e deixar que fossem os seus sinais a determinar a escolha. Esperavam que um presságio lha revelasse, quando Remo avistou seis abutres no céu. Satisfeito pelo favorável prognóstico, dirigia-se ao encontro do irmão quando este olhou para cima e contou doze novos abutres, pelo que, depois de prender com o jugo uma vaca e um touro brancos, começou a desenhar com um arado de bronze o sulcus, o sagrado sulco que delimitaria a cidade. Enquanto Rómulo praticava este rito – de origem etrusca, tal como o relacionado com a observação das aves – o irmão, sentindo-se enganado, começou a insultá-lo e a estorvar o seu trabalho. Chegou inclusive a atravessar a sagrada vala onde seria erguida a muralha da cidade, pelo que foi morto naquele mesmo lugar, pelas mãos de Rómulo, como forma de punição pelo sacrilégio e para que os deuses não permitissem que a futura muralha viesse a ser novamente violada.
Assim, segundo a lenda, nasceu Roma, cuja fundação é datada por Marco Terencio Varrão (116-27 a.C.) com uma surpreendente precisão: 21 de Abril de 753 a.C. O lugar atraiu rapidamente um grande número de exilados, aventureiros e fugitivos à justiça, a quem Rómulo, que se autoproclamou seu primeiro rei, organizou e ditou as primeiras regras. Aos que eram úteis para as armas, integrou-os em corpos militares, aos quais chamou legiões, e nomeou populus, povo, aos restantes. Escolheu também cem homens de mérito, nomeou-os conselheiros e deu-lhes o qualificativo de patrícios. A povoação, que no futuro se tornaria a capital do mundo civilizado, era na altura apenas um pequeno conjunto de aldeias povoadas por homens de origens e tradições muito diferentes, entre os quais se poderiam encontrar fenícios, etruscos, gregos e latinos.
Homens que, na sua grande maioria, estavam sozinhos. Na cidade quase não havia mulheres. Sem elas não haveria descendência e, sem descendência, Roma não prosperaria. Rómulo resolveria esta questão muito rapidamente.
O rapto das sabinas
Tinham passado apenas quatro meses desde a fundação da cidade quando, uma vez que muitos dos homens a abandonavam para procurar uma companheira noutros lugares, Rómulo fez passar a palavra de que teria encontrado, sob a terra, a ara de um antigo deus e proclamou a celebração, em sua honra, de uns grandes jogos. Atraídos pelo espectáculo, vieram assistir gentes das cidades e comarcas vizinhas, entre eles, um grande número de sabinos, um antigo povo ganadeiro que havia prosperado no vale do Tibre. A meio dos jogos, depois de um sinal de Rómulo, os seus homens desembainharam as espadas e, no meio da desordem, raptaram as mulheres solteiras e conseguiram fazer com que os sabinos fugissem.
Apesar de ser um povo muito combativo e em largo número, os sabinos quiseram estabelecer conversações com Rómulo para que lhes fossem devolvidas as suas mulheres, ao que este se recusou. Na sequência desta recusa, Acron, o rei de Caenina, uma das cidades mais antigas da comarca, decidiu marchar contra Roma para vingar o rapto. Rómulo enfrentou-o, e contam as crónicas antigas, que tomou a cidade dos seus adversários, cujos habitantes transferiu para Roma, onde lhes concedeu os mesmos direitos que os seus cidadãos.
Encorajados pela sua primeira vitória, os romanos atacaram e tomaram, de seguida, várias cidades vizinhas, deixando os sabinos sem aliados, mas que, finalmente, com Tito Tácio no comando, conseguiram tomar a sua fortaleza. Viriam a enfrentar-se no dia seguinte, numa planície estreita entre os dois montes, numa batalha em que Rómulo acabou por ficar ferido e o seu exército, quase derrotado, recuou. Nesse momento, as sabinas, já conquistadas pelos seus companheiros romanos, colocaram-se no meio do campo de batalha para evitar que uns e outros, os seus pais e familiares sabinos, e os seus esposos romanos, continuassem a matar-se uns aos outros. Como resultado da sua intervenção, sabinos e romanos acordaram um tratado da paz. Foi determinado que as mulheres que o desejassem, poderiam regressar com os seus familiares sabinos, que estes e os romanos seriam chamados de Quirites – em memória de Cures, a pátria de Tito Cácio –, que habitariam como cidadãos iguais na cidade de Roma, e que esta seria governada conjuntamente por Tácio e por Rómulo. Iniciava-se, assim, a chamada diarquia, ou governo-duplo.
A peste, a guerra e a declínio
O governo partilhado durou cinco anos, durante os quais o exército romano alcançou os seis mil efectivos, foi instituído um Senado e o povo foi organizado em três tribos, de origem sabina, latina e etrusca, cujos representes foram chamados de tribunos. A diarquia terminou com a morte de Tito Tácio, assassinado por cidadãos de Laurento que tinham sido atacados por apoiantes deste rei, aos quais Rómulo se recusara a punir. Pouco tempo depois, Roma e Laurento foram invadidos por uma peste que causou uma elevada mortalidade e que ambas as cidades entenderam como um castigo dos deuses por não terem feito justiça à morte de Tácio. Ainda debilitados pela peste, os romanos viram-se obrigados a enfrentar os habitantes da Caméria, que tentavam invadi-los, embora, uma vez mais, as tropas de Rómulo tenham conquistado a vitória. Tinham passado apenas dezasseis anos desde a fundação de Roma e, tal como sempre fizera, Rómulo transferiu os vencidos para a sua cidade, aumentando, desta forma, a sua população.
Nas décadas seguintes, Roma consolidou-se como uma povoação cada vez mais importante. O seu exército era já bastante numeroso e, uma vez mais, entrou em combate, primeiro contra as forças etruscas da cidade de Medullia e depois contra as de Veios, que, tentando travar a rápida expansão e influência do governo romano, mobilizaram-se contra a cidade. Mais uma vez, Rómulo triunfou em ambas as guerras e, finalmente, conseguiu que os etruscos assinassem um acordo de paz, através do qual cediam a Roma algumas terras situadas a sul do rio Tibre. Foi a última contenda em que interveio o seu fundador, que, a partir de então, arrebatado pelo poder, começou a comportar-se de forma altiva e distante, o que diminuiu a sua popularidade.
Pouco depois da morte do avô, Numitor, Rómulo proclamado rei de Alba Longa, deixou nas mãos dos romanos a eleição de um governador que deveria ser substituído todos os anos, mas que teria pouco poder de decisão, o que criou problemas para os cidadãos e colocou os senadores contra ele. A lenda diz que, no ano 716 a.C., ao passar revista ao seu exército, um eclipse escureceu o céu. Desencadearam-se terríveis trovões e furacões muito violentos, e quando a luz regressou, Rómulo desaparecera sem deixar rasto. Uns dias depois, um patrício jurou que Rómulo lhe tinha aparecido para o informar de que fora arrebatado pelos deuses e levado para o céu. Acreditaram nele e, a partir daquele momento, os romanos, chamando Quirino ao seu rei, consideraram-no um deus e edificaram em sua honra um templo numa das colinas de Roma, a que deram o nome de Quirinal. O mais provável, no entanto, é que, segundo conta Plutarco, alguns senadores tenham aproveitado aquela terrível tempestade para o assassinar e desmembrar o seu corpo, cujos restos mortais teriam sido dispersos. Rómulo tinha 54 anos. Tal como o seu irmão, morreu assassinado.
Texto publicado na "National Geographic" edição portuguesa, no di a 27 de outubro de 2021. Digitalizado, editado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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