12.13.2009

HISTÓRIA DA DECADÊNCIA DOS XHOSAS


Este episódio é considerado como uma das maiores manifestações de fanatismo religioso, fenômeno inédito em grupos que praticam o Animismo, que terminou com um suicídio coletivo, feito em nome da fé, e  que provocou a decadência de um povo.   
Nongqawuse (1841-1895)
Tudo começou em abril de 1856, quando a adolescente Nongqawuse (1841-1895), estava com sua amiga Nombanda caçando passarinhos num milharal, a margem do rio Gxara.
Quando bebia água em uma fonte, deparou com duas figuras misteriosas que se materializaram defronte dela e profetizaram dizendo que os Xhosas teriam que matar todo o seu gado e queimar as suas lavouras de milho e não plantar mais. Fazendo isto, todos os antigos chefes da tribo já falecidos seriam ressuscitados e em conjunto com os chefes atuais, expulsariam os colonizadores britânicos para fora do território.

Contou aos amigos o que tinha visto e ouvido e foi ridicularizada por eles. No outro dia, foi sozinha ao mesmo lugar, viu as personagens e ouviu novamente a mesma profecia.
Nongqawuse então relatou para o seu tio o 'sangoma' vidente (feiticeiro) Mhalakaza, o ocorrido e ele para averiguar foi com ela ao local do aparecimento das figuras misteriosas. Ele não chegou a ver, mas ouviu das personagens a mesma profecia relatada anteriormente pela sua sobrinha. Convencido do que ouviu e como tinha muito prestigio e credibilidade junto à tribo, se encarregou de levar a mensagem da profecia ao chefe Sahili (1820-1878).

Antes como era bom orador, pregou ao povo o que tinha ouvido e a população ficou perplexa, eufórica e extasiada com as informações. Sahili, ouvindo Mhalakaza, também foi convencido e ordenou a seus comandados para fazer a matança do gado e a destruir as plantações de milho.


A carne bovina e o milho eram a base alimentar da população.

Em 1855, um pouco antes das visões de Nongqawuse, noticias chegaram ao povo Xhosa sobre a guerra da Criméia (1853 a 1856), entre a Rússia e a coligação da Grã Bretanha, França, Áustria, Turquia e outros reinos europeus. Para os Xhosas, simplificando, era uma guerra da Rússia contra a Inglaterra. Os Xhosas tinham a esperança que os britânicos seriam derrotados pelos russos e assim fossem forçados a abandonar o seu domínio sobre o povo.

Esta expectativa juntou-se a profecia de Nongqawuse. Muitos crentes ficavam de vigília na praia olhando para o horizonte, para ver se estavam chegando os navios russos para libertá-los do domínio britânico.

Mhalakaza pregava que nada disto iria acontecer antes de 18 de fevereiro de 1857, dia de lua cheia e só depois, do cumprimento integral das exigências já conhecidas.

O missionário britânico Charles Brownlee, que vivia na região e era fluente na língua dos Xhosas, tentou dissuadi-los desta loucura, porém não foi ouvido. A população estava alucinada.

A operação de matança do gado e destruição da lavoura durou 15 meses e toda a população colaborou com muito entusiasmo. Calcula-se que entre 300 mil e 400 mil cabeças de gado foram exterminadas.

Muita carne foi desperdiçada e devorada pelas feras e abutres. Pela dificuldade de conservação já uma semana depois, o povo não tinha mais carne para comer.

No dia 31 de janeiro de 1857, cerca de 5.000 Xhosas se reuniram em Butteworth. O chefe Sahili estava presente no evento. Receberam nova mensagem de Mhalakaza ordenando que todas as famílias, quando fossem embora para as suas casas, deviam abater as vacas de leite que até então tinham sido preservadas para dar alimento para as crianças pequenas e que o couro fosse retirado e colocado nas portas para evitar a intensa e ofuscante luminosidade do dia da ressurreição dos antigos chefes e a chegada do gado novo, marcado para o dia 18 de fevereiro.

Fanáticos acreditavam terem visto os vultos e ouvido soldados russos marchando sobre o mar e os antepassados Xhosas chegando sobre a proteção de grandes guarda-sóis e até o tropel do novo gado que seria trazido por eles. Chegou o dia marcado para acontecer a profecia, foi um dia igual aos outros e nada aconteceu. A decepção da população foi deprimente, muitos choravam e lamentavam.
A esposa do missionário Charles Brownlee descreveu o que testemunhou naquele dia:

'One of the saddest sights was that of an old woman wizened with age, and doubly wrinkled by starvation, decked out with brass rings jingling on her withered arms and legs. They had kept on their ornaments hoping against hope, till too weak to remove them. As the sun set there was a silence across the land as of death. No children laughed and played, no cattle lowed, no sheep bleated, and no happy herdsmen laughed and joked with his friends at the end of a day's work.'
Com a decepção a população revoltou-se contra a profetisa e queria linchá-la. Ela conseguiu fugir para uma fazenda de um colono e protegida pelos soldados britânicos foi enviada para a ilha de Robben, onde permaneceu anônima durante dois anos. Depois voltou com nome falso para viver na cidade de Alexandria, na região oriental da colônia do Cabo, onde faleceu com 54 anos de idade.

Mais de 25.000 pessoas morreram de fome, inclusive o vidente Mhalakasa, e outros fugiram e refugiaram-se na região do Cabo. Os que ficaram, para prolongar a sobrevivência, chegaram a praticar até o canibalismo, onde as crianças da tribo eram abatidas para servir de alimento. A população que era de 105.000 pessoas caiu para 27.000 pessoas depois da tragédia.

Aproveitando da situação, Sir George Grey (1812-1898), governador britânico da Colônia do Cabo, depôs o chefe Sahili, prendeu os seus comandados e tomou posse das terras que era ocupada pelos Xhosas. Doou parte delas para os colonos britânicos e outra parte para seus aliados aborígenes de outras tribos inimigas dos Xhosas.

Observação: Xhosa é pronunciado 'côsah'


(Texto de Leopoldo Costa)

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